Falar de livre arbítrio vai além de tratar de forma simplista, da possibilidade do homem em escolher entre o certo e o errado.
Mais do que isso, envolve a capacidade que Deus dotou o ser humano de através de suas decisões poder transformar a si mesmo e o mundo que o cerca a cada dia.
A existência do livre arbítrio é um assunto muito controverso e debatido. Muitos estudiosos negam que ao homem fosse dado tamanho dom.
E em meio a tanta diversidade de opiniões, acreditamos que a autoridade maior que nos traz um melhor esclarecimento sobre esse assunto, seria a própria bíblia.
Tendo a perspectiva de que o livre arbítrio seria um presente recebido ao nascer, não há um texto melhor para consultar do que o do livro do Gênesis.
Já que este trata justamente da criação do homem, de sua natureza, de sua essência, juntamente com seus atributos de livre escolha, de liberdade e consciência.
Entender o livre arbítrio presente no livro de Gênesis pode ser um ponto difícil a princípio, pois liberdade de escolha passa profundamente pelos campos da filosofia, e o Gênesis é um livro que trata da história humana em um modo não convencional.
O relato da criação é, de fato, filosofia escrita deliberadamente em uma forma não filosófica, pois lida com questões importantes para que possamos entender como a liberdade de decisão aparece nas relações humanas, mais do que somente de forma teórica.
O livre arbítrio é algo seguramente prático, pois no fim fala de comportamento.
Neste estudo, vamos ver que a bíblia mostra que o livre arbítrio está intimamente ligado a seguintes questões, todas ramos de estudo filosófico:
- A metafísica e tudo que existe no mundo (Ontologia);
- A área que envolve o conhecimento do ser humano (Epistemologia);
- A liberdade. Somos livres? (Psicologia filosófica); e
- Como devemos nos comportar (Ética).
Sendo assim, comecemos a nossa análise, venha conosco nesta viagem pela bíblia!
O Livre Arbítrio, Qual Caminho Seguir?
O livre arbítrio no Gênesis
Então como vinha dizendo, a bíblia nos evidencia o livre arbítrio de uma forma não muito filosófica, e seu modo de relato não caberia em nenhuma obra de Platão ou Sócrates.
Isto porque a filosofia tenta expressar a verdade através de sistemas de pensamentos e sofisma.
Já o Gênesis trata de verdades implícitas através de histórias e acontecimentos. É uma forma única e exclusiva, é filosofia de um modo diferente, na forma de uma narrativa de histórias.
Assim, nós aprendemos sobre a origem de tudo o que existe no mundo, ao lermos a história da criação. Nós aprendemos sobre a arvore do conhecimento , pela história do triângulo que envolveu o homem, a mulher e a serpente.
Começamos a entender a liberdade humana e seu abuso, através da história de Caim, e aprendemos como devemos nos comportar (ou não), através das vidas de Abraão, Sara e seus filhos.
E porque a bíblia apresenta a verdade e o livre arbítrio, para seus leitores, na forma de histórias? Uma das razões, de forma bem simples, é que histórias são de alcance universal.
A bíblia é um livro escrito para todas as gerações, para pessoas de todas as classes sociais.
Não só as elites, em especial as elites que “detêm o saber”, como a representada pelos altos cargos religiosos, pastores, bispos, sacerdotes, xamãs, santos, gurus.
Não só eles têm o poder de ler e entender as escrituras, mas do mais simples e humilde homem e mulher, jovem ou criança, todos podem entender a bíblia através de suas histórias.
Todos tem acesso ao conhecimento religioso, em o que poderia ser chamado de uma “democratização da santidade”. Essa é a importância da forma como a bíblia foi escrita, por suas histórias que todo mundo pode entender.
E o mais interessante é que podemos ainda ter níveis diferentes de entendimento das escrituras.
Cada história narrada no Gênesis tem várias camadas de conhecimento e significância, que somente conseguimos captar após várias leituras e releituras do texto.
A nossa compreensão cresce a medida em que crescemos em conhecimento. Em diferentes tempos e situações, enxergamos o mesmo texto com outras interpretações, novos comentários surgem, renovando o seu sentido.
Isto nos ensina uma grande verdade sobre o conhecimento humano: A verdade da condição humana é simplesmente profunda demais para ser enxergada em filosofias superficiais.
Somente histórias que envolvam relacionamentos humanos têm essa profundidade, ambiguidade e principalmente multiplicidade de significados.
E mais importante ainda, só histórias de vida refletem adequadamente como é ser humano em sua essência.
A sequência imprevisível de uma narrativa ilustra bem os atributos de liberdade, livre arbítrio e destino humanos. Conte uma história a uma criança e ela rapidamente demonstrará curiosidade e atenção.
Ela vai querer saber o que acontece, logo em seguida com o personagem principal da trama.
Sistemas lógicos como a filosofia, não despertam nenhuma curiosidade sobre o futuro do destino humano. Todos os homens são mortais, Socrates é um homem, logo é um mortal também. A conclusão é sempre lógica e previsível.
Mas em uma história, como na vida real, nunca sabemos o que ocorrerá em seguida, pois o ser humano é livre e pode modificar a sua própria história de vida. Quem sabia que Eva comeria do fruto proibido?
Quem imaginaria que Caim mataria Abel, seu irmão? Deus deu a Capacidade de autotransformação ao Homem.
Então, mais do que uma simples narrativa, este clima de suspense pelo desconhecimento do futuro reflete o tema central do Gênesis, o dom, o presente da liberdade de poder decidir seu próprio destino, que Deus deu para a humanidade.
Livre arbítrio é pratica de vida
O Criador é livre e exerce a sua liberdade em si mesmo. E quando pôs no homem a sua imagem e semelhança, Deus o presenteou com a liberdade. Essa é uma benção sem par, pois se somos o pó da terra, recebemos em nós o “sopro divino” também.
Esse “sopro de Deus”, essa liberdade nos traz muitas possibilidades. E mesmo que o ambiente onde vivemos possa nos moldar, nós temos condições de influenciar este mesmo ambiente, em retorno.
Sim, nós fomos criados por Deus, mas recebemos a capacidade de sermos criativos.
Nós podemos escolher como agimos e reagimos, mais do que qualquer outro ser criado. Isso é algo bom, mas pode ser ruim ao mesmo tempo, se não agirmos com responsabilidade.
A própria narrativa bíblica nos mostra isso. Podemos obedecer ou desobedecer, causar harmonia ou discórdia.
A liberdade para fazer o bem vem de mãos dadas com a possibilidade de causar o mal.
O nosso destino não está escrito nas estrelas, nem no genoma humano, nem em qualquer outro modo de determinismo.
Nós nos tornamos aquilo que escolhemos ser. Ninguém pode saber o que acontecerá no futuro.
E a melhor forma de mostrar o livre arbítrio na prática, é através das histórias bíblicas. A narrativa começa com a criação do mundo, onde descobrimos o universo como um lugar de paz e ordem.
A espécie humana é a única exceção, pois ela tem a capacidade de fazer o mal e criar o caos.
Veja as escolhas feitas pela geração de Noé, que acabaram causando um dilúvio, pondo em perigo toda a raça humana.
Com Adão e Eva veio o primeiro pecado, com Caim o primeiro homicídio.
No tempo de Noé a terra se encheu de violência.
Com a Torre de Babel a humanidade descobre o orgulho em excesso. Mal haviam aprendido como fazer tijolos e eles tentam chegar “até os céus”, para transgredir o domínio divino.
E assim a humanidade vai desenvolvendo a sua capacidade de decidir entre praticar o bem ou o mal.
A narrativa bíblica passa então a focar na família, em especial na família de Abraão.
Família é onde aprendemos a decidir
A família é onde aprendemos sobre a inteligência emocional e espiritual.
Não há nada simples ou idealizado sobre famílias como as de Abraão e Sara, Isaque e Rebeca, Jacó, Lea e Raquel.
Há tantas tensões, rivalidades, vinganças e desesperanças, assim como há amizade, amor e lealdade.
E percebemos que a família torna-se este ambiente fértil, onde florescem muitas metáforas que nos auxiliam a compreender as nuances do relacionamento entre os seres humanos e o próprio Deus, pois nós com Deus formamos uma grande família.
Ele é o Pai Nosso, e nós somos seus filhos.
Ele é o esposo, e a igreja é a sua noiva.
Isso mostra o quanto o Senhor é um Deus pessoal, e não um conceito abstrato.
Ele é um Deus que se relaciona conosco como pessoas, e é sensível ao nosso sofrimento, ouve as nossas orações e se faz presente nas nossas vidas.
E os personagens bíblicos são incrivelmente humanos e pessoais.
Eles não chegam nem um pouquinho perto do mundo dos heróis da mitologia grega.
Eles não são guerreiros míticos ou miraculosos.
Eles eram apenas pessoas comuns, que fizeram coisas extraordinárias por meio da sua fé em obedecer a voz de Deus.
Lendo as escrituras, é como se pudéssemos ouvir as suas dúvidas e hesitações, suas apreensões e medos. Já no mundo mítico, os homens são descritos como semi-deuses poderosos, que não temem a nada.
Mas o Gênesis não é sobre semi-deuses ou guerreiros míticos, mas de seres humanos com seus erros e defeitos. Quando olhamos para o Gênesis, vemos irmão matando irmão, brigas familiares.
Os personagens bíblicos são apresentados como humanos e com todas as implicações que advém dessa humanidade, sejam elas positivas ou negativas.
E vemos também um Deus pessoal, que ama divinamente esses humanos, que quantos mais humanos, mais amados são.
E o Gênesis deixa claro a criação e a separação entre os céus e a terra, coisa que os construtores da Torre de Babel queriam remover.
Essa distância entre céu e terra permite que vejamos a nós mesmos como realmente somos, a nossa falível fragilidade, a nossa finitude, entretanto, tocados pelas asas do infinito Deus que quer habitar em nós.
O ponto principal é que estes personagens com todos as suas histórias, problemas e influências do ambiente em que estavam, exerceram o seu livre arbítrio e escolheram mudar, decidiram amar a Deus.
Você pode exercer também esse livre arbítrio. Você é livre para escolher obedecer a Deus, mudar e se reinventar como pessoa e como filho de Deus.
A essência do homem
O ser humano é esta síntese única que envolve o “pó da terra” e o “sopro divino”, o que o torna diferente de todas outros seres viventes. O sopro de Deus faz com que nós não tenhamos uma essência fixa ou definida.
Somos livres para nos tornarmos aquilo que desejamos ser.
O rabino Joseph Soloveitchik no seu livro “Halakhic Man”, afirma que “o princípio mais fundamental de todos é que o homem deve criar a si mesmo“.
A ênfase no poder da escolha, a liberdade e a responsabilidade são algumas das mais importantes características do pensamento bíblico.
É um princípio que está declarado implicitamente no primeiro capítulo do Gênesis, logo no início da palavra de Deus. Todos conhecemos o texto de Gênesis 1:27 “E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou”.
Mas se refletirmos aqui, encontraremos um paradoxo.
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança;” Gênesis 1:26
Se há algo enfático, e repetidas vezes afirmado na Bíblia, é que Deus não possui imagem. Daí advém a proibição de se fazer imagens de Deus, porque Ele está além de qualquer tipo de categorização ou representação.
“EU SOU O QUE SOU” Êxodo 3:14, disse Deus a Moisés quando perguntava pelo seu nome.
Qualquer imagem, conceito e formas são tentativas de delimitar ou definir Deus. Porém Ele não pode ser definido e limitado aos pacotinhos da religião.
Imagem, no Gênesis, se referia a algo que vai além da simples possessão de forma ou aparência física. Deus transcende a necessidade natural de se possuir forma.
Deus é livre para ser o que quiser ser.
“Eu Sou o que Sou”.
E criando o homem à Sua imagem e Semelhança, Ele nos deu similar liberdade, pois Deus criou um ser diferenciado de todos os demais, que tem em suas mãos a semelhante capacidade criativa.
“Qual é o seu nome? Que lhes direi? E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU.” Êxodo 3:13-14
As escrituras nos trazem um ensinamento sem precedência, de que o homem recebeu um dom incomparável, que é o da auto-transformação.
Tudo o que há neste mundo visível é delimitado pelas leis da natureza, exceto a espécie humana. Nós possuímos a capacidade de auto-transcendência.
Sim, eu sei que somos “pó da terra”, somos mortais, sim, entretanto nos foi dado também, um espírito imortal.
A narrativa de Gênesis 1 é a mais poderosa afirmação de toda escritura, o homem foi feito à imagem de Deus, que deu à criatura o poder da criatividade.
O maior dom recebido foi o da liberdade, porém se não houver responsabilidade, este pode se tornar o pior dom também. A liberdade pode ser usada ou abusada.
E pode levar ao mais alto nível de moralidade, ou ao mais profundo imoral. Cabe a cada um de nós escolher entre amor ou ódio, compaixão ou crueldade, graça ou violência.
O livre arbítrio é um chamado supremo de Deus para toda humanidade à liberdade, criatividade, auto-transformação, mudança interior e à responsabilidade.
Saiba decidir, decida mudar, decida obedecer, decida crer e confiar no GADU.
Comentários
Postar um comentário