Apareceu Deus em sonho a Salomão, e lhe perguntou: – que queres que te dê?
Então lhe respondeu Salomão:
– Senhor! eu sou ainda um menino, e no entanto já me acho sentado no trono do meu pai, o teu grande servo Davi. Dá-me, então, um coração reto e justo, para que possa eu julgar este teu grande povo.
Deus, contente da resposta, assim lhe fala:
- já que me não pediste para aniquilar os teus inimigos, nem me pediste riqueza, nem honra, dar-te-ei o que me pedes, e serás o mais sábio de quantos homens houve no mundo, e no futuro não haverá outro que te iguale.
Ora, Salomão pediu um coração reto e justo; e disse Deus que lhe ia atender o pedido, e lhe deu sabedoria.
Segue-se, logo, que sabedoria é ter coração reto e justo.
A sabedoria, por conseguinte, é uma dádiva de Deus. Não é uma conquista do homem.
A cultura pode ser adquirida, a erudição pode ser alcançada, mas a sabedoria tem de vir do Alto.
A sabedoria é a consciência de retidão, cujo símbolo é o fio de prumo; é mais que a retidão da régua, porque é retidão vertical, orientada para Deus, o Oriente de todas as coisas, do qual todas derivam, todas dependem, e sem o qual nenhuma é ser.
Disse orientar, e não, nortear, porque o guiar-se pelo norte é posterior ao guiar-se pelo oriente.
A bússola é de ontem, no passo que a orientação pelo Sol, é de todos os tempos.
As abelhas (dizem os apicultores) se orientam pelo Sol. E se acontece de as aprisionarmos nos seus destinos, durante algumas horas, elas, ao se verem livres, voam para a colmeia, guiadas pela posição do Sol; mas como o Sol andou, elas se transviam. Vendo-se perdidas, elas voltam ao ponto de origem, ao lugar em que estiveram presas, e de aí, principiam a fazer giros circulares cada vez maiores, até que uma das circunferências passe por sobre sua colmeia.
Eis aqui sabedoria e ciência: primeiro o vôo reto, orientado, da colmeia ao objetivo; depois, por causa da desorientação, vôos circulares.
Ora, a circunferência se traça com o compasso que serve, também, para aquilatar distâncias, avaliar espaços.
Assim, se o fio de prumo representa a sabedoria que avança para Deus, o Ser, em altura, e também desce em profundidade rumo ao não-ser, no extremo oposto de Deus, o compasso não sai da superfície da razão, onde traça círculos do pensamento, das definições, medindo, avaliando, perquirindo como faz a ciência. 23 I Reis 3, 9 15
Deste modo, o compasso simboliza o pensamento discursivo, a razão analítica próprios da ciência.
Fio de prumo e compasso, eis simbolicamente representados sabedoria e ciência.
Sabedoria não é ciência; por isso é que se fala da sabedoria da Natureza, da sabedoria que Deus pôs nos átomos, nas moléculas, nos cristais, nas flores, nas abelhas, nas formigas.
E o próprio Salomão, em Provérbios diz: "vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para os seus caminhos, e sê sábio"24.
Se, pois, o preguiçoso pode ir ter com a formiga a fim de aprender, segue-se que a formiga é a mestra, e ele, o aprendiz.
Porque a formiga mostra, ao preguiçoso, uma lição de sabedoria, não de ciência.
Por isto, sabedoria não é ciência.
A formiga nos ensina a lição do trabalho!
A abelha, além de nos ensinar a ser laboriosos, ainda nos dá lições de civismo, mostrando-nos como devemos lutar pela nossa Pátria, assim como ela morre pela sua colméia.
Pe. Vieira, que também procurava aprender da Natureza, assim escreve num sermão: "as abelhas em picando, morrem, e maior é o dano que sofrem que o que causam".
A sabedoria está, aí, no grande livro do Universo, e o cientista, o estudioso vai investigar, a fim de aprender, porque a Natureza é a mestra, e ele, o discípulo.
A diferença entre sabedoria e ciência está em que a primeira vê o geral, o universal, o todo em que quaisquer partes se encaixam.
Já a ciência olha o pormenor, a minudência, o fragmento que cada vez mais se pulveriza no particular.
A sabedoria contempla o Ser, no passo que a ciência volta as vistas para o extremo oposto ao Ser, no rumo do não-ser.
Esta diferença entre sabedoria e ciência, podemos observar na fala de Sócrates, escrita por Platão. Na Apologia, diz Sócrates que o Oráculo de Delfos revelava ser ele, Sócrates, o homem mais sábio da Grécia.
No entanto, Sócrates sabia que não sabia; eu só sei que não sei, dizia ele.
Por ventura, em saber que não se sabe, nisto reside a sabedoria?
Sim. Porque sábio é o homem que chegou a ter idéia do quanto ignora. Saber que ignora, e quanto ignora, é já saber, porque o verdadeiro ignorante nem que não sabe não sabe.
Um animal inferior desconhece que haja medicina, engenharia, direito; já qualquer homem comum sabe que ignora estas disciplinas.
Pois Sócrates declarava saber que conhecia a extensão da sua ignorância, e esta consciência o fazia o mais sábio da Grécia, porque o resto dos gregos do seu tempo, nem que não sabia não sabia.
Mas Sócrates quis por a limpo a sentença do Oráculo, e por isso saiu a verificar se havia, na Grécia, algum homem que soubesse mais que ele.
E assim, entra em discussão com os poetas, e em disputa com os artesãos; depois de tudo, chega a este resultado: os artesãos padeciam do mesmo defeito dos poetas: porque são peritos em seus ofícios, por isso cuidam que tudo sabem, e com isto mostram-se ignorantes.
Assim, um especialista em qualquer disciplina, porque conhece bem sua profissão, sente-se autorizado a opinar sobre aquilo de que não entende. Esta mesma fala de Sócrates, temos em Ortega y Gasset que diz assim: antigamente os homens podiam-se classificar em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios, e mais ou menos ignorantes. Mas hoje apareceu uma classe de homens que não podem ser enquadrados nem como sábios, nem como ignorantes, e estes são os cientistas.
O cientista é um senhor que conhece muito bem sua porciúncula do universo, e sua especialidade; por conseguinte não pode ser considerado um ignorante.
No entanto, ele opina sobre as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade é um sábio. Então Ortega dá para estes cientistas a designação de sábios-ignorantes; sábios, porque conhecem bem a sua matéria; e ignorantes, porque se saem dela para aventurar-se em campos que eles não conhecem, e assim, mostram-se ignorantes.
A mesma coisa diz Garcia Morentes com outras palavras: diz que nada há tão desanimador do que o que se tem verificado nestes trinta ou quarenta anos, quando homens sem nenhum preparo de filosofia, se põem, de repente, a filosofar.
Só porque o indivíduo adquiriu cultura, erudição, conhecimentos técnicos, científicos, só porque descobriu uma nova estrela no firmamento, ou uma nova teoria da gravitação, só por isso, sem nenhuma preparação e exercitação prévias, se põe a fazer filosofia, e por isto, de maneira pueril e quase selvagem.
Um matemático de sempre, um físico de toda a vida, diz ele, sem mais delongas, se põem a fazer filosofia. Por que acontece isso?
Pois acontece porque ciência não é sabedoria, ou sabedoria não é ciência.
A ciência pode ser haurida nos livros; pode ser adquirida pela observação e pela experimentação. Porém, a sabedoria é uma dádiva de Deus a quem busca andar nos seus caminhos.
Como Salomão pediu a Deus que lhe desse sabedoria, então podemos saber que Deus lhe deu um coração reto e justo, e assim pode muito acontecer de um homem não possuir ciência, e ser até iletrado, e no entanto, possuir sabedoria; pode sim, porque ela existe na Natureza, como nos casos da formiga e da abelha já referidos.
E é muito preferível que se tenha só sabedoria, a ter somente ciência. Por que?
Porque a ciência pode inchar e envaidecer o homem; mas a sabedoria o torna humilde.
A ciência pode fazer que o homem cuide que sabe; a sabedoria faz que ele saiba que não sabe.
A ciência pode fazer que o homem se volte contra Deus, como fez Lusbel no empíreo; a sabedoria, jamais, faria o homem afrontar Deus, porque o sábio sabe que sua mesma sabedoria emana de Deus, e sabe ainda que, mantendo-se fiel a Deus, terá de luz ondas sobre ondas, e, de sábio, passará a sapientíssimo.
O sábio sabe que a ciência luciferina torna o homem cego e que sua cegueira se faz cada vez mais cega, na proporção em que se afasta da Fonte única de todo saber que é Deus.
Quereis exemplos? Ei-los: Quando Laplace estava expondo a Napoleão Bonaparte sua teoria da formação do universo, perguntou-lhe o imperador onde ficava Deus no seu sistema, ao que Laplace respondeu: "Sir, essa hipótese se tornou desnecessária".
A ciência e a técnica fizeram do alemão o maior povo do mundo; no entanto, é de ontem que Mengele, "o anjo da morte", fazia criminosas experiências científicas, usando os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, como cobaias!
É de ontem que Irma, "a mulher monstro", amarrava as pernas ambas das mulheres que iam parir, para que morressem de um parto impossível.
Nietzsche dizia assim: "Se existe Deus, como posso suportar não ser Deus? "...
Com muito mais razão poder-se-ia gritar a Nietzsche o que Festo disse a Paulo: "Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar".
Estás louco, Nietzsche! a muita ciência encheu-te o coração de orgulhosa rebeldia, e, como Lúcifer, não te conformas com menos que com ser Deus!
Quem, pois, tem coração reto e justo, quem tem sabedoria, quem tem amor, esse pode ser um sábio; todavia, aquele que só possui ciência, erudição, cultura, esse não pode ser considerado sábio, pelo menos no conceito maçônico.
Lá fora, no mundo profano, pode ser que haja confusão, e a um cientista especializado em ramificação que se vai cada vez mais filamentando em capilares cada vez mais finos, esse homem pode, no mundo, ser considerado um sábio; não aqui!
Porque o nosso conceito de sabedoria é o de Salomão:
a sabedoria promana do coração, e é uma dádiva de Deus.
Cultivemos as virtudes da sabedoria; sejamos sábios. E depois, em segundo plano, porfiemos por ser cultos, eruditos, capazes.
Oxalá todos nos compenetremos desta consciência para a glória da nossa Ordem Venerável, para a grandeza da nossa Pátria, para o bem da Humanidade, para que, em vivendo no agrado do Grande Arquiteto do Universo, possamos ter nossos nomes anotados pelo escriba do universo, no Grande Livro da Vida.
fonte:Politzer, Princípios Fundamentais de Filosofia
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