Maçonaria e as ditaduras.
Uma questão importante para se refletir aqui, antes de abordarmos como se deu a relação ou que tipo de relação existiu entre a maçonaria brasileira e a Ditadura Civil Militar estabelecida a partir de março/abril de 1964, é: a relação da maçonaria enquanto instituição com regimes ditatoriais de uma forma geral, em especial a partir de sua fase denominada como maçonaria especulativa ou filosófica.
Do ponto de vista filosófico, ao longo da história da fraternidade maçônica percebemos uma incompatibilidade entre os valores propagados pela instituição e o exercício do poder pela ou através da força.
É reconhecida historicamente a ligação existente entre ideias maçônicas e as ideias iluministas.
Estas, se encontram no processo revolucionário francês, onde foram colocadas em prática.
Caracterizadas pela defesa dos ideais burgueses de liberdade, representatividade política, divisão dos poderes para se evitar exageros cometidos pelo Estado, entre outros. Desta forma, a maçonaria se tornou alvo das perseguições de governos absolutistas na Europa, ao mesmo tempo em que criticava de forma contundente os governos despóticos:
Com maior ou menor intensidade, as diferentes maçonarias desempenharam um papel significativo no quadro das revoluções nacionais da segunda metade do século XVIII e começo do século XIX.
Por exemplo, nos anos que precederam a Revolução Francesa (1789 - 1799), que gerou o ocaso do Antigo Regime, verificou-se um crescimento considerável do número de lojas em todo território francês. Muito embora houvesse maçons em ambos os lados do campo de batalha, isto é, entre os revolucionários franceses e os tradicionais aliados da monarquia absoluta, a expansão da atividade maçônica reflete bem sua participação no processo revolucionário à medida que as lojas transformavam-se em espaços propícios à discussão e à divulgação de ideias. (MOREL; SOUZA, 2008, p.43).
Encontramos assim, dentro do arcabouço maçônico, a defesa de virtudes que servem de base para a sociedade contemporânea.
Seja na Europa na luta contra o absolutismo, seja nos Estados Unidos resistindo ao império britânico ou no processo de emancipação das colônias espanholas, percebemos claramente a penetração do pensamento iluminista que convergia com o da maçonaria.
No Brasil, durante os sete primeiros anos do governo Vargas (1930-1937) as lojas maçônicas continuaram na legalidade, apesar de ainda no período constitucional, de 1934 em diante, os maçons terem sofridos duros ataques de católicos e integralistas.
Ao mesmo tempo, em outros países com governos fascistas e socialistas, a instituição era igualmente perseguida.
Com o Estado Novo (1937-1945) foi decretado o fechamento das lojas maçônicas, mesmo com o apoio declarado da instituição ao regime (MOREL; SOUZA, 2008, p.212).
Para as atividades maçônicas em Senador Pompeu, este período é de grande importância pois corresponde aos primeiros anos de atuação, pois a fundação da Loja "Deus e Caridade", Nº9, ocorreu em 26/12/1933 e sua carta constitutiva é de 20/01/1934 (SILVA, 2007, p. 44). Entretanto, poucos anos depois de sua fundação e instalação, houve um recesso em seus trabalhos por determinação a nível nacional do presidente da república Getúlio Vargas e a loja fica "adormecida".
Este período, de acordo com relato de maçons e documentos disponíveis, é o único em que houve a proibição das atividades maçônicas durante toda a história da loja maçônica Deus e Caridade, Nº9, desde sua fundação aos dias atuais. (CASTELLANI; CARVALHO, 2009, p.211)
Destacam que embora houvesse impedimento por decreto presidencial para o funcionamento das lojas maçônicas no Brasil, muitas lojas continuaram a desenvolver seus trabalhos.
Percebemos em nossa pesquisa de campo e análise de documentos da própria instituição que as atividades maçônicas em Senador Pompeu não estavam completamente suspensas pois existem membros da loja “Deus e Caridade”, Nº9, que iniciaram na instituição no período em que oficialmente não deveria está funcionando.
Não podemos deixar de destacar que historicamente no Brasil a maçonaria está alinhada aos interesses das elites e sempre buscou preservar uma posição privilegiada da instituição em relação aos governos constituídos.
Mas é claramente neste período que seus posicionamentos vão cada vez mais se distanciar de valores, que marcam a história da própria instituição maçônica, como a liberdade de consciência e expressão.
Fato que vai ser ainda mais nítido no período que antecede o golpe de 1964 e durante os anos da Ditadura Civil-Militar.
A desestabilização do governo Goulart.
Em março de 1964 é consumado o golpe de Estado civil-militar que derrubou o governo de João Goulart. Entretanto, a explicação não está simplesmente no fato em si, é necessária uma análise do momento que precede a intervenção militar.
Aproveitamos para ressaltar desta forma que inúmeros são e podem ser os olhares sobre este evento. Compartilhamos da ideia de que o evento liderado pelos militares é o resultado de uma construção ideológica das classes conservadoras da sociedade brasileira, constituindo uma aliança civil-militar. Esta tinha como objetivo desgastar o governo "Jango".
No centro desta construção de insustentabilidade do governo de João Goulart estava a radicalização das esquerdas desagradadas pela tentativa de uma política conciliatória do governo e a atuação de grupos de direita como o IPES: Grupos políticos empresariais e militares articulavam-se em instituições para conspirarem contra o governo de maneira mais organizada.
A primeira delas foi o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, o IPES.
Fundado no início de 1962, inicialmente publicava livretos, patrocinava palestras, financiava viagens de estudantes aos Estados Unidos e ajudava a sustentar organizações estudantis, femininas e operárias conservadoras.
Em fins do mesmo ano, grupos mais conservadores e anticomunistas reorientaram o órgão no sentido de derrubar o governo. (FERREIRA, 2013, p. 359).
Notamos a atuação de outra importante instituição, de cunho conservador, nesse contexto, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD.
Continua:
Outra organização era o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD, igualmente sob orientação da CIA, subvencionou diretamente candidaturas conservadoras nas eleições de 1962, todas comprometidas em defender o capital estrangeiro, condenar a reforma agrária e recusar a política externa independente. (FERREIRA, 2013. p.360).
Notamos no trecho acima a preocupação do governo norte-americano nos rumos da política brasileira. João Goulart assume a presidência do Brasil após a renúncia de Jânio Quadros em 1961. Entretanto o contexto em que se torna presidente é marcado de pressões políticas, econômicas e sociais.
O maçom Antonio Lisboa ao ser perguntado sobre se havia caos e desordem na sociedade brasileira antes de 1964, relata o seguinte:
Eu não diria desordem e caos, eu diria que o país era muito mal administrado, entendeu?
E que o regime militar foi uma necessidade, porque o país era mal administrado, não se confiava no Jango, houve o plebiscito para implantar o regime parlamentarista, criar um regime totalmente diferente da democracia, no meu entender foi necessário um regime militar, não existia esse caos, mas o país estava sendo mal administrado, foi necessário uma intervenção militar no período para colocar o país nos trilhos, o povo acha que não, acham que foi uma retomada do poder, como se fosse uma pirataria, como se os piratas invadisse, mas não foi, foi uma necessidade e quando os militares entregaram o país, entregou mais ou menos nos trilhos. (informação verbal).
Embora, no primeiro momento, o entrevistado não queira utilizar o termo caos e desordem, ele defendeu a intervenção militar como necessária para se colocar o país "nos trilhos", e que através desta intervenção os militares colocaram o país no “rumo certo”.
Desta forma, para o entrevistado a intervenção dos militares se justificaria na "má administração" do governo. Ressalto também quando o entrevistado fala "não se confiava no Jango", pois a partir do programa de reformas de base, João Goulart era visto com desconfiança sobretudo pela classe burguesa que acusava o presidente de comunista, embora as forças de esquerda tivessem inúmeras desavenças com o governo federal.
É ainda lembrado pelo o entrevistado o período em que o Brasil passou pelo sistema parlamentarista, que não foi implantado por um plebiscito, como ele informou, mas sim o presidencialismo que retornou em 1963.
Quando o presidente Jânio Quadros renunciou ao seu mandato em 1961, houve grande agitação política, pois, as classes mais conservadoras não desejavam que o então vice-presidente João Goulart assumisse a presidência. O caminho encontrado para manter constitucionalidade foi a implantação do parlamentarismo, onde o presidente João Goulart teria o seu poder controlado pelo Congresso.
No dia 7 de setembro de 1961, João Goulart tomou posse no Congresso Nacional em clima de grande entusiasmo, apesar de assumir o poder em uma conjuntura muito difícil.
Saiu do país como vice e voltou como presidente, sem mesmo saber se assumiria.
Nem tempo para o necessário planejamento de seu governo encontrou.
Tornou-se presidente da República sob gravíssima crise militar, com as contas públicas descontroladas, tendo que administrar um país endividado interna e externamente, além de delicada situação política.
Ainda mais grave, Goulart não tinha como implementar seus projetos reformistas.
O sistema parlamentarista, implantado às pressas, visava, na verdade, impedir que ele exercesse seus poderes.
Sob um parlamentarismo "híbrido", o governo não tinha instrumentos que dessem a ele eficiência e agilidade.
Tratou-se de uma solução que resultou de uma ampla coalizão para impedir o golpe militar, isolando os grupos civis e militares que não se conformaram com sua posse, garantindo, assim, as instituições democráticas. (FERREIRA, 2013, p.348).
O período que antecede a Ditadura Civil-Militar é bastante instável, devido ao choque de interesses entres os diversos atores, grupos e partidos políticos que entraram em rota de colisão nesta época.
O ápice deste conflito é a deflagração do golpe civilmilitar no governo do então presidente João Goulart, o "Jango", que estava no centro da discussão entre radicais de esquerda, partidos de centro e conservadores de direita.
Por último, é interessante ressaltar que o discurso de que o Brasil na época estava mal administrado, reforça a ideia de alguns historiadores que dão uma explicação mais tradicional e personificada para os acontecimentos iniciados em março/abril 1964:
Comecemos por aqueles que preferem personalizar a História. Para a direita civil-militar que tomou o poder em 1964, Goulart era um demagogo, corrupto, inepto e influenciado por comunistas. Motivos suficientes, portanto, para o golpe de Estado. Para as esquerdas revolucionárias e a ortodoxia marxistaleninista, o presidente era um líder burguês de massa, uma liderança cuja a origem de classe marcou seu comportamento dúbio e vacilante, com vocação inequívoca para trair a classe trabalhadora.
Portanto, sua origem de classe teria permitido o golpe. Além disso, segundo muitas interpretações, incluindo a de diversos historiadores, um consenso: tratava-se de um "populista".
Nas palavras de Thomas Skidmore, aliás, "um populista de pouco talento" (1969, p.238).
Nesse caso, portanto, direitas, esquerdas e liberais se unem em uma mesma explicação: o comportamento, a personalidade e a incapacidade política de um único indivíduo atuaram como fatores decisivos, se não determinantes, para o golpe.
Assim, em uma análise tradicional, superada na historiografia e teoricamente inaceitável, o regime instaurado em março de 1964 que, durante duas décadas, mudou a face do país, gerando um processo político, econômico, social e cultural de grandes proporções, teria ocorrido devido à falta de talento de um único indivíduo. (FERREIRA, 2013, p.345- 346).
É importante destacar que o golpe de 1964 é uma obra desenvolvida dentro de um contexto onde atuaram vários grupos motivados por interesses diferentes e muitas vezes conflitantes.
O entrevistado Murilo Correia Pinho quando perguntado como era antes da Ditadura Civil-Militar relata o seguinte:
Antes do regime militar havia aquela liberdade, que todo mundo tinha, mas a gente era muito jovem, a gente lembra mais da época depois do regime, porque foi o que chamou atenção, né?
Naquele tempo a gente era muito jovem, a gente vivia aquela vida da gente mesmo, ninguém nem observava tal coisa, mas no regime não tinha os escândalos que a gente vê hoje, eu no meu modo de pensar, poderia existir outro regime militar, em virtude da desmoralização que existe no país hoje. (informação verbal).
Mesmo não relatando sobre como seria antes do Ditadura Civil-Militar, ressalta que por ser jovem à época não estava muito atento às questões políticas (É importante destacar que para iniciar na maçonaria o candidato deve ter 21 anos ou mais). O entrevistado enfatiza o maior controle das autoridades perante a sociedade durante o período ditadura e que não tinham tantos escândalos como na atualidade, aqui o Regime Militar aparece justificado segundo o entrevistado existia uma maior “moralização”.
Desta forma, segundo o entrevistado “poderia existir outro regime militar", uma nova intervenção dos militares por conta da “desmoralização” que existe hoje no Brasil(é importante lembrar que são inúmeros os casos de corrupção durante a ditadura e que a corrupção é um forte legado deste período, o que não quer dizer que não tivesse corrupção anterior ao golpe).
Resposta parecida dá o entrevistado Antonio de Gois, quando perguntado sobre o mesmo assunto, responde "A gente sempre ouvia comentários sobre isso, apesar da época ser muito novo, quando a gente é novo muitas vezes se desliga desse tipo de coisa, com o amadurecimento é que vamos nos preocupando com isso".4 O entrevistado atribui à pouca lembrança do período que antecede a Ditadura Civil-Militar à idade que tinha naquele período. Neste caso, é difícil precisar até que ponto o entrevistado está alheio ao assunto por conta da juventude ou prefere silenciar suas memórias.
A Ditadura Civil-Militar na visão maçônica.
Quando o maçom Antonio de Gois é perguntado sobre se haveria alguma recomendação oficial da maçonaria, responde "não, não é do meu conhecimento", parecido com a resposta do maçom Murilo Correia Pinho que diz "Eu não tenho conhecimento, eu não tenho conhecimento".
O entrevistado Antonio Lisboa quando perguntado sobre o mesmo assunto, afirma:
Não, eu não conheci, é que aqui na loja não se falava muito nisso, no Regime Militar se calava bico, né? Como se fala na gíria, no regime não se falava nem a favor nem contra, só se cumpria. E que por sinal é possível que por um prisma talvez já seja necessário um regime militar, um exemplo, deixe eu dar um exemplo, a ordem, a segurança.
No regime militar não existia desordem, não existia insegurança, agora por outro lado que o progresso foi assustador, o dinâmico demais, o Brasil hoje está entre as maiores potências do mundo, mas está faltando a segurança e a ordem, o regime democrático não tem essa força, o regime militar tinha, muito embora ele esteja fazendo muito para mudar isso, por exemplo a ocupação do Rio de Janeiro, colocou-se o exército, a marinha e a aeronáutica tudo em cima lá, também não tá ao bel prazer deles, está sendo combatido, mas nunca como no regime militar, é possível que no regime militar fosse mais fácil, porque era menor, o problema era bem menor, o país tinha 90 milhões de habitantes, hoje tem quase 200 milhões, não é verdade? Aí estamos tendo essa dificuldade (informação verbal).
O entrevistado diz que desconhece se havia alguma recomendação oficial em relação ao governo militar, mas ressalta que se evitava falar sobre o regime dentro da loja maçônica e relata que na época não se questionava ordens dos militares.
É ainda enfatizado pelo entrevistado que, do ponto de vista da "ordem" e da "segurança", o Regime Militar é justificado por ser "mais forte" que o modelo democrático.
O entrevistado admite, neste trecho da entrevista, o caráter repressor dos governos militares, quando lembra que na época deveria silenciar-se sobre determinados assuntos. Entretanto, é defendido que o governo na época era mantedor da ordem e da segurança, percebemos nesta parte da entrevista igualmente, que embora o relembre os acontecimentos da época do período militar, ele ancora-se em exemplos do presente, abordando características da sociedade brasileira do século XXI, como o crescimento demográfico, os problemas de segurança pública do Rio de Janeiro.
Destacamos a resposta do maçom Airton Saraiva Franco quando perguntado sobre o mesmo assunto "rapaz, eu não posso dizer nada não, porque aqui pelo menos não tinha, mas o Regime Militar foi bem aceito pelos maçons aqui".
Nas palavras do entrevistado Airton Saraiva Franco, notamos que embora diga desconhecer recomendação oficial da maçonaria, o mesmo relata que os governos militares não sofreram nenhuma resistência por partes dos maçons que frequentavam a loja maçônica "Deus e Caridade", Nº9.
Quando indagado sobre sua opinião em relação aos governos militares, ele responde o seguinte: Eu, pessoalmente, não gostava dos governos militares, porque a perseguição que eles fizeram, eles perseguiram muito, teve muita gente que sofreu por causa deles, aqui da região de Senador Pompeu, Quixeramobim e Encantado, teve um rapaz o irmão do deputado federal José Guimarães que sofreu demais nas mãos deles. Depois que ele sofreu muito colocaram ele em liberdade, não sou a favor não dos governos militares, eu sou mais o civil, que tem mais liberdade (informação verbal).
Segundo o entrevistado embora a maioria dos maçons da loja simpatizassem com os militares, ele demonstra sua opinião contrária, relatando conhecer casos de perseguição e torturas realizadas pelo governo na época. Termina a resposta a esta pergunta ressaltando que prefere quando estão no poder governos civis. Entretanto, quando questionado se conhece maçons que foram contra o Regime Militar responde que não chegou a conhecer nenhum pessoalmente.
Quando o entrevistado menciona “o irmão do deputado José Guimarães” está lembrando do ex-deputado pelo estado de São Paulo José Genoíno Neto que participou da guerrilha do Araguaia e que foi torturado durante a Ditadura Civil-Militar e que, como lembra GIOVANAZZI (1999, p.166) em sua juventude participou de movimentos populares da Igreja Católica em Senador Pompeu onde muitas vezes caminhava 12 quilômetros para alfabetizar pessoas pobres sem cobrar nada. Já o entrevistado Antonio de Gois diz o seguinte:
Os maçons de Senador Pompeu, são homens, como são cidadãos, que como maçons sempre consideraram nossos rituais, e eu acho que todos naquela época cumpriram com sua verdadeira obrigação, porque nunca chegou ao conhecimento da ordem que maçom este, ou maçom aquele decepcionou ou envergonhou a nossa instituição, sempre agindo dentro da ritualística de homens de bem e de bons costumes (informação verbal).
Nas palavras do entrevistado ele lembra do dever dos maçons enquanto cidadãos, ao mesmo tempo que enfatiza uma suposta unidade e harmonia maçônica na época, quando o mesmo diz achar que todos cumpriram com sua obrigação. Fica evidente que para o entrevistado a obrigação enquanto maçom “de bem e de bons costumes” seria o apoio ao regime militar, pois quando perguntado se conhecia alguém que foi contra a Ditadura Civil-Militar, ele diz que "Não, não tenho lembrança de nenhum não".
Entre os entrevistados chama atenção o que respondeu o maçom João Antonio Azevedo, quando perguntado se havia alguma recomendação oficial da maçonaria em relação aos governos militares, o mesmo diz o seguinte:
Ela enfrentava perseguições, como enfrentou, por exemplo na Independência do Brasil que a maçonaria fez uma grande força, Tiradentes era maçom, Dom Pedro I, Dom Pedro II e muitos outros que não lembro agora, que foram maçons. Em Senador Pompeu, foi muito perseguido, era uma perseguição do padre (informação verbal).
Notamos que a resposta deste entrevistado é divergente das dos demais. Pois, embora ele fale em perseguição na época, as entrevistas apontam para um funcionamento dentro da normalidade. A perseguição realizada na época que é relatada pelo entrevistado é a da Igreja Católica por causa do padre da época (anterior ao golpe de 1964).
Ele também relembra a importância da maçonaria em episódios marcantes da história política do Brasil, ressaltando alguns nomes. Fato comum por parte de entrevistados pertencentes à maçonaria, como tática de legitimidade e grandeza da instituição. Quando questionados sobre como se posicionaram os maçons de Senador Pompeu perante o Regime Militar, a maior parte dos entrevistados falaram não ter conhecimento, geralmente ressaltando a sua posição particular. O Entrevistado Murilo Correia Pinho relata o seguinte:
Aí é eu volto a lhe dizer o que eu disse antes, para quem vivia de uma maneira digna, naquele conceito de humanidade mesmo, de cidadão, eu acho que em nada prejudicou, aqui nós não temos conhecimento que nenhum maçom foi preso aqui em Senador Pompeu, nenhum cidadão foi preso por causa disso (informação verbal).
Nas palavras do entrevistado podemos perceber que o conceito de "vida digna" está relacionado, a ideia de cidadão cumpridor das normas sociais e das leis estabelecidas dentro da Ditadura Civil-Militar. O mesmo ressalta que desconhece qualquer perseguição realizada aos maçons ou cidadãos que viviam de maneira "digna".
J
á o entrevistado Antonio Lisboa relata: Não podia se posicionar a não ser dizendo amém, concordando, tô certo? É concordando, é "sim senhor", quem é que podia ir contra? Se houve a “Revolução”, aí calou-se o povo, o povo foi exilado, foi torturado, o quê que os maçons iam dizer? Mesmo trabalhando assegredado, tinha nem por que ser contra. Eu vou aproveitar para contar uma piada, o repórter perguntou a um cidadão comum, o que o senhor acha do regime militar? eu não acho nada, porque um amigo meu foi achar, e nunca mais foi achado (informação verbal).
As palavras do entrevistado são reveladoras no sentido de mostrar seu conhecimento em relação ao que acontecia no contexto histórico brasileiro da época.
Abordando dessa forma a tomada de poder pelos militares como "revolução", a tentativa de silenciar as manifestações contrárias aos militares, através das práticas de torturas e exílios realizados naquele período.
Em suas palavras, percebemos uma justificativa na atuação da maçonaria de forma não contestatória aos militares, demonstrando uma certa impotência dos maçons na época, bem diferente dos outros tempos em que ela foi mais liberal.
E onde ficava o ideal da liberdade?
Ao mesmo tempo quando fala sobre sua opinião em relação ao Regime Militar deixa explícito seu apoio:
Foi bom, foi necessário, foi uma necessidade, o Brasil estava sem governo, o Jango se omitiu de governar, aí ele foi jogado fora, os militares entraram aí, aí foi uma necessidade, o regime militar entrou quando deveria ter entrado, demorou e saiu quando deveria ter saído, e entrou novamente a democracia, e estamos aí em plena democracia (informação verbal).
Mais uma vez é feito referência à uma situação de crise dentro do país, onde foi justificada a atuação das forças armadas neste processo para o "restabelecimento" da “ordem”.
O entrevistado quando perguntado se conhece alguém que demonstrou ser contrário ao Regime Militar, faz referência que nas conversas particulares encontravamse maçons contrários ao governo, entretanto, publicamente evitava-se abordar esse assunto:
Eu não conheço, porque nós nunca questionamos, agora conversando tinha muita gente que foi contra o regime, isso porque nós gostamos de ser formadores de opinião, eu não lembro mas existia gente que achava que o governo estava errado, no início teve um recesso, mas nunca passamos por perseguição nenhuma, não sei também né, se tinha alguém lá que fizesse parte, algum venerável, é possível que sim, a gente vem do início, a maçonaria foi muito influente na Independência do Brasil, porque eles se reuniam e vinha por assim dizer as traições, deduravam, aí ela nasceu dentro de um templo maçônico, a maçonaria fez parte da Independência do Brasil (informação verbal).
Embora o entrevistado Antonio Lisboa aponte para um período de recesso não existe nenhuma documentação até o momento que comprove esta situação. O entrevistado encerra este trecho da entrevista valorizando o papel desempenhado pela maçonaria na Independência do Brasil, citada como obra maçônica. Ressaltamos que entre as entrevistas realizadas, o maçom Airton Saraiva Franco na ocasião falou da sua opinião contrária aos governos militares, mas este descontentamento não foi transformado em contestação pública.
As atividades, trabalhos e perfil maçônicos durante os anos de chumbo.
Com a deflagração do Regime Militar a partir da derrubada do governo de João Goulart, consultando as Fichas de Iniciação dos maçons, percebemos que os trabalhos continuaram a serem desenvolvidos, pois constam inúmeras iniciações realizadas durante o período, uma inclusive no mesmo mês em que os militares chegaram ao poder.
Quando perguntado se houve alguma censura, fiscalização policial ou risco de pararem os trabalhos, o entrevistado Airton Saraiva Franco diz "não, eu não posso dizer isso não, a gente funcionou normalmente, a gente tinha muita censura das pessoas, mas dos militares não".
Portanto, a censura relatada é a da sociedade civil que, por influência da Igreja Católica, sente medo e receio da maçonaria.
Resposta parecida é a do entrevistado Antonio de Gois:
"não, isso nunca aconteceu, na minha época não, os trabalhos aconteciam normalmente.
Resposta complementada pelo entrevistado João Antonio Azevedo:
"Não, desde que eu entrei não aconteceu nada, de 1975 pra cá, graças a deus foi tudo liberado".
O entrevistado Murilo Correia Pinho relata que "a loja funcionou normalmente, a maçonaria não houve nenhuma baixa, volto a lhe dizer que normalmente de 1964 pra cá, ninguém teve conhecimento que a maçonaria teve algum problema".
Na resposta a esta pergunta o entrevistado Antonio Lisboa colabora no mesmo entendimento a partir de suas memórias:
Não houve perseguição não, à maçonaria não houve não, eu não tenho lembrança de nenhum maçom perseguido.
A maçonaria funcionou normalmente, não houve essa censura não, não houve essa fiscalização, não houve perseguição, até porque se fala que tem muita gente do governo na maçonaria, desses oficiais, generais, a maçonaria é repleta desse povo, até porque a maçonaria é uma instituição universal, existe duas instituições grandes no mundo, a maçonaria e a igreja católica, posso lhe dizer com certa propriedade de que não houve essa perseguição, porque veja bem, eu iniciei em 65, eu tenho certeza absoluta, eu posso dizer, nós funcionamos aqui todo o período, e eu volto a lhe dizer que a revolução foi uma necessidade, porque o país estava em desgoverno, o Jango tinha perdido o controle, até porque o Jango foi traído, o Jango foi traído pela equipe dele, aí aquela revolução muita gente acha que foi um absurdo, pra mim não foi, foi uma necessidade, pra colocar ordem na casa, no país, o país passava por um período, está entendendo, de desorganização, é tanto que quando eles entregaram, melhorou, começou a melhorar com a democracia, foi uma possibilidade que eles deram, tem gente que acha que foi um absurdo, eu não acho não, eu acho que foi necessário (informação verbal).
Nesse trecho da entrevista é interessante observar que além de afirmar que não houve perseguição aos maçons durante a Ditadura Civil-Militar o entrevistado demonstra algum conhecimento sobre a influência de maçons neste período.
Para ALVES (2011, p.87) não é novidade a influência nos bastidores da Ditadura Militar do maçom general Golbery do Couto e Silva, sendo este, o que ofereceu base teórica e ideológica aos militares que estavam no poder neste período. Ainda é destacado por ALMERI (2013, p.71) a forte e conhecida presença de maçons dentro da cúpula da Ditadura Civil-Militar entre os próprios maçons. Fato evidenciado pelos presidentes marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o general Emílio Garrastazu Médici e o já citado general Golbery do Couto e Silva que foi atuante na preparação da instabilidade social do governo de João Goulart.
Para que possamos compreender melhor o ponto de vista dos maçons que frequentavam a loja maçônica de Senador Pompeu acerca do movimento iniciado em1964, é necessária uma análise do perfil maçônico dos que frequentavam a loja maçônica Deus e Caridade", Nº09.
Nas fichas/cadastros maçônicos percebemos informações importantes destes membros, que são úteis na nossa pesquisa.
Entre elas estão data de nascimento, lugar de origem, local de residência atualizado à época, religião, profissão e visão política. De acordo com essas fichas, a maioria dos que frequentavam a loja maçônica "Deus e Caridade" Nº09, era composta por maçons da própria cidade.
Todavia, o número de iniciados das regiões vizinhas é considerável. Dos que frequentavam a loja maçônica em Senador Pompeu, mas que não residiam na cidade, encontramos maçons de várias cidades diferentes, entre elas Piquet Carneiro, Quixeramobim, Milhã, Solonópole, Mombaça, entre outras, que se localizam próximas à Senador Pompeu.
Reforça-se, com isso, a importância da loja "Deus e Caridade", Nº9, na expansão do pensamento maçônico na região do sertão central cearense.
No que se refere à religiosidade dos seus membros, dos que conseguimos identificar, a fé católica tem maioria absoluta, embora exista uma quantidade considerável de membros em que não é possível identificar sua religião. Ou seja, apesar dos conflitos entre Igreja Católica e maçonaria, que temos na história do mundo e, mais especificamente, no Brasil, e das perseguições que maçons em Senador Pompeu sofreram dos católicos mais conservadores liderados por um vigário local, padre Odilo Lopes de Melo Galvão, podemos afirmar a partir dos dados colhidos que a grande maioria dos maçons professava a fé católica.
Um outro dado importante, do perfil maçônico, é a profissão exercida pelos mesmos.
Pois a partir da análise deste dado, juntamente com outros, podemos melhor compreender o ponto de vista dos maçons.
No que se refere a ocupação profissional, percebemos uma diversidade de atividades.
Notamos uma prevalência de profissões geralmente relacionadas a classes mais privilegiadas e/ou classe média.
Encontramos nas fichas analisadas uma variedade de profissões, prevalecendo funcionários públicos e comerciantes, além de alguns industriais, profissionais liberais e militares.
Dos dados mais intrigantes das fichas/cadastros maçônicos podemos citar o que se refere ao ponto de vista político de cada maçom. Em quase todas as fichas consta a informação "democrata". É importante a constatação de que até mesmo nas fichas dos maçons militares consta-se na visão política "democrática" ou "democrata".
Entretanto, esta visão quando confrontada com a situação política da época, que era de repressão aos adversários políticos da Ditadura Civil-Militar, e pelas próprias entrevistas realizadas, notamos uma contradição, pois não há relatos nem indícios que apontem no sentido de contestação ao governo, podemos citar, para exemplificar, o caso do entrevistado Airton Saraiva Franco, que demonstra certa insatisfação (o único entre os entrevistados) com o Regime Militar, mas em sua entrevista ele não dá indícios de que sofreu perseguições, como também não há evidências de ter confrontado o poder estabelecido.
E como foi constatado, pela maioria das entrevistas realizadas, houve uma grande adesão por parte dos maçons locais ao golpe de 1964 e a consequente Ditadura Civil-Militar, fato que também percebe-se no plano nacional.
Considerações finais.
As dificuldades de desenvolver uma pesquisa histórica tendo como fonte a memória, implica em muitos desafios, ainda mais por se tratar de um momento delicado da política brasileira, como é o caso da Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Onde as forças armadas agiram supostamente em defesa da "ordem", acreditando, que o comunismo estava espalhando-se pelo Brasil, fazendo-se necessária uma intervenção militar imediata.
Os desafios para esta pesquisa vão desde o que foi realmente perdido por questões de saúde, como é o caso do entrevistado Airton Saraiva Franco, onde o mesmo relatou não lembrar tão bem daquele período.
Como também dos "silêncios" ou do “refúgio” das breves respostas, como medida de proteção, preferindo desta forma não trazer lembranças de outro tempo.
Temos que lembrar das ressignificações dos entrevistados, pois embora as perguntas sejam remetidas ao passado, as memórias não são neutras, como também não são estáticas, elas vão sofrendo alterações com o passar do tempo.
Podemos afirmar que o Ditadura Civil-Militar, em Senador Pompeu, foi bem aceita e defendida dentro dos quadros maçônicos, embora não possamos concluir a partir desta situação, que todos os maçons concordavam com a ditadura.
Algumas poucas fichas maçônicas apontam igualmente para esta situação ao demonstrarem algum receio em revelar ou se posicionar politicamente.
Nossa pesquisa revela-se relevante ao focar sobre um objeto de estudo que tem destaque no cenário regional, pois trata-se da loja maçônica ativa mais antiga no sertão central cearense, tendo entre seus iniciados maçons fundadores de várias lojas de municípios próximos como Milhã, Solonópole, Mineirolândia (Distrito de Pedra Branca), Pedra Branca e Mombaça.
Este estudo abre perspectiva para posteriormente darmos sequência, afinal, temos como objetivo explorar novas possibilidades com a intenção de enriquecer as discussões relacionadas tanto à temática sobre Ditadura Civil-Militar quanto a atuação da maçonaria neste período. As possibilidades não se encerraram, pelo contrário, está aberta para aprofundarmos ainda mais, em um futuro breve.
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo discutir, a partir de referenciais teóricos e bibliográficos como MOREL; SOUZA (2008); ALMÉRI (2013), FERREIRA; DELGADO (2013) e entrevistas, que tipo de relações foram estabelecidas entre a maçonaria e o Regime Militar instalado em 1964 no Brasil a partir da deposição do presidente João Goulart, em que os militares permaneceram no poder por 21 anos (1964 – 1985).
Como recorte espacial da nossa pesquisa destacamos a cidade de Senador Pompeu, que tem dentro dos seus limites territoriais a presença maçônica desde a década 1930, quando entrou funcionamento a loja maçônica Deus e Caridade, Nº9, na região do sertão central cearense é uma das mais antigas lojas maçônicas.
Esse trabalho faz uma breve análise da maçonaria enquanto instituição sobretudo em sua fase especulativa/filosófica destacando os seus posicionamentos em relação a outros regimes ditatoriais.
Entrevistas:
- Sr. João Antonio Azevedo, maçom iniciado em 1975. Entrevistador: Helton Anderson Xavier de Souza. A entrevista foi realizada em 04 de julho de 2012, em Mineirolândia, Pedra Branca/CE.
- Sr. Airton Saraiva Franco, maçom iniciado em 1975. Entrevistador: Helton Anderson Xavier de Souza. A entrevista foi realizada em 16 de julho de 2012, na cidade de Senador Pompeu/CE.
- Sr. Antônio Lisboa, maçom iniciado em 1965. Entrevistador: Helton Anderson Xavier de Souza. A entrevista foi realizada em 17 de julho de 2012, na cidade de Senador Pompeu/CE.
- Sr. Murilo Pinho, maçom iniciado em 1979. Entrevistador: Helton Anderson Xavier de Souza na cidade de Senador Pompeu/CE. 04 de abril de 2013, na cidade Senador Pompeu/CE.
- Sr. Antônio de Gois, maçom iniciado em 1965. Entrevistador: Helton Anderson Xavier de Souza. A entrevista foi realizada em 04 de junho de 2013, na cidade de Senador Pompeu/CE.
Documentos escritos/impressos:
- Ata de fundação da loja maçônica "Deus e Caridade"
- Fichas cadastros maçônicos
Referências bibliográficas:
ALMÉRI, Tatiana Martins. (2013) Posicionamentos da instituição maçônica no processo Político ditatorial brasileiro (1964): da visão liberal ao conservadorismo. In REHMLAC. Vol. 5, Nº 1, Maio-Novembro. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4898312.pdf ALVES, Luiz Felipe Nunes de. O bruxo e o feiticeiro: José Lopez Rega e Golbery do Couto e Silva e o nacionalismo conservador no cone sul. Revista Expedições: Teoria da História & Historiografia. Ano, N.3. Dezembro 2011p.79-96. Disponível em
https://www.revista.ueg.br/index.php/revista_geth/article/view/262 CASTELLANI, José. CARVALHO, William Almeida de. (2009)
A História do Grande Oriente do Brasil: A Maçonaria na História do Brasil. São Paulo (SP): Madras Editora. FERREIRA, Jorge.
O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. IN: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucélia de A. N. (organizadores) O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. 5ª edição. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p.344-404. GIOVANAZZI, João Paulo. Paróquia de Nossa Senhora das Dores: 80 anos servindo ao Senhor. Senador Pompeu (Ce). GRAFIT gráfica e editora. 1999. MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. (2008) O Poder da Maçonaria: A História de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira. SILVA, Marcos José Diniz. (2007) No Compasso do Progresso: A Maçonaria e os Trabalhadores Cearenses. Fortaleza (CE): Expressão Gráfica e Editora. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
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