Cada Loja maçônica adquire ao longo do tempo, uma identidade própria, que a distingue, sem dificuldades, das restantes.
Essa identidade começa a construir-se pelas circunstâncias do seu aparecimento (Loja essencialmente com obreiros oriundos de outra Loja: decisão consensual ou conflitual?
Loja de caráter genérico ou Loja criada com um objetivo específico?
Loja criada a partir de um grupo coeso que se expandirá normalmente ou Loja de implantação numa zona, cujos fundadores a virão a abandonar quando estiver implantada e firme?
Prossegue com a forma como se relacionam os seus elementos (relações de amizade ou cordiais ou existência de tensões que vão sendo dirimidas e aplainadas?) e com a forma como é gerida a Loja e efetuadas as escolhas que tiverem de ser tomadas (Loja habitualmente coesa ou Loja com grupos estabelecidos que se vão confrontando e sucedendo nas tomadas de decisão)?
A forma como a Loja adquire e molda a sua identidade determina a sua maior ou menor aproximação ao arquétipo modelar de uma Loja maçônica: espaço de harmonia, de tolerância, de cooperação, de mútuo auxílio e propiciatório do crescimento e aperfeiçoamento individual de todos e cada um dos seus obreiros.
Não tenhamos ilusões: não há Lojas maçônicas perfeitas, tal como não há maçons perfeitos (se o fossem, não precisavam de se aperfeiçoar, logo não eram maçons…).
Mas cabe a cada maçom e a cada conjunto de obreiros agrupado numa Loja permanentemente trabalhar para que a sua Loja se aproxime o mais possível do desejado arquétipo.
Vários caminhos, várias formas, vários estilos podem ser e são utilizados nessa busca.
Não há fórmulas mágicas nem pretensas unicidades.
Cada Loja, em função da sua circunstância, vai adquirindo a sua identidade, estabelecendo a sua forma de trabalhar, o seu estilo de se gerir, a abordagem que mais lhe convém para melhorar e tornar melhores os seus obreiros. É isso que eu designo por identidade de cada Loja.
Essa identidade vai-se estabelecendo naturalmente, no bom, no assim-assim e no menos bom que ocorrer e gradualmente a Loja vai ganhando caraterísticas próprias, facilmente adotadas pelos seus obreiros e identificadas pelos seus visitantes.
Questão essencial para o estabelecimento da identidade de uma Loja é a da escolha da sua liderança.
A identidade da Loja deve assentar, quanto à escolha da sua liderança, em três vetores que lhe são essenciais:
1) Não há nela luta ou querela quanto à questão da sua liderança: ressalvada a ocorrência de (sempre possível) qualquer imponderável que o impeça, o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte.
Todos os anos a eleição do Venerável Mestre da Loja, é uma mera formalidade, escrupulosamente cumprida nos termos regulamentares!
Com este princípio identitário não se perde tempo em lutas estéreis, não se formam artificialmente grupos, não se estabelecem quezílias.
2) Cada Venerável Mestre é eleito para exercer um ano de mandato e depois dá lugar a outro.
O Regulamento Interno da Loja prevê a possibilidade uma (única) reeleição para um segundo mandato, por maioria qualificada. Mas esta é uma possibilidade ali colocada apenas em face da eventualidade de sobrevir um “dia de chuva” tal que nos obrigue a recorrer ao guarda-chuva de uma excecional reeleição.
O exercício do ofício de Venerável Mestre por um ano e basta tem duas evidentes vantagens: todos os obreiros interessados e intervenientes na Loja exercem, a seu tempo, o ofício de Venerável Mestre; não se sacrifica demasiado ninguém, pois, como todos os que se sentaram na Cadeira de Salomão sabem, exercer este ofício permite ao seu titular duas alegrias: a primeira quando é instalado para exercer o ofício, a segunda quando (finalmente, ao fim de um loooongo ano…) vê instalado o seu sucessor e é aliviado da responsabilidade de dirigir a Loja.
3) O Segundo Vigilante de um ano é o Primeiro Vigilante do ano seguinte.
Este princípio identitário é crucial, pois impede que se criem cliques de direção da Loja, impedindo o Venerável Mestre recém-eleito de ser ele a escolher o seu sucessor.
Com efeito, o Primeiro Vigilante é (ver princípio identitário 1) o sucessor natural do Venerável Mestre e, consequentemente, não deve ser por ele escolhido, ao contrário da esmagadora maioria dos demais Oficiais da Loja – as exceções são o Tesoureiro (eleito) e o Guarda Interno (que, salvo os inevitáveis imponderáveis é o Ex-Venerável do ano anterior).
O Venerável Mestre tem o dever de designar para Primeiro Vigilante o Segundo Vigilante do ano anterior, que foi escolhido para essa função pelo seu antecessor, com a expectativa do próprio, do Venerável Mestre que o nomeou e de toda a Loja, de ser no ano seguinte Primeiro Vigilante e , no subsequente, Venerável Mestre.
Assim não proceder, para além de ser uma condenável forma de se arrogar o direito de escolher o seu sucessor, seria uma tremenda falta de respeito pelo seu antecessor, uma forma de lhe dizer meu caro, foste um palerma, fizeste uma má escolha para Segundo Vigilante, eu é que vou ser o Cavaleiro Branco que vai emendar o teu erro e escolher o homem certo para o lugar certo…
O incumprimento deste princípio identitário da Loja abriria uma Caixa de Pandora de consequências imprevisíveis, correndo-se o risco de deitar a perder tudo o que a Loja foi e construiu ao longo de mais de um quarto de século: uma vez que alguém se arrogue o direito de escolher o seu sucessor (exceto quando o Segundo Vigilante, por qualquer razão, renuncie a exercer o ofício de Primeiro Vigilante – sucedeu recentemente e o problema resolveu-se aberta e consensualmente), cai pela base a confiança no princípio de que o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte e cai-se, para o futuro, na pura e dura pugna eleitoral.
A partir daí, a Loja não seria mais a mesma, teria perdido a sua identidade, deixava de ter a questão da escolha do seu líder como uma pacífica e natural sucessão de obreiros, passava a ter anualmente de resolver o problema de dirimir disputas eleitorais entre obreiros.
Estou há longos anos na Loja, há já um tempo significativo que vou escrevendo neste blogue, procuro deixar nele registrado os estudos para as Lojas, conhecimento do passado que serve de lição, guia e inspiração para o futuro. Mas nada na vida é eterno nem definitivo – um dia, não sei quando, necessariamente que deixarei de escrever aqui, inevitavelmente deixarei de estar numa Loja.
Por isso me apeteceu hoje deixar esta mensagem, este testemunho, para ilustração presente e para memória futura.
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