(Desconheço o autor)
Garibaldi é um caso raro na maçonaria.
Recebeu o título de Primeiro Maçom da Itália, quando o grau máximo sempre foi do Grão Mestre, sem jamais haver assimilado os ritos e a disciplina das lojas.
Simbolicamente, é possível dizer que nunca trocou a camisa vermelha e o poncho pelos paramentos da tradição maçônica.
Mesmo assim, está entre os personagens universais da maçonaria, figurando ao lado de Benjamin Franklin, Bolívar, Washington e Tolstoi, ou entre Salvador Allende, Wald Disney e Federico Fellini.
A primeira loja na Itália surgiu em 1773, em Florença, funcionando segundo as normas ditadas pelos ingleses, constituindo-se numa “nobila ocupazione para os nobres e ricos”, segundo o escritor Anselmo Amaral.
Aos poucos, entretanto, “sofrendo as pressões do papado e do rei, a maçonaria passou a agir sigilosamente, como um dos mais importantes aliados do Risorgimento, dando guarida e apoio aos carbonários e aos adeptos da Jovem Itália.
Seria, daí para diante, uma sociedade realmente moratori (pedreiros do povo)”.
O jovem marinheiro nascido em 22 de julho de 1807 na cidade italiana de Nizza (hoje Nice, na França), entrou em contato com a Jovem Itália em 1833, após o encontro com o filósofo Giuseppe Mazzini.
O movimento Jovem Itália substituiu a carbonária, uma sociedade secreta surgida no começo do século XIX na luta contra os Bourbons, cujos membros tinham o hábito de se reunir nas cabanas dos carvoeiros, no meio das florestas italianas.
As ligações informais de Garibaldi com a maçonaria datam desse tempo.
“Na Itália sob dominação francesa, a maçonaria enfraqueceu-se, mas no espaço que era seu começou a despontar o carbonarismo, que parecia retomar a missão maçônica do ponto em que esta fora abandonada, levando-a adiante em seu sentido libertador”, assinala Alexandre Dumas na introdução a uma recente reedição das “Memórias” de Garibaldi.
No Brasil
Profundamente envolvido numa tentativa de levante organizada por Mazzini, em 1834, Garibaldi foi obrigado a fugir da Itália.
Acabou buscando asilo no Brasil, onde chegou no início de 1836, fixando-se no Rio de Janeiro. Na Capital do Império entrou em contato com diversos exilados, entre os quais o jornalista e estudante de Direito de Gênova, Luiggi Rossetti, também ligado à Maçonaria.
“Ao chegar ao Brasil Garibaldi inscreveu-se, logo, numa das lojas existentes no Rio de Janeiro, conhecida pelo nome de Asilo das Virtudes. A rapidez como o Condottiere italiano foi acolhido, leva a acreditar que ele aportara na Baia da Guanabara com recomendações especiais trazidas do Velho Mundo”, afirma Amaral.
Na Loja Asilo das Virtudes, Garibaldi estabeleceu contato com Tito Livio Zambeccari, que se encontrava preso no Rio de Janeiro com Bento Gonçalves.
Conde bolonhês carbonário que combateu na Espanha, na Cisplatina e desde 1831 estabelecido no Rio Grande do Sul, Zambeccari exerceu importante influência intelectual no movimento farroupilha. "Secretário de Bento Gonçalves.
Chefe do Estado-Maior do comando das forças revolucionárias. Sábio, filósofo, conheceu em pouco tempo o português, que ele habilmente falou e escreveu”, assinala o escritor Dante de Laytano.
Assis Brasil, citado por Laytano, informa que Zambeccari, “filiado desde logo aos Continentinos, e talvez seu instituidor, era assíduo a todas as sessões, onde lia memórias e pregava em repetidos discursos idéias abertamente republicanas”.
Bento Gonçalves, que foi “grau 33 e membro do Supremo Conselho”, recebera a incumbência de “regularizar e filiar em todos os municípios ou freguesias das fronteiras do Rio Grande, que vai percorrer”, segundo a prancha assinada por Tomaz de Lima, Teixeira Gomes, Freitas e Castro e Manoel de Morais”, informa Laytano.
Foi com Zambeccari e Bento Gonçalves que Garibaldi e Rossetti ingressaram na Revolução Farroupilha (1835-1845). Tendo obtido carta de corso da jovem república, os dois partiram a bordo do Mazzini, na companhia de outros italianos, tendo tomado uma sumaca brasileira carregada de café e seguido para o rio da Prata.
Mais tarde, em Montevidéu, filiou-se à Loja Amigos da Pátria. “A maçonaria, ali, era mais moderada e o Nizzardo, assim afastou-se um pouco da linha rebelde”, destaca Amaral.
Em 1838 Garibaldi chega ao Rio Grande do Sul, “onde a maçonaria constituía uma força da revolução. Ou o caráter secreto de suas deliberações ou o seu espírito de ligação nacional e internacional, a verdade é que a Maçonaria e os maçons interpretavam o próprio sentido revolucionário”, complementa Dante de Laytano.
Diz o mesmo autor, com base em “tradição muito difundida”, Garibaldi fez “sua iniciação ou regularizou seu grau em Rio Pardo”.
O pesquisador catarinense Wolfgang Ludwig Rau, autor de uma preciosa obra sobre Anita Garibaldi, fornece informações que contradizem outros autores, embora confirme a participação de Giuseppe na maçonaria.
Diz ele: “Mantinha Garibaldi sua vinculação com a maçonaria, empenhada poderosamente na demolição da resistência retrógrada contra a onda revolucionária na Itália. Do mesmo modo que no Rio Grande do Sul, pertenceu, com Rossetti, à loja Asylo da Virtude, em Montevidéu, era filiado a uma loja italiana, dependente do Grande Oriente de Nápoles, ocupando nela um cargo de direção. Paralelamente, ainda, Garibaldi fazia parte da loja francesa Amis de la Patrie, também em Montevidéu, a qual no tempo dependia do Grande Oriente do Rio Grande.
Tendo assumido o comando da marinha rebelde, Garibaldi participa da expedição a Santa Catarina, onde foi proclamada no dia do seu aniversário, em 22 de julho de 1839, a República Catarinense, em Laguna.
Nessa ocasião, conhece Ana Maria de Jesus Ribeiro, que passaria para a História com o nome de Anita Garibaldi.
Terminada a missão em Santa Catarina, Garibaldi retornou ao Rio Grande do Sul, onde permaneceu alguns anos, seguindo mais tarde para o Uruguai, acompanhado de Anita e do filho Menotti, tendo chegado em fevereiro de 1843.
A fama de Garibaldi já havia chegado ao Uruguai e de lá à Itália. Em Montevidéu foi recebido por maçons (Napoleão Castellini), tendo conseguido emprego e moradia.
Quando precisou regularizar os documentos para se casar com Anita Garibaldi, o italiano contou com o apoio da maçonaria, “por intermédio de seus amigos e irmãos de loja no Brasil”, assinala Rau.
Participante da defesa da capital uruguaia e de outras campanhas militares, conquistou respeito como guerreiro.
Garibaldi acaba sendo conduzido por maçons de volta à Itália, onde as insurreições de 1848 estavam começando.
NA ITALIA
O momento mais significativo do envolvimento de Garibaldi com a maçonaria acontece em 1849, um ano após o seu retorno.
Perseguido pelos austríacos, após o fracasso da República de Roma, Giuseppe e Anita acabam encurralados em Madríole, ocasião em que a catarinense morre em 4 de agosto.
É montada, na ocasião, uma operação secreta, denominada Trafila que, sob o comando de Nino Bonnet, retira Garibaldi do ambiente hostil em que se encontrava.
Em 1860 a Unificação Italiana começa a ganhar força e contorno.
A célebre expedição dos Mil Garibaldi – onde foram colocados em prática os ensinamentos de guerrilha da América do Sul – colocou o italiano no centro da política italiana.
Com a “heróica façanha dos camicie rosse”, segundo Amaral, “Giuseppe teve, para si, aumentadas as atenções da maçonaria.
Começava a encontrar o apoio de que necessitava para reativação da agonizante Fraternidade Universal, a sua meta principal”.
Esse pensamento dominava Garibaldi desde o encontro que tivera com o saint-simonista Barraud, em Constantinopla, no ano de 1833.
É desse tempo o trecho de um discurso de Garibaldi: “Eu sou de opinião que a unidade maçônica determinará a unidade política da Itália. Eu reputo os maçons como uma considerável parcela do povo. Assim ponho de parte as paixões profanas e com a consciência da alta missão que da nobre instituição maçônica me foi confiada creio na unidade moral da nação. Não tínhamos ainda a unidade moral que a Maçonaria pregava, a qual logo aceitamos”.
Poucos meses após a proclamação da República, em 8 de outubro de 1861, foi criado o primeiro Grande Oriente da Itália e a Suprema Ordem da hierarquia maçônica.
É então que Garibaldi recebe o título de Primeiro Maçom, “concedido por Meriti politici muito mais do que por Meriti massonici”, observa Amaral.
Na família de Giuseppe também ocorreu outra exceção – “demonstrando, mais uma vez, quanto o herói de Mille era apreciado pela Maçonaria” – envolvendo a filha Terezita, esposa do general Canzio, que “foi admitida na Loggia di Napoli. Caso único por tratar-se de mulher”.
Seus filhos Menotti e Ricciotti atingiram os graus mais elevados. “O que de fato identificou Garibaldi com a Maçonaria foi o espírito de solidariedade humana, onde repousava a filosofia sua. A fratelanza universali o levou, até, a apoiar a Internacional de Marx, porque pregava o congraçamento de todos os trabalhadores do mundo”, complementa Anselmo do Amaral.
Garibaldi morreu em 2 de junho de 1882, estando enterrado na Ilha de Caprera.
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