UMA INCURSÃO PEL A SOCIOLOGIA DO SEGREDO


As pesquisas sociológicas do segredo se inauguram com os pressupostos e os estudos de Georg Simmel e se estendem no âmbito teórico e na pesquisa disciplinar. 

Tanto na sua vertente sociológica com na antropológica, os estudiosos das diferentes formas e ritmos que assume a disseminação da informação em quadraturas sociais diversas, partem do pressuposto básico de que a ocultação por meios considerados “positivos” ou “negativos” é um feito essencialmente humano, e um dos fundamentos da vida social.

Sem o segredo, pressupondo-se a possibilidade da transparência absoluta nas relações interpessoais tanto ao nível individual quanto ao nível societário, estas seriam inviáveis (SIMMEL, 1950:58). 

De maneira geral, o segredo é analisado de maneira valorativa, já que vê-lo como ocultação implica no reconhecimento de um espaço de sedição e de ilegitimidade. 

Equacionado à mentira, ver-se-ia reforçado esse lado oculto das coisas como um ato consciente de malversação ou de alteração da verdade dos fatos. 

Nessa medida, seria a contrapartida da publicidade, do direito à informação e à transparência, ideais constitutivos da democracia moderna.

Em fins do século XVIII, Benjamin Constant de Rebecque (1980), sem desmerecer das virtudes da verdade como princípio moral e sem negar o potencial danoso da mentira como ato consciente, afirmava que a obrigação ou o dever de ater-se a ela na sua inteireza, incondicionalmente e de maneira isolada, inviabilizaria qualquer tipo de sociedade. 

Na visão de Constant, o segredo ao mesmo tempo que coloca uma barreira entre os indivíduos, traz em si também o desafio e a possibilidade de ser rompido, tendo inclusive, ao nível interpessoal, a função de elemento informador das relações sociais (que, aliás, é a perspectiva de Georg Simmel na sua sociologia do conflito e do segredo).

Além disso, estão implícitos na postura de Constant pressupostos que mais tarde seriam resgatados e sociologicamente analisados, quais sejam, os processos de diferenciação e de desigualdade no fato de haver segredo, havendo assim detentores e excluídos das informações ao nível societário.

Ao nível individual, a perspectiva é menos negativa e o segredo seria a medida dos níveis de ocultação e de revelação necessários e viáveis nas relações interpessoais. 

A relevância sociológica desta noção e das práticas que preside, emerge neste ponto no pensamento de Constant, como mais tarde na sociologia de Georg Simmel: a tensão entre o ideal na transparência a bem do pré-conhecimento das possibilidades de ação do outro e os níveis de ocultação que também fazem parte do processo interativo e da própria solidariedade social. 

O que marca a postura de Constant é a contraposição aberta aos pressupostos de que o segredo fosse unicamente danoso à democracia e à cidadania, negando também o senso comum que o equaciona à imoralidade, à perversão, à sedição.

Essa foi, por exemplo, a atitude adotada pela Igreja Católica, pelas monarquias e pelas corporações medievais diante das práticas secretas do “companheirismo” (compagnonnage) francês dos primórdios da Maçonaria. 

O fato dos “companheiros” (compagnons) se reunirem em segredo e de fazer circular informações e organizar-se no mundo do trabalho sob formas rituais diferentes, deu espaço aos Mestres, ao clero e aos soberanos para condenarem os primeiros Maçons por heréticos diante da Igreja, infiéis aos Mestres e traidores do trono quando era o caso.

Para Constant, não é o caso de considerar o segredo um mal em si. 

O mal, o sedicioso, é que se fazem secretos por razões óbvias, o mesmo se aplicando à inconfidência e a práticas que inviabilizariam o indivíduo como ser social se fossem trazidas a público, mas que no entanto fazem parte das liberdades individuais. 

Nesse aspecto, Constant defende o direito ao segredo individual e o reconhece como inalienável, sobretudo quando equacionado à privacidade, de vez que homem algum tem direito à verdade que prejudica os demais.

Ao contrário de antidemocrático, o segredo seria uma das bases das liberdades individuais, na medida em que viabilizariam um espaço privado “onde possam florescer novas idéias e hábitos ainda não aceitos pela coletividade” (ALMINO, 1983:175) além de ser sempre parte do repertório de cada pessoa. 

Na perspectiva desta reflexão, o ponto mais importante é justamente o caráter relacional e comunicativo da informação, sempre ser pensada num contexto social, enquanto elemento organizador de relações e estilos de vida.

As reflexões contidas neste texto se fizeram inspirar em grande medida pela leitura do livro “O Segredo e a Informação”, do Jurista e Diplomata brasileiro João Almino (1983) que se debruça sobre alguns dos mitos que recobrem o segredo nos limites do direito público. 

Dentre eles está o mito da transparência da sociedade em relação a ela mesma, que se apóia mais num ideal em favor da publicidade daquilo que possa ter interesse ou conseqüências públicas do que num outro direito que ele também reconhece e que diz respeito ao estritamente individual.

Outro ponto a considerar é a crença, também moderna, de que a publicidade enquanto contrapartida do segredo estivesse sempre em favor dos dominados, enquanto a ocultação favoreceria os dominantes, ao recobrir de silêncio as suas intenções e as suas estratégias em detrimento daqueles. 

Almino lembra o potencial que a publicidade tem de ser mais um instrumento à alienação do que propriamente de esclarecer ou propiciar à consciência de todos os elementos, como as implicações da situação de classe ou as desigualdades sociais.

Desse modo, pode-se ver como as atitudes e os mecanismos relativos ao conhecimento, à informação e às estruturas de poder se entrelaçam ao espírito familiar e à honra, à cooperação e ao igualitarismo que as caracterizam. 

O interesse nessa temática fica mais evidente na ampla e variada literatura sobre os tipos de sociedade ou de grupo social, assim como, nas polaridades que marcam práticas e análises sociais (tradição/ modernização; segredo/revelação; confiança/inconfidência; transparência/sedição; hierarquia/igualitarismo; competição/cooperação).


TEXTO: Davys Sleman de Negreiros, M.’.M.’.
B.L.S. Thêmis & Ágora – Or.’. Rolim de Moura (Rondônia) – Brasil

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

  • ALMINO, João. O segredo e a informação, SP: Brasiliense, 1986.

  • CONSTANT, Benjamin. De la liberté chez lês modernes, Paris:Pluriel, 1980.

  • SIMMEL, Georg. The sociology og secret ando f secret societes. The American journal of Sociology IX, 1906.

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