O que não se tem escrito sobre a Maçonaria e suas origens!
A tarefa do historiador torna-se mais árdua devido a todo o tempo em que os próprios maçons procuraram adornar a instituição maçônica com lendas, atribuindo-lhe uma tradição secular. Referências bíblicas, pegada Templaria, imagem de construtores de catedrais moldaram a imaginação desta sociedade iniciática, dando-lhe peso e credibilidade no correr dos séculos. O desafio parece, no entanto, grande de distinguir o que é mito ou história.
Batalhas em torno da “primeira” obediência maçônica
Em 1988, o estudioso escocês David Stevenson publicou na prestigiada editora universitária de Cambridge, The Origins of Freemasonry: Scotland’s Century, 1590-1710. (As origens da Maçonaria: o século da Escócia, 1590-1710)
Concebido segundo padrões acadêmicos, com um importante aparato crítico e sem relação com os empreendimentos editoriais de “maçonólogos” e historiadores oficiais de Obediências britânicos, este trabalho erudito era destinado a um público limitado no mundo acadêmico.
No entanto, tornou-se rapidamente uma referência e um verdadeiro sucesso editorial. Relançado em inglês, ele foi ainda traduzido para o francês em 1992 porque causou, em sua época, um terremoto de que certos aduladores da Grande Loja Unida da Inglaterra e de sua “maternidade universal”, como a Grande Loja dos modernos escrevia em francês no texto no século XVIII, ainda não se recuperaram.
Este é, notadamente, o caso de John Hamill autor de uma história institucional autorizada – no sentido que tem as biografias autorizadas: O Craft: Uma História da Maçonaria Inglesa.
De fato, a história maçônica institucional não começou em uma noite de junho 1717 em Londres.
Mesmo se os partidários das origens inglesas da Maçonaria moderna podiam muito bem insistir em referências à ordem no Diário do estudioso Elias Ashmole em meados do século XVII, a história das origens estava por ser reescrita, um projeto que ainda está bem aberto até hoje.
O legado disputado do Duque de Wharton e do conde de Clermont
Também na França, as datas de fundação e prioridade cronológica criam debate e mesmo controvérsia, especialmente entre a Grande Loja de França e do Grande Oriente de França.
As referências históricas estão muito presentes nos elementos e meios de comunicação usados pelas potências, a fim de desenvolver e fundamentar a sua legitimidade sobre sua anterioridade e, daí o seu caráter “venerável”.
A Grande Loja de França faz, assim, clara referência a 1728 para se colocar como primeira – no sentido de a mais antiga – potência francesa, jogando com a identidade de seu nome com o de uma potência, muitas vezes chamada de Grande Loja ou Grande Loja de Paris, e raramente Grande Loja de França. Lemos, assim no site oficial da potência: “1728: Philip, duque de Wharton tornou-se Grão-Mestre da Grande Loja de Paris (ou Grande Loja de França) Nascimento Histórico da Maçonaria Francesa.
É em 1732 que a primeira loja francesa fundada em Paris recebeu a carta constitutiva da Grande Loja de Londres. Lojas inglesas tinham existido na França desde 1728, talvez até mesmo 1726. Muito rapidamente, outras Lojas francesas foram criadas nas províncias.
Em 1738 todas essas lojas constituíram a primeira Grande Loja de França “. O selo atual da Grande Loja de França faz certas referências a 1894, mas esta segunda data de referência é apresentada como a da “reconstituição da Grande Loja da França a partir das Lojas da Grande Loja Central que viria a gerar em 1804, desde Napoleão I, os três primeiros graus simbólicos no seio da Jurisdição do Supremo Conselho de França. ”
O uso histórico e político das comemorações
Atualmente em circulação, um cartão de votos da Grande Loja de França também retoma o “selo da Grande Loja de França às armas de Louis de Bourbon-Condé, conde de Clermont, Grão-Mestre”, cuja morte em 1771, historicamente, abriu o caminho para a reorganização da potência pelo duque de Montmorency-Luxembourg em benefício de outro filho da França, o duque de Chartres, futuro duque de Orleans, Grão-Mestre do Grande Oriente de França.
A Grande Loja de França contemporânea se coloca, portanto, como herdeira de uma Grande Loja que os historiadores tradicionalmente apresentavam mais como a antecessora do Grande Oriente de França, que em 1771-1773 teria assumido a rede de uma potência atormentada por uma sucessão de crises intestinas que a levaram à implosão.
Ao mesmo tempo, o Grande Oriente de França reivindica em seu selo: 5728-5773, ou seja, o primeiro grão-mestrado do Duque de Wharton e a fundação de 1773. A atividade editorial está em pleno andamento, sem esperar por 2017 e a esperada comemoração de três séculos de Maçonaria.
Lendas de fundação e invenção da tradição
A história é um assunto delicado entre os maçons, pois a Maçonaria não é apenas um clube para homens entre outros; ela faz ingressar seus membros em um universo iniciático com a sua relação com o espaço-tempo em ruptura com o desregulamento do espaço-tempo profano. Aqueles que dominam o tempo ganham não só em respeitabilidade, eles ganham em confiança e podem dar às suas lojas ou às suas potências cartas de nobreza autênticas cuja apresentação deve-se impor. É um aspecto essencial do funcionamento das sociedades do Antigo Regime.Os estudiosos e seus patronos aristocratas que levaram a Grande Loja de Londres às pias batismais o compreendiam muito bem.
Este é o desafio essencial das edições sucessivas das Constituições de Anderson que espelhavam os estatutos e regulamentos de outros corpos contemporâneos, como a Royal Society, para inventar uma tradição e montar a genealogia mítica da ordem maçônica desde Adão, ”nosso primeiro antepassado, criado à imagem de Deus, o grande arquiteto do Universo”. Claro, essa genealogia é inventada e falsa, mas ela é produzida em um momento em que as casas aristocráticas que têm ambições de primeira grandeza, não hesitam, elas mesmas, em reivindicar ilustres antepassados: os Grimaldi de Mônaco afirmam, assim, descender dos Merovíngios.
E os pais fundadores da Ordem que tinham uma educação clássica, sabiam que a família de Júlio César, o Julii, reivindicava descender da própria Vênus.
A missão que o Grão-Mestre Duque de Montagu confia ao Pastor James Anderson é, portanto, essencial. Na segunda edição (1738) das Constituições, Anderson recorda que “os maçons […] não tinham o Livro das Constituições que só foi impresso quando sua Graça, o presente Duque de Montagu, em seguida, Grão-Mestre, ordenou-me ler os antigos manuscritos antigos e compilar estas Constituições, bem como uma cronologia exata”.
Trata-se de mergulhar nas Old Charges, ou “Antigas Obrigações” dos maçons operativos a fim de retirar o assunto para uma história oficial da Maçonaria imemorial: “Fazer dessas novas constituições, aprovadas em 1723, um relato verdadeiro e justo da Maçonaria desde o início do mundo até o Grão Mestrado de Sua Graça, conservando tudo o que era realmente antigo e autêntico nos antigos”.
Esta invenção da tradição maçônica e as histórias lendárias que daí resultam têm como vantagem apresentar alta plasticidade. De acordo com o contexto político, institucional ou dinástico, pode-se colocar os holofotes sobre tal evento, tal figura célebre, ou, ao contrário, se eles se tornam um tanto incômodos, os ocultar.
Foi preciso, portanto, que os fundadores da Grande Loja de Londres encontrassem um lugar de destaque na nova dinastia Hanover, esses soberanos originários da Alemanha que sucederam a Anne Stuart em 1714, e se desligar dos pretendentes Stuart no exílio no continente, e seus partidários, os jacobitas.
Insistir na intervenção decisiva dos reis da Inglaterra na organização harmoniosa e rigorosa da Maçonaria operativa na Idade Média, permite por vezes buscar patrocínios e proteção semelhantes dos soberanos atuais para aqueles que tinham beneficiado os maçons operativos sob seus distantes antecessores, e estabelecer uma filiação direta entre a Maçonaria Especulativa e a Maçonaria operativa, rejeitando qualquer ideia de solução de continuidade entre as duas.
Anderson enfatiza o papel do rei Athelstan, “de sangue Saxão” … como os Hanoverianos que ele chama de “reis saxões da Grã-Bretanha”, na edição de 1738. Athelstan teria concedido aos maçons “um estatuto para se reunir em Loja Nobre, com bons regulamentos retirados de antigos escritos pelo Príncipe Edwin, filho do rei, na edição de 1723 e de seu irmão na de 1738, brilhante Mestre Geral, que reuniria em breve em York os Irmãos e nesta Loja lhes comunicaria a todos”.
Os fundadores da Grande Loja de Londres nada fizeram além de renovar as práticas dos fundadores da Maçonaria operativa medieval.
Longe de ser uma novidade perigosa, sua fundação seria de fato uma restauração …
É lógico que os maçons franceses fizeram o mesmo para enfatizar a antiguidade e prestígio de “sua” Maçonaria. A referência britânica não foi morta, porque apesar da rivalidade anglo-francesa ao final do século XVIII, a anglomania era uma realidade e uma origem do outro lado do Canal da Mancha, particularmente lisonjeira.
Mas de forma significativa, observa-se que a referência escocesa é muitas vezes preferida à referência inglesa. Ela permite glorificar o tempo da “Auld Alliance” com a coroa da Escócia, o tempo em que os reis da França cercavam-se por uma guarda escocesa, e especialmente para celebrar a recepção por Louis XIV de seu primo destronado Jacques II Stuart, rei da Inglaterra e da Escócia sob o nome de Jacques VII, a quem o Rei Sol ofereceu o castelo de seu nascimento em St. Germain en Laye.
A emigração dos jacobitas para a França e a Europa continental, a história de sucesso de alguns membros dessa diáspora tornar-se-iam assim lisonjeiras para a Maçonaria Francesa. A Grande Loja poderia muito bem orgulhar-se de ter sido presidida por Grãos Mestres ‘jacobitas’ como Mac Lean ou Darwentwate.
A invenção de uma Maçonaria cavalheiresca, cristã e Templaria
Mas coube ao cavaleiro André Ramsay, ele mesmo de origem escocesa e de sensibilidade jacobita adicionar uma outra peça à invenção da tradição maçônica em seu famoso Discurso, a da cavalaria.
Mas, se o Século das Luzes se apaixona pela Antiguidade e sua redescoberta monumental e artística, ele lê vorazmente os contos de fadas e épicos de cavalaria encontrados na literatura popular (a biblioteca azul de Troyes), mas também nas bibliotecas dos príncipes.
Para Ramsay e, em seguida, para todos os que desenvolveram relatos lendários sobre a trama que ele propõe, a passagem da Maçonaria na França significa sua entrada em uma era cavalheiresca e cristã, que é a marca registrada de fábrica da Maçonaria francesa e seus altos graus, mesmo sendo qualificada como escocesa.
Importada das Ilhas Britânicas, a Maçonaria torna-se uma recriação francesa que lhe dá um brilho notável. Portanto, ela pode, a exemplo de outros modos franceses do Iluminismo, partir para a conquista da Europa.
O sucesso desta invenção será prodigioso, pois ela reúne os gostos e expectativas daqueles que a Maçonaria pretende recrutar, e para aqueles de origem social mais modesta, ela oferece um fantástico mergulho na grande história e neste universo medieval.
No seio do universo da cavalaria, os Templários ocupam um lugar especial, devido ao destino trágico desta ordem de monges soldados, cuja lenda diz que alguns conseguiram se refugiar na Escócia e ali esconder seu tesouro e seus segredos.
O sucesso de romances contemporâneos como os de Dan Brown mostra até que ponto o filão é rico. Mas é claro no século XVIII que o enxerto Templário foi feito em uma Maçonaria de essência cavalheiresca, cristã e “escocesa”.
O sucesso da reforma maçônica vinda de Saxe sob o nome de Estrita Observância Templária é fulgurante. Ele também permite a seu iniciador, o Barão von Hundt, evocar seu encontro com os Superiores desconhecidos, muitas vezes identificado com os Stuarts, que, escoceses, poderiam remontar ao fio perdido da tradição templária.
De 1717 até a véspera do aniversário de 2017, a Maçonaria moderna pensa, portanto, sua história em modo genealógico, estabelecendo filiações, exaltando antepassados ilustres, obscurecendo outros.
O trabalho de memória é confundido ainda muitas vezes com o trabalho do historiador. Fazer o esforço de uma abordagem histórica e, portanto, distanciada não é simples, especialmente no contexto da Maçonaria, porque isso exige colocar a ênfase sobre certas ambiguidades, desafiar algumas lendas lisonjeiras, e mesmo renunciar a certas paternidades, enquanto exaltar a memória e comemorar são muito mais simples.
O falso na Maçonaria
Os séculos XVII e XVIII que veem se constituir a Maçonaria moderna são também aqueles onde o trabalho do historiador reivindica para si uma erudição acadêmica, atenta ao estabelecimento crítico das fontes sobre as quais se baseia.
Não se trata mais de contar histórias agradáveis; é preciso provar o que se afirma. Assim, uma vasta obra de exumação dos estatutos medievais para remontar às origens, tanto das dinastias, cidades e seus privilégios, quanto de abadias.
No entanto, devido aos caprichos da história, invasões, saques e incêndios, os documentos autênticos, muitas vezes desapareceram. Para substituí-los, muitas falsificações foram forjadas. O mesmo vale para as relíquias que atraem peregrinos, ou para objetos de arte que atraem os colecionadores.
A Maçonaria que reivindica vir das guildas medievais e ter iniciações idênticas não poderia escapar dessa fabricação de falsas cartas constitutivas, especialmente porque muitos aventureiros entenderam que eles poderiam fazer “comércio de Maçonaria”. O exemplo da loja mãe de Marselha que desafia abertamente a autoridade do Grande Oriente da França e funda lojas em todo o Mediterrâneo até as Índias Ocidentais é um bom exemplo.
Segundo a lenda de fundação acreditada pela loja São João da Escócia, ela teria sido constituída por um aristocrata Jacobita, um certo Duvalmon, que teria agido sob a cobertura da Grande Loja de Edimburgo … que, no entanto, não conserva nem indícios.
Em troca de correspondência com o Grande Oriente em 30 Messidor Ano XII (19 de julho 1804), lê-se: “A Loja St Jean d’Écosse foi legitimamente constituída em outubro de 1751 por um membro da Soberana e Respeitável Loja de Edimburgo. O título existe em original e teve a obrigação de sua conservação durante os tempos infelizes que suspenderam por muitos anos as Reuniões Maçônicas”.
No entanto, a oficina tem apenas cópias dos originais para apresentar para fundamentar suas pretensões … O exemplar dos Regulamentos Gerais, extraídos dos Antigos Registros dos usos de lojas escocesas com as alterações feitas durante a grande assembleia realizada em Edimburgo em 11 de julho 5742 para servir como regra a todas as lojas desse rito, texto emanado de William, Earl of Kilmarnock é uma cópia do século XIX de uma primeira cópia datada de 1784 … e por boas razões.
A Loja-mãe de Marselha obviamente criou sob medida um texto que lhe dá autoridade sobre sua fundação e a torna independente de Paris.
Maçonarias Verdadeiras ou Falsas?
O sucesso da Maçonaria no século XVIII, muitas vezes deu a ideia a ex-maçons ou mesmo leigos de adotar a totalidade ou parte das estruturas, vocabulário e símbolos maçônicos, para desenvolver seus próprios objetivos, ou os dissimular atrás de uma fachada maçônica.
Isso é particularmente verdadeiro no contexto de conspirações políticas do início do século XIX, após a queda do Primeiro Império.
Como os regimes políticos reacionários e a polícia agora veem a Maçonaria como um dos principais catalisadores da desordem social e política, eles também tendem a identificar loja maçônica e sociedade secreta com um projeto conspiratório.
Este é o caso da perseguição de liberais espanhóis, bem como de liberais franceses e carbonários.
Na América Latina, a lenda atribui a conquista da independência e do poder à custa do Império Espanhol à geração de libertadores latino-americanos que Francisco de Miranda (1749-1816) teria iniciado em Londres, em sua “loja” conhecida sob o nome de Grande Reunião Americana ou Sociedade de Cavalheiros racionais.
Eles teriam, em seguida, difundido a Maçonaria em “lojas” Lautaro (em homenagem a um chefe indígena do Chile) em Cádiz e depois em Buenos Aires e Santiago. Mas, as “lojas” Lautaro não fazem qualquer referência à Maçonaria – a de Santiago cujos regulamentos foram publicados, de fato, não prevê qualquer iniciação de seus membros – e têm objetivos puramente políticos e insurgentes. Quanto a Bolívar, cuja filiação maçônica é comprovada, nenhum documento comprova sua filiação a uma das trinta lojas que operavam na Venezuela, em Gran Colombia e em Equador.
A mesma ambiguidade existe na Rússia no início do século XX. Reorganizada a partir de 1910, o Grande Oriente dos Povos da Rússia com vocação segundo seus líderes de preparar as eleições para a IV Duma (1912) e congregar independentemente de partidos, elementos da oposição ao regime czarista.
A politização da Maçonaria é evidente durante a Primeira Guerra Mundial, mas como a estrutura maçônica não é a ação mais apropriada, vemos que em janeiro-fevereiro de 1917, os membros do Conselho Supremo mais ativos (A.I. Konovalov, A.F. Kereniski, N.V. Nekrasov, A.V. Kartachev, N.D. Sokolov e A. Ia. Halpern) passam de uma Maçonaria politizada para a criação de um grupo político, derivado da Maçonaria, mas agora destacado dela. Depois da Revolução de Fevereiro, alguns dos irmãos cessam significativamente os trabalhos em loja.
A presença de muitos comissários maçons enviados aos ministérios pelo Comité Provisório da Duma não deve, portanto, sugerir que a Revolução de fevereiro 1917 foi feita por maçons nessa capacidade.
Publicado em 01 de abril de 2016, em Revista Franc Maçonnerie
À medida que as pesquisas avançam, a história dos primeiros dias da Maçonaria Inglesa parecem mais complexas do que aquilo que é dito ou imaginado até agora. Este é o caso do conflito fundamental que abalou a Maçonaria do outro lado do Canal durante quase 60 anos: a disputa entre os “Antigos” e “Modernos” (1751/1753-1813).
ResponderExcluirSobretudo estudado como um assunto interno na Inglaterra, ao que parece, hoje, se você quer renovar e aprofundar a questão é preciso levar em conta o ambiente britânico, especialmente Irlandês, incluindo a Maçonaria continental e principalmente a Maçonaria francesa.
Assim é que desde 1928, Philipp Crossle, grande historiador da Maçonaria irlandesa, chamou a atenção para as especificidades desta Maçonaria, em particular para a existência de um sistema de 3 graus ou etapas, anterior ao sistema revelado por Samuel Prichard em 1730, dotado de um conteúdo diferente do que compreendia o Real Arco. Ao fazer isso, Crossle propunha implicitamente a questão do aparecimento e da influência dos altos graus na história geral da Maçonaria.
Por outro lado, se, conforme mostrou Alain Bernheim, as Maçonarias britânica e francesa eram para os graus azuis, substancialmente idênticas até cerca de 1750 (até o aparecimento dos “Antigos”), é verdade que o afloramento dos altos graus na França a partir dos anos de 1740 terá um impacto sobre a Maçonaria Inglesa a partir do fim do século.
Isso quer dizer que a maneira usual de olhar para este conflito como uma disputa entre um Inglês perfeitamente definido e imutável representado pela GL de 1717 e chamada “Modernos ” e um sistema importado da Irlanda pelos “Antigos” , sem dúvida tem de ser renovado.
Para tomar só um problema, por exemplo, o Real Arco que se considera ter sido importado da Irlanda para a Inglaterra pelos “Antigos”, como explicar o fato de que a lenda deste grau que em breve seria conhecido na Inglaterra é diferente da que foi desenvolvida na versão irlandesa, mas muito próxima da lenda contida nos rituais franceses do chamado “Royale Arch”?
ResponderExcluirEstá claro que a história da Maçonaria Inglesa não se resume na história da Maçonaria na Inglaterra no “sentido estrito”. É, na verdade, a história da Maçonaria sofreu todos os tipos de influências, internas e Inglesas, é claro, mas também externas, irlandesas e francesas. No segundo terço do século XVIII, foi criado portanto na Inglaterra um sistema maçônico que é o produto de todas estas influências e, que evidentemente, também influenciou, por sua vez, outras Maçonarias , particularmente na França. Aparece assim uma história franco-britânica que tenta cercar todas essas influências e reler uma série de problemas relacionados com as origens da Maçonaria: Instalação do Mestre da Loja, o Real Arco, etc.
A disputa entre “Modernos” e “Antigos” é uma disputa fundamental da maçonaria Inglesa. Classicamente, ela é enunciada assim: até 1750, a Maçonaria Inglês está unida e uniforme. Em 1751, aparece uma nova organização maçônica que vai se chamar “GL dos FM segundo as antigas instituições” ou mais simplesmente “GL of the Antients”. A GL de 1717 será chamada, impensadamente “GL dos Modernos” (e hoje “Primeira Grande Loja”). Esta GL dos Antigos foi principalmente fundada por maçons irlandeses que viviam em Londres, mas que negavam os usos da GL de 1717, que em 1750, já estava amplamente difundida por toda a Inglaterra.
Até o final do século XIX, a teoria segundo a qual a GL dos “Antigos” era uma divisão ou cisma da GL dos Modernos era comumente aceita. De acordo com esta tese, certo número de lojas teria deixado a GL em Londres e criado uma nova obediência com forma de negar as inovações negativas que tinham sido trazidas ao Craft pela referida GL. Essas inovações, entre as quais a famosa história da inversão das palavras sagradas (J-B ou B-J), tinham aparecido na década de 1730, e logo elas teriam se tornado muito numerosas (até ao ponto de se tornar inaceitável) que certas Lojas teriam decidido na década de 1750, voltar aos antigos usos e deixar a GL de 1717. Esta tese foi, evidentemente, defendida pelos mesmos “Antigos” e desde 1756 com a publicação do livro das Constituições Aimã Rezom de Laurence Dermott. Henry Sadler (em Fatos Maçônicos e Ficções) mostrou definitivamente em 1887 que a fundação de 1751 não era o resultado de um cisma, mas que era “algo novo” e, portanto, tem uma origem diferente da GL de 1717.
ResponderExcluirNa verdade, é uma Grande Comissão que aparece em 1751 e leva o título de GL a partir de 1753, quando teve um irmão de nascimento nobre a presidi-la como Grão-Mestre. Os primeiros membros eram irlandeses emigrados para a Inglaterra. Eles provavelmente teriam tido dificuldade em se tornar maçons em Lojas Inglesas. Além disso, estas Lojas praticavam uma Maçonaria demasiadamente diferente da sua, o que tornava quase impossível uma integração na GL de 1717. Então, teriam fundado sua própria GL onde pudessem praticar os usos que tinham trazido da Irlanda e teriam proclamado sua antiguidade com relação à Maçonaria Inglesa.
A classificação de “Antigos” atribuída a uma GL, que tem 30 anos menos que aquela mais vela pode parecer estranho, polêmico e injusto. Certamente, mas além dessa disputa de palavras, não devemos esquecer as questões fundamentais:
Quais são as diferenças efetivas entre ambas GG LL?
Entre os diferentes usos, quais verdadeiramente eram os mais antigos, e, nesta perspectiva, quando, onde, como, por que teria sido dado a passagem dos usos antigos para os usos modernos?
Estas duas questões apenas têm, até hoje, respostas satisfatórias.
Parece que se pode renovar esta problemática estudando a Maçonaria na Irlanda.
ResponderExcluirO conhecimento da Maçonaria irlandesa necessariamente envolve o estudo de uma obra seminal de John Herron Lepper e Philipp Crossle, História da GL dos maçons Antigos e Aceitos da Irlanda, Dublin, 1925, reimpresso em 1987.
Nesta obra, os autores mostram que existem provas documentais da existência de uma Maçonaria especulativa na Irlanda, antes que também se tivesse a certeza documental na Inglaterra. Assim, nos arquivos do Trinity College de Dublin, um documento menciona a existência de uma Loja da Maçonaria (essencialmente reunindo alunos) em 1688. Outro manuscrito do Trinity College, que é datado de 1711, descreve um sistema em 3 etapas. Em 1725, a recitação de uma procissão público testemunha a existência de uma GL na Irlanda. Em 1730, finalmente, são publicadas as Constituições chamadas de Pennel, próximas do texto de Anderson, com a diferença importante de que o grau de Mestre, que não é o caso no texto Inglês de 1723, que terá de esperar pela edição de 1738.
Assim, descobrimos que todas as manifestações conhecidas da primeira Maçonaria irlandesa são notáveis ou por sua data ou pro seu conteúdo. À vista destes documentos, resulta que a Maçonaria irlandesa é antiga e diferente da primeira Maçonaria Inglesa.
Sobre a origem sociológica desta maçonaria irlandesa, podemos emitir duas hipóteses. Seria uma Maçonaria puramente irlandesa ou celta ou (A Irlanda que foi de fato ocupada pela Inglaterra) uma Maçonaria de colonos ingleses instalados na Irlanda (os Anglo – Irlandeses). Estes últimos compunham a aristocracia do país e estavam, essencialmente, agrupados em torno de Dublin. Esta hipótese parece ser a mais crível e a primeira Maçonaria irlandesa aparece cada vez mais como uma Maçonaria Anglo-Irlandesa. No entanto, nem todos os colonos faziam parte da aristocracia. Constitui-se assim uma imigração anglo-irlandesa pobre e muito próxima da população nativa da Irlanda, de modo que a emigração irlandesa para a Inglaterra desta vez no século XVIII, é essencialmente toda ela uma emigração de anglo-Irlandeses. Podemos então imaginar, por que nenhum documento confirma isso efetivamente; por que esses emigrantes anglo-irlandeses, de baixa classe, com a sua própria Maçonaria tiveram uma recepção pouco entusiástica nas Lojas inglesas, ainda mais que elas tinham um grau – e é na perspectiva que se pode rever a questão do Real Arco – superior ao grau de Mestre e desconhecido pelos ingleses (o Real Arco atual foi profundamente modificado em 1835), que consideram, conforme descreveu Laurence Dermott nas Constituições dos Antigos, “como a raiz, o coração, a medula óssea da Maçonaria” e que conseguiram por outro lado, impor, definitivamente, sobre a prática maçônica Inglesa.
ResponderExcluirEm 1778, em uma edição das Constituições, Laurence Dermott elabora uma lista de queixas que os “Antigos” lançam contra os “Modernos”. O abandono ou a ignorância da instalação secreta dos VV MM, instalação essencial, já que no sistema dos “Antigos” abre o caminho para o Arco Real, é crível. De fato, a instalação é desconhecida na Inglaterra – pelo menos não há qualquer comprovação documental – antes de 1760 e a divulgação dos “Três batidas distintas”. Mas, além desta acusação, as outras queixas são carente de fundamentos documentais e até mesmo são contrárias a todos os documentos conhecidos. Isto é:
O abandono das orações durante as cerimônias maçônicas.
O abandono da celebração das Festas de São João.
A inversão da ordem das palavras sagradas.
Em suma, se você toma o que é testemunhado, dois dados principais podem efetivamente definir a originalidade dos “Antigos” em relação aos “Modernos”
ResponderExcluirSua antiguidade.
A contribuição da instalação secreta e do Real Arco.
Phillip Crossle, em um famoso artigo, “O Rito Irlandês”, propõe uma interpretação sutil da hierarquia dos graus na Irlanda por volta de 1730. Nas Constituições de Pennel, existem 3 fases, Aprendiz, Companheiro, Mestre, mas elas não correspondem aos três graus homônimos da Maçonaria inglesa conforme eles são definidos na divulgação de Prichard (1730). Segundo a teoria de Crossle, podemos estabelecer o seguinte quadro:
Irlanda Inglaterra
Aprendiz Aprendiz e Companheiro
Companheiro Mestre
Mestre = Instalação e Real Arco
Estudando este artigo, tentaremos reler a disputada dos “Modernos” e dos “Antigos” e faremos as perguntas sobre a origem e a antiguidade provável da Maçonaria dos “Antigos” assim como as fontes dessa Maçonaria.
Pode-se parecer que os “Antigos ” eram muito mais pessoas simples praticantes de uma “técnica ritual” mais rigorosa que a dos “Moderno”, a uniformização das duas Grandes Lojas teria sido muito rápida e já estava bem avançada no início de século XIX, até incluir o nível de Grande Mestre, o que explica o União de 1813. Naquela época, a origem irlandesa dos “Antigos” tinha praticamente desaparecido.
As relações entre a Irlanda e a Escócia são antigas. A tribo primitiva da Irlanda, são os “Scots”. Por outro lado, na época das 2 GG LL rivais inglesas, a GL da Escócia mantinha relações amistosas com os “Antigos” e o Real Arco seria fácil e rapidamente implantado na Escócia.
Vimos que o entendimento da disputa entre “Antigos” e “Modernos” (1751-3/1813) precisa considerar a história da Maçonaria irlandesa. Dois autores importantes, Heron Lepper e Crossle nos ajudar a fazer isso. Assim é como pudemos determinar que, de todas as queixas criticadas aos Modernos pelos Antigos, duas realmente precisam ser examinadas: a antiguidade efetiva dos usos destas duas GGLL, e a questão da instalação secreta e do Real Arco, este último ponto que propõe implicitamente a questão dos graus maçônicos. De fato, se em 1730 existem na Inglaterra e também na Irlanda, sistemas maçônicos de 3 graus, parece que estes sistemas não tiveram a mesma antiguidade e não se referem à mesma realidade. Como, então, foi estabelecido o sistema dos graus na Irlanda? Isto é o que vamos estudar através de um notável artigo de Phillip Crossle, “O Rito irlandês”.
Vamos primeiro lembrar que as “ilhas britânicas” são formadas por três países muito diferentes e, muitas vezes conflitantes: Inglaterra, Escócia e Irlanda. O mesmo acontece quando se tenta estabelecer uma distinção as Maçonarias desses países. A história da maçonaria irlandesa é completamente diferente da história da Maçonaria Inglesa. Pillip Crossle ilustra a profunda originalidade do sistema maçônico irlandês antes de 1750.
As origens da Maçonaria na Irlanda são muito obscuras. Poderia ter sido importada da Inglaterra (no final do século XVII, nos anos 1680)?, A Irlanda era nessa época uma colônia britânica. Esta Maçonaria irlandesa seria, portanto, aquela dos anglo-irlandeses, que teriam formado uma espécie de aristocracia que dominaria a Irlanda? Além disso, essa aristocracia também está separada do país, não só no econômico e social, mas também no plano religioso: é anglicana, enquanto os nativos irlandeses são católicos.
ResponderExcluirNo início do século XVIII, a “maçons obediencial” aparece na Inglaterra por volta de 1717-23, e em seguida, na Irlanda em 1725, mas, aparentemente, de modo completamente diferente. Lembremos, com efeito, que esta Maçonaria irlandesa, embora provavelmente de origem Inglesa, é atestada desde 1688 e, após cerca de 40 anos, evoluiu por própria conta, independentemente da Inglaterra. Na década de 1720, é, portanto, muito provável que as Maçonarias inglesa e irlandesa eram muito diferentes, embora de antiguidade igual, e até se poderia formular a hipótese de que os irlandeses terem conservado usos que os próprios ingleses teriam alterado ou perdido, o que teria constituído de fato um tipo de maçonaria Inglesa antiga (convertida em irlandesa). É aqui onde se poderia a ancorar a alegação de antiguidade sempre proclamada pela GL de 1751-3.
Em 1730, a GL da Irlanda publicou seu livro das Constituições chamadas de Pennell. É descrito ali pela primeira vez, oficialmente, um sistema em 3 graus: aprendiz, companheiro e mestre. Recordemos que as Constituições de 1723, em Londres, havia estabelecido uma maçonaria de 2 graus, o que é atestado em 1730, por uma divulgação e pela primeira vez na Inglaterra, o grau de Mestre, divulgação que será condenada pela GL de Londres, e só em 1738 o grau de Mestre será oficializado na 2 ª edição das Constituições inglesas.
Phillip Crossle observa, assim, que o texto de Pennel descreve explicitamente 3 graus. Além disso, diz-se que um diácono, um vigilante, um mestre eleito, um GM adjunto que já tenha sido “companheiro” pode receber o grau de “Mestre” após sua instalação. Para explicar essas esquisitices, e é toda a tese de Philipp Crossle, é preciso entender que as palavras “aprendiz”, “companheiro” e “Mestre” não tinham, naquela época, o mesmo sentido e não designavam a mesma coisa na Irlanda e na Inglaterra. Crossle nos explica que não se pode colocar no mesmo plano o texto oficial das Constituições de Pennell e a divulgação de Prichard reconhecida em sua época pela GL de Londres. Na Irlanda, em 1730, o grau de aprendiz corresponderia ao conteúdo dos graus de aprendiz e de companheiro na Inglaterra; o grau de companheiro corresponderia a um conteúdo próximo (mas possivelmente sem lenda) do que seria no futuro o grau de Mestre na Inglaterra; e o grau de Mestre, sempre na Irlanda, descreve em essência o que será conhecido mais tarde sob o nome de “Royal Arch”. Isso justificaria a principal queixa dos Antigos (irlandeses) contra os Modernos (ingleses), ou seja, que estes últimos ignoravam o Real Arco, e explicaria também que a introdução do Real Arco na Inglaterra tenha aparecido como um quarto grau.
A tese de Crossle se encaixa perfeitamente, pois até onde conhecemos a origem dos graus (no final do século XVII na Inglaterra, na Escócia, na Irlanda, o conteúdo dos graus de aprendiz e companheiro – anos 1730 – estava reunido somente no grau de aprendiz, enquanto o grau de parceiro continha o essencial do que será o grau de Mestre), adicionando a este um novo elemento: o grau de Mestre na Irlanda, ou Real Arco.
ResponderExcluirE quando a Laurence Dermott, uma figura de proa dos Antigos, personagem pouco conhecido, que alguns pensam que teria sido um católico, já é maçom quando chega à Inglaterra. É provavelmente que sua acolhida nas lojas inglesas fosse, enquanto irlandês, difícil, ainda mais quando os usos e conteúdos dos graus eram muito diferentes graus ou distribuído de outra forma em relação ao que havia conhecido e havia recebido na Irlanda. E, especialmente, faltava ali o Real Arco. Este grau, portanto, será introduzido na Inglaterra, mas no sistema existente anteriormente, e se fará como uma espécie de quarto grau inglês.
Isto causará problemas – a disputa entre os Antigos e os Modernos demonstra isso – porque o Real Arco não é para os Antigos, um alto grau, mas plenamente integrados aos graus do Craft. Até é, de acordo com a famosa fórmula de Dermott, “a raiz, o coração e a medula da Maçonaria.” A hipótese de Crossle vai nessa direção: o primeiro em Sistema maçônico em 3 graus é irlandês e contém o Real Arco.
A querela entre os Antigos e os Modernos aparece, além dos problemas de pessoas como o choque de duas culturas e de duas concepções diferentes de Maçonaria.