A ALMA E A SUA EXISTÊNCIA

 A existência da alma - Ordem Rosacruz   Corpo é a parte da sua matéria que... Helgir Girodo

A ALMA E A SUA EXISTÊNCIA

A busca da verdade passa pela questão da existência da alma. 

A resposta a esta questão colocou em campos opostos filósofos do quilate de Hume, Hamilton, Stuart Mill, Taine, que admitiam que a alma se reduzisse a um grupo de sensações, de idéias, de emoções, etc. 

Como dizia Broussais, “o homem racional não pode admitir a existência de uma coisa que não seja percebida por algum dos sentidos”. 

Dizia ainda Broussais que o cérebro é a causa e o princípio do pensamento e, por conseguinte, o espírito é uma hipótese inútil.

Mas, sendo o cérebro composto de células, que se renovam a todo o instante como, aliás, em todo o corpo, se no homem existem apenas fenômenos sucessivos, sem um laço que ligue o passado ao presente, como então se explicam o hábito, a associação de idéias e a memória?

Deste modo, é forçoso admitir que existe em nós uma realidade que independe do cérebro, que é a sede das nossas mudanças psicológicas, e que é também a causa dos atos que praticamos. 

A esta realidade, chamamos de alma.  

Se existe a alma, qual será a sua natureza? 

Será espírito, ou será matéria? 

O espiritualismo defende a distinção da alma do corpo; o materialismo, só admite a existência do corpo e da matéria

No homem, ocorrem fenômenos quantitativos, como a digestão, a circulação, etc. e fenômenos qualitativos, só percebidos pela consciência, como a alegria, o pensamento, ou o remorso.

Assim sendo, existe no homem uma substância extensa, divisível e palpável, que é o corpo, e uma outra substância simples, perceptível somente pela consciência, a alma.

A alma é una, e o homem, por ter só uma alma, comprova a sua unicidade

Ela não é única só numericamente, mas é una também por ser simples e indivisível. 

Enquanto que todas as células do corpo se renovam em um curto período de tempo, isto é, o corpo muda em substância, a alma permanece sempre idêntica a si mesma, não havendo mudanças no nosso Eu ao longo do tempo, que permanece o mesmo, tanto no passado quanto no presente. 

É esta imutabilidade da alma que confere a identidade ao homem.


A ESPIRITUALIDADE DA ALMA

O ser espiritual é aquele que existe independente da matéria e das suas condições de ser e de operar.

É fato que a alma está unida ao corpo, e que exige o concurso dos órgãos do mesmo, para realizar as suas operações sensitivas. 

Apesar disso, também é fato que a alma é independente do corpo nas suas funções intelectuais. 

Deste modo, a alma pensa e quer sem o auxílio destes órgãos. 

Podemos assim concluir que a alma não está completamente imersa no corpo, que é independente dele sob diversos aspectos, e que, por conseguinte, é um ser espiritual.

Dizia Aristóteles que um ser se conhece por suas operações. 

Ora, a nossa alma forma idéias, e a idéia é imaterial. 

Em conseqüência, a inteligência, a faculdade do pensamento, também é imaterial. 

Deste modo, a alma, que opera pela inteligência, é imaterial pela mesma razão. 

Enquanto a matéria é indiferente à inércia ou ao movimento, isto é, ao determinismo, a alma, ao contrário, é livre para operar ou não, para resistir ou ceder aos impulsos da sensibilidade, isto é, a alma goza do livre arbítrio.

Conclui-se assim que a alma é simples, é idêntica a si mesmo, e é espiritual, necessariamente distinta do corpo, que é composto, mutável e material.


A ALMA, O FÍSICO E A MORAL

A simplicidade e a espiritualidade que caracterizam os fenômenos da inteligência impedem que afirmemos que o cérebro – substância material e em constante mutação – seja a verdadeira causa do pensamento. 

Por outro lado, a inteligência necessita para se expressar, para o seu funcionamento normal, de um cérebro saudável.

Deste modo, o cérebro nada mais é do que o instrumento material de que se vale o espírito, imaterial, para expressar os seus pensamentos. 

Aristóteles notou que pensamos sem órgãos, que o entendimento não está ligado a nenhum órgão corporal, e que pode trabalhar e existir separado do corpo.

Ocorre que, em nosso estado atual, nunca pensamos sem imagens, e a imaginação depende diretamente do sistema nervoso. 

Daí que o pensamento e a inteligência dependem indiretamente do corpo, e em particular do cérebro. 

Assim se explica a desordem na inteligência proveniente de uma lesão cerebral; não porque o entendimento tivesse sido atingido, mas porque essa lesão determina uma perturbação na imaginação, e as imagens extravagantes chamam idéias discordantes e incoerentes.

Se um louco pudesse ter transplantado o cérebro lesado por um outro que fosse são, com certeza pensaria de modo correto. 

Isto porque a desordem e a deterioração dos órgãos não lesam a inteligência em si mesma, mas somente a privam das condições e meios requeridos para o seu funcionamento normal. 

Pode-se dizer que o cérebro é a interface entre o espírito e o mundo material.


A UNIÃO DA ALMA E DO CORPO

Aristóteles, S. Tomás e a maior parte dos espiritualistas não admitem no homem dois princípios de vida. 

Afirmam que além da sua atividade consciente e psicológica, a alma inteligente possui também a faculdade de presidir às funções fisiológicas. 

Desta maneira, a alma seria o único princípio de toda a atividade vital do homem, da sua vida vegetativa e sensitiva, e também de sua vida propriamente espiritual.

Já vimos que a correlação íntima que existe entre as diversas operações da alma pensante (sensibilidade, inteligência e vontade), prova a unidade substancial do princípio de onde elas se originam. 

Esta mesma correlação se verifica entre as operações psicológicas e as funções orgânicas.

Uma comoção violenta da alma faz parar a circulação do sangue, o medo paralisa, e a confiança sustenta as forças físicas; o trabalho intelectual intenso retarda a digestão, etc.; poder-se-ia citar numerosos fatos que provam a influência do físico no moral, e reciprocamente. 

Demonstrada a união da alma e do corpo, como se faz esta união? 

O corpo não existe antes da sua união com a alma. 

Da alma, o corpo recebe a sua unidade, a organização, a vida e atividades próprias, numa palavra, tudo o que faz dele o ser humano.

Assim, o corpo apenas se separa da alma pela morte, quando perde todos estes caracteres, todas as suas determinações específicas, dissolvendo-se nos elementos químicos de que foi formado

Quanto à alma, sem dúvida que existirá separadamente do corpo, vivendo a sua vida espiritual, mas, sem o corpo, não mais poderá exercer as faculdades que exigem o concurso dos órgãos corporais, como a sensibilidade, a percepção externa e a imaginação.

Deste modo se conclui, com Aristóteles, que o corpo é a matéria, e a alma é a forma, e que a união do corpo com a matéria forma um todo verdadeiro e substancial. 

É esta união no ser que faz da alma e do corpo um só princípio de ação, que faz com que não haja ação humana na qual o corpo não faça a sua parte, nem tão humilde e material que não repercuta na alma. 

É este o princípio que coloca em cheque o racionalismo de Descartes, expresso na frase: Penso, Logo, Existo.


A IMORTALIDADE DA ALMA

Com a morte, o corpo se dissolve. 

Acontecerá o mesmo com a alma e morreremos inteiramente? 

O que é a imortalidade?

A imortalidade consiste na sobrevivência substancial e pessoal do eu, na identidade permanente da alma, que conserva as suas faculdades de conhecer e amar, sem as quais não há felicidade humana. 

Após a morte, a alma mantém a consciência da sua identidade, com as lembranças e responsabilidades do seu passado, sem as quais não poderia haver nem recompensa nem castigo – em uma palavra – não existiria o princípio da justiça divina. 

A metafísica demonstra que a alma é imortal por sua natureza incorruptível. 

A razão para a sua sobrevivência após a morte do corpo é demonstrada pelo argumento moral. 

Que esta sobrevivência é indefinida e ilimitada, prova-o o argumento psicológico.

O corpo se desagrega e se dissolve logo que se separa do seu princípio de unidade, da sua forma substancial que é a alma. 

Pelo contrário a alma, sendo como é, metafisicamente simples e espiritual, não pode decompor-se nem se desagregar. Não morre, pois, com o corpo. 

Este é o argumento metafísico da imortalidade da alma.

Se há Deus e lei moral, a justiça exige absolutamente que o crime seja punido e a virtude seja recompensada. 

Neste mundo, nem a natureza, nem a sociedade, nem a própria consciência dispõem de sanções suficientes para recompensar plenamente a virtude ou punir adequadamente o vício; é necessário, portanto, que haja outra vida onde a justiça seja plenamente satisfeita, e a ordem seja restabelecida

Este é o argumento moral, que demonstra a sobrevivência da alma, mas não prova que esta existência seja ilimitada na sua duração.

O argumento psicológico, que prova a perseverança indefinida da existência da alma humana depois da morte, assenta sobre o princípio de que Deus não pode, sem se contradizer a si próprio, dar um fim a um ser, sem lhe dar os meios de o atingir. 

Tudo na natureza do homem prova que ele é criado para atingir a felicidade perfeita; mas é evidente que não a pode alcançar neste mundo, e que deve haver uma outra vida onde a possa obter. 

E como por outra parte não existe felicidade completa sem duração ilimitada, segue-se que essa vida futura não pode e não deve ter limites.

O ser humano aspira a um objeto infinito, a uma verdade, beleza e bondade absolutas, cuja posse nos deve fazer felizes. 

Nossas faculdades superiores possuem capacidade ilimitada, que não se pode satisfazer completamente fora deste bem infinito, que não é outro senão o próprio Deus.

Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto até que descanse em Vós (Santo Agostinho)

Mas, o que encontramos neste mundo que apague esta sede de felicidade do homem, que preencha o vazio deste coração criado para o infinito? 

A natureza é tão limitada e o mundo tão pequeno; esta vida é tão curta e a realidade tão imperfeita!

Queremos amar, queremos viver o mais possível, e por toda a parte só encontramos obscuridade, decepção, sofrimento e morte. 

Assim, é evidente a total desproporção entre os nossos meios e as nossas necessidades.

Se há um Deus sábio e justo, esta contradição não pode ser definitiva; deve haver outra vida onde se restabeleça o equilíbrio entre o que desejamos e o que podemos, uma vida em que sejamos perfeitamente felizes. 

A duração ilimitada da imortalidade é evidente que constitui o elemento essencial da felicidade completa; não se pode gozar plenamente um bem quando receamos perdê-lo. 

A incerteza dói tanto mais quanto maior é o bem possuído. 

Como diria Marco Túlio Cícero:

Si amitti vita beata potest, beata esse non potest
(Se se pode perder a vida feliz, já não se pode ser feliz)

Logo, a vida futura da alma, a imortalidade, não tem fim, é infinita e ilimitada, e a sua tendência natural é a prática da virtude, em conformidade com os desígnios do seu criador, Deus.

Bibliografia
Aristóteles
J.J.Rousseau
S. Tomás de Aquino
Espinosa
Jonh Stuart Mill
S. Agostinho
Bergson

Comentários

  1. O ser humano não se limita a um corpo material mantido em vida por um conjunto de processos físico-químicos. Ele possui também uma faculdade extraordinária: a consciência. Ora, ao contrário do que pensam os ateus, ela não é produto apenas do cérebro. Do ponto de vista espiritualista, ela é um atributo da alma. É isso o que explica por que uma pessoa privada de suas funções cerebrais por causa de um gravíssimo acidente ou de uma doença degenerativa continua, além das aparências, a pensar e a sentir emoções. O fato de seu eletroencefalograma não acusar nada não significa que ela não tenha mais nenhuma consciência, mas apenas que ela está privada de sua fase objetiva, a qual depende efetivamente da atividade cerebral.

    Outro fato notável em todo ser humano: ele não tem consciência apenas de si mesmo, dos outros e do seu meio. Ele também tem consciência do bem e do mal, o que explica por que ele sente a consciência leve e a consciência pesada conforme aquilo que pensa, diz ou faz. Certamente, as noções de bem e mal são um tanto arbitrárias e podem variar de uma cultura a outra, mas sabemos em nossa alma e em nossa consciência” que alguns comportamentos são fundamentalmente bons, ao passo que outros são fundamentalmente maus a ponto de termos vergonha deles. O fato de sermos capazes de discernir uns dos outros e de nos conformarmos a uns mais do que a outros nos traz toda a problemática do livre-arbítrio e dá uma dimensão particular à nossa vida.

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  2. Será possível provar a existência da alma?

    A priori, é impossível. Todavia, ao se considerar aquilo que o ser humano criou de mais belo e mais útil em âmbitos tão diversos tais como a arquitetura, a literatura, as artes, a ciência, a tecnologia etc., como pensar que ele tenha conseguido isso unicamente por meio de sua inteligência cerebral?

    Melhor ainda, ao se pensar nas emoções mais belas e nos sentimentos mais nobres que ele é capaz de sentir e expressar, como o maravilhamento, a compaixão, a fraternidade, a amizade e o amor, como não ver em tudo isso a presença de alguma coisa sublime e divina?

    Mas então: o que é a alma? Do ponto de vista rosacruz, é a energia espiritual que anima o ser humano, no sentido de que lhe dá vida e consciência.

    Como tal, ela impregna todas as células de nosso corpo, assim como o ar que preenche todos os cômodos de uma casa. Ao contrário do que ensina a maior parte das religiões, a alma não se situa num órgão específico, como o cérebro ou o coração, e nem tampouco no sangue.

    A ciência é atualmente incapaz de evidenciar essa energia ou mensurá-la, mas eu não me surpreenderia se ela um dia lograsse fazê-lo e que assim provasse a existência, em cada um de nós, de um corpo etéreo constituído de partículas espirituais.

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  3. Outra questão se apresenta relativamente ao assunto da alma humana: de onde ela provém? Aos olhos da ontologia rosacruz, ela é uma emanação da Alma Universal, ou seja, da Alma que impregna o universo desde suas origens.

    Para retomarmos o que havíamos dito anteriormente, isso quer dizer que todo ser humano é um filho das estrelas, não apenas por causa dos elementos que constituem seu corpo físico, mas também pela essência espiritual que o anima.

    Esta é a razão pela qual em muitos escritos religiosos e também míticos está dito que o homem é uma alma vivente.

    Cada um de nós é, pois, um ser duplo e pertencente a dois mundos – não opostos, mas complementares: o visível e o invisível; tangível e intangível; material e imaterial. É precisamente essa dualidade que confere à nossa existência um objetivo transcendental.

    Para compreender o objetivo de nossa presença na Terra não devemos considerar agora a origem da alma humana, mas sua natureza como tal: ela é perfeita em essência, a exemplo da Alma Universal, designada pelos hinduístas e por alguns budistas pelo nome de Atman (pronunciado Atma em sânscrito). De fato, é nela que reside aquilo a que chamamos qualidades, ou, para retomarmos o termo caro a Sócrates, virtudes, tais como a humildade, a integridade, a generosidade, a tolerância, a benevolência etc.

    Se vivemos na Terra, é para nos conscientizarmos dessas virtudes e exprimi-las através de nosso comportamento, no contato com os outros.

    Em outras palavras, é para evoluirmos espiritualmente e atingirmos algum dia o estado de Sabedoria. É o que ademais ensinaram todos os Mestres e todos os Iniciados do passado, independentemente das épocas e dos lugares em que viveram.

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  4. Certamente, a julgar pelo comportamento atual da maior parte dos indivíduos, seria possível duvidar de que o ser humano é perfeito em essência.

    É por isso que muitas pessoas, dentre as quais “filósofos”, estão convencidas de que, ao contrário, ele é imperfeito por natureza.

    Contudo, elas não podem negar que ele é capaz de se aprimorar. Isto pressupõe que haja nele “alguma coisa” que o incita a se tornar melhor, o que nos lembra as proposições de René Descartes: Como poderia eu saber que não sou perfeito se eu não tivesse em mim nenhuma ideia de um Ser mais perfeito que o meu, e através de cuja comparação eu posso conhecer os defeitos da minha natureza?

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