A importância da Maçonaria na criação de um Estado laico

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O Maçom deve sempre depositar sua confiança em Deus, logo, não existe Maçom de verdade que seja ateu. Na constituição do reverendo James Anderson, que determina as regras universais da Maçonaria, chamadas de landmarks, consta um artigo específico sobre Deus e Religião.

Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a Lei Moral; e se ele compreende corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso. Muito embora em tempos antigos os Maçons fossem obrigados em cada País a adotar a religião daquele País ou nação, qualquer que ela fosse, hoje se pensa mais acertado somente obrigá-los a adotar aquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando suas opiniões particulares para si próprios, isto é, serem homens bons e leais, ou homens de honra e honestidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; por isso a Maçonaria se torna um centro da união e um meio de conciliar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam em perpétua distância (ANDERSON, 2003).

A Constituição de Anderson foi publicada pela primeira vez no ano de 1723 em Londres, uma época de muita perseguição religiosa. Apesar disso, determina que o Maçom não deva aceitar de maneira imposta a religião do País, qualquer que seja, devendo guardar sua opinião para si mesmo. De maneira tímida, convenhamos, está o germe de uma grande ideia sonhada e conquistada pelos Maçons, a criação de um Estado laico.

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Como não é religiosa, a Maçonaria aceita em seus quadros profanos oriundos de diversas religiões. 

Segundo Ismail (2012), quando se faz uma oração no altar da Franco-Maçonaria, estão presentes irmãos de diversas religiões, logo estão todos orando para o mesmo Deus. Está evidente que a Maçonaria considera que todas as religiões se originam de um Deus único. As diversas denominações religiosas não implicam deuses diferentes, apenas formas diferentes de conceber o mesmo Deus. Se eu sou espírita e o meu irmão é evangélico somos todos filhos do mesmo Pai, logo, somos irmãos.

Talvez tenha sido o seu caráter ecumênico que despertou por parte da cúria romana a intenção de coibir o crescimento da Maçonaria. Foi publicada em 1738 a encíclica In Eminenti Apostolatus Specula, pelo papa Clemente XII que proíbe a existência da Maçonaria. Segundo Durão (2011), foi o cardeal Néri Corsini, sobrinho do papa, que elaborou a encíclica, pois o Clemente XII já estava com 86 anos e cego. Contam historiadores que Corsini levava os documentos para a chancela de sua santidade e colocava a mão do pontífice no local da assinatura.

Em 1751, o sucessor de Clemente XII, o papa Bento XIV emitiu a bula Providas Romanorum Portificum enumerando seis razões para a condenação da Maçonaria. Dentre elas a que mais nos chama a atenção é “(…) nas tais sociedades e assembleias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;” (DURÃO, 2011).

É fato que a Maçonaria na sua fase operativa gozava de apoio e patrocínio da Igreja. Foram os maçons operativos os construtores das catedrais e Igrejas na Idade Média. Nossos antepassados estavam a serviço dos clérigos e eram portadores de salvo conduto para viajarem entre os feudos. 

A Maçonaria sempre conviveu harmoniosamente com os dirigentes religiosos (judeus, católicos, maometanos, protestantes) da fase operativa até o início da fase especulativa. 

A situação de conflito da Igreja com a Maçonaria persistiu com os papas Pio VII (em 1800), Leão XII (em 1823), Pio VIII (em 1829), etc. Várias bulas e encíclicas reafirmaram a condenação da Maçonaria ao longo dos séculos XIX e XX. Em 1983 a Congregação para a Doutrina da Fé, sob direção do então Cardeal Ratzinger manteve o parecer negativo a respeito da Maçonaria, sendo chancelado pelo papa João Paulo II. (DURÃO, 2011)

Com o papa Paulo VI a postura do Vaticano relaxou consideravelmente e o católico tinha permissão para se tornar Maçom, desde que não se envolvesse em atividades anticlericais. 

Um arcebispo brasileiro, Cardeal Avelar Brandão Vilela chegou a celebrar uma missa especial em homenagem ao 40º aniversário da Loja Maçônica Liberdade, de Salvador, no Natal de 1975. Naquela oportunidade, o Cardeal foi agraciado com distinta honraria maçônica. (Cerinotti, 2004)

Atuação maçônica: liberdade e religião

Quase todos os iluministas franceses eram maçons, incluindo Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784) e Condorcet (1743-1794). Eles mantinham estreito contato com Benjamin Franklin (1706- 1790), também maçom. Outros dos chamados pais fundadores dos Estados Unidos da América, George Washington (1732-1799) e Thomas Jefferson (1743- 1823) igualmente eram maçons. 

A ideia e implementação do Estado laico veio de maçons. 

Foi Washington que presidiu à convenção que elaborou a Constituição Americana, a qual veio substituir os Artigos da Confederação e estabelecer a posição de Presidente, tornando-se o primeiro a ser eleito para o cargo (CERINOTTI, 2004).

Artigo I (1ªemenda) O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos.

No Brasil, a sua independência também foi arquitetada por maçons. Segundo Ismail (2012), foi na seção de 20 de agosto de 1822, do então Grande Oriente Brazílico, presidida por Gonçalves Ledo, que a Independência do Brasil foi aprovada, sobre a qual D. Pedro (também maçom) deveria escolher: tornar-se imperador ou voltar para Portugal. Há controvérsias de diversos autores quanto a data precisa da reunião. Ismail (2012) conclui pelas evidências históricas que a data de 20 de agosto está incorreta.

De acordo com Souza (2007) a Questão Religiosa teve o seu início em 1872, com um incidente envolvendo a Maçonaria. O motivo foi a suspensão do padre Almeida Martins pelo bispo do Rio de Janeiro devido à sua participação em uma solenidade maçônica. Na época, o convívio entre católicos e maçons era uma coisa bastante comum no Brasil, e mesmo o Imperador Dom Pedro II (também maçom) tinha no rol de seus principais amigos e conselheiros políticos maçons que também eram católicos.

O bispo de Olinda, dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, e o bispo do Pará dom Antônio de Macedo Costa, decidiram interditar aos maçons os sacramentos, inclusive extensivo aos filhos e esposas. Dom Pedro II baseado do regime de padroado determinou aos prelados que a interdição fosse suspensa, mas eles mantiveram suas posições e acabaram sendo presos e condenados a trabalhos forçados. 

O governo neste episódio usou dos direitos do padroado para manter o controle do aparelho eclesiástico. Para o governo, os bispos envolvidos infringiram o direito do padroado, no ato de interditar confrarias que tinham maçons como membros, bem como recusar os sacramentos aos maçons católicos.

A partir do incidente, D. Pedro II favoreceu a instalação de igrejas protestantes no Brasil. Na opinião de Leôncio Basbaum (1957), a própria visão política e intelectual do governo imperial favorecera os ideais republicanos, bem como a implantação de um Estado laico. Daí, a questão política avança mais no Império, quando o Partido liberal e Republicano se unem em torno da criação da República, a qual veio consolidar embora que formal e juridicamente a separação da Igreja do Estado (SOUZA, 2007).

Na opinião de Vieira (1980) deve-se observar que no Brasil como em outras partes, a Maçonaria foi um dos grandes veículos da divulgação do liberalismo. Por esta razão, ela foi a causa ostensiva da luta entre os bispos e a coroa (1872-1875) e do fortalecimento de uma ideologia de criação de um Estado laico.

A primeira Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, fundada em janeiro de 1865, foi a primeira designação protestante a ser oficialmente instalada no Brasil. Há registros bem mais antigos da presença dos calvinistas no Brasil, mas de maneira não oficial. 

Os maçons sempre apoiaram o Estado laico, mas ao mesmo tempo mantinham uma relação amistosa com o Império e a Igreja, pelo menos até a crise da Questão Religiosa (SOUZA, 2007).

Em 13 de janeiro de 1874, por ocasião da prisão do bispo de Olinda, por razão da Questão Religiosa, iniciou-se um movimento político popular, no qual se uniram protestantes, maçons, advogados e intelectuais, dirigidos por Tavares Bastos e Quintino Bocayúva para separar o Estado da Igreja (SOUZA, 2007).

O Espiritismo também possui relações históricas com a Maçonaria. 

Não há uma comprovação de que Allan Kardec (1804-1869) tenha sido maçom. Segundo Monteiro & Lefraise (2007), existe uma hipótese, não comprovada, de que Kardec tenha sido martinista. Léon Denis (1846-1927) era, de fato, maçom. Foi iniciado em 26 de outubro de 1868 na Loja Demófilos de Tours. Em menos de um ano Denis passou de A:.M:. a C:.M:. e um mês depois chegou a M:.M:., o que era muito raro na época.

O primeiro Centro Espírita do Brasil, o Grupo Familiar de Espiritismo fundado em 17 de setembro de 1865 em Salvador, sob a presidência de Luiz Olympio Telles de Menezes contava com maçons em suas fieiras. O registro oficial só veio ocorrer em 1874. 

Apesar de não serem encontrados registros que comprovem que Telles de Menezes era maçom, o estatuto do grupo baiano possui uma similaridade com o funcionamento de uma Loja Maçônica impressionante. 

Os membros efetivos possuíam três graus. Havia um pagamento estipulado na ocasião da passagem de grau. Veja o artigo 26 do seu estatuto:

Artigo 26º – Uma bolsa denominada Bolsa de Beneficência será apresentada em todas as seções quer magnas, quer particulares a cada membro de qualquer grau ou classe e a cada um dos visitantes para aí deporem uma diminuta quantia cujo produto, imediatamente verificado e declarado pelo Vigilante, ficará a cargo do Tesoureiro e será aplicado a atos de beneficência.

Vianna de Carvalho (1874-1926) foi um maçom e espírita brasileiro nascido no Ceará. Em Fortaleza, o apoio maçônico foi imprescindível para a organização e fundação do Centro Espírita Cearense em 1910. Quase todos os membros indicados por Vianna para compor a diretoria eram maçons. Júlio César Leal (1837-1897), um dos pioneiros espíritas do Brasil, foi convertido ao Espiritismo em uma Loja Maçônica, o qual era membro. Tornou-se presidente da Federação Espírita Brasileira. (MONTEIRO; LEFRAISE, 2007)

Conclusão

A Maçonaria promove o direito universal do ser humano professar a religião que bem entender. Em uma Loja Maçônica não existem discussões religiosas porque a liberdade de cada irmão ter a sua escolha religiosa é respeitada. 

Nas oficinas há irmãos candomblecistas, budistas, evangélicos, católicos, espíritas, umbandistas, muçulmanos, judeus e de demais credos que convivem em paz e harmonia, pois todos têm a certeza de que são filhos do mesmo Deus, independente de rótulos. 

Que um dia a Humanidade compreenda esse fato e que ninguém seja morto ou ofendido pela fé que professa, nem pela cor de sua pele, nem pela sua orientação sexual. 

Todos somos filhos de Deus e, como tal, herdeiros de sua Luz.


Fonte: Revista Fraternitas in Praxis


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  1. Referências Bibliográficas

    ANDERSON, James. tradução: Décio Cezaretti. Constituição de Anderson, As Obrigações de um Pedreiro-livre. Publicado pela A:.R:.L:.S:. Guatimozin, São Paulo, 2003. BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. Livraria São José, Rio de Janeiro, 1957. CERINOTTI, Angela. Maçonaria: A Descoberta de um Mundo Misterioso. Editora Globo, São Paulo, 2004. DURÃO, João Ferreira. Cavaleiros de Jesus: breve história do cristianismo. Ed. Madras, São Paulo, 2011. ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. Universo dos Livros, São Paulo, 2012. MONTEIRO, Eduardo Carvalho; LEFRAISE, Armand. Maçonaria e Espiritismo, encontros e desencontros. Ed. Madras, São Paulo, 2007. SOUZA, Mauro Ferreira de. A Igreja e o Estado: uma análise da separação da Igreja Católica do Estado Brasileiro na Constituição de 1891. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007. VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1980.

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