AS TRÊS VIRTUDES TEOLOGAIS DE PAULO APÓSTOLO: A VISÃO MÍSTICA
Mario Sales,FRC,SI,MM
Se pudermos elencar os problemas do Misticismo Ocidental para evoluir, no discurso e na penetração de corações e mentes, o pior dentre todos os obstáculos talvez seja a falta de distinção clara entre o discurso místico e o discurso religioso.
Por muitos anos, na falta de uma revisão competente e exaustiva, o texto que apóia do ponto de vista ideológico o Misticismo em suas manifestações as mais variadas, compõe-se de uma colcha de retalhos formada por textos sagrados das diversas religiões criadas pela sensibilidade humana, sobre os quais a visão mística lança sua interpretação original, extraindo destes textos os significados que lhe dizem respeito.
Mesmo assim, em muitas das vezes, o texto místico é apenas a repetição das palavras dos Iluminados nestes textos, colocadas estrategicamente em outros textos, sob a forma de citações que devem, dessa forma, apoiar a compreensão de uma idéia.
Melhor dizendo, quando queremos falar sobre a importância da caridade ou da conduta ética, lançamos mão de discursos do Cristo; se queremos falar sobre desapego, usamos citações do Buda ou de outros líderes espirituais.
Supõe-se que, usando estes discursos prontos, estejamos sendo suficientemente respaldados pela palavra das autoridades deste campo (o campo místico) e que por isso nossa tese será melhor fundamentada.
Existe, entretanto, um problema conceitual nesta estratégia: sua ingenuidade. Ao basear suas idéias em discurso religiosos, os místicos correm o risco de confundir os dois discursos e ter que defender valores que não são seus.
Talvez por isso seja muito comum que idéias força do kardecismo e da Igreja Católica penetrem constantemente o discurso das escolas místicas como a AMORC, como se fossem idênticos, suficientes e satisfatórios para explicar o que o misticismo defende.
Ledo engano.
Não há talvez visão mais original em relação à noção religiosa que a visão mística.
Misticismo não é religião, é uma compreensão absolutamente diferente do mundo como o vemos. Está em relação ao discurso religioso na mesma proporção que o discurso científico está o discurso do senso comum.
Por exemplo, se para a religião é preciso existir um profeta, no misticismo cada um é o seu próprio profeta.
Se na religião necessita-se da crença em um Deus pessoal, espacialmente localizado, na visão mística Deus é um fenômeno amorfo e descentralizado, panteista, verdadeiramente onipresente.
Se, finalmente, para a religião, é fundamental a discussão da questão da Morte e da Vida além da Vida, o místico responde que não existe Morte, mas transição e que não existem dois tipos de Vida, mas apenas uma tipo de Vida.
Ledo engano.
Não há talvez visão mais original em relação à noção religiosa que a visão mística.
Misticismo não é religião, é uma compreensão absolutamente diferente do mundo como o vemos. Está em relação ao discurso religioso na mesma proporção que o discurso científico está o discurso do senso comum.
Por exemplo, se para a religião é preciso existir um profeta, no misticismo cada um é o seu próprio profeta.
Se na religião necessita-se da crença em um Deus pessoal, espacialmente localizado, na visão mística Deus é um fenômeno amorfo e descentralizado, panteista, verdadeiramente onipresente.
Se, finalmente, para a religião, é fundamental a discussão da questão da Morte e da Vida além da Vida, o místico responde que não existe Morte, mas transição e que não existem dois tipos de Vida, mas apenas uma tipo de Vida.
Ou seja, pensar misticamente é cambiar valores que vão além de meras informações intelectuais.
É preciso mudar a forma de pensar e, admitamos, as escolas esotéricas têm enorme dificuldade de lidar com este problema.
A limitação não é apenas espiritual, mas também filosófica.
Quando o misticismo fala de um Deus onipresente, o homem tenta representá-lo pelo modelo Cristão ortodoxo de um velho barbudo sentado em um trono do Apocalipse de João, o Evangelista.
A limitação não é apenas espiritual, mas também filosófica.
Quando o misticismo fala de um Deus onipresente, o homem tenta representá-lo pelo modelo Cristão ortodoxo de um velho barbudo sentado em um trono do Apocalipse de João, o Evangelista.
Este ser assim, espacialmente localizado, na representação de uma mente ingênua do ponto de vista filosófico, terá grandes poderes, e por isso será Onipresente.
Em nenhum momento passa pela mente deste neófito do pensamento que representar um Deus Onipresente como presente em um lugar qualquer, em algum momento, é um contrassenso lógico.
Não importa o conceito que trabalhemos.
A imagem que usarmos para representá-lo em nossa mente denunciará a compreensão ou não deste mesmo conceito.
E como o misticismo trabalha com conceitos muito avançados em relação às religiões, que precisam para manter o poder e facilitar o acesso das massas aos seus discursos de imagens maniqueístas, simples, palatáveis, facilmente assimiláveis, gera-se um conflito na maior parte das vezes intuído, mas não compreendido muito menos expresso.
Este é o câncer do Ensino Místico.
A falta de clareza sobre seus elementos fundamentais, sobre as linhas de seu contorno, sobre os seus conceitos básicos, sobre as suas idéias força.
O discurso místico, na ânsia de ser didático, faz concessões à falta de clareza e aos discursos de outras linhas de pensamento, não místicas, mas religiosas, na tentativa de atrair a compreensão de seus novos membros, oriundos de outras doutrinas e de outras linhas de pensamento.
Supõe, novamente de forma ingênua, que deve-se deixar ao coração de cada um, compreender aquilo que há de profundo, misterioso, portanto místico, por baixo do discurso religioso, no tempo próprio de sua compreensão particular, sem se dar conta que ao oferecer ao neófito místico um discurso incompleto e pouco claro, ele apenas retarda esta compreensão que seria muito mais rápida se, de início, fosse colocado que ao entrar no mundo da compreensão mística é preciso romper com valores de compreensão e que é nisso que o trabalho alquímico do iniciado deve se concentrar.
Isto também leva tempo, mas ao contrário da outra hipótese, tem uma direção, uma bússola, um foco no qual se concentrar.
Não temos dúvidas de que o que tem afastado muitos indivíduos do misticismo moderno não é apenas o imediatismo de nossos dias, mas esta indefinição filosófica que permeia nossos ensinamentos, e que os confunde com uma Nova Religião.
Não os textos oficiais, básicos, elaborados com cuidado, mas sim as interpretações feitas por pessoas que deveriam representar o pensamento místico mundial.
Por exemplo, gostaria de citar um trecho importante do discurso religioso que tem sido assumido como místico, provando minha tese de que falta alguma espécie de filtro filosófico na transliteração de valores entre estas áreas.
Isto também leva tempo, mas ao contrário da outra hipótese, tem uma direção, uma bússola, um foco no qual se concentrar.
Não temos dúvidas de que o que tem afastado muitos indivíduos do misticismo moderno não é apenas o imediatismo de nossos dias, mas esta indefinição filosófica que permeia nossos ensinamentos, e que os confunde com uma Nova Religião.
Não os textos oficiais, básicos, elaborados com cuidado, mas sim as interpretações feitas por pessoas que deveriam representar o pensamento místico mundial.
Por exemplo, gostaria de citar um trecho importante do discurso religioso que tem sido assumido como místico, provando minha tese de que falta alguma espécie de filtro filosófico na transliteração de valores entre estas áreas.
É conhecido de todos o conceito de “Virtudes Teologais”, que encontramos em Paulo, o Evangelista.
Está na Carta aos Coríntios, 1, cap. 13:
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estes três; mas o maior destes é a caridade.”
O discurso místico muitas vezes incorpora como seus estes valores, sem crítica ou cuidado explicativo.
Façamos então uma análise mística destas três virtudes e vejamos como ficariam após a filtragem dos valores que pregam.
A Fé
A fé é considerada na maioria das vezes como virtude mística, porém isto não é verdade.
Quando se diz que temos fé em alguma coisa, quero dizer que creio sem comprovação, sem nada que me dê sustentação a minha crença.
É um fenômeno de entrega, uma aposta digamos assim, uma convicção, que brota do íntimo ou de um condicionamento educacional, doutrinário, portanto adquirida, de que alguma coisa é de uma maneira, independente de fatos que suportem estas convicção.
Já o Místico trabalha com outro valor, o da confiança. Ele confia em coisas que experimentou bem ao estilo do cientista ortodoxo, só que em um campo de percepção mais sutil. É da natureza do místico pesquisar a si mesmo e não aquilo que está fora dele.
Portanto, quando os místicos afirmam crer em algumas coisas, querem dizer que sabem que elas são assim porque experimentaram de modo pessoal e íntimo a percepção dessas convicções.
Sua crença resulta de uma experiência interior, de uma vivência, e não de um convencimento feito de fora para dentro. O exemplo clássico é o do nascer do Sol. O místico não tem fé no fato de que o Sol vai nascer, mas sabe que assim será, já que experimentou este fenômeno inúmeras vezes.
E da sua experiência repetida, extrai sua confiança em que este fenômeno se repetirá, respeitando seu caráter cíclico.
Fé é uma crença infundada.
Confiança é uma crença fundamentada.
Quem tem fé crê naquilo que não sabe se é real. Quem confia,por outro lado, crê em coisas que sabe serem do jeito que são.
A Esperança
A Esperança
“A esperança gera a crença e, em seguida, a busca. Essa esperança é produto do desespero – o desespero de todos os que nos cercam neste mundo. Do desespero nasce a esperança –(...) duas faces da mesma moeda. Quando não há esperança, há o inferno, e o medo ao inferno dá-nos a vitalidade da esperança.”[1]
“Viver feliz é viver sem esperança. O homem que se deu à esperança, não é um homem feliz; ele conhece o desespero. O estado de desesperança 'projeta ' a esperança ou o ressentimento, o desespero ou o futuro feliz.
Só estamos livres da esperança quando somos felizes. É quando nos vemos infelizes, enfermos, oprimidos, explorados, é então que o amanhã se torna importante”[2].
É com essas considerações de Krishnamurti que queremos começar a discussão desta palavra, desta idéia força da religião, que alguns místicos tomam como sua.
A visão krishnamurtiana é muito útil em denunciar este jogo de espelhos que palavras como esperança criam dentro de nós.
Manifestação da ansiedade e não da espiritualidade, o termo define um estado passivo de espera por alguma coisa que desejamos que aconteça, sem especificar nenhum tipo de ação para que tal coisa ocorra.
É a versão da vida cotidiana, mundana, para o conceito expresso na palavra Fé, na relação com o Divino.
É uma crença infundada, de que algo acontecerá sem que tomemos nenhuma atitude para que tal ocorra, como se os fatos estivessem separados de nós, como se o karma não existisse.
Existem causas e existem conseqüências destas causas, isto o sabe qualquer místico.
A esperança é um conceito destituído desta compreensão. Espera-se por alguma coisa independente de quaisquer causas que tenhamos gerado. Esta é apenas uma das manifestações da ansiedade, a outra face do desespero, como bem lembra Krishnamurti.
Ao contrário, o místico não vive no futuro, não espera pelo que vem, mas mergulha no presente eterno, preparando e modificando o porvir no agora, na ação, na transformação provocada pelas palavras, pensamentos ações e visualizações do que deseja.
O místico não tem esperança, mas consciência do aqui - agora que o cerca e sabe que não há futuro sem o presente e que a própria noção de tempo é um engodo em si.
E tudo o que nasce de um erro, é erro também, diz um princípio de sustentação da lógica.
E tudo o que nasce de um erro, é erro também, diz um princípio de sustentação da lógica.
Portanto, místicos não tem esperança nem podem ter, já que são seres conscientes de seu papel como forças de transformação e da sua ligação com tudo que o cerca.
Sua vida, ele sabe, será aquilo que ele determinar, em sua mente e em seu coração, convicções estas que moldarão suas ações e comportamentos.
Deus está dentro de cada místico.
Portanto é preciso crer em si, no que está dentro de si, e não em algo distante pelo qual devemos, passivamente, esperar.
O amanhã é agora.
O amanhã é agora.
Não existe futuro.
Com certeza nenhum de nós tem nenhum futuro.
Só o presente eterno.
A Caridade
A Caridade
Virtude cantada em prosa em verso, ela é fundamental como critério de avaliação do grau de bondade de um coração.
O que é no entanto a Caridade, que Paulo considera a mais importante das três virtudes?
É o ato de dar aos que necessitam, sempre e sempre, tornando-se “um rio que corre para aqueles que precisam”[3].
O dicionário Houaiss, de 2009, Ed Objetiva diz que...
Caridade é:
Caridade é:
1.virtude teologal que conduz ao amor a Deus e ao nosso semelhante;
2 Derivação: por metonímia.: ato pelo qual se beneficia o próximo, esp. os pobres e os desprotegidos;
3.disposição favorável em relação a alguém em situação de inferioridade (física, moral, social etc.); compaixão, benevolência, piedade.
Ora, por definição, ser Caridoso é ser bom com alguém mais fraco, inferior, e por isso, supõe-se, necessitado.
Aquele que dá por caridade, dá porque vê o outro como inferiorizado diante dele. Esta, pasmem, não é uma visão tipicamente mística.
Tal afirmação, que parecerá surpreendente a muitos, intoxicados pela confusão teórica entre misticismo e religião, apóia-se em um livro sagrado, não a Bíblia, nem o Corão, mas o Bhagavad Gita, que diz no capítulo 5, versículo 18:
Ora, por definição, ser Caridoso é ser bom com alguém mais fraco, inferior, e por isso, supõe-se, necessitado.
Aquele que dá por caridade, dá porque vê o outro como inferiorizado diante dele. Esta, pasmem, não é uma visão tipicamente mística.
Tal afirmação, que parecerá surpreendente a muitos, intoxicados pela confusão teórica entre misticismo e religião, apóia-se em um livro sagrado, não a Bíblia, nem o Corão, mas o Bhagavad Gita, que diz no capítulo 5, versículo 18:
“Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, vêem com a mesma visão um brahmana erudito e cortês, uma vaca, um elefante, um cachorro e um comedor de cachorro (pária).”
Ora, se substituirmos a expressão “sábios humildes” pela palavra “místicos”, teremos uma noção correta da visão mística da prática do bem.
Quando o místico ajuda alguém não o faz por Caridade, já que em momento algum vê aquele que auxilia como inferior a ele seja material ou espiritualmente.
O que o místico faz, faz por que assim deve fazer, já que vê naquele que auxilia uma extensão de si, e não alguém diferente dele. Sua atitude é de Solidariedade com um igual e não de caridade com um ser diferente e inferior a ele.
Para o místico, dado ao seu conhecimento, não podem existir pessoas inferiores, ou abandonadas.
Todos os seres humanos são filhos de Deus como ele mesmo, todos tem dentro de si a mesma centelha divina, a mesma força e se, apenas aparentemente, encontram-se em estado de sofrimento, isto se deve a sua compreensão limitada de seu próprio poder interior e não porque realmente estejam enfraquecidos.
Portanto em nenhum momento um místico ajuda um necessitado por pena, mas sim porque esta é sua obrigação como membro da raça humana, da qual aquele necessitado faz parte, em condições de igualdade, embora não aparente tal coisa.
Portanto em nenhum momento um místico ajuda um necessitado por pena, mas sim porque esta é sua obrigação como membro da raça humana, da qual aquele necessitado faz parte, em condições de igualdade, embora não aparente tal coisa.
Digamos que ele tem misericórdia sem pena daquele que auxilia.
Esta é uma maneira extremamente diferente de compreender o ato de Bondade, não como uma concessão de alguém em condições melhores para outro que não as tem, mas de alguém que divide com aquele que auxilia as bênçãos que Deus nos deu para que fossem repartidas com nossos irmãos.
Místicos não dão coisas porque são pessoas boas; dividem com aqueles que ajudam apenas o que receberam para administrar e distribuir e que em nenhum momento acham que é seu.
Esta é uma maneira extremamente diferente de compreender o ato de Bondade, não como uma concessão de alguém em condições melhores para outro que não as tem, mas de alguém que divide com aquele que auxilia as bênçãos que Deus nos deu para que fossem repartidas com nossos irmãos.
Místicos não dão coisas porque são pessoas boas; dividem com aqueles que ajudam apenas o que receberam para administrar e distribuir e que em nenhum momento acham que é seu.
São canais de fluxo da Fonte de todas as coisas e não fontes em si.
Isto é Solidariedade.
Uma ação entre irmãos, entre iguais.
Isto os faz escapar de um grave pecado: a Soberba, já que seguem a risca o dito de que a mão direita não deve saber o que a esquerda faz.
Agem no silêncio e no sigilo para evitarem o pecado do Orgulho, ou o desconforto que causa a alguém sentir-se em dívida com outra, sem poder retribuir.
Desta forma, a expressão religiosa Fé, Esperança E Caridade, do ponto de vista místico seriam substituídas por Confiança, Consciência e Solidariedade, sem nenhum prejuízo da ação em si, mas com grande lucro na transmissão de valores genuinamente místicos em detrimento de outros tomados por empréstimo do discurso religioso.
Este é apenas um exemplo como poderíamos ter mais cuidado na orientação daqueles que buscam os portais do misticismo, para não retardarmos como disse, desnecessariamente, sua evolução espiritual.
[1]Krishnamurti , “A luz que não se apaga”, Pag. 17 a 20 – publicado pela ICK
[2] Krishnamurti, O Verdadeiro Objetivo Da Vida - págs. 92 a 94 - Edit. Cultrix
[3] Anthony Quinn , através da boca de seu personagem , Auda abu Tayi, no filme Lawrence da Arábia, com Peter O´Toole no papel principal,de 1962 , dirigido por David Lean
Este é apenas um exemplo como poderíamos ter mais cuidado na orientação daqueles que buscam os portais do misticismo, para não retardarmos como disse, desnecessariamente, sua evolução espiritual.
[1]Krishnamurti , “A luz que não se apaga”, Pag. 17 a 20 – publicado pela ICK
[2] Krishnamurti, O Verdadeiro Objetivo Da Vida - págs. 92 a 94 - Edit. Cultrix
[3] Anthony Quinn , através da boca de seu personagem , Auda abu Tayi, no filme Lawrence da Arábia, com Peter O´Toole no papel principal,de 1962 , dirigido por David Lean
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