Muito questionam as vozes populistas sobre o interesse e o sentido da existência da Maçonaria.
As tradições iniciáticas são, com toda a naturalidade, alvo de olhares inquisitoriais que se alimentam numa gramática quase tão antiga como elas próprias: o secretismo, a construção de conspirações, a proteção e o apoio levados ao nível da corrupção, ou o domínio social sobre a maioria são alguns dos tópicos mais correntes na visão popular sobre a Maçonaria.
Nos momentos de crise, quando se afirmam correntes detentoras de verdades inquestionáveis e claras, quando são tentadoras as definições que indicam caminhos certos, seguros e sem dúvidas, esta maçonofobia ganha, quantas vezes, dimensão de atentados, de violência física como começamos hoje a assistir, fazendo-nos recordar tempos não assim tão distantes quando grande parte da Europa viveu debaixo da escuridão dos totalitarismos.
Contudo, se o bom conselho em tudo nos levaria à adoção de posições mais recatadas, amigas e potenciadoras de posições defensivas, hoje o momento é exatamente o de fazer o posto desse alheamento prescrito, devendo a maçonaria afirmar da mais límpida forma os conteúdos que marcaram e nos distinguem como civilização.
E as civilizações movem-se num tempo longo onde as alterações dos dias pouco ou nada significam. Mas, para que o não signifiquem, esse tempo longo alimenta-se da hierarquia dos valores que são a cola das diferentes partes das sociedades.
Não só a Maçonaria, como todas as tradições espirituais humanistas, devem dar o alimento fora da voragem do tempo imediato e dramático que é tão natural nas crises como a que vivemos.
A Maçonaria, como guardiã dos valores da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, tem de conseguir fazer com que o cimento social, apesar das tensões do momento, não seja outro que não essa base que nos fundou civilizacionalmente longe do obscurantismo e perto da crítica.
Contudo, esta aparente evidência vinda ao de cima em contexto de pandemia, em nada nos deve descansar, uma vez que todo o restante quadro de valores está em grande modificação, seja no que respeita às Liberdades, à Igualdade e, muito pior, à Fraternidade. Se o dito “Pacote da Modernidade” parece ter ainda uma eficácia significativa quando se trata da sua aplicabilidade na doença, em tudo o resto a natureza crítica do humano parece estar cada vez mais afastada das nossas sociedades e dos nossos concidadãos.
E é exatamente na junção entre a necessidade do alimento espiritual e o tempo que não se esgota no “aqui e agora”, que a gramática dos símbolos ganha um lugar da máxima importância. Paralelamente à descoberta de uma vacina contra este vírus que reduziu a Humanidade ao seu mais elementar lugar nos ecossistemas, tendo-se o vislumbre da impotência do Sapiens Sapiens, falta-nos uma “Vacina Simbólica” [1] que nos permita transpor os tempos que vivemos de franco afastamento ao mais elementar humanismo.
É esta a tarefa hercúlea que as Oficinas terão de cumprir, marcando na sociedade a valorização do que, afinal, sendo tão natural, não está adquirido.
Esse verniz precisa de constantes camadas de valorização, de exemplo e de demonstração cívica que o solidifiquem, que o tornem cultura popular, não pela negativa herdada do tradicional antimaçonismo, mas pela afirmação do primado do Humano como relacional, como interdependente e como crítico.
Paulo Mendes Pinto
Notas
[1] Conceito formulado por Carlos André Cavalcanti e apresentado na mesa “Religiões em tempo de pandemia: diálogos interdisciplinares”, integrada no III Colóquio Internacional «Diversidade Religiosa», que teve lugar a 12 de Setembro de 2020.
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