Conhece-te a ti mesmo



Um dos aforismos mais famosos da história, “conhece-te a ti mesmo”, encontrava-se no pórtico de entrada do templo do deus Apolo, na cidade de Delfos na Grécia, no século IV A.C.

Lembre que um aforismo é um pensamento expresso de maneira breve.

Essa frase foi atribuída a várias figuras gregas e não possui ao certo um autor. É possível que tenha como origem um dito popular grego.

Ao longo do tempo, essa sentença foi apropriada por muitos autores, o que levou a algumas variações. 

Um exemplo dessa apropriação é sua tradução para o latimnosce te ipsum e, também, temet nosce.

De qualquer forma, a frase foi compreendida como um oráculo (mensagem do deus) de Apolo para todas as pessoas.

Sendo assim, a grande tarefa da humanidade, segundo o deus Apolo, seria buscar o conhecimento de si e, a partir daí, conhecer a verdade sobre o mundo.

O deus Apolo era conhecido por ser o deus da beleza, da perfeição e da razão. Por esse motivo, era um dos deuses mais cultuados da Grécia Antiga.

A razão, relacionada a Apolo, foi primordial para o desenvolvimento da filosofia. 

O caráter reflexivo da filosofia e a busca pelo conhecimento e pela verdade encontram em Apolo um referencial.

Conhece-te a ti mesmo e Sócrates

O filósofo Sócrates (c. 469-399 a.C.) é quem tornou mais evidente essa ligação entre o deus e a filosofia nascente.

Foi Querofonte, seu amigo, que em uma visita ao oráculo de Delfos, perguntou à pitonisa (sacerdotisa que recebe a mensagem dos deuses e transmite aos mortais) se havia no mundo alguém mais sábio que Sócrates. 

A resposta do oráculo foi negativa, não havia ninguém mais sábio que Sócrates.

Ao receber essa mensagem de Querofonte quando regressou a Atenas, Sócrates passou sua vida a tentar contestar o oráculo.

O filósofo não compreendeu como ele poderia ser compreendido como o mais sábio. Julgava não ser detentor de nenhum conhecimento.

O filósofo considerava-se apenas uma pessoa comum com o difícil propósito de buscar o conhecimento verdadeiro.

Essa contestação teria levado Sócrates a proferir a famosa frase:

Só sei que nada sei.

Intrigado com a mensagem do oráculo, o filósofo procurou todos os sábios de Atenas para que esses pudessem mostrar-lhe o que era o conhecimento.

Sócrates fazia-lhes perguntas sobre temas morais como a virtude, a coragem e a justiça, na esperança de que essas pessoas, reconhecidas pela sabedoria, pudessem ajudá-lo na busca pela verdade.

No entanto, ele sentiu-se frustrado ao perceber que essas autoridades gregas possuíam uma visão parcial da realidade, sendo capazes, apenas, de dar exemplos de alguém virtuoso, corajoso ou justo.

A partir desses encontros, Sócrates percebeu que esses sábios não passavam de pessoas com uma interpretação errada sobre o conhecimento, repletas de preconceitos e falsas certezas.

O filósofo compreendeu que a mensagem do oráculo dizia respeito ao fato dele possuir um autoconhecimento e compreender a sua própria ignorância, tornando-o mais sábio que os outros.

Ruínas do Templo de Apolo
Ruínas do Templo de Apolo em Delfos

Sócrates dá origem ao período antropológico da filosofia grega. Ou seja, a partir da ideia de que o autoconhecimento, o conhecimento de si, é a base para todos os outros conhecimentos sobre o mundo.

Essa frase faz uma referência ao oráculo e sua inscrição “conhece-te a ti mesmo”. O autoconhecimento e a tomada de consciência da própria ignorância são as bases do método socrático.

Somente após abandonar os seus preconceitos que o sujeito está apto para buscar o conhecimento verdadeiro.

Conhece-te a ti mesmo e a filosofia

Sócrates
Busto de Sócrates

A filosofia nasce a partir da reflexão, ou seja, do olhar para dentro. Faz-se necessário refletir sobre o que significa, de fato, conhecer alguma coisa. A partir daí, construir bases para todos os tipos de conhecimento.

A extensão da frase atribuída a Sócrates é conhecida como:

Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

Sendo assim, o motor da filosofia é o “conhece-te a ti mesmo” do próprio conhecimento, é o pensamento voltado para si. Busca no entendimento, as bases que fundamentam o saber.

Por conta disso, todas as áreas do saber são também áreas próprias da filosofia e seu objeto de estudo.

No clássico da ficção científica, Matrix (1999), o roteiro das irmãs Lilly e Lana Wachowski toma por base o Mito da Caverna, de Platão.

Em ambas as histórias, grupos de seres humanos encontram-se prisioneiros sem tomarem consciência disso, por viverem em um simulacro da realidade.

Em Platão, a simulação de realidade é dada pelas sombras projetadas no fundo da caverna e tomadas como sendo o todo da realidade.

Já no filme, Matrix, os impulsos eletromagnéticos são produzidos por máquinas e ligados ao cérebro dos prisioneiros. Isso os leva a experimentar uma sensação de realidade produzida e controlada por computadores.

No Mito da Caverna, um dos prisioneiros questiona sua condição e encontra meios de se libertar. Algo semelhante ocorre com Neo, protagonista do filme. Sua atuação como hacker chama atenção de um grupo de resistência que lhe dá o direito de escolher entre a hostilidade do real e o conforto da falsidade.

As semelhanças continuam e as diretoras do filme explicitam essa relação em uma das cenas. Neo vai consultar um oráculo. 

Nesse local, numa versão moderna do templo de Apolo, em cima da porta lê-se a mensagem temet nosce ("conhece-te a ti mesmo" em latim), numa clara referência às semelhanças entre Neo e Sócrates.

Temet Nosce, Matrix
Neo, protagonista do filme Matrix, em frente à placa com a inscrição Temet Nosce, variação em latim da frase inscrita no pórtico do templo de Apolo ("conhece-te a ti mesmo")

A exemplo dos gregos antigos, Neo encontra o oráculo e recebe uma mensagem enigmática acerca do destino e da possibilidade, ou não, de controlar a própria vida.

O mote central de ambas as histórias, diz respeito à busca pelo conhecimento de si. A partir daí, o indivíduo liberta-se da opressão e do controle do que é falso para compreender o que, de fato, é real.

A consciência de si

O Pensador de Rodin
Obra O Pensador (1904), de Auguste Rodin

A pergunta "quem sou eu?" ou "quem somos nós?" é uma das questões primordiais, metafísicas, que deram um ponto de partida para a filosofia e toda a produção de conhecimento. 

O "nós e o universo" é a meta do conhecimento que movimenta todos os dias a produção de ciência no mundo.

Química, física, medicina, psicologia, sociologia, história e todas as outras ciências, cada uma a seu modo, possuem como ponto em comum a proposta inscrita no templo de Apolo.

Ainda que não se tenha chegado à resposta definitiva para essa questão, sua busca e a necessidade de conhecer a si mesmo, constroem e modificam o modo de pensar e de compreender a realidade.

Em outras palavras, a busca pelo conhecimento, desde os gregos antigos até as sondas espaciais ou a decodificação do genoma humano, atendem à questão do "conhece-te a ti mesmo".

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