É salutar discorrermos um pouco sobre a razão.
Erroneamente a razão poderia ser entendida como contrária à intuição, sendo um erro bastante comum cometido pelos menos avisados.
A razão é a capacidade mental complementar da intuição. É sua irmã gemea, e a tolerância é a virtude que nos permite enxergar isso.
A razão é uma forma de saber classificadora que tem o poder de análise, isto é, tem o poder de dividir um assunto em muitas partes para melhor compreender sua natureza e suas relações. É a faculdade do raciocínio, do pensar, do especular e sistematizar conhecimentos.
Por outro lado, dizia Parménides (Eléia – séc. VI a. C.) a razão é o segundo e importantíssimo caminho da verdade.
A faculdade racional exorta a não se deixar enganar pelos nossos sentidos, que é o caminho do erro, contrapondo assim à verdade alcançada pela razão aos erros ocasionados pelos sentidos.
Devemos sim, confiar na poderosa virtude do raciocínio, porém a prudência não aconselha ter uma confiança ingénua e exclusivista, pois estaríamos mais uma vez criando mitos e dogmas supremos através de uma capacidade que, paradoxalmente, é o contraponto deste fenómeno. Ou seja, estaríamos endeusando a razão como única fonte de conhecimento.
Enfim, devemos fazer o uso crítico e construtivo da razão, a iluminadora faculdade que nos leva às descobertas, à aquisição da verdade e à sua determinação através da profunda decomposição de tudo em seus simples componentes e suas consequências.
Ao par disso, devemos buscar criar as condições propícias para o desenvolvimento da intuição, sistematizando e clarificando as revelações, para a perfeita consciência do homem.
Eis aqui um verdadeiro e fecundo ato de generosidade quando a razão valoriza o poder cognoscitivo da intuição: um enorme passo ao verdadeiro auto-mestrado.
Em nossa vida quotidiana usamos a palavra razão em muitos sentidos. Dizemos, por exemplo, “eu estou com a razão”, ou “ele não tem razão”, para significar que nos sentimos seguros de alguma coisa ou que sabemos com certeza alguma coisa. Também dizemos que, num momento de fúria ou de desespero, “alguém perde a razão”, como se a razão fosse alguma coisa que pode ter ou não ter, possuir e perder, ou recuperar, como na frase: “Agora ela está lúcida, recuperou a razão”.
Falamos também frases como: “Se você me disser suas razões, sou capaz de fazer o que você me pede”, querendo dizer com isso que queremos ouvir os motivos que alguém tem para querer ou fazer alguma coisa. Fazemos perguntas: “Qual a razão disso?”, querendo saber qual a causa de alguma coisa e, nesse caso, a razão parece ser alguma propriedade que as próprias coisas teriam, já que teriam uma causa.
Assim, usamos “razão” para nos referirmos a “motivos” de alguém, e também para nos referirmos a “causa” de alguma coisa, de modo que tanto nós quanto as coisas parecemos dotados de “razão”, mas em sentido diferente.
Esses poucos exemplos já nos mostram quantos sentidos diferentes a palavra razão possui: certeza, lucidez, motivo, causa. E todos esses sentidos encontram-se presentes na filosofia.
Por identificar razão e certeza, a Filosofia afirma que a verdade é racional; por identificar razão e lucidez (não ficar ou não estar louco), a Filosofia chama nossa razão de luz e luz natural; por identificar razão e motivo, por considerar que sempre agimos e falamos movidos por motivos, a Filosofia afirma que somos seres racionais e que nossa vontade é racional; por identificar razão e causa e por julgar que a realidade opera de acordo com relações causais, a Filosofia afirma que a realidade é racional.
É muito conhecida a célebre frase de Pascal, Filósofo do século XVII: “O coração tem razões que a razão desconhece”.
Nessa frase, as palavras razões e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas diversas. Razões são os motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração; este é o nome que damos para as emoções e paixões, enquanto “razão” é o nome que damos à consciência intelectual e moral.
Ao dizer que o coração tem suas próprias razões, Pascal está afirmando que as emoções, os sentimentos ou as paixões são causas de muito do que fazemos, dizemos, queremos e pensamos.
Ao dizer que a razão desconhece “as razões do coração”, Pascal está afirmando que a consciência intelectual e moral é diferente das paixões e dos sentimentos e que ela é capaz de uma actividade própria não motivada e causada pelas emoções, mas possuindo seus motivos ou suas próprias razões.
Assim, a frase de Pascal pode ser traduzida da seguinte maneira: Nossa vida emocional possui causas e motivos (as “razões do coração”), que são as paixões ou os sentimentos, e é diferente de nossa atividade consciente, seja como atividade intelectual, seja como atividade moral.
A consciência é a razão. Coração e razão, paixão e consciência intelectual ou moral são diferentes.
Se alguém “perde a razão” é porque está sendo arrastado pelas “razões do coração”.
Se alguém “recupera a razão’ é porque o conhecimento intelectual e a consciência moral se tornaram mais fortes do que as paixões.
A razão, enquanto consciência moral, é a vontade racional livre que não se deixa dominar pelos impulsos passionais, mas realiza as acções morais como actos de virtude e de dever, ditados pela inteligência ou pelo intelecto.
Além da frase de Pascal, também ouvimos outras que elogiam as ciências, dizendo que elas manifestam o “progresso da razão”. Aqui a razão é colocada como capacidade puramente intelectual para conseguir o conhecimento verdadeiro da Natureza, da sociedade, da História e isto é considerado algo bom, positivo, um “progresso”.
Por ser considerado um “progresso”, o conhecimento cientifico é visto como se realizando no tempo e como dotado de continuidade, de tal modo que a razão é concebida como temporal também, isto é, como capaz de aumentar seus conteúdos e suas capacidades através dos tempos.
Algumas vezes ouvimos um professor dizer a outro: ” Fulano trouxe um trabalho irracional; era um caos, uma confusão. Incompreensível. Já o trabalho de beltrano era uma beleza: claro, compreensível, racional”. Aqui, a razão, ou racional, significa clareza das ideias, ordem, resultado de esforço intelectual ou da inteligência, seguindo normas e regras de pensamentos e de linguagem.
Todos esses sentidos constituem a nossa ideia de razão. Nós a consideramos a consciência moral que observa as paixões, orienta a vontade e oferece finalidades éticas para a acção. Nós a vemos como actividades intelectual de conhecimento da realidade natural, social, psicológica, histórica. Nós a concebemos segundo o ideal da clareza, da ordenação e do rigor e precisão dos pensamentos e das palavras.
Para muitos Filósofos, porém, a razão não é apenas a capacidade moral e intelectual dos seres humanos, mas também uma propriedade ou qualidade primordial das próprias coisas, existindo na própria realidade. Para esses filósofos, nossa razão pode conhecer a realidade (Natureza, sociedade, História) porque ela é racional em si mesma.
Fala-se, portanto, em razão objetiva (a realidade é racional em si mesma) e em razão subjetiva (a razão é uma capacidade intelectual e moral dos seres humanos).
A razão objetiva é a afirmação de que o objecto do conhecimento ou a realidade é racional; a razão subjectiva é a afirmação de que o sujeito do conhecimento e da acção é racional.
Para muitos Filósofos, a Filosofia é o momento do encontro, do acordo e da harmonia entre as duas razões ou racionalidade.
ORIGEM DA PALAVRA RAZÃO
Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratio e a palavra grega logos. Essas duas palavras são substantivos derivados de dois verbos que têm um sentido muito parecido em latim e em grego.
Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular.
Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado.
E de que meios usamos para essas ações? Usamos palavras (mesmo quando usamos números estamos usando palavras, sobretudo os gregos e os romanos, que usavam letras para indicar números).
Por isso, logos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros.
Assim, na origem, razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correcta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível.
É, também, a confiança de que podemos ordenar e organizar as coisas porque são organizáveis, ordenáveis, compreensíveis nelas mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais.
Desde o começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela fosse considerada oposta a quatro outras atitudes mentais:
- ao conhecimento ilusório, isto é, ao conhecimento da mera aparência das coisas que não alcança a realidade ou a verdade delas; para a razão, a ilusão provém de nossos costumes, de nossos preconceitos, da aceitação imediata das coisas tais como aparecem e tais como parecem ser. As ilusões criam as opiniões que variam de pessoa para pessoa e de sociedade para sociedade. A razão opõe-se à mera opinião;
- às emoções, aos sentimentos, às paixões, que são cegas, caóticas, desordenadas, contrárias umas às outras, ora dizendo ” sim” a alguma coisa, ora dizendo “não” a essa mesma coisa, como se não soubéssemos o que queremos e o que as coisas são. A razão é vista como actividade ou acção (intelectual e da verdade) oposta à paixão ou à passividade emocional;
- à crença religiosa, pois, nesta, a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina, não dependendo do trabalho de conhecimento realizado pela nossa inteligência ou pelo nosso intelecto. A razão é oposta à verdade e por isso os filósofos cristão distinguem a luz natural – a razão – da luz sobrenatural – revelação;
- ao êxtase místico, no qual o espírito mergulha nas profundezas do divino e participa dele, sem qualquer intervenção do intelecto ou da inteligência, nem da vontade. Pelo contrário, o êxtase místico exige um estado de abandono, de rompimento com a actividade intelectual e com a vontade, um rompimento com o estado consciente, para entregar-se à fruição do abismo infinito. A razão ou consciência se opõe à inconsciência do êxtase.
OS PRINCÍPIOS RACIONAIS
Desde seus começos, A Filosofia considerou que a razão opera seguindo certos princípios que ela própria estabelece e que estão em concordância com a própria realidade, mesmo quando os empregamos sem conhecê-los explicitamente. Ou seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou leis fundamentais, que respeitamos até mesmo quando não conhecemos directamente quais são e o que são. Nós as respeitamos porque somos seres racionais e porque são princípios que garantem que a realidade é racional.
Que princípios são esses? São eles:
Princípios da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é , é”. O princípio da identidade é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma acção), só
pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com a sua identidade.
pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com a sua identidade.
Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três lados e de três ângulos, não só nenhuma outra figura que não tenha esse número de lados e de ângulo poderá ser chamada de triângulo, só poderão ser demonstrados se, a cada vez que ele disser “triângulo”, soubermos a qual ser ou a qual coisa ele está se referindo. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhece-las a partir das suas definições.
Princípio da não-contradição (também conhecido como princípio da contradição), cujo enunciado é: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”. Assim, é impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja uma mangueira; que o cachorrinho de dona Filomena seja e não seja branco; que o triângulo tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja mortal; que o vermelho seja e não seja vermelho, etc.
Sem o princípio da não-contradição, o princípio da identidade não poderia funcionar. O princípio da não-contradição afirma que uma coisa ou uma ideia que se negam a si mesma se autodestroem, desaparecem, deixam de existir. Afirma, também, que as coisas e as ideias contraditórias são impensáveis e impossíveis.
Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é Platão ou não é Platão’. Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um dilema – “ou isto ou aquilo” – e exige que apenas uma das alternativas seja verdadeira.
Mesmo quando temos, por exemplo, um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas entre duas opções – “ou está certo ou está errado”- e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa, pois, entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada.
Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio da causalidade para indicar que a razão afirma a existência de relação ou conexões internas entre as coisas, entre factos, ou entre acções e acontecimentos. Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também: “Dado B, necessariamente houve A”.
Isso não significa que a razão não admita o caso ou acções e factos acidentais, mas sim que ela procura, mesmo para o caso e para o acidente, uma causa. A diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa casual ou acidental está em que a primeira se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa acidental ou casual só vale para aquele caso particular, para aquela situação específica, não podendo ser generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes, pois, justamente, o caso ou a situação são únicos.
A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal (válido para todos os tempos e lugares) da guerra e a guerra é a causa necessária e universal da morte de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que esta ou aquela guerra aconteçam. Mas, se uma guerra acontecer, terá necessariamente como efeito mortes. Mas as causas dessa guerra são somente as dessa guerra e de nenhuma outra.
Diferentemente desse caos, o princípio da razão suficiente está vigorando plenamente quando, por exemplo, Galileu demonstrou as leis universais do movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo.
Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da razão apresentam algumas características importantes:
- não possuem um conteúdo determinado, pois são formas: indicam como as coisas devem ser e como devemos pensar, mas não nosdizem quais coisas são, nem quais os conteúdos que devemos ou vamos pensar;
- possuem validade universal, isto é, onde houver razão (nos seres humanos e nas coisas, nos factos e nos acontecimentos), em todo o tempo e em todo lugar, tais princípio são verdadeiros e empregados por todos (os humanos) e obedecidos por todos (coisas, factos, acontecimentos);
- são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento e para a vontade, indispensáveis para as coisas, os factos e os acontecimentos. Indicam que algo é assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa: é impossível que não seja dessa maneira e que pudesse ser outra.
AMPLIANDO A NOSSA IDÉIA DE RAZÃO
A ideia de razão que apresentamos até aqui e que constitui o ideal de racionalidade criado pela sociedade europeia ocidental sofreu alguns abalos profundos desde o início do século XX.
Aqui, vamos apenas oferecer alguns exemplos dos problemas que a Filosofia precisou enfrentar e que levaram a uma ampliação da ideia da razão.
Um primeiro abalo veio das ciências da natureza ou, mais precisamente, da física e atingiu o princípio da terceiro-excluído. A física da luz (ou óptica) descobriu que a luz tanto pode ser explicada por ondas luminosas quando por partículas descontínuas. Isso significou que já não se podia dizer: “ou a luz se propaga por ondas contínuas ou se propaga por partículas descontínuas”, como exigiria o princípio do terceiro-excluído, mas sim que a luz pode propagar-se tanto de uma maneira como de outra.
Por sua vez, a física atômica ou quântica abalou o princípio da razão suficiente. Vimos que esse princípio afirma que, conhecido A, posso determinar como dele necessariamente resultará B, ou, conhecido B, posso determinar necessariamente como era o que causou. Em outras palavras, conhecido o estado E de um fenómeno, posso deduzir como será o estado E2 ou E3 e vice-versa: conhecidos E3 e E2 posso dizer como era o estado E. Ora, a física dos átomos revelou que isso não é possível, que não podemos saber as razões pelas quais os átomos se movimentam, nem sua velocidade e direcção, nem efeitos que produzirão.
Esses dois problemas levaram a introduzir um novo princípio racional na Natureza: o princípio da indeterminação.
Assim o princípio da razão suficiente é válido para os fenómenos macroscópicos, enquanto princípio da indeterminação é válido para os fenómenos em escala hiper-microscópica.
Um outro problema veio abalar o princípio da identidade e da não-contradição. A física sempre considerou que a Natureza obedece às leis universais da razão objectiva sem depender da razão subjectiva. Em outras palavras, as leis da Natureza existem por si mesma, são necessárias e universais por si mesma e não dependem do sujeito do conhecimento.
Contudo, a teoria da relatividade mostrou que as leis da Natureza dependem da posição ocupada pelo observador, isto é, pelo sujeito do conhecimento e, portanto, para um observador situado fora de nosso sistema planetário, a Natureza poderá seguir leis completamente diferentes, de tal modo que, por exemplo, o que é o espaço e o tempo para nós poderá não ser para outros seres (se existirem) da galáxia; a geometria que seguimos pode não ser contraditória para nós poderá não ser para habitantes de outra galáxia e assim por diante.
Um outro problema, também atingindo os princípios da razão, foi trazido pela lógica. O lógico alemão Frege apresentou o seguinte problema: quando digo “a estrela da manhã é a estrela da tarde” estou caindo em contradição e perdendo o princípio da identidade. No entanto, “estrela da manhã” é o planeta Vênus e “estrela da tarde” também é o planeta Vênus; dessa perspectiva, não há contradição alguma no que digo.
É preciso, então, distinguir em nosso pensamento e em nossa linguagem três níveis: o objeto a que nós nos referimos, os enunciados que empregamos e o sentido desses enunciados em sua relação como o objeto referido. Somente dessa maneira podemos manter a racionalidade dos princípios da identidade, da não-contradição e do terceiro-excluído.
Enfim, um outro tipo de problema foi trazido com o desenvolvimento dos estudos da antropologia, que mostram como outras culturas podem oferecer uma concepção muito diferente da que estamos acostumados sobre o pensamento e a realidade. Isso não significa, como imaginaram durante séculos os colonizadores, que tais culturas ou sociedades sejam irracionais ou pré-racionais, e sim que possuem uma outra ideia do conhecimento e outro critérios para a explicação da realidade.
Como a palavra razão é europeia e ocidental, parece difícil falarmos numa outra razão, que seria própria de outros povos e culturas. No entanto, o que os estudos antropológicos mostram é que precisamos reconhecer a “nossa razão” e a “razão deles”, que se trata de uma outra razão e não da mesma razão em diferentes graus de uma única evolução.
Indeterminação da Natureza, pluralidade de enunciados para um mesmo objecto, pluralidade e diferenciação das culturas foram alguns dos problemas que abalam a razão, no século XX. A esse abalo devemos acrescentar dois outros. O primeiro deles foi trazido por um não-filósofo, Marx, quando introduzir a nação de ideologia; o segundo também foi trazido por um não-filósofo, Freud, quando introduzir o conceito de inconsciente.
A noção de ideologia veio mostrar que as teorias e os sistemas filósofos ou científicos, aparentemente rigorosos e verdadeiros, escondiam a realidade social, económica e política, e que a razão, em lugar de ser a busca e conhecimento da verdade, poderia ser um poderoso instrumento de dissimulação da realidade, a serviço da exploração e da dominação dos homens sobre seus semelhantes. A razão seria um instrumento da falsificação da realidade e de produção de ilusões pelas quais uma parte de gênero humano se deixa oprimir pela outra.
A noção de inconsciente, por sua vez, revelou que a razão é muito menos poderosa do que a Filosofia imaginava, pois nossa consciência é, em grande parte, dirigida e controlada por forças profundas e desconhecidas que permanecem inconscientes e jamais se tornarão plenamente conscientes e racionais. A razão e loucura fazem parte de nossa estrutura mental e de nossas vidas e, muitas vezes, como por exemplo no fenômeno do nazismo, a razão é louca e destrutiva.
Fatos como esses – as descobertas na física, na lógica, na antropologia, na história, na psicanálise – levaram o filósofo francês Merleau-Ponty a dizer que uma das tarefas mais importantes da Filosofia contemporânea deveria ser a de encontrar uma nova ideia da razão, uma razão alargada, na qual pudessem entrar os princípios da racionalidade definidos por outras culturas e encontrados pelas descobertas científicas.
Esse alargamento é duplamente necessário e importante.
Em primeiro lugar, porque ele exprime a luta contra o colonialismo e contra o etnocentrismo – isto é, contra a visão de que a “nossa” razão e a “nossa” cultura são superiores e melhores do que as dos outros povos.
Em segundo lugar, porque a razão estaria destinada ao fracasso se não fosse capaz de oferecer para si mesma novos princípios exigidos pelo seu próprio trabalho racional de conhecimento.
Texto de Autor Desconhecido
BIBLIOGRAFIA
- Livro: A Razão
- Editora: Aticá
- Autora: Marilena Chauí
- Professora e doutora em Filosofia da USP
- Livro: Intuição & Maçonaria
- Editora: Maçónica “A Trolha” Lda.
- Autor: I:. Fernando César Gregório
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