GEOMETRIA SAGRADA SIMBOLISMO E INTENÇÃO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS - Vitrúvio (7)


"A necessidade do arquiteto é criar aquele unís­sono de partes e detalhes que nas melhores edifica­ções de todos os tempos remontou miraculosamente os processos imaginativos a quantidades matemáticas e a contextos geométricos.”
Erich Mendelsohn (1887-1953)


Marcus Vitruvius Pollo, comumente conhecido como Vitruvius [Vitrúvio], foi um arquiteto e engenheiro romano que trabalhou no primeiro século antes da nossa era. 

Foi autor de um tratado teórico e técnico detalhado que sobrevive como a mais antiga e a mais influente de todas as obras sobre a arquitetura.

A posição de Vitrúvio como o arquiteto mais influente de todos os tempos é atestada pelo seguinte fato. 

Durante séculos, as ins­truções detalhadas forneci das nos Dez Livros de Arquitetura foram seguidas mais ou menos fielmente em toda a extensão de tempo coberta pelo Império Romano. 

Após a queda desse Império, as formas bárbaras de arquitetura foram introduzidas e as instruções canônicas de Vitrúvio foram largamente ignoradas ou deturpadas.

Após quase um milênio de obscuridade, a redescoberta de suas obras anunciou a renascença na arquitetura, quando seu livro tor­nou-se repentinamente a autoridade principal consultada pelos arqui­tetos. 
Seus preceitos foram a partir de então aceitos como sacros­santos. 

Na verdade, os maiores arquitetos da Renascença na Itália - Miguel Ângelo, Bramante, Vignola e Palladio - foram todos eles estudiosos ardorosos da obra de Vitrúvio e cada uma de todas as suas obras-primas deriva diretamente dos sistemas proporcionais enumerados por Vitrúvio.

Os Dez Livros escritos por Vitrúvio são um cômputo completo da arquitetura, desde a educação inicial do arquiteto, passando pelos princípios fundamentais da arte, da localização geomânticados templos e das cidades, das casas para moradia, dos materiais e das formas de arquitetura, até a pintura, a maquinaria e as artes milita­res. 

Segundo Vitrúvio, a arquitetura depende da ordem, do arranjo, dll curritmia, da simetria, da propriedade e da economia. 

A ordem proporciona a medida exata das partes de uma obra consideradas Isoladamente e da concordância simétrica das proporções de todo o edifício. 

O arranjo envolve a colocação das coisas em sua ordem própria, sendo as suas formas de expressão a planta baixa, a elevação e a perspectiva. Inclui a utilização sucessiva apropriada dos compassos e da régua, o artifício fundamental do geômetra.

A eurritmia consiste na beleza e na conveniência no ajusta­mento das partes. 
Vitrúvio afirma que quando se consegue a como­dulação perfeita (a ligação de todos os elementos arquitetônicos com o todo por meio de um sistema de proporção), consegue-se também a eurritmia. 

Isso nem sempre era possível por razões técni­cas, mas a simetria dinâmica, um conceito encontrado nos escritos de Platão, provou ser freqüentemente um substituto aceitável. 

Na simetria dinâmica, embora os elementos lineares não sejam comen­suráveis, as superfícies construídas sobre eles podem ser comensu­ráveis, encadeadas por meio de uma proporção racional.

A simetria é a concordância justa entre as partes da própria obra e a relação entre os diferentes elementos e todo o esquema geral de acordo com uma determinada parte escolhida como padrão. 

Assim, no corpo humano, Vitrúvio demonstra a harmonia simétrica que existe entre o antebraço, o pé, a palma, o dedo e outras partes menores. 

Compara essas partes às partes de um edifício, continuando a antiga tradição do edifício sagrado visto em termos do corpo de um homem e, assim, em termos do microcosmo.

Vitrúvio define a propriedade como aquela perfeição de estilo que surge quando uma obra é construída peremptoriamente segundo princípios canônicos. 

A propriedade emana da prescrição, dos métodos aceitos para a construção dos templos dos deuses. 

Vitrúvio deve ser agradecido pela preservação dessas formas prescritas: pelos edifícios em campo raso, abertos para o céu, em honra de Júpiter, do Raio, dos Céus, do Sol ou da Lua; para Minerva, Marte e Hércules, a Ordem Dórica; para Vênus, Prosérpina, Flora, para a Água da Fonte e para as Ninfas, a Ordem Coríntia; e para Juno, Diana, Baco e outros deuses, a Ordem Jônica. 

A propriedade, toda­via, também podia ser conseguida pela ereção de templos em ter­renos saudáveis onde existissem fontes convenientes. 
Os santuários deviam ser construídos nessas fontes e este era um dos princípios fundamentais para templo que sublinhavam o que agora é conhe­cido como geomancia. 

A propriedade também era conseguida nos edifícios pela orientação apropriada, de maneira que a luz pudesse ser utilizada para o benefício supremo de todos.




A economia, O último princípio de Vitrúvio, é auto-explicativa
Todas as suas máximas ecoam o funcionalismo realístico do mundo antigo, concedendo todas as condições antes de se decidir sobre a forma de um edifício enquanto sob o controle global da geometria sagrada. 

Assim. conseguia-se uma síntese de natural e artificial, ter­reno e celeste, um equilíbrio a que o movimento ecológico moderno está tentando chegar com muito esforço. 

Vitrúvio, embebido na harmonia geomântica antiga entre o homem e o mundo, viu o dese­nho do edifício em termos do corpo de um homem. 
Os desenhos bastante conhecidos que mostram o corpo de um homem superposto a uma geometria são conhecidos até hoje como o Homem Vitruviano. 

Todavia, nem todo arquiteto vitruviano trabalha com as proporções do corpo de um homem. Elas estão reservadas aos templos. 

A estrutura do teatro e da cidade, construções com funções materialmente diferentes, está relacionada à forma conceptual do mundo e é mais radial do que linear.

A construção do teatro - pela primeira vez dada por escrito por Vitrúvio, mas certamente de uma antigüidade maior - demons­tra a sua natureza como um microcosmo do mundo. 
Essa idéia foi retomada na Renascença e cultuada no "Todo o mundo é um pal­co (...)" de Shakespeare, e, na verdade, fisicamente, nesse teatro tão adequadamente chamado Globo. 

A estrutura do teatro pres­crita por Vitrúvio era a seguinte: "Tendo fixado o centro principal, desenhar uma linha de circunferência equivalente ao perímetro da base e nela inscrever quatro triângulos eqüiláteros, a distâncias iguais e tocando a fronteira do círculo, como fazem os astrólogos na fi­gura dos doze signos do zodíaco, quando eles estão procedendo aos cálculos da harmonia musical das estrelas". 

A partir desse esboço de ad triangulum, as várias partes essenciais do teatro eram pro­porcionais. 
Mesmo o cenário era baseado no triângulo, em "peças triangulares de maquinaria que giram, cada uma delas com três fa­ces decoradas (...) 

Há três espécies de cenas, uma chamada trá­gica, a segunda cômica e a terceira satírica (...)". 

Até mesmo os eventos representados nesse teatro estavam divididos em três.
Todavia, este não foi o único tipo de teatro descrito por Vi­trúvio. 
O teatro grego baseava-se mais em três quadrados do que em quatro triângulos, uma geometria duodécupla alterada que pro­piciava uma distribuição alternativa dos elementos que guardava a natureza diferente dos dramas ali representados.

O pronunciamento de Vitrúvio sobre a geometria grega talvez seja a mais expressiva das suas exposições sobre a função da geome­tria sagrada e sobre sua posição na corrente principal do pensamento hermético:

"As diversas partes que constituem um templo devem estar sujeitas às leis da simetria; os princípios dessa simetria devem ser familiares a todos os que professam a ciência da arquitetura. (...) A proporção é a comensuração das várias partes consti­tuintes com o todo e o fundamento da existência da simetria. Pois nenhum edifício pode possuir os atributos da composição em que a simetria e a proporção não sejam observadas; e aí nem existe a conformação perfeita das partes que se pode observar num ser humano bem formado (...) portanto, a estrutura hu­mana parece ter sido formada com tal propriedade, que os muitos membros são proporcionais ao todo.”

A obra de Vitrúvio sobre a arquitetura foi uma tentativa de com­pilar um compêndio completo do conhecimento aplicado. 

Com esse objetivo, ele expôs não só a geometria sagrada das partes dos edifícios e a sua relação com edifícios inteiros, mas também o planeja­mento de cidades

Após descrever os atributos para o sítio de uma cidade, enumera os pontos que a cidade ideal deve conter. 

Natural­mente, sua cidade baseava-se numa geometria rigorosa, mas, sendo um esquema ideal, nunca foi construída durante a duração do Impé­ rio Romano. Mil e quinhentos anos deveriam passar antes que essa cidade planejada fosse iniciada.



A Cidade Vitruviana, como é conhecida, foi planejada sobre uma forma octogonal. Esse desenho opõe-se ao modelo das colônias romanas então predominante, que era um retângulo quartado. 

A cidade octogonal dividia-se de acordo com os "ventos". Vitrúvio leva muito a sério o conceito dos oito ventos, embora possa tê-Io feito para ocul­tar uma doutrina mais esotérica da geometria. 

Tradicionalmente, as oito direções do compasso eram denominadas segundo um "vento". Esse sistema ainda estava em uso na Itália no século XVII da nossa era em instrumentos de agrimensura. Um circunferentor feito em Modena em 1686, que está agora no Museu da Ciência, em Londres, exibe um mostrador de bronze sobre o qual foram gravados os no­mes de 32 ventos, um desenvolvimento daqueles usados na época de Vitrúvio.
A fim de dividir o círculo para determinar as direções dos oito ventos, Vitrúvio utiliza um método clássico da geometria. Como o Manasara Shilpa Shastra hindu, o omphalos original de que derivou a geometria é marcado por um gnômon. Esse ponto central era mar­cado em Atenas pela Torre dos Ventos octogonal. Vitrúvio fornece instruções precisas:

"Por volta da quinta hora da manhã, tomar a extremidade da sombra projetada por esse gnômon e marcá-Ia com um ponto. Depois, abrindo-se o compasso para o ponto que marca a exten­são da sombra do gnômon, descrever um círculo a partir do cen­tro. À tarde, olhar a sombra do gnômon à medida que ela aumen­ta e, quando ela tocar a circunferência do círculo e a sombra for igual em extensão àquela da manhã, marcá-Ia com um ponto. A partir desses dois pontos descrever com seus compassos arcos interseccionantes e, através de sna intersecção e o centro, traçar uma linha em direção à circunferência do círculo; eis o diâmetro que deve separar os quartos do norte e do sul. Depois, utilizando-se a décima-sexta parte da circunferência do círculo como diâmetro, descrever um círculo (...) a partir dos quatro pontos assim descritos, traçar linhas que interseccionam a circun­ferência de um lado a outro. Assim, teremos uma oitava parte da circunferência para Auster e outra para Septentrio. O resto da circunferência é então dividido em três partes iguais em cada lado e temos então desenhada uma figura igualmente partilhada entre os oito ventos. 

Como o dia fora escolhido de acordo com aspectos astrológicos auspiciosos, o esboço estava por conseguinte diretamente relacionado àqueles as­pectos, reproduzindo a velha máxima do "acima, como abaixo". 

Co­mo a República de Platão, a Cidade Vitruviana era mais um ideal cósmico do que uma realidade concreta sobre a terra. 
Como em toda arquitetura mística anterior ao nosso século, o aspecto numinoso sim­bólico era considerado a forma verdadeira, ao passo que a manifestação material era vista como uma simples sombra da sua con­trapartida espiritual

A geometria sagrada possibilitava ao arquiteto a criação de um instrumento funcional em que poderiam ser utili­zados ao máximo muitos atributos da forma esotérica aos níveis psi­cológico e espiritual. 
Freqüentemente, as exigências da construção obrigavam o resultado final a sair fora desse ideal, mas ocasional­mente todos os fatores estavam presentes e surgia então uma obra­-prima. 
Tais obras-primas seriam os modelos da mística da Renas­cença mil e quinhentos anos depois.

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