Os Comacinos e a Geometria Sagrada Medieval (8)

 Through good gemetry,
Thys onest craft of good masonry
Was ordeynt and made in thys manère,
Y-cownterfetyd of thys clerkys y-fere;
At these lordys prayers they cownterfetyd gemetry,
And gaf hyt the name of masonry ­
Far the most oneste craft of alIe.
Ars Gemetrie (século XIV).

Quando o Império Romano Ocidental sucumbiu aos ataques violentos de ondas sucessivas de bárbaros migrantes, a ereção de obras arquitetônicas em larga escala foi interrompida. 

Não havia mais ne­nhuma estrutura político-econômica para planejar ou pagar grandes obras cívicas ou eclesiásticas e, por conseguinte; as habilidades bastante desenvolvidas que existiam antes foram-se reduzindo gra­dualmente. 
Embora o conhecimento vitruviano sobrevivesse intacto nos reinos de Constantinopla, ele foi totalmente extirpado do Oci­dente, que tomou uma direção diferente.
Com a influência bárbara, as formas clássicas puras de Roma transformaram-se gradualmente numa arquitetura radicalmente diferente - a medieval. 

O Colégio de Arquitetos de Roma, cuidadosamente controlado, fora dispersado e idéias e influências individuais foram assimiladas. 
Com a perda de uma autoridade central, grupos autônomos de homens com conhecimento arquitetônico reuniram-­se numa espécie de federação de pedreiros artesãos - os antecesso­res dos franco-maçons medievais que tiveram controle exclusivo so­bre a construção das catedrais posteriores. 
De acordo com a antiga tradição maçônica, membros refugiados do dispersado Colégio Ro­mano de Arquitetos fugiram para Comacina, uma ilha fortificada do lago de Como, na Itália, onde resistiram durante vinte anos às incursões dos lombardos que então estavam invadindo o país. 
Quan­do finalmente foram subjugados, os reis lombardos tomaram os ar­ quitetos a seu serviço para assessorarem a reconstrução. 

A partir desse centro, afirma a lenda, os maçons, chamados de comacinos por causa do seu refúgio fortificado, espalharam-se por toda a Europa ocidental e setentrional, construindo igrejas, castelos e obras cívicas para os governantes dos estados nacionais nascentes que se seguiram ao Império Romano.

Os comacinos estavam certamente a serviço de Rotharis, um rei lombardo, que a 22 de novembro de 643 fez publicar um edito relativo, entre outras coisas, aos comacinos. 

O título do Artigo 143 desse edito era Dos Mestres Comacinos e seus Colégios. 

O Artigo 144 dispõe: "Se uma pessoa qualquer empregar ou contratar um ou mais mestres comacinos para desenharem uma obra (...) e acon­tecer de um comacino ser morto, o proprietário da casa não será considerado culpado". 

Pode-se inferir daí que os comacinos constituíam um poderoso corpo contra o qual o rei achava que seus súditos deveriam ser protegidos. Joseph Fort Newton, em seu livro maçô­nico The Master Builders, fala de uma pedra gravada no ano 712 que, mostrava que a guilda dos comacinos estava organizada em três clas­ses: discipuli e magistri sob as ordens de um gastaldo, um Grão-­mestre.
Como qualquer outro grupo de técnicos dotados de habilidades apreendidas, os comacinos ocupavam uma posição de poder e de influência. 
Na Europa Setentrional, onde estavam estampados todos os sinais da prática arquitetônica romana, era solicitada a prática comacina. 
Como os magos, os adivinhos, os astrólogos e os geomantes que cercavam a corte, nenhum rei respeitado da Idade das Trevas podia ficar sem seu séquito de comacinos. 
Durante seu reinado, eles construíam seus palácios, suas capelas e suas igrejas; por ocasião de sua morte, impressionantes mausoléus como os de Teodorico em Ra­vena, na Itália, ou o de Etevaldo em Repton, na Inglaterra. Essas igrejas e esses mausoléus eram o repositório do conhecimento dos comacinos sobre a geometria sagrada.
O venerável Bede, em suas Lives ot the Abbots, conta-nos que, no ano 674, o rei Ecgfrith da Nortúmbria decidiu construir um mos­teiro para Benedito, o homem santo local. 
Para tanto, doou 8.400 acres do seu próprio estado em Wearmouth. "Após não mais de um ano da fundação do mosteiro, Benedito cruzou o mar e veio a Gaul e procurou, encontrou e levou de volta com ele os maçons que deveriam erigir para ele uma igreja no estilo romano, de que ele sempre gostara".
As igrejas de pedra da Nortúmbria e as obras-primas erigidas após a renascença instigadas pelo imperador Carlos Magno apresentam um desenvolvimento gradual em complexidade e sofisticação. 

Um ponto de referência capital neste processo é a Capela Palatina de Aachen (Aix-Ia-Chapelle). Uma igreja redonda, baseada no octograma, a capela apresenta um retorno das influências do Império Oriental, que naquela época ainda florescia ao redor de Constantino­pIa. Todavia, igrejas contemporâneas na Inglaterra apresentam uma base geométrica mais simples. 

A análise de muitas igrejas saxônicas de Essex demonstrou que retângulos de raiz 3, 4, 5, 6 e mesmo 7 eram gerados para as plantas baixas por meio de um método sim­ples de construção. 
As igrejas de Inworth, Strethall, Chickney, Hads­tock, Little Bardfield, Fobbing, Corringham e White Roding possuem razões comprimento: largura que se aproximam da raiz 3. 
A proporção geométrica, incomum em tempos posteriores, era o resultado do esboço dos fossos da fundação por meio de uma corda, justa­mente como a prática egípcia antiga.
A orientação da linha do centro era determinada pela observação direta do nascer-do-sol no dia do padroeiro. O maçom mestre demarcava a largura pré-estabelecida da igreja ao sul da linha do cen­tro. Um assistente caminhava então para a extremidade norte da mesma linha, arreando a corda. 
Depois, traçava-se um quadrado e, do quadrado, uma diagonal. 
A diagonal era esboçada como o comprimento, fazendo-se um retângulo de raiz 2. 
A diagonal desse re­tângulo era então tomada com a corda e dessa maneira se obtinha um retângulo de raiz 3. 
O retângulo da planta baixa da nave podia então ser completado, usando-se a corda para medir a igualdade das diagonais.
Esse método parece-nos ser peculiarmente saxão, pois as igre­jas normandas posteriores da área foram construídas geralmente com base no quadrado duplo ad quadratum. 
Os maçons de Carlos Mag­no utilizaram os métodos adotados posteriormente pelos normandos e esses métodos "bárbaros" de geometria sagrada foram relegados à arena da arquitetura secular vernacular. 
A arquitetura de CarIos Magno e as suas imitações foram uma revitalização consciente da corrente principal dos métodos romanos, utilizados na famosa igreja redonda de San Vitale em Ravena, na Itália. 

Essa estrutura micro­cósmica, cujo objetivo foi demonstrado aos cognoscenti por um la­drilho feito na forma de um labirinto, foi construída no século VI por maçons de Constantinopla que haviam absorvido a geometria asiática e alguns dos seus métodos de construção. 

Todavia, foi só muitos séculos depois que um influxo de idéias árabes foi combi­nado com uma consciência romana desenvolvida para criar as gran­des catedrais do período gótico.



A infusão de idéias emprestadas do mundo islâmico marcou um desenvolvimento importante na história da arquitetura sagrada ociden­tal. 
As idéias e a práticas geométricas do mundo clássico tardio fo­ram aprendidas pelos árabes quando eles conquistaram cidades uni­versitárias de importância vital como Alexandria muitos séculos an­tes. 
Textos como os Elementos de Geometria de Euclides foram tra­duzidos para o árabe e aplicados à nova arquitetura sagrada exigida pela nascente fé do Islã. Grandes progressbs em astronomia, arqui­tetura e alquimia foram conseguidos pelos árabes, que antes estavam muitos séculos atrás de suas contrapartes européias.

Por volta do século XI, todavia, com a emergência de estados nacionais relativamente estáveis, as técnicas de construção na Europa chegaram a um alto ponto de perfeição no estilo românico. so­brepujando até mesmo as melhores obras apresentadas pelo velho Império Romano. 

A construção com largos arcos fora dominada e os construtores haviam aperfeiçoado tanto as junções de argamassa, que um cronista do século XII comentou que as pedras da catedral de Old Sarum. iniciada em 1.102, estavam tão bem colocadas, que se poderia pensar que toda a obra fora feita com uma única rocha.

A esse elevado nível de perfeição somou-se um novo elemento - o arco pontiagudo, uma revolução geométrica originária da arqui­tetura sagrada islâmica. 

Afirma-se que o arco pontiagudo teve origem, na Europa, no mosteiro beneditino italiano de Monte Cassino, cons­truído entre 1066 e 1071. Alguns, se não todos eles, dentre os ma­çons que trabalharam nesse projeto eram cidadãos de Amalfi, uma república comercial italiana que possuía postos comerciais em luga­res tão distantes quanto Bagdá. 

Com esse intercâmbio, foi só uma questão de tempo até que os segredos da geometria dos maçons ára­bes fossem incorporados à arquite'ura sagrada ocidental para for­marem um novo estilo transcendente - agora conhecido universal­mente por gótico, nome pejorativo que lhe foi dado no século XVIII.
O arco pontiagudo que introduziu essa revolução é produzido pela intersecção de dois arcos. Em sua forma perfeita, esse arco é a metade posterior do vesica piscis. É estranha a coincidência de que o patrono de Amalfi seja Santo André. Aquilo que é tido como suas relíquias ainda repousa lá e sua efígie dourada segura um peixe - o emblema do vesica.
Embora os pacíficos comerciantes de Amalfi importassem o arco pontiagudo, os ou'ros segredos maçônicos do Islã não foram conseguidos sob a égide do comércio. A 27 de novembro de 1095, o Papa Urbano II conclamou a cristandade a liberar os lugares santos e de­volvê-Ios ao cristianismo. Milhares de homens piedosos, sacerdotes, monges, mercenários, soldados regulares e oportunistas atenderam ao chamado do Pontífice. 

A Primeira Cruzada foi surpreendentemen­te bem sucedida. Nicéia foi capturada em 1097; no ano seguinte caiu Antióquia e a 15 de julho de 1099 a cidade santa de Jerusalém ren­deu-se aos exércitos do Cristianismo após um cerco de apenas seis semanas.
Com esse sucesso sem precedentes, os "francos", como eram conhecidos os cristãos ocidentais, prosseguiram na obra de consolidação de suas conquistas. Como na Inglaterra, trinta anos antes, o país conquistado foi tornado seguro para os novos senhores por meio do reforço de velhos castelos e com a construção de novos em pon­tos estratégicos por todo o país. Os maçons empregados para a cons­trução desses castelos utilizaram o trabalho escravo, que sem dúvida incluiu uma proporção de maçons árabes, pois seus desenhos incor­poram muitas características desconhecidas dos artífices europeus.
A elasticidade e o entusiasmo dos maçons daquele período são mostrados pela rapidez espantosa com que as novas idéias conquistaram a Europa. 
A estrutura complexa da abóbada de pedra refor­çada com traves, conhecida apenas na Pérsia e na Armênia antes do ano 1100, foi utilizada na distante Catedral de Durham já em 1104. 
Em Gales, a Abadia de Neath foi construída por um dos maçons do rei Henrique I, Lalys, um prisioneiro de guerra sarraceno. 
Suas téc­nicas, aprendidas no Oriente Médio' de uma tradição isolada, foram sem dúvida transmitidas aos maçons ingleses e galeses que trabalha­ram com ele nesse projeto.
Outro elemento importante na nova síntese foi a redescoberta das obras de Euclides, o geômetra grego antigo. Sua obra fora considerada perdida para a Europa com a queda do Império Romano e sobrevivera apenas nas traduções árabes. Por volta de 1120, o eru­ dito inglês Adelard of Bath fez uma tradução dos Elementos do árabe para o latim, que os tornou acessíveis pela primeira vez aos geômetras e maçons europeus. O modo de transmissão dessa obra seminal para a Inglaterra não é conhecido, mas os Cavalheiros Tem­plários, que eram o repositório de muito do saber arcano tradicional, podem tê-Ia obtido de uma fonte conquistada. Edward W. Cox, um geômetra de Liverpool, escreveu em 1890:

"Durante o período das Cruzadas, muitas das regras e mui­tos dos mistérios conhecidos nos tempos clássicos parecem ter sido reorganizados. A influência da ocupação da Síria sobre a arquitetura européia é muito marcada e maravilhosa. Não só incontáveis igrejas, castelos e outros edifícios foram erigidos na Palestina pelos invasores com a ajuda dos habilidosos operários sírios, mas também os Templários e outras ordens militares e religiosas, que constituíram estabelecimentos na Europa. trouxe­ram esse conhecimento oriental.”

Ao longo dos séculos XII e XIII, foram desenvolvidas e refi­nadas as primeiras formas góticas. 
Os métodos islâmicos foram estu­dados e incorporados numa nova linguagem formal que passou de mão em mão com uma explosão de simbolismo místico. 
As grandes catedrais dessa época, como as de Chartres e de Paris, apareceram numa forma completamente nova num tempo consideravelmente cur­to. 
Sua construção, executada com um fervor literalmente religioso, continua sendo uma proeza espantosa de organização.

Uma tradição isolada, mas paralela, da arquitetura de igrejas estava seguindo seu curso. Conquanto as igrejas redondas configu­rem um tema contínuo, embora fragmentado, ao longo de toda a arquitetura sagrada do mundo cristão, elas ocupam um lugar especial e um pouco herético no esquema da geometria sagrada. 

O edifício redondo ocupou um lugar especial na iconografia cristã pois fora a forma escolhida para o Santo Sepulcro que uma vez marcara o sítio do túmulo de Cristo e o centro do mundo. Com a forma cir­cular desses edifícios representasse a reprodução microcósmica do mundo, as igrejas redondas representavam em toda parte os microcosmos locais que ocupavam o omphalos geomântico local.
As igrejas redondas derivaram originalmente dos templos pa­gãos primitivos da mesma forma. Os templos romanos redondos de Tivoli e Spalato, que sobreviveram até os tempos modernos, são tí­picos dos santuários que inspiraram os geômetras sagrados cristãos. O templo de Tivoli foi baseado no modelo grego, com colunação externa, mas o de Spalato, que fazia parte do complexo do palácio do poderoso imperador pagão Diocleciano, possuía colunas internas. Esse templo, planejado segundo o octógono, como muitas igrejas tem­plárias posteriores, formou o protótipo desses santuários cristãos primitivos tais como o de San Vitale em Ravena, que por sua vez influiu sobre o Santo Sepulcro em Jerusalém e a capela de Carlos Magno.
Como os templos pagãos, as igrejas redondas eram microcosmos do mundo. Na Idade Média tardia, elas tornaram-se a prerrogativa de uma seita enigmática e herética, os Cavalheiros Templários. Esse corpo foi constituído em 1118 em Jerusalém com a função aparente de prover proteção aos peregrinos que visitavam os santuários da Cristandade na Terra Santa recém-conquistada. Seu poder cresceu rapidamente e logo a ordem tornou-se fabulosamente rica e capaz de erigir capelas e igrejas por toda a Cristandade. A forma redonda da igreja tornou-se especialmente relacionada à ordem e no centro das rotundas de suas igrejas não havia um altar sequer, mas um cubo perfeito de pedra talhada que era um dos mistérios do Templarismo.
A ordem foi extinta em 1314 e muitos dos seus oficiais mais graduados foram sentenciados à pena de morte pelas autoridades da igreja. Sua vasta riqueza foi remetida aos cofres dos monarcas do país em que a ordem funcionava. Mas, antes da extinção, a fortuna dos Templários possibilitara a ereção de inúmeras igrejas redondas. 
John Stow, em The Survey of London, 1598, escreveu: "Muitos homens nobres em todas as partes do mundo tornaram-se irmãos dessa or­dem e construíram templos em toda cidade ou município da Ingla­terra, mas o de Londres era sua casa principal e fora construído se­gundo a forma do templo que está próxima do sepulcro de Nosso Senhor em Jerusalém; eles possuíam outros templos em Cambridge, Bristow, Canterbury, Dover, Warwick".
Apenas seis igrejas redondas sobrevivem nas Ilhas Britânicas, duas das quais em ruínas. As outras quatro foram reconstruídas em grande medida no último século. As igrejas de Londres, Northamp­ton e Cambridge foram construídas segundo o princípio octogonal. 
A de Little Maplestead, em Essex (que pertenceu aos Cavalheiros Hospitaleiros, organização-irmã dos Templários), foi construída segundo o princípio hexagonal. No continente, a famosa capela de Drüg­gelte, na Vestfália, foi feita de acordo com um plano de doze lados, e a igreja redonda de Nijmegen, nos Países Baixos, incorporou uma estrutura de 8 e de 16 lados. 
Essa igreja possuía um octógono cen­tral a partir do qual se construiu uma nave lateral em dezesseis lados por meio de uma geometria simples.



Em Altenfurt, perto de Nuremberg, na Alemanha, havia uma igreja que representava a forma mais simples da arquitetura eclesiás­tica redonda. 
Consistia de uma nave redonda com uma abside simpIes oposta à entrada. Nas Ilhas Órcades, também, em Orphir, exis­tia uma igreja redonda quase idêntica conhecida como Casa Girth. 
Foi quase totalmente demolida no século XVII para fornecer mate­rial para uma nova capela presbiteriana a ser construída perto dali. Ela existe apenas como um fragmento, apresentando intacta apenas a abside. 
Todavia, seu nome dá-nos uma chave para a sua função microcósmica. 
No antigo escocês, a palavra Girth ou Gyrth tinha o significado de "santuário" ou "asilo". Girth também era usada para designar um círculo de pedras que cercava um antigo local de julgamento. 
Isso indicava que a igreja redonda de Orphir pode ter substituído um círculo de pedras que ocupava anteriormente o seu sítio. A palavra Girth também é cognato de garth e yarth, que significam terra, uma designação pública do microcosmo.
As igrejas redondas pertencem a uma tradição separada da cor­rente principal da geometria sagrada eclesiástica, tendo precedentes mais -nos esquemas romanos do que nos românticos. 
Elas eram de alguma maneira especiais, reservadas para sítios-omphalos importan­tes e não eram localizadas a esmo por todo o território. Com a extin­ção dos Templários, a forma redonda da igreja foi efetivamente eli­minada até que a Renascença a redescobrisse diretamente nas fontes pagãs antigas. Mas foi novamente suprimida quando as autoridades da Igreja reconheceram suas origens pagãs.

Em 1861, a forma redonda ainda era considerada pagã. O Re­verendo J. L. Petit escreveu nesse ano:

"Quase todos os espécimes continentais [de igreja redonda] são considerados pelos habitantes do lugar como um templo gen­tio; e, embora em cada caso particular não seja necessário re­futar a suposição, a universalidade da tradição pode torná-Ia digna de nota do antiquário. E, se for necessário procurar a derivação de uma forma tão simples, não há dúvida de que, como a forma retangular, ela pode ser remontada à época do paganismo.”

Mas por que a forma redonda da igreja foi considerada não­-cristã pela hierarquia da Igreja? 
A forma redonda, ao contrário de outros padrões tais como a Cruz Latina, não representava o corpo de um homem ou o corpo de Deus. 
Ao contrário, represen­tava o mundo, o domínio do terreno, e, em termos cristãos, as forças satânicas, pois que o Diabo na época medieval era personi­ficado como Rex Mundi, rei do mundo. 
No costume Templário, essa terrenidade era enfatizada pelo cubo que se situava no centro mesmo da rotunda.
O cubo no interior do círculo representava a terra nos céus, a fusão dos poderes considerados heréticos pelos cristãos medievais, donde a perseguição aos alquimistas, magos e heréticos que se empenhavam nessa fusão. 

Com esse simbolismo exposto, não foi difícil provar a acusação de heresia com que os infelizes Templários foram incriminados. Princípios jslâmicos pú­blicos, derivados da ala mística do maometanismo, os Sufis, só ser­viram para amaldiçoar ainda mais a seita.
Todavia, o conhecimento técnico islâmico era de outra na­tureza. Sobreveio, por meio de um estranho conjunto de circuns­tâncias, um segundo período de influência islâmica que deveria var­rer o gótico "puro" de Chartres. 

Durante o século XIII, as hordas mongóis saíram de sua base na Ásia Central e se converteram numa séria ameaça ao Oriente Médio e à Europa. Após a primeira fase da expansão, o Império Mongol estava consoljdado com seu posto avançado na Pérsia sob o governo de um vice-rei que atendia pelo título de IIkhan. 
Tendo deixado de representar uma ameaça à Cristandade, os mongóis logo foram vistos como aliados contra os turcos. Vários reis cristãos enviaram emissários a sucessivos IIkhans a fim de cultivar essa aliança. Digno de nota foi o Olkhan Arghun (1284-1291), que manteve relações com muitos estados cristãos. Ele chegou até mesmo a enviar uma embaixada a Londres em 1289. 
Em troca, o rei Eduardo I da Inglaterra enviou uma missão co­mandada por Sir Geoffrey Langley à Pérsia. Langley participara de uma cruzada com o rei no começo dos anos 70 e viajara à Pérsia via Constantinopla e Trebizonda em 1292. Tajs embaixadas eram um canal para a transmissão do novo conhecimento. Os arquitetos asiáticos misturaram as suas técnicas com a tradição islâmica persa e aos poucos seu estilo foi transformado pelos maçons geômetras europeus.
Um edifício do período IIkhan que exerceu um efeito notável sobre a Europa foj o famoso mausoléu do IIkhan Uljaitu, em Sul­taneih. 
No início deste século, o erudito alemão Ernst Diez fez um estudo exaustivo desse memorial. Toda a sua estrutura é de­terminada por dois quadrados interpenetrados que formam um octó­gono. A partir dessa base octogonal, derivou-se a elevação, que contém triângulos e quadrados. A altura do edifício, medida por M. Dieulafoy rios anos 80 do século passado, é de 51 metros e o diâmetro interno tem exatamente a metade. 

Um sistema de razões, derivadas geometricamente, foi a origem básica dessas harmonias. Ao passo que o diâmetro principal dos pilares servira aos gregos antigos como módulos, os arquitetos persas levaram as dimensões dos arcos ou domos a relações determinadas com as outras partes do edifício. No mausoléu de Uljaitu, o ponto básico de partida foi a dimensão do diâmetro interno da câmara mortuária.
A partir dessa dimensão, o arquiteto construiu um octógono para a planta baixa. 
Para a elevação, um quadrado duplo foi er­guido. No quadrado superior, um triângulo eqüilátero definiu. o domo e o tímpano sobre o qual ele foi erguido acima da porção basal cúbica. 
As câmaras laterais e as galerias foram determinadas geometricamente por triângulos eqüiláteros cujas posições foram fixadas por quadrados oblíquos e diagonais. 
A arquitetura do mausoléu representava um ponto de partida construçional que influen­ciou o octógono da Catedral de Ely nas terras pantanosas longín­quas do East Anglia. 
Mausoléus com o teto como espigões do domo não haviam aparecido antes na Pérsia, embora tivessem sido cons­truídos na velha Delhi. 
Os mesmos sistemas de geometria que os maçons europeus utilizaram em seus grandes edifícios foram utilizados para glorificar um sistema religioso bastante diferente. A origem oriental dessa geometria, todavia, não deteve os arquitetos cristãos em sua tarefa. 
Como tecnólogos progressistas, eles acolheram com prazer as novas idéias dos infiéis e as incorporaram às úl­timas obras. 
Os princípios transcendentes foram adotados com ala­cridade pelos homens pragmáticos, cuja compreensão do simbolismo os capacitara a trabalhar com o inexperimentado e o insuspeitado.

O conhecimento acumulado da Pérsia e de outros países do Oriente Médio foi logo aumentado com informações provenientes de outros lugares. 
Em 1293, missionários cristãos foram da Itália à China e em 1295 Marco Polo retomou a Veneza, vindo de Pe­quim. 
Com esse intercâmbio sem precedentes, eram inevitáveis no­vas geometrias sagradas. 
Um exemplo bastante bem documentado da influência oriental está no Grande Salão da Piazza della Ragio­ne, em Pádua. Foi desenhado por um frade agostiniano chamado Frate Giovanni por volta de 1306. 

Giovanni trabalhara em muitos lugares da Europa e da Ásia e trouxera planos e desenhos dos edi­fícios que vira. Em Pádua, reproduziu um vasto teto de vigas que vira na Índia e que media 240 pés por 84.

Outras influências orientais podem ser demonstradas pelo aparecimento simultâneo de temas exóticos em lugares bastante distan­tes entre si. 
O arco de gola, em que os arcos que formam o arco são voltados para fora e continuam como uma característica arquitetônica sobre a porta ou janela, apareceu simultaneamente sem antecedentes tanto em Veneza quanto na Inglaterra. 
Detalhes da por­ta de St. Mary Redcliffe, em Bristol, e também na catedral dessa cidade e no castelo de Berkeley, também apresentam uma influência oriental inconfundível que pode ser comparada com a obra de Lalys em Neath.
As visitas de registradores desses detalhes arquitetônicos locais, tais como as de Simon Simeon e Hugh, o Iluminador, na Terra Santa em 1323, serviram para reforçar o interesse nos círculos mo­násticos pelo desenho oriental. 
O estilo "perpendicular" na In­glaterra, que surgiu por volta do final do século XIV, foi prenun­ciado pelos hexágonos alongados nos edifícios muçulmanos egípcios do século XIII. Os elementos verticais que cruzam a curva de um arco, uma característica importante do desenho da Capela do King's College em Cambridge (iniciada em 1446), já existiam no Mau­soléu de Mustapha Pasha no Cairo, construído entre 1269 e 1273. 

Os maçons da Europa, embebidos em conhecimentos geométricos, assimilaram prontamente as técnicas da arquitetura simbólica do Islã, realçando-a e trazendo-a a uma nova era.

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