QUADRO HISTÓRICO DA MAÇONARIA EM 1822, NO RIO DE JANEIRO.

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Ir.´. William Almeida de Carvalho, M.´. M.´.
 (Documento do arquivo, presenteado pelo Ir.´. Kurt Proeber 
em forma de xerox do original – mantida a graphia da epocha)

(Extraido dos Annaes Maçonicos Fluminenses, Publicados em 1832)

* 1.ª Epoca *
Começou com o presente seculo a Maçonaria n’esta parte do novo mundo e posto que alguns maçons anteriormente houvessem, iniciados em paizes estrangeiros, contudo, elles viviam dispersos e não ousavam formar Loja, porque as suspeitosas autoridades os não poupariam a desgostos n’esse tempo, nem o fanatismo do povo deixaria de execral-os si rastreasse os seus trabalhos. Mas a civilisação foi aplainando todas estas difficuldades, até que no anno de 1800 cinco maçons d’esses dispersos formaram uma loja e começaram, com inviolável segredo a iniciar pessoas que gozavam de credito, instruidas e bem morigeradas. Esta primeira loja, que se chamou União, avultou logo em adeptos e como n’ella se encorporassem outros maçons que já então principiavam a trabalhar, em memoria de concordarem todos em fazer um só corpo para melhor se coadjuvarem, chamou-se desde logo Reunião.
Já os maçons fluminenses trabalhavam com alguma regularidade no antigo rito dos doze graos quando, feita a paz de Amiens, entrou n’este porto a corveta de guerra franceza Hydre com destino a ilha de Bourbon e porque Mr. Laurent e mais alguns officiaes eram maçons, pediram visitar a Loja e, cheios de admiração á vista do zêlo com que debaixo de tantos perigos se trabalhava, dera’n attestados do seu reconhecimento e acceitaram contentes a prancha que se lhes offereceu para filiarem á Loja /Reunião/ no circulo do Oriente da /Ilha de França/, o que se effectuou, recebendo-se d’ali, por intervenção do mesmo Mr. Laurent, a carta de Reconhecimento e Filiação, os Estatutos e Reguladores que se costumam dar em taes casos.
Poucos mezes depois, em 1804, appareceu vindo de Lisbôa um Delegado do Grande Oriente Luzitano com a Constituição e Regulamentos ali organisados, querendo, quasi por força, que a elles se submettesse a Loja /Reunião/.
Este procedimento um pouco aspero, unido á consideração de que a Constituição e Regulamentos, por muitos ponderosos motivos não convinham a maçons brazileiros, fez que se tomasse a resolução de enviar a Lisboa um dos irmãos da Loja para representar contra a imprudencia de tal Codigo e alcançar as modificações que se julgavam indispensaveis.
Entretanto, o Delegado do Grande Oriente Luzitano, sem estar por este accôrdo, cortou de todo a communicação com os maçons fluminenses; fundou logo duas Lojas ¾ /Constança /e /Philantropia ¾ /e lançou d’esta arte um pomo de discordia na familia maçonica, que muito desgostou aos membros, por todos os titulos respeitaveis, da Loja Brazileira /Reunião/.
Partiu o emissário para Lisboa em Maio de 1804 e tocando á Bahia em sua viagem, ahi teve o prazer de achar os maçons d’aquella cidade nos mesmos sentimentos que os do Rio. E porque soubessem qual era a sua missão, prometteram esperar o resultado d’ella para se decidirem, nunca abraçando o Codigo Maçonico Luzitano tal qual se lhes apresentava, porque tambem o consideravam enfermo dos mesmos principios por onde se regia a Metropole para com o Brazil, ainda sua colonia.
O Emissario nada pôde conseguir em Lisboa, porque a Grande Loja Luzitana parecia persuadir-se de ter já maçonicamente colonisado o Rio de Janeiro pela imprudente installação das duas Lojas em que só tinham vigor a sua Constituição e Regulamentos. Em Junho de 1805 o emissario deu contas em loja, do que se passara com o Grande Oriente Luzitano e foi em consequencia d’isso determinado que se celebrasse a festa maçonica de S. João e desde esse dia se suspendessem os trabalhos da Loja /Reunião/ até que melhor ensejo se offerecesse. Esta prudente determinação serviu também de acautelar alguns desaguisados que já iam tendo logar apezar mesmo de uma tal ou qual concordata, que as circumstancias do tempo obrigaram a fazer. Suspenderam-se os trabalhos da Loja Fluminense /Reunião/, mas tambem não puderam por muito tempo conservar-se as Lojas /Constança/ e/ Philantropia/, porque, entrando no vice-reinado o Conde de Arcos, inimigo jurado da Maçonaria, e com recommendações da Côrte para a perseguir, dissolveram-se os dous quadros e não houve por então mais trabalhos maçonicos.
* 2.ª Epoca *
No tempo que decorreu de 1810 até 1821 algumas Lojas existiram, mas tão ephemeras, que não merecem ser commemoradas.
Perseguidas pela policia, os seus membros mudando de logar a cada sessão e fazendo pesados sacrificios para trabalharem algumas vezes fóra do perigo de ser lobrigados pelos espiões do Governo, aborreciam-se de tantas fadigas, abafavam em quasi esquecimento o seu zelo e recolhiam-se ás suas casas para gosarem de algum repouso. D’estas Lojas a que por mais tempo persistiu, e de cujos trabalhos o Governo sabia por espiões que nas suas mesmas columnas se assentavam, foi a que se intitulava /S. João de Bragança/, onde gente grada, mas quasi toda da Côrte, se filiara. Este mesmo quadro, assim espiado e como que tolerado pelo Governo, não pôde por muito tempo escapar ao assombrado genio do Ministro de Estado Villa-Nova e foi bastante motivo para dissolver-se a barbara perseguição que em Lisboa fizera o Marquez de Campo Maior aos maçons lusitanos, da qual foi desgraçada victima, além de outros, o benemerito Gomes Freire. É notavel que os membros mais conspicuos da Loja /S. João de Bragança/ se não contentassem de ceder ás bravatas de Villa Nova, despersando-se com seus irmão n’esta época em que o primeiro movimento de Pernambuco em favor da Liberdade Brazileira deu argumentos a Villa Nova para persuadir ao Rei D. João VI que esmagasse os maçons como instrumentos de revoluções, sem se lembrar que elle mesmo Villa Nova as promovia querendo por meio da força comprimir o espirito dos Brazileiros já embebidos nos principios da Monarchia Constitucional representativa, que se tornara uma necessidade como depois se viu. Esses membros de /S. João de Bragança/ correram mui promptos ao Rei e a Villa Nova, em cuja presença humildes e como arrependidos abjuraram erros que não existiam e fizeram entrega de insignias e talvez papeis. Que não fizera este ministro fanatico de um Rei fraco contra o resto dos maçons, si n’esses papeis encontrasse provas de sua injusta suspeita! Tanto é verdade que os prejuizos cedem alguma vez á razão, mas sem por isso deixar a marcha de suas visões arbitrarias! Depois d’esta época e tomando já a Liberdade um vôo mais amplo, Mendes Vianna, organisou a Loja /Commercio e Artes/, fazendo entrar na sua fundação muitos membros da /Reunião/ que ainda se achavam dispersos e saudosos da fraternal amisade que sempre reinara n’este primeiro quadro.
Sem nunca se terem filiado n’essas Lojas que desappareciam apenas se installavam, prestaram-se contentes ao convite patriotico d’esse benemerito restaurador da Maçonaria Fluminense.
A idéa da Independecia do Brazil agitava já fortemente os espiritos; irritados os Brazileiros pelos imprudentes procedimentos do Congresso de Lisboa para com esta consideravel parte da Monarchia que aquelle Congresso Constituinte parecia desprezar ou maltratar, a cada disposição legislativa que envolvia desprezo ou sombra d’elle para com o Brazil, os corações de seus filhos pulavam indignados e anciavam por desfazer-se em acclamações de Independencia. Este fructo da nossa liberdade e civilisação já estava maduro, mas ninguem ousava colhel-o, porque a força das armas e leis de sangue cahiriam sobre os que isoladamente lhe lançassem mão. A Loja /Commercio e Artes/ estava florente e contava no seu gremio homens de saber, de bons costumes e de encendrado patriotismo. Houve então quem se lembrasse n’ella que devera a Maçonaria concorrer a dar uma regular direcção aos espiritos na causa da Independência que, apezar de ser opinião geral, podia ainda assim não ter os resultados felizes que teve, se lhe faltasse uma prudente direcção; o negocio não era facil com a presença da tropa lusitana e commandada por officiaes fanaticamente afferrados á politica da Metropole. Foi então que dous membros da antiga Loja /Reunião/, e dos seus fundadores, emprehenderam com seus escriptos illuminar os povos; o /Reverbero Constitucional Fluminense/ appareceu no dia 15 de Setembro de 1821 e sabe todo o Brazil os serviços que este periodico prestou á causa da Independencia e da Monarchia Constitucional Representativa que com enthusiasmo se jurara.
Como já fosse crescido o numero dos membros da Loja /Commercio e Artes/e todos os dias n’ella se filiassem os que ainda dispersos prezavam as virtudes maçonicas, fez-se uma Assembléia Geral e por votação se nomearam os membros que deviam formar a Grande Loja do Oriente do Brazil, e foi então elevado ao cargo de Grão Mestre o então Ministro de Estado José Bonifácio de Andrada. Quando se fez este acto, já o Governo sabia e de algum modo protegia os trabalhos maçonicos e já a commissão da Loja encarregada de organisar a Constituição Maçonica tinha apresentado á approvação geral grande parte dos seus trabalhos pelos quaes se foram regulando os actos subsequentes a esta primeira nomeação e installação do Grande Oriente do Brazil. Seguiu-se logo o dia de S.João d’esse anno de 1822 e em solemne reunião sortearam-se os maçons que deviam povoar mais dous quadros em que se dividiu a Loja /Commercio e Artes/, tomando esta o n. 1 em razão de sua antiguidade; formou-se o n.2 que se intitulou /União e Tranquilidade/ e o n. 3 que foi chamado /Esperança de Nitheroy/.
É publico o impulso que os maçons fluminenses então deram á causa e triumpho da Independencia do Brazil, mas cumpre saber-se como a má fé começou a solapar as bases de sua existencia, aproveitando até certo ponto os seus serviços e reservando para melhor occasião o descarregar sobre elles os terriveis golpes da mais execravel perfidia Os membros mais influentes do Governo e que tambem occupavam os primeiros cargos da Maçonaria, para os quaes não havia segredo algum, foram como viboras aquecidos nos seios de seus amigos, que bem depressa ferraram venenososos dentes nas suas entranhas. A ingratidão disfarçada, desde que o Principe Regente se iniciou maçon na Loja /Commercio e Arte/ e foi pouco tempo depois investido do cargo de Grão Mestre, facto este que sobremaneira irritou o primeiro nomeado e que chamou a mais obstinada perseguição sobre o irmão que em bôa fé e com vistas na maior prosperidade da Maçonaria e da Pátria, o propuzera; e tanto foi elle punido por esse erro (que se não perdôa a si mesmo) que pouco depois acclamando em Loja a esse ingrato Principe Imperador do Brazil, foi d’ahi a 60 dias, por sua mesma ordem, preso na estrada de Minas, onde fôra acclamal-o, expatriado e mettido em processo como republicano.
Parece que o Principe assim obsequiado quiz dar uma satisfação ao ministro apeado do Grão Mestrado, mas não cedendo deste cargo e sim descarregando a mais injusta perseguição sobre aquelle irmão que em muito bôa fé se lembrava de o acclamar.
Os factos, que se foram rapidamente succedendo, provam indubitavelmente que apenas as pessoas mais influentes do Governo conheceram que os intrepidos promotores da Independencia Brazileira no Rio de Janeiro assentavam esta grande obra na liberdade constitucional já plantada em quasi todos os corações, logo se conjuraram (talvez em virtude de convenções secretas que então se não podia rastrear) para se desfazerem dos maçons mais patrioticos e liberaes, quando já não fossem necessarios aos seus fins. O que se viu depois faz crer que os perseguidores da Maçonaria estavam loucamente persuadidos de que ao Brazil só bastava o Throno Imperial e que a Independecia desappareceria no momento em que os absolutistas de Portugal destruissem a Representação Nacional e a Constituição que já muito adiantada se achava; pelo menos, nenhum outro motivo explica o indigno procedimento que se teve para com os maçons, cuja liberalidade e brasileirismo não se podem occultar. O Governo fingia approvar as doutrinas constitucionaes que se emittiam aos povos pelo /Reverbero/; e entretanto os seus primeiros membros animavam e até redigiam o /Regulador/, que se publicou para contrastal-as e que por meio de portarias se recommendou ás autoridades das provincias, como fôra revellado na Assembléia Constituinte.
O Governo estava ao facto dos bons serviços dos maçons e aprovava tudo quanto se fazia em prol da Independencia e da acclamação do Imperador; e entretanto os seus principaes membros creavam uma nova Ordem, que chamaram /Apostolado/, e para a qual recrutavam d’entre os maçons os que julgavam mais aptos aos seus fins particulares, e tambem aquellas pessoas que pareciam não muito firmes nos principios constitucionaes.
A noticia d’esta nova creação deu rebate nas Lojas Maçonicas e fez nascer suspeitas que depois se realisaram.
Em vão representaram ellas que duas sociedades com diferentes Estatutos e Ritos produziriam quando menos, um ciume que embaraçaria a causa em que todos se deviam empenhar bem unidos; os autores do /Apostolado/, disfarçando sempre os seus negros planos e continuando a abraçar em amisade fraternal os que já estavam marcados para a mais revoltante perseguição, respondiam ás observações, que se lhes faziam que como os fins de uma e outra sociedade eram bons e os mesmos, nenhum motivo havia para desconfianças offensivas da bôa fé. Os maçons empenhavam-se em promover a acclamação do Imperador, não se forrando a fadigas e a grandes despezas, enviando de seu seio pessoas de creditos ás principaes provincias para que a acclamação em todas ellas se fizesse no dia 12 de Outubro, como em effeito se fez; e note-se que todas essas pessoas partiram autorisadas e mesmo recommendadas pelo Governo; entretanto, ainda bem não eram acabados os applausos d’esse acto, em que a Maçonaria teve tão grande parte, e já a intriga rompia o manto da dissimulação em que se envolvia no Cenaculo dos Apostolos da perfidia.
Os chefes do /Apostolado/ viram chegado o momento de rasgar a mascara, aterraram o povo embuindo-o com inventadas descobertas de negras e horrorosas conspirações contra a forma de Governo e contra a pessoa do Imperador, ha poucos dias acclamado por esses mesmos que agora (30 de Outubro) se apontavam como traidores. Fizeram mais: compraram e puzeram em campo gente desprezivel, a quem chamaram povo, para pediram, voz em grita, as cabeças dos que mais haviam servido a esses tigres refalsados e para requererem com assignaturas, colhidas em tabernas e cocheiras, a deportação e aspero castigo d’aquelles cujos nomes lhes eram dados pelos Apostolos. Fizeram mais: mandaram ás provincias prender como réos de alta traição os maçons enviados, como já se disse, algun dos quaes regressava contente do bom desempenho de sua missão, e que apezar d’isso foi alojado na fortaleza de Santa Cruz e d’ali embarcado dentro de poucos dias e com outros que já lá se achavam, e expulso para o Havre, sem processo, sem subsidio e quasi que sem tempo para o arranjarem por seus parentes e amigos. Fizeram mais: mandaram abrir devassa sobre o supposto crime de conspiração, que só se dava na perfidia de tão indignos irmãos. N’essa devassa em que apparecem as maiores monstruosidades forenses e em que a cada pagina respira o odio sanguinario dos que n’ella influiram, foram pronunciados muitos d’aquelles maçons que mais zelo mostraram pela Independencia do Brasil e acclamação do Imperador /Constitucional/, como bem se provou na defeza que apresentaram e que corre impressa igualmente com os mais notaveis depoimentos dos seus encarniçados inimigos e com as sentenças em que foram declarados, não criminosos e sim benemeritos da Patria.
No dia 29 de Outubro de 1822, dia de eterna vergonha para o Governo do Brazil d’aquella epoca, fecharam-se as Lojas e interromperam-se os trabalhos maçonicos pelos motivos apontados e sendo já reconhecido o Grande Oriente do Brazil pelos de França, Inglaterra e Estados Unidos, cujos Diplomas depois se receberam.
* 3.ª Epoca *
Quando o Imperador em fins do anno de 1823 se viu abalado em seu throno pela impolitica dissolução da Assembléa Constituinte e, quasi violentado, offereceu aos povos o projecto de Constituição que ainda d’essa vez atemperou a irritação das provincias desconfiadas por tão indigno procedimento, lembrou-se então que, se a Maçonaria se empenhasse por elle, como d’antes, o poderia segurar, recommendando aos povos o projecto de Constituição como iris de paz e penhor do seu liberalismo.
Alguns Maçons foram para esse fim chamados á Quinta da Bôa Vista (onde o Imperador armára uma loja em que trabalhava com os mais predilectos do seu gabinete) e sendo-lhes feita a proposta de persuadirem aos povos a prompta acceitação do projecto offerecido e isto com muitos protestos de amor a confraternidade Maçonica: apezar de já não estarem nem no governo, nem no Brazil, os principaes comperseguidores de seus irmãos, todavia, esses maçons convocados então tiveram bastante coragem para se negarem a uma commissão em que se não devia perceber mais do que um novo laço armado á sua bôa fé. A perseguição foi grande, e era recente, para não servir de lição importante aos que podiam ser ainda maltratados em recompensa de taes serviços.
No período decorrido desde este anno até o de 1831 pouco se trabalhou em lojas fóra do circulo do Grande Oriente Brasileiro, cujos trabalhos se achavam interrompidos. Alguns quadros se formaram, é verdade, nacionaes e estrangeiros, mas não prosperaram, tanto por lhes faltar o impulso de um centro maçonico, como porque eram sempre receiosos da perseguição de quem aborrecia a luz e a verdade, e que mais assanhado pela justa repulsa dos maçons, quando de novo os quizera interessar em seu particular serviço, de um para outro momento cahiria sobre elles com os mesmo horrores de 1822.
Aproximava-se enfim o dia da Regeneração Brazileira, e alguns maçons, aproveitando-se das disposições legislativas do Código Criminal, já mais doces a respeito de todas as sociedades, juntaram-se e converteram-se em um Grande Oriente, cuidando que o antigo de todo se extinguira, como si fosse possivel apagar-se o fogo maçonico nos corações bem formados em que uma vez se accendêra! Os membros do primeiro reconhecido Grande Oriente Brasileiro, vendo que os negocios da Patria, depois de 7 de abril, haviam tomado uma direcção mais liberal e por isso mesmo mais propicia aos trabalhos maçonicos, reuniram-se novamente (no mesmo mez e no mesmo dia 29 de Outubro, em que cheios de afflicções fecharam as portas do seu templo) e, transportados de jubilo, as abriram agora re-installando-se os tres primeiros quadros, dos quaes muitos membros e os principaes operarios ainda existiam, e compareceram ao primeiro aviso. Para que nada faltasse à legalidade desde acto juntaram-se em Grande Loja os primeiros officiaes da que fôra installada em 1822, e com elles o primeiro Grão Mestre nomeado, com determinação de servirem só até fazerem-se as novas eleições, concluida que fosse a Constituição do Grande Oriente Brazileiro; e no emtanto ficou regendo a de França, por consentimento do povo maçonico, na parte que podia ser applicada ao Brazil.
Um dos primeiros cuidados do reinstallado Grande Oriente Brazileiro foi logo publicar um manifesto aos maçons do Brasil e aos de todos os Orientes Estrangeiros, annunciando-lhes a renovação dos seus interrompidos trabalhos. Tambem convidou fraternalmente os membros do moderno Grande Oriente que no intervallo se havia installado (1829) a que se reunissem em um só circulo maçonico, para maior prosperidade da Ordem e perfeita harmonia entre todos os maçons brazileiros. É triste declarar que este convite foi rejeitado, prevalecendo sem dúvida um injusto capricho ao bem geral da Maçonaria. Mas ainda assim mesmo os maçons de um e outro Oriente têm sido assaz honrados para se conservarem divididos, sim, em differentes lojas, mas unidos em bom espirito e até fraternisando-se em suas visitas de uns e outros quadros.
Desde o acto de reinstallação do Grande Oriente Brazileiro os trabalhos maçonicos tomaram um impulso extraordinario. Muitas lojas d’aqui e das provincias se têm reunido debaixo dos seus auspicios. Muitos maçons dispersos têm vindo povoar as columnas de seus primeiros quadros, e muitos profanos se têm iniciado.
A regularidade nos trabalhos, a magnificencia das ceremonias, tanto festivas, como funebres, têm chegado a um ponto de perfeição que nunca aqui tiveram.
Sem se faltar á beneficencia para com os irmãos pobres, alguns dos quaes vivem com suas familias sustentados pelos maçons de seus respectivos quadros; além de subsidios feitos a estabelecimentos de caridade e de instrucção á mocidade indigente, um fundo se vae accumulando na caixa economica, conforme o que cada um dos quadros em cada mez póde forrar das suas mais urgentes despezas.
Um rico e magestoso templo, em que hoje trabalham as cinco lojas do circulo, estabelecidas na cidade, foi inaugurado com rito proprio maçonico e já uma Constituição se organisou e discutiu, que foi jurada no anniversario da reinstallação do Grande Oriente (29 de Outubro de 1832) e que tambem era o da suspensão de seus trabalhos, como fica dito.
Já no Perü chegou a noticia dos progressos da Maçonaria Brazileira.
Um plenipotenciario do Grande Oriente do Brasil alli estabelecido apresentou-se solemnemente pedindo o nosso reconhecimento e offerecendo o seu; a esta mensagem recebida com o /interesse proprio de maçons/, que amam diffundir a luz das virtudes por todo o mundo, deu principio a uma correspondencia que é gloriosa á Maçonaria em geral.
Falta ainda, e é preciso dizel-o, para complemento de tão excellente obra, que os dous Orientes que ora trabalham, cada umsobre si, fazendo um sacrificio de seus caprichos sobre o Altar da Maçonaria, se fundam em um só corpo responsavel e forte por suas luzes e virtudes.
Este pensamento não foi esquecido antes de se concluir a Constituição Maçonica que se jurára, porque de novo se tentou o congraçamento dos Orientes separados, offerecendo-se-artigos que não deveriam ser desprezados; mas nem assim a cadeia maçonica foi soldada, como se póde ver de uma franca exposição que corre impressa.
Si taes divisões são sempre prejudiciaes a uma Ordem cuja essencia é união e confraternidade, ellas se tornam tambem escandalosas em tempos em que a politica parece dividir os espiritos.
Si as virtudes que a Maçonaria recommenda como qualidades necessarias aos que se appellidam irmãos, filhos da luz e zeladores da verdade, são aptas para adoçar as paixões, acostumar ao trabalho e molhorar os costumes, ellas muito melhor se praticam reunindo-se as diversas lojas em uma só grande Familia e reguladas por uma só Constituição.
Si é em tempos de partidos perigosa qualquer divisão na sociedade, porque a intriga d’ella se aproveita para seus fins, tambem é n’esse tempo que mais se devem ligar os maçons para bem desempenharem os deveres de bom cidadão, velando em honra da Patria e confundindo os seus inimigos por um procedimento digno dos que têm ilustrado esta tão antiga quanto respeitavel Instituição.
Os maçons não se occupam de politica, é verdade, e bem punidos foram os de 1822 por se terem esquecido d’essa maxima observada em todos os seculos da Maçonaria, mas, como se não possa separar o caracter de bom maçon do de verdadeiro patriota, é preciso, para que se evite qualquer dezar a estes estabelecimentos de beneficencia e philantropia, que todos se liguem, se instruam e se auxiliaem até para que a intriga dos profanos se não introduza em seus quadros, abusando da boa concordia dos irmãos e comprometendo as santas inteções dos que só trabalham em prol da Humanidade e em glória do Supremo Architecto do Universo.
Não mencionamos n’este abreviado quadro histórico da Maçonaria a separação que fez do Grande Oriente a Loja /Segredo/, da qual já duas tambem se originaram (/Imparcialidade /e /Caridade/) para se reunirem ao verdadeiro centro porque é de esperar que cahindo na razão os principaes autores d’esse pequeno schisma procurem ainda concorrer ao bem geral da Ordem Maçonica, fechando os olhos a mal fundados caprichos em que só respira particular interesse.
O mesmo, com pouca differença, se pôde dizer a Loja /Educação e Moral/, do rito escossez.
Os motivos que dirigiram o seu fundador deviam irritar aos que lobrigaram por entre as boas intenções com que disfarçára uma desforra de queixa particular.
Mas as desavenças de irmãos acabam em abraços de reconciliação e talvez não esteja longe o dia em que todos os maçons brazileiros se liguem em uma só cadeia indisssoluvel, sem que alguns dos seus élos enfraqueça no exercicio d’aquellas virtudes que a Patria e a Maçonaria reclamam em beneficio da Humanidade.” 

* Lista dos Maçons deportados, processados e perseguidos no anno de 1822, sendo Ministro de Estado José Bonifácio de Andrada:
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/Luiz Pereira da Nobrega //¾ /Brigadeiro, Ministro da Guerra. Demitido logo depois da Acclamação, foi preso com grande apparato, recolhido á Santa Cruz e deportado para o Havre.
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/José Clemente Pereira //¾ /Desembargador, Juiz de Fóra e Presidente da Camara Municipal. Demitiu-se nos dias da intriga e recolheu-se ao seu engenho; de lá mesmo foi arrancado preso, recolhido s Santa Cruz e deportado para o Havre.
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/Januario da Cunha Barbosa //¾ /Sacerdote e professor publico de philosophia. Tinha ido á provincia de Minas Acclamar o Imperador, voltava d’alli concluido este serviço: em caminho e a 20 leguas da cidade de Outro Preto, foi preso por um official mandado da Côrte com essa commissã; recolhido a Santa Cruz e dentro em poucos dias deportado para o Havre com os dous antecedentes.
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/Joaquim Gonçalves Ledo/ ¾ Conselheiro pela provincia do Rio de Janeiro.
Foi grandemente perseguido mas escapou-se por entre muitos perigos e asylou-se em Buenos Ayres enquanto durou o Ministerio Andrada.
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/João Mendes Vianna/ ¾ Capitão do Corpo de Engenheiros. Tinha sido enviado a Pernambuco, onde muitos e bons serviços prestou á causa do Brazil e do Imperador. Foi alli perseguido por ordem do Ministerio, preso, remetido ao Rio de Janeiro, onde por muitos mezes foi conservado incommunicavel na fortaleza da Lage e em seu processo se procurou todo o meio de o perder.
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/Antonio João Lessa/ ¾ Sacerdote e fazendeiro. Escapou a milhares de perseguições e buscas, dormiu muitas vezes no matto desconfiado até de seus proprios escravos peitados para o entregarem, refugiou-se em Buenos Ayres, d’onde voltou com Ledo, acabada a perseguição ministerial.
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/João Soares Lisboa/ ¾ Redactor do /Correio/. Sofreu muitos incommodos.
Fugio tambem para Buenos Ayres. (Os escriptores liberaes foram os mais perseguidos).
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/Domingos Alves Branco Muniz Barreto.
João Fernandes Lopes.
Pedro José da Costa Barros.

Joaquim Valerio Tavares.
João da Rocha Pinto.
Thomas José Tinoco.
José Joaquim de Gouvêa.
Luiz Manoel Alves de Azevedo./
Todos estes maçons foram pronunciados na celebre devassa de que já se falou e corre impressa.

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