No decorrer da iniciação ao grau de Aprendiz, sobretudo no momento em que vai pronunciar o juramento, e também na elevação de grau de Aprendiz a Companheiro, o iniciando coloca as pontas de um compasso sobre o próprio coração.
Este é o tema: as pontas do compasso sobre o coração.
A noção do círculo nasceu, no homem, da simples observação, da simples experiência visual, daquilo que os filósofos modernos chamam de intuição sensível.
O seccionamento transversal do tronco de uma árvore, mostrou-se ao homem como um círculo. As flores e os frutos seguem, mais ou menos, um plano circular.
Olhando para o Sol e para a Lua, o homem os vê como círculos.
Nos eclipses da Lua, a Terra aparece nela projetada numa sombra circular, o mesmo ocorrendo com os eclipses do Sol, quando a Lua, interposta entre a Terra e o Sol, encobre a este, em parte, como um disco preto.
Os trajetos, no céu, do Sol, da Lua e das estrelas são metades de um grande círculo, e não foi difícil conceber que a outra metade se achava na parte oculta aos olhos. Daí a idéia primeira de que as trajetórias de todos os astros são circulares.
Da observação destes círculos, das evidências espontâneas, o homem chegou a compreender que o sistema planetário solar é curvo, circular, e que o mesmo Sol gira, com sua família planetária, em círculo, ao redor de um ponto, no centro da Via-Láctea, donde vem que esta é também circular, como todas as demais que compõem o Universo, e que o próprio Universo é curvo e finito, como o demonstrou Einstein.
Se, de um salto, passarmos do macro ao microuniverso, verificaremos que é circular a molécula, circular o átomo, circular o elétron.
Há o ciclo das chuvas: em caindo elas do céu, fazem os rios que se encaminham ao mar donde se evaporam para formar outras nuvens das quais decorrem novas chuvas.
Há o ciclo do carbono: os vegetais absorvem o gás carbônico do ar, decompõem-no em carbono e oxigênio, fixam o carbono na celulose do tronco e das folhas; com parte deste carbono formam os frutos. Na outra metade do ciclo, os animais comem as folhas e os frutos, transformam-nos em açúcares que se queimam no interior das células, e o carbono havido da alimentação se combina ao oxigênio, recompondo o gás carbônico que é expelido na atmosfera, pela respiração.
Animais e plantas, deste modo, são máquinas vivas entre si invertidas, e o gás carbônico que o vegetal decompõe, recompõem-no os animais. A luz solar fixada na fotossintese, vai para o alimento que produz o calor animal.
Assim, todos os animais e plantas vivem da luz, são lucífagos. E a mesma luz é onda, e as ondas todas são círculos desdobrados, e assim, quando não podemos enxergar os ciclos diminutos que rápidos se formam, podemos vê-los na luz, e ouvi-los no som, na música.
A idéia do círculo, pois, faz parte da nossa vida espontânea, da nossa vida pré-racional, da nossa intuição sensível, e ainda de nossas últimas concepções científicas do universo, da molécula, do átomo, do elétron e de toda a mecânica ondulatória. O círculo, portanto, está no começo e no fim da nossa vida racional, e a mesma vida física é um meio ciclo do berço ao túmulo, e se completa com nosso retorno, pela morte, ao lugar de onde viemos a este mundo.
Quis, então, o homem, desenhar o círculo, e, para tanto, inventou o compasso. Do círculo traçado com o compasso surgiram as relações matemáticas da circunferência e seu diâmetro, o pi, já conhecido dos egípcios. Reparou o homem que, com o compasso, podia traçar círculos maiores e menores, e ainda comparar distâncias.
Verificou que a capacidade do compasso se esgota 18 quando atinge 90°, que é quando ele se transforma num esquadro, por isso chamado, maçônicamente, de "esquadro justo e perfeito".
Pois bem: Que representa o compasso, na Maçonaria? Pois representa o pensamento. E por que? Porque o pensamento é circular, gira em torno de um centro que é o tema, e o círculo pode ser menor, se o assunto é pequeno, ou maior, se o assunto é mais largo.
Todavia, em chegando o compasso do pensamento a 90°, esgota-se a capacidade racional, e tentar ir por diante, é cair nas antinomias de Kant.
Deste modo, a razão não é infinita; ela atinge o seu limite a 90° do compasso mental, e simboliza, tal abertura, os graus maçônicos que vão do 14 ao 18.
No grau de Mestre, o compasso simbólico se abre a 45°, e no grau 5 sua abertura vai para 60°.
A 90° o compasso se torna num esquadro, como ficou dito, e por isso chamado "esquadro justo e perfeito".
O compasso lembra ainda a pessoa humana que também possui cabeça e duas pernas, estas que se movem, que dão passos, e estes passos, em Loja, são dados pelo Aprendiz de modo a formarem um esquadro, o "esquadro justo e perfeito", que também o Companheiro executa, com passos, se bem que de modo diferente do Aprendiz.
Do que ficou dito já podemos tirar uma lição prática: se cada assunto é um círculo que se abre e se fecha ao redor de um ponto que é o tema, anda muito errado quem não encerra cada assunto, para se passar a outro.
Deste vício intelectual padecem todas as pessoas dentre as quais algumas de cultura. Alguém nos formula uma questão, ou faz uma pergunta e quando estamos desenvolvendo o círculo do nosso pensamento em torno do tema proposto, eis que nosso interlocutor, em certo ponto, faz outra pergunta, embora do assunto, mas que nos obriga a fazer outro círculo.
Assim, de pergunta em pergunta nenhum círculo se fecha. É o caso da briga de lavadeiras: sai, na discussão, o diabo; porém nada se resolve.
As digressões infindas não levam a resultado nenhum. Muitos oradores prolixos padecem deste vício.
Como não se mantêm no assunto, como fogem ao tema básico, como que numa conversa que um tema puxa outro, podem falar o dia inteiro. Por que? Porque nenhum círculo se fecha.
Nossas conversas ao pé do fogo são assim: começamos por uma coisa, e no fim estamos a falar de outras muito diferentes.
Ora, quem não obedece à lei do círculo, ao tratar de um assunto, é porque pensa por esse modo caótico. E aí vai a diferença entre um pensador e um homem comum. Todos pensamos sem interrupção o dia inteiro; quando não é um pensamento, é outro que ocupa a nossa mente. Logo, como todos pensamos sem parar, somos todos pensadores? Não. O pensador ou filósofo se fixa num tema, e traça completamente seu círculo; nós, em nossas imaginações, abrimos mil e um círculos, e não fechamos nenhum.
Quem muda mais de idéia que de roupas, não pode fazer nada, não pode realizar coisa nenhuma na vida.
Aqui também se aplica a lição já estudada da vigilância e da perseverança.
Vigiar para não fugir ao círculo; perseverar na construção dele até o fim.
Vede que abrimos e fechamos um círculo, explicando a significação do compasso na Maçonaria. Agora vamos abrir outro círculo, e depois mais outro, e fechar os três dentro de um outro círculo maior; vede: Dado que o compasso significa o pensamento, o raciocínio discursivo, como nasce este no homem?
No começo da nossa vida mental, quando ainda somos crianças tenras, nosso compasso mental é zero; ele é ainda apenas cabeça (cabeça do compasso) sem os ramos ou pernas.
Com as primeiras experiências da vida, os ramos começam a crescer, e já podemos traçar pequeninos círculos, e tratar de assuntos muito simples. As experiências vão-se acumulando, os ramos do compasso, crescendo, e os círculos já podem ser maiores, abarcando assuntos mais complexos.
Quem, pelo crescimento de seu compasso mental, pode abarcar círculos imensos, chegou a ser um sábio. Aqui, outra vez, a diferença entre um sábio e um ignorante; o ignorante possui compasso mental diminuto, no passo que o sábio o possui grande.
É assim que os homens se classificam em sábios e ignorantes, mais ou menos sábios, e mais ou menos ignorantes; quem possui compasso mental grande, pode traçar círculos grandes; quem o possui de ramos curtos, só 19 pode traçar círculos pequenos.
Sócrates, Platão, Aristóteles, Einstein, porque possuem compassos mentais de ramos longos, puderam traçar os círculos do Universo.
Já os círculos traçados pelo compasso mental de uma pobre lavadeira, não vão além de sua casinha, de seus filhos, de seus netinhos.
Eis que a soma de conhecimentos amplia os ramos do compasso, e é assim que, de ignorantes, nos tornamos sábios.
Está fechado este outro círculo; vamos agora a outro, porque nosso tema é o compasso posto sobre o coração.
O coração é, figurativamente, a sede dos sentimentos bons e maus.
O homem não age segundo razões, e sim, de acordo com os pendores sentimentais e emocionais. O homem sente primeiro, e depois é que vai forjar razões para seus atos.
Por isso é que Pascal já dizia que "o coração tem razões que a razão não alcança". O avarento, o cobiçoso, o adulador, o glutão, o beberrão, o fumante, todos apresentam suas justificativas, todos racionalizam suas ações, todos possuem suas razões.
O homem chega ao cúmulo de pensar de um modo e agir de outro, como os exemplos, aqui já citados, num de nossos estudos, de Bernard Shaw e Schopenhauer. O homem é um esquizoide, um ser contraditório, que pensa uma coisa e faz outra.
Por isso é que São Paulo a si mesmo se chamava miserável e dá o porquê: porque, como dizia, o bem que quero fazer, não faço; mas o mal que não quero, esse eu faço!
Eis, aí, a força do sentimento sobre o raciocínio, a força do coração sobre o pensamento, sobre o compasso que devia traçar círculos ao coração, e, no entanto, é o coração que impõem seus círculos ao compasso.
A razão dita isto; mas o sentimento arrasta a fazer aquilo. Eu quero fazer o bem, porque minha razão, meu raciocínio, meu compasso traçou tal círculo; todavia, de repente, dou comigo fazendo aquilo que minha consciência reprova.
Vigilância e perseverança, pois, sobre nossas impulsões egoísticas, animalescas, sobre nossos pendores e atrações baixas. Está fechado este outro círculo cujo centro ou tema é o coração.
Agora o círculo maior que envolve os três anteriores e menores.
Que nos ensina a Sublime Instituição?
Pois ensina-nos que o compasso deve estar com suas pontas sobre o coração; que o compasso é que deve medir e delimitar os sentimentos, e não, o coração impor suas normas à razão.
Quem vive só ao sabor dos sentimentos, como estes são vários e discordantes, se mostra contraditório, apresentando sempre atitudes dúbias, confusas, medindo sempre tudo com dois pesos e duas medidas.
Tal sujeito apresenta-nos reações imprevisíveis, porque caóticas. Como, em tal sujeito, a razão é desnecessária às ações, o compasso do seu entendimento se atrofia, os ramos dele, em vez de se estenderem, encurtam-se, até que tal homem cai na irracionalidade animal.
O compasso, então, passa ser guiado pelo coração, pelos sentimentos; e que estes fossem bons, ainda bem; mas ocorre sempre que os piores sentimentos, os de egoísmo, de avareza, de luxúria são os que passam a guiar o compasso, forçando-o a traçar círculos e a apresentar razões que são sofismas, que são sem-razões, que são absurdos.
FONTE: Politzer, Princípios Fundamentais de Filosofia
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