A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO...




 ...E O RITO DE INICIAÇÃO MAÇÔNICA NO GRAU DE APRENDIZ: UM ESTUDO COMPARATIVO 

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo geral analisar os fundamentos

simbólicos e filosóficos presentes no rito de iniciação do aprendiz maçônico,

abordando, reflexivamente, aspectos doutrinários envolvendo a figura do

iniciado em seus primeiros passos dentro da vivência efetiva da Instituição

Maçônica, especialmente no que diz respeito aos regramentos dispostos no R.:

E.: A.: A.:

Propõe-se ainda a empreender breve análise comparativa entre a

Alegoria da Caverna de Platão, constante de sua obra “A República” (Livro VII)

e a cerimônia de entrada do neófito no 1º grau da maçonaria.

2 O neófito e sua entrada no mundo maçônico

Inicialmente, é importante ter em vista o contexto encontrado no

início da jornada do aprendiz na caminhada progressiva e ascensional de

nossa Emérita Ordem.

O aprendiz maçom – é importante frisar – até bem pouco tempo,

antes de travar o seu primeiro contato com a Arte Real, era um completo

profano. Ainda assim, mesmo imerso nos afazeres da vida mundana, tal

indivíduo trazia consigo, dentre outras tantas virtudes em potencial, duas, sem

as quais não poderia aspirar sequer à condição de candidato: ser livre e de

bons costumes.

É por ser portador destes imprescindíveis requisitos que candidatase, preenche sua proposta de admissão, passa pelo crivo do exame de seus

futuros pares (sobretudo em face dos requisitos legais e morais que lhes são

exigidos), submete-se ao ritual iniciático da Cerimônia de Sagração ou

Consagração (onde é investido na dignidade do grau) e, após passar por uma

série de provas em cerimonial, realiza, por fim, as ‘três viagens’ de purificação

simbólica para passar da condição de homem profano à de homem maçom.

Como se sabe, porém, o aprendiz é um neófito, um iniciante,

inexperiente ainda, seja num ofício, seja numa arte ou saber. É alguém que

ignora os conhecimentos mais profundos, os detalhes mais complexos, os

ditames mais elevados a respeito de determinada técnica, assunto ou saber. 

Para Jaime Pusch, citado pelo Irm.: Paulo Thomson de Lacerda, o Grau de Apr.: M.: é:

a fase purgativa e ativa da Iniciação. Neste Grau o M.: se dedica ao aprendizado dos mistérios simbólicos básicos, leis, usos, costumes e história geral da Maç.:. Trabalha na P.: B.:.

Deve evoluir de homem bruto, amorfo, profano, o homem polido, burilado, M.:. (A Trolha, Londrina, nº 308, p. 34, jun. 2012)

É, pois, este homem – recém-chegado das lides profanas e recémnascido maçom, agora inserido no ambiente cerimonioso e solene de uma Loja ou Oficina – a quem se denomina aprendiz.

Mas, afinal, em termos simbólicos, o que representa a Iniciação Maçônica? E qual relação existe entre esta e a alegoria do filósofo grego?

A alegoria da caverna em Platão: a transição humana da ignorância ao saber Analogicamente, o melhor exemplo para se compreender a trajetória maçônica do aprendiz em relação ao simbolismo do ritual de iniciação encontra-se na famosa alegoria da caverna, descrita pelo filósofo grego Platão (séc. V a.C.).

Trata-se de texto que se desenrola em forma de diálogo filosófico e que possui extraordinária riqueza hermenêutica, dele se podendo extrair várias perspectivas de leitura ou sentidos (pedagógico, ético, epistemológico, político, metafísico).

Nele Platão expõe, de forma sistemática, o que seria para si o modelo de estado ideal, bem assim toda a estrutura societária, moral e pedagógica que ajudariam a formar o rei-filósofo (governante da República) e os demais membros de cada classe social. A República, portanto, encontra-se fundada na crença permanente em que ninguém merece progredir dentro de sua sociedade senão como resultado de seus talentos, habilidades e, mais importante de tudo, seu caráter. E para isso, o processo de educação é basilar.

Presente no livro VII da obra “A República”, a alegoria da caverna nos descreve a cena em que homens, nascidos e acorrentados no interior de uma caverna, sem poder mudar de posição e, portanto, sendo forçados a olhar somente para o fundo da caverna. Nessa parede veem, projetadas pelo sol que adentra uma fresta de entrada, por detrás de um muro pequeno, as sombras e silhuetas de seres e objetos que transitam no mundo exterior.

Na visão dos prisioneiros, acostumados à cegueira do ambiente cavernoso, tudo o que conseguiam admirar nas sombras lançadas sobre a parede à sua frente constituía-se em realidade (o mundo verdadeiro). Do lado de fora, onde transitam pessoas carregando objetos de diversos tipos, o sol brilha com intensidade.

Atrás dos cativos, no interior das trevas e abaixo do sol que invade a entrada superior da caverna, uma fogueira que arde, também projetando sombras ao interior do recinto.

Do mundo externo, ao qual ignoram por completo, também lhes vêmos ecos de vozes, ruídos e sons de toda ordem.

Familiarizados com a escuridão daquele mundo interior, acreditam piamente que tudo o que veem, ouvem e sentem trata-se da mais fiel e única realidade.

Supondo, entretanto, que um dos cativos quebrasse seus grilhões e enfim se voltasse para trás, transpondo o muro e alcançando a saída para  mundo exterior, qual não seria sua surpresa ao deparar-se com o forte clarão da luz do sol, a qual ofuscaria sua visão, tendo de acostumar-se primeiro, para só depois, e gradualmente, divisar uma nova realidade que se descortinava a sua frente.

Tal homem, recém-saído da caverna, alcançaria a luz e descobriria que o que pensava ser real não o era. A realidade verdadeira estava no mundo externo, clareado pela fulgurante luz solar.

Por fim, entenderia o ex-cativo ter vivido em um mundo de ilusões, um mundo de aparências, mero simulacro do real. E que doravante, com a ação que tomara, afastar-se-ia da ignorância e do erro para trilhar as sendas da verdade, do saber e do conhecimento inteligível.

Como se pode depreender, a alegoria platônica, em seus múltiplos contextos interpretativos, opera constantemente com a presença de dualismos ou dicotomias (sabedoria e ignorância, aparência e realidade, trevas e luz, mundo superior e mundo inferior, etc.). Elementos estes que, como veremos a seguir, também se refletem nas práticas e simbolismos da iniciação maçônica.

Das sombras à luz: o itinerário do aprendiz na iniciação maçônica

A Iniciação Maçônica representa, em breves palavras, a Morte e a Ressurreição. A morte das trevas, do obscurantismo em que se encontrava o neófito, e sua renascença para a Luz da Verdade.

A luz, tanto no mito platônico quanto na filosofia e simbolismo maçônicos, adquire vários significados, dentre eles o de esclarecimento, evolução, conhecimento, ingresso no universo da interioridade da busca intelectual. Não se pode esquecer, num paralelo com a caverna, que um dos prisioneiros ascende à luz, ou seja, sai da gruta, desvencilhando-se de suas cadeias e curando-se de sua ignorância.

Ao “receber a luz”, quando lhe são desvendados os olhos, o iniciado tem-lhe revelados os mistérios do primeiro passo dado na seara do misticismo.

Como bem nos lembra Rizzardo da Camino (Breviário maçônico. 6.ed. Madras: São Paulo, 2012, p. 326), “o maçom e todos nós, estamos na escuridão e ansiamos pela Luz”.

Então, a partir dessa análise, podemos, desde já, perceber os estreitos liames que enredam a trama tanto do iniciado maçônico – em seu trajeto de passagem das celas, das masmorras, da prisão simbólica, da qual emerge ao final de sua sagração – quanto a do cativo da caverna platônica.

Assim como o prisioneiro da caverna, o candidato a maçom adentra o templo sem nada ver nem conhecer. Ingressa às escuras, olhos vendados, não conhece ninguém, não sabe o que lhe aguarda, para onde será levado, o que irá acontecer daquele momento em diante. Simbolicamente, entra-se em outro mundo. Nos damos conta do quanto era vã a nossa existência, o quão pouco sabíamos das coisas, dos outros e de nós mesmos.

Por horas a fio o iniciado permanece envolto em mistérios, sozinho, consigo mesmo e com seus pensamentos. A angústia e o temor lhe invadem.

Dúvidas e inquietações lhe passam à mente. Impressões e sensações a todo instante lhe assombram. Sons próximos e ruídos distantes, vozes, um arrastar de pés ou cadeiras, conversas, palavras ditas por pessoas que não sabe ao certo quem são e com que propósito o cercam.

Nesse instante, uma jornada de interiorização se inicia. O candidato, ainda ‘imerso nas sombras’, à espera do momento do início da cerimônia, volta-se para dentro de si mesmo, para sua caverna, nas ‘entranhas da terra’ onde ora habita, ‘prisioneiro’ de sua própria ignorância, ‘acorrentado’ aos seus vícios e paixões mundanas. Assim como o cativo da obra platônica, vive a ilusão de que a realidade é tal como se lhe parece.

Na Câmara de Reflexões, por breve período, a escuridão do ver lhe é amenizada. Em seu lugar surge, por sua vez, a gravidade das questões que lhes são lançadas, novamente a confrontá-lo com seus próprios pensamentos, a inquirir seus princípios, suas ideias, seus medos, sua existência e sua fortaleza espiritual.

Como nos ensina a própria letra do rito do 1º grau, “o estado de cegueira, em que vos achais, é o símbolo do mortal que não conhece a estrada da Luz, que ides principiar a trilhar.” (Grande Oriente do Brasil. Ritual do 1º Grau: rito escocês antigo e aceito. São Paulo, 2009, p. 106).

Ademais, a analogia que aqui se tenta demonstrar também é notada, ainda no rito de iniciação, quando se faz menção à ligação existente entre o simbolismo da 1ª prova, a da Terra, e a caverna onde estivera recolhido o candidato, ao fazer suas disposições. (Idem, Ibidem, p. 108)

Ao final dessa jornada, consolidando a ideia aqui apresentada de paralelismo entre elementos do mito da caverna em relação a determinadas passagens dentro do ritual de iniciação maçônica, tem-se o momento áureo da cerimônia de sagração: o “Fiat Lux” (faça-se a luz ou que se lhe dê a luz).

A passagem das trevas à luz é uma alusão ao difícil trabalho de construção e reconstrução que se fará da pedra bruta à pedra polida.

É o encerramento da travessia, o nascimento do novo homem.

No mito platônico corresponderia ao instante em que se passa do mundo sensível ao supra-sensível. Ou seja, trata-se da caminhada ascendente entre o interior escuro da gruta e o seu exterior iluminado. Ou como bem assevera o filósofo grego, em importante passagem da obra em comento, que teríamos, em verdade, “a reorientação de uma mente de uma espécie de crepúsculo para a verdadeira luz do dia – e esta orientação é uma ascensão da realidade, ou em outras palavras – verdadeira filosofia.” (PLATÃO. A República, 1997).

Representaria, portanto, a passagem da visão da sombra à visão do sol. Do mundo cavernoso dos sentidos e falsas percepções à vida na pura luz, na dimensão do espírito; como que um libertar-se de grilhões. 

Verdadeira conversão que se contempla e se completa na verdade racional que se manifesta à realidade.

Após tomar consciência de suas falsas noções da realidade, o cativo/neófito nunca mais voltará a conduzir sua vida do mesmo modo. Ele foi iluminado. 

Como sustenta o Ir: Stephen Michalak, essa é a base de toda iniciação. Mais ainda, pois consiste num processo que não acontece, como pode por vezes parecer, apenas e tão-só em uma noite. Tal processo perdura por todo o restante dos nossos dias.

A profunda riqueza do mito nos deixa entrever, pois, sem sombra de dúvidas, elementos da caminhada maçônica. Em sua vertente especulativa, vê-se a exigência de uma busca pelo conhecimento e o combate incessante a toda forma de obscurantismo. Em sua vertente operativa, a necessidade de que o saber seja aplicado na transformação do homem e do mundo.


Conclusão

Pretendeu-se, com o presente estudo, traçar uma breve análise comparativa entre a filosofia e o simbolismo presentes no mito ou alegoria da caverna, do filósofo grego Platão, e o ritual iniciático do grau de aprendiz maçom do R.: E.: A.: A.:. Para tanto, teve-se por referencial teórico nessa pesquisa a doutrina de grandes expoentes da literatura e filosofia maçônicas bem como a exegese da filosofia platônica, a partir da interpretação dos significados encontrados no mito platônico, apresentado mais especificamenteno livro VII da sua obra “A República”.

Do que se pôde concluir, após a exposição dos argumentos que serviram de base à referida análise, dentre outras coisas, vê-se que é grande a influência da filosofia platônica nos círculos especulativos e operativos da Maçonaria.

De igual modo, pode-se também afirmar que tal influência precede mesmo, na história, a fundação da ordem em sua configuração mais recente, como produto da modernidade franco-maçônica, visto que remonta à época da longínqua antiguidade, bem como ao período medieval, onde o pensamento de Platão foi novamente estudado.

Outrossim, infere-se da leitura interpretativa do texto filosófico de “A República”, para além da mera alusão à passagem aqui citada de sua conhecida alegoria, presente no Livro VII, inúmeras outras referências (simbólicas, práticas e epistemológicas), perfeitamente alinhadas aos preceitos ainda hoje constantes dos ritos e ofícios da Maçonaria.

Logo, não nos parece equívoco afirmar a existência de uma conexão lógica, ou seja, de uma correlação de sentidos entre a filosofia platônica e os ritos, simbolismos e a filosofia maçônicas. Ambas as concepções mostram-se voltadas, por seu fim, ao desenvolvimento de um autogoverno humano, capaz de permiti-lo, através da reflexão filosófica e da busca de si mesmo, libertar-se das amarras da ignorância para, enfim, galgar novas escalas no seu aprimoramento pessoal, moral e social, transformando-se e ajudando a transformar para melhor a realidade que o cerca.


Referências

ABRÃO, Bernardete Siqueira. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural,

2004.

AS RAÍZES PLATÓNICAS DO PENSAMENTO MAÇÓNICO. Disponível em:

http://www.maconariaportugal.com/pranchas/prancha-7 Acesso em 07/12/2012.

CAMINO, Rizzardo da. Breviário Maçônico. 6. ed. São Paulo: Madras, 2012.

CASTELANI, José. Dicionário de termos maçônicos. 3. Ed. Londrina: A

Trolha, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.

ed. reform. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

D’ELIA JUNIOR, Raymundo. Maçonaria: 100 instruções de aprendiz. São

Paulo: Madras, 2012.

GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ritual do 1º grau: rito escocês antigo e

aceito. São Paulo, 2009, p. 106.

LACERDA, Paulo E. Thomson de. Ser aprendiz. A Trolha, Londrina, n.º 308, p.

34-35, jun. 2012.

LIMA, Walter Celso de. Ensaios sobre filosofia e cultura maçônica. São

Paulo: Madras, 2012.

MICHALAK, Stephen. A influência de “A República” de Platão sobre a

maçonaria e o ritual maçônico. Disponível em: <http://

http://bibliot3ca.wordpress.com/platao-e-o-ritual-maconico/ Acesso em

07/12/2012.

PLATÃO. A República. trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga.

Trad. Ivo Stormiolo. São Paulo: Paulus, 2003. 

Comentários