Ailton Elisiário de Sousa
SUMÁRIO
A questão da regularidade maçônica dividiu a Maçonaria em dois blocos: o anglo-saxônico e o latino.
O primeiro é capitaneado pela Grande Loja Unida da Inglaterra e o segundo pelo Grande Oriente da França.
O ponto fundamental de divergência entre os dois blocos é a questão do Grande Arquiteto do Universo.
A ruptura entre as duas potências proveio da posição assumida pelo Grande Oriente da França que retirou de seus postulados a expressão Grande Arquiteto do Universo e do Altar dos Juramentos o Volume da Lei Sagrada.
Os Maçons prestam os seus juramentos sobre o Volume da Lei Sagrada, a fim de lhes dar um caráter solene e sagrado.
Este trabalho analisa esta questão.
Palavras Chave: Livro da Lei.
Regularidade. ABSTRACT
The question of Masonic regularity divided Freemasonry into two blocks: the Anglo-Saxon and the Latin.
The first is captained by the United Grand Lodge of England and the second by the Grand Orient of France.
The fundamental point of divergence between the two blocks is the question of the Great Architect of the Universe.
The rupture between the two powers came from the position assumed by the Grand Orient of France that removed from its postulates the expression Great Architect of the Universe and the Altar of Oaths the Volume of the Sacred Law.
Freemasons pay their oaths on the Volume of the Sacred Law, in order to give them a solemn and sacred character. This paper analyzes this question. Key Words: Book of the Law.
Regularity. De que servem tochas, luzes e óculos quando as pessoas não querem ver claramente?
INTRODUÇÃO
O Landmark 21 da classificação de Albert Mackey dispõe que um Livro da Lei deve constituir parte indispensável do mobiliário da loja.
Nos seus exatos termos: “um Livro da Lei como parte indispensável no ornamento da Loja”.
Na classificação de Jean-Pierre Berthelon, o Landmark 6 diz: “O Livro da Lei Sagrada sobre o Altar”.
E Joaquim Gervásio de Figueiredo adota o Volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso, como as 3 Grandes Luzes que devem estar sobre o Altar, sendo o Volume da Lei Sagrada a Escritura Sagrada adotada pelo Loja local.
Outros autores, porém, como Albert Pike, Enrique A. Lecerff e Findel, não têm o Livro da Lei como Landmark.
Nem sequer o mencionam.
Já a Grande Loja Unida da Inglaterra estabeleceu 8 pontos que necessária e obrigatoriamente devem ser obedecidos por qualquer potência maçônica para que possa obter seu reconhecimento.
Não considerando como um Landmark a rigor, senão como condição sine qua non para tal fim.
Assim, para que uma Grande Loja venha a ser considerada regular pela Grande Loja Unida da Inglaterra, ela deve atender os 8 pontos de regularidade estabelecidos, dos quais o ponto 6 está descrito nestes termos:
“As Três Luzes da Maçonaria:
o Volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso serão sempre expostos durante os trabalhos da Grande Loja ou das Lojas de sua Obediência.
A mais importante das três é o Volume da Lei Sagrada”.
Tal disposição é decorrente do Memorial que a Grande Loja Unida da Inglaterra encaminhou em 04.09.1929 a todas as obediências que com ela mantinham relações, tornando-se os 8 pontos os princípios básicos para o reconhecimento de uma Potência maçônica.
Para ser reconhecida como regular pela Grande Loja Maçônica Unida da Inglaterra, uma Grande Loja Maçônica deve cumprir as seguintes normas:
1) A Grande Loja Maçônica deve estar legalmente estabelecida por uma Grande Loja Maçônica Regular ou por três Lojas Maçônicas particulares ou mais, cada uma delas garantida por uma Grande Loja Maçônica Regular.
2) Ela deve ser verdadeiramente independente e autônoma, e ter autoridade indisputável sobre a Maçonaria Simbólica (quer dizer, sobre os Graus simbólicos de Aprendiz Aceito, Companheiro da Arte e Mestre Maçom) dentro de sua jurisdição, e não ser dependente, de maneira nenhuma, de algum outro poder ou corpo Maçônico.
3) Todo Maçom de sua jurisdição deve ser varão, e nem eles nem as Lojas Maçônicas devem ter contato Maçônico com Lojas Maçônicas que admitam mulheres como membros.
4) Os Maçons de sua jurisdição devem acreditar em um criador supremo.
5) Todo Maçom de sua jurisdição deve tomar suas obrigações sobre ou à vista de um volume da Lei Sagrada (quer dizer, a Bíblia) ou o livro que ele considere sagrado.
6) As três “Grandes Luzes” da Maçonaria (quer dizer, o volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso) devem estar expostos quando a Grande Loja Maçônica ou suas Lojas Maçônicas subordinadas se encontrem abertas.
7) As discussões sobre religião e política nas Lojas Maçônicas devem ser proibidas.
8) Ela deverá aderir-se aos princípios estabelecidos e aos Usos (os antigos LANDMARKS) e Costumes da Ordem, e insistir em que eles sejam observados em suas Lojas Maçônicas.
Das diferenças entre a Grande Loja Maçônica Unida da Inglaterra e o Grande Oriente da França, no século XIX, como extensão da rivalidade entre os dois impérios coloniais, é de onde nascem as concepções de “Regular” e de “Irregular” que ainda hoje dividem a Ordem, e que foram aprofundadas por Londres com a expedição dos oito pontos de 1929, e uma tímida reforma deles em 1989.
Até então, o adjetivo Regular, em Maçonaria (e em gramática) significava outra coisa muito distinta.
REGULARIDADE MAÇÔNICA
A questão da regularidade maçônica se transformou num problema apaixonante, que dividiu a Maçonaria em dois blocos irreconciliáveis: o anglosaxônico e o latino.
O primeiro é capitaneado pela Grande Loja Unida da Inglaterra e o segundo pelo Grande Oriente da França.
O ponto fundamental de divergência entre os dois blocos é a questão do Grande Arquiteto do Universo.
A ruptura entre as duas potências proveio da posição assumida pelo Grande Oriente da França que, na justificativa da busca da Verdade promoveu a ampliação dessa investigação a toda e qualquer forma de pensamento.
Como resultado, retirou a expressão Grande Arquiteto do Universo de seus postulados, permitindo que ateus pudessem integrar a Fraternidade e, consequentemente, a retirada do Altar dos Juramentos do Livro ou Volume da Lei Sagrada.
O desdobramento dessa ruptura vai longe e engloba os diversos ritos praticados por ambas as potências que, segundo a sua natureza ou o seu espírito são tidos como ritos teístas ou deístas.
Sem dúvida, a expressão Grande Arquiteto do Universo não só relembra as origens operativas da Maçonaria, mas ainda, dentro dos princípios de tolerância religiosa que a norteiam serve de designação à Divindade, em que todo maçom é obrigado a crer.
Contudo, esse nome pode adaptar-se em razão de sua amplitude conceitual de modo a poder compreender tanto o Deus pessoal das diferentes igrejas, como o Deus impessoal dos filósofos ou o Logos universal dos racionalistas.
Com a Declaração do Grande Oriente da França de que “a Maçonaria reconhece a existência de um princípio superior e ideal geralmente designado sob a denominação de Grande Arquiteto do Universo”, deixando unilateralmente de satisfazer os maçons em geral, é que a Grande Loja Unida da Inglaterra publicou seus 8 princípios de base para o reconhecimento de uma Grande Loja, pelos quais define como o Grande Arquiteto do Universo o Deus da Bíblia, estabelecendo-se a cisão e a formação dos blocos da Maçonaria Regular e Maçonaria Irregular.
Aslan (Landmarques... pag. 325) deste modo se expressa: “Assim, a Maçonaria Francesa definiu as suas diretrizes, como também o fez a Maçonaria Inglesa. E essas definições indicam que os ideais das duas Obediências são cada vez mais divergentes.
A primeira é nitidamente filosófica e humanista, a segunda assume aspectos de religião cultual.
A Maçonaria Francesa entende que o Maçom deve ter a faculdade de pensar livremente, passando insensivelmente a trabalhar para que o cidadão tenha liberdade dentro da cidade.
Sob o impulso de um sentimentalismo altruísta, deve tratar de melhorar as condições práticas da existência social e do bem-estar econômico, entrando, sem querer, a lutar contra tudo aquilo que se oponha a este programa de ação, e considerando-se aparentado a todas as organizações políticas que pugnam pela ampliação dos direitos do homem, por uma justiça coletiva e por uma repartição melhor das riquezas econômicas.
Já a Grande Loja Unida da Inglaterra, numa carta dirigida à Grande Loja do Uruguai, e que esta publicou em sua circular de 18 de outubro de 1950, exprimia desta forma o seu pensamento: “A Maçonaria não é um movimento filosófico admitindo toda orientação ou opinião... A verdadeira Maçonaria é um culto para conservar e difundir a crença na existência de Deus, para ajudar os Maçons a regular a sua vida e a sua conduta nos princípios de sua própria religião, qualquer que ela seja... mas deve ser uma religião monoteísta que exija a crença em Deus como Ser supremo... e deve ser uma religião tendo um livro sagrado sobre o qual o iniciado possa prestar o juramento à Ordem”.
Dois povos vizinhos, duas concepções filosóficas diferentes, duas interpretações quiçá opostas de uma mesma ideia: a Maçonaria”.
Afirmam Costa e Castellani (1990: 28) que o teísmo na Maçonaria já existia desde os primórdios desta, dominando as profissões e submetendo-as ao dogmatismo clerical, posto que cada corporação fazia sua reuniões nas igrejas e nos conventos, aceitando os santos padroeiros e admitindo seus ofícios como uma forma de servir a Deus e em última análise à Igreja.
A Constituição de Anderson veio atenuar esse teísmo, ao criar o sistema obediencial das lojas à Grande Loja, eliminando o sistema de liberdade antes praticado de “maçom livre em loja livre”.
A Constituição de Anderson introduziu o deísmo e ampla tolerância, que veio a ser modificado um século depois, quando prevaleceu a corrente teísta inglesa amplamente influenciada pela Igreja Anglicana.
O artigo 1º da Constituição de Anderson assim estava redigido: “O maçom está obrigado, por vocação, a praticar a moral e, se compreender seus deveres, nunca se converterá em um estúpido ateu nem em irreligioso libertino. Apesar de, nos tempos antigos, os maçons estarem obrigados a praticar a religião que se observava nos países em que habitavam, hoje crê-se mais conveniente não lhes impor outra religião senão aquela que todos os homens aceitam e dar-lhes completa liberdade com referência às suas opiniões particulares. Essa religião consiste em ser homens bons e leais, ou seja, homens honrados e justos, seja qual for a diferença de nome, ou de convicções. Deste modo, a Maçonaria se converterá em um centro de união e no meio de estabelecer relações amistosas entre as pessoas que, fora dela, teriam permanecidos separadas”.
Essa liberalidade da Grande Loja de Londres provocou resistências, sendo o centro dessas resistências a Loja de York, que se declarava depositária das antigas tradições da Maçonaria de Ofício.
Os maçons que seguiam a orientação da Loja de York passaram a ser denominados de “Antigos”, enquanto os que seguiam a orientação da Grande Loja de Londres passaram a ser denominados de “Modernos”.
O que os Antigos censuravam nos Modernos era a descristianização dos rituais, a omissão das orações e das comemorações dos dias santos e os mandamentos da Igreja.
Para combater a Grande Loja de Londres os Antigos fundaram em 1753 a Grande Loja dos Antigos Maçons com centro na Loja de York, que sob a liderança do irlandês Laurence Dermott publicou em 1756 a Constituição da Grande Loja sob o título de Ahiman Rezon.
Este cisma durou até 1813, quando as duas Grandes Lojas se fundiram surgindo em decorrência a Grande Loja Unida da Inglaterra que, em 1815, publicou a sua Constituição modificando o artigo 1º da original Constituição de Anderson que assim ficou redigido:
“Um maçom é obrigado, por seu título, a obedecer à lei moral e, se compreender bem a Arte, nunca será um ateu estúpido, nem um irreligioso libertino. De todos os homens, deve ser o que melhor compreende que Deus enxerga de maneira diferente do homem, pois o homem vê a aparência externa ao passo que Deus vê o coração. Seja qual for a religião de um homem, ou sua forma de adorar, ele não será excluído da Ordem, se acreditar no glorioso Arquiteto do Céu e da Terra e praticar os sagrados deveres da moral”.
Por esse termo, o liberalismo e a tolerância da Constituição de Anderson original foram substituídos pelo teísmo pessoal, pelo dogmatismo e pela imposição de crença, incompatíveis com a liberdade de pensamento e de consciência (Costa e Castellani, 1990: 30).
As modificações introduzidas neste artigo seriam, posteriormente, causa do conflito entre a Grande Loja Unida da Inglaterra e o Grande Oriente da França e as Potências latinas que lhe seguem a orientação, pois ao deísmo inicial sucedeu um teísmo bíblico com o qual não concordam.
Na França, a primeira obediência maçônica foi a Grande Loja da França, fundada pelo Duque de Wharton, antigo Grão Mestre da Grande Loja inglesa que foi para aquele país em 1728.
Até 1738 a Grande Loja da França foi governada por ingleses, quando passou a ter Grão Mestres franceses, sendo Grão Mestre o Duque de Antin (1738 – 1743) sucedido pelo Conde de Clermont (1743 – 1771).
Após um período de perturbação, em 1776 a Grande Loja da França se cindiu tornando-se o Grande Oriente da França, trazendo um espírito democrático e independente.
O Grande Oriente da França apoiava os movimentos libertários, contrariamente à Grande Loja Unida da Inglaterra que proibia a discussão política em seus templos.
É neste contexto que surgiu o Rito Francês e depois Moderno, sistema adotado em 1785 pelo Grande Oriente da França, cujo nome parece ter sido utilizado em oposição ao nome do Rito Escocês.
O Rito Moderno já se manifestava no ideal dos “modernos” de Londres, com o deísmo contido nas Constituições de Anderson de 1723.
Costa e Castellani (1990: 42/51) dizem que “nota-se pela leitura dos primeiros Rituais Franceses uma tendência logicamente deísta onde, sequer a Bíblia fazia parte das Lojas: no Ritual de 1785 (Regulador de 1801) a Bíblia se acha ausente.
O juramento (ainda não tinha sido adotado o compromisso de 1877) é prestado “sobre os estatutos gerais da Ordem e sobre a espada, símbolos da honra, diante do Grande Arquiteto do Universo (observe-se que a expressão é diante do Grande Arquiteto do Universo, sem a solicitação do concurso e auxílio do mesmo, próprio do teísmo)”. (...) “Para compreendermos as modificações ocorridas em 1877 é mister considera-las no seu contexto histórico. Evidentemente que antes de 1877 esta ausência da Bíblia não caracterizava uma posição adogmática, como hoje ocorre, na Maçonaria Francesa, muito ao contrário, ela era essencialmente deísta, quiçá até teísta. O juramento é do mesmo modo prestado diante do Grande Arquiteto do Universo e é também “para a glória do Grande Arquiteto do Universo” que o candidato é recebido e constituído Aprendiz. O Ritual de 1785 não é mais cristão, não faz referência a uma tradição religiosa determinada, resultando daí uma interpretação teológica bem diferente daquela do início dos anos de 1738, quando os maçons foram condenados por Clemente XII com a bula In Eminenti de 28.09.1738.
Por outro lado, a ausência da Bíblia não é uma particularidade do Ritual de 1785 (Regulador de 1801).
Nos Rituais de Avignon da mesma época (manuscrito 3089 do Museu Calvet), o juramento é igualmente pronunciado sobre “o livro dos regulamentos”.
É verdade que o Ritual de Avignon de 1784 nos fala do juramento prestado sobre “o livro que contém a Palavra”, mas estamos nos atendo aos Rituais a partir de 1785. No Ritual de Lyon de 1772, o evangelho não aparece por ocasião do juramento.
O Venerável diz ao recipiendário: “Levanta a mão direita em direção ao trono do Ser Supremo que você vê e compreende”.
A própria fórmula do juramento começa assim: “Sim, Grande Deus, eu prometo ser fiel à Santa Religião...”, mas não precisa qual.
Este é o mais antigo exemplo que nós conhecemos de um ritual onde o juramento não faz nenhuma referência à religião cristã.
Aceitamos a evidência de que, no seu início, a Maçonaria francesa usava a Bíblia para fazer o juramento, e precisamente sobre o Evangelho de São João.
Na década de 1780 este costume persistia em algumas Lojas, como se pode ver nos rituais daqueles anos como, por exemplo, na Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita de 1786, onde está escrito que o profano com “a mão direita sobre o evangelho”, porém, na maioria das lojas se desenvolveu uma tendência para a supressão do mesmo.
O Grande Oriente da França no seu Ritual de 1785 consagrou esta tendência.
Não é difícil encontrar uma razão para esta atitude do Grande Oriente da França.
Houve uma opção, aceita até pelos teístas, de um universalismo, indiscutivelmente religioso, mas dissociado de toda tradição religiosa específica.
Era preciso admitir na Maçonaria homens de todas as religiões, sem especificar nenhuma delas, para não obstaculizar esta tendência.
O motivo da pseudo-irregularidade só aconteceu em 1877.
Alguns autores, ligados aos interesses teológicos e políticos, justificam a condenação da Grande Loja da Inglaterra devido a ausência nos trabalhos da forma invocativa do Grande Arquiteto do Universo e a eliminação da Bíblia nos trabalhos da loja; outros, como o Irmão José Castellani, entendem que a posição tomada pela Maçonaria inglesa foi exclusivamente política.
Sustenta o autor citado que “a política foi a razão para o rompimento com o Grande Oriente da França, tomando, como pretexto, a reforma constitucional, levada a cabo por este último, em 1877, eliminando, em nome da liberdade de pensamento e de crença, a obrigação de se crer no Grande Arquiteto do Universo e na imortalidade da alma (eliminou a obrigatoriedade, não a crença). Ora, cinco anos antes, ou seja, em 1872, depois de estudos iniciados em 1867, o Grande Oriente da Bélgica suprimia, de seus rituais, a invocação do Grande Arquiteto do Universo, sem provocar qualquer reação da Grande Loja da Inglaterra.
No artigo primeiro, concernente aos Princípios Gerais da Ordem Maçônica do Grande Oriente da França lemos: “Franco-Maçonaria, instituição essencialmente filantrópica, filosófica e progressista, tem por objeto a pesquisa da verdade, o estudo da moral e a prática da solidariedade; ela trabalha para melhorar a condição material e moral, na direção do aperfeiçoamento intelectual e social da humanidade. Ela tem por princípio a tolerância mútua, o respeito aos outros e a si mesmo, a liberdade absoluta de consciência e considerando as concepções metafísicas como sendo do domínio exclusivo da apreciação individual de seus membros, ela se recusa a toda afirmação dogmática. Ela tem por divisa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Entre as discussões de 1876 e a votação de 1877, a Maçonaria francesa chegou a algumas conclusões que comprovam que o processo de transformação não foi exigência de nenhuma corrente radical, sendo fruto de um processo de evolução racional no sentido de não admitir sectarismo religioso. Entendiam os constituintes: “A Franco-Maçonaria não é deísta, nem atéia nem mesmo positivista. Enquanto Instituição afirmando e praticando a solidariedade humana ela é estranha a todo dogma e a todo credo religioso qualquer que ele seja. Ela tem por princípio único o respeito absoluto à liberdade de consciência. (...) Não pretendemos negar ou afirmar qualquer dogma, a fim de permanecermos fiéis ao nosso princípio e a nossa prática de solidariedade humana. (...) Deixemos aos teólogos a tarefa de discutir os dogmas. (...) Mas que a Maçonaria fique como ela deve ser, quer dizer uma Instituição aberta a todos os progressos, a todas as ideias morais e elevadas, a todas as grandes aspirações grandiosas e liberais. (...) A Assembleia considerando que a Franco-Maçonaria não é uma religião; que ela não pode consequentemente afirmar na sua Constituição doutrinas ou dogmas, adota o voto n° IX. (Assembleia Geral de 1877 que aprovou as supressões). Em vista do exposto e da constatação de que o Rito Francês/Moderno, embasado com a aprovação do voto n° IX, adotou o adogmatismo, nada mais lógico que a sua atitude de retirar dos trabalhos a Bíblia e as invocações dogmáticas, impostas. Esta atitude do Grande Oriente da França em 1877 deve ser compreendida como a razão de ser da história das lutas da Maçonaria francesa”.
Exceção a esta regra, vê-se na Grande Loja Nacional Francesa, potência reconhecida pela Grande Loja Unida da Inglaterra e que pratica o Rito Francês ou Moderno. Entende-se que para tal reconhecimento a Grande Loja Nacional Francesa deve haver restabelecido o juramento sobre a Bíblia, segundo o costume tradicional.
Trata-se de um “retorno às origens”, restabelecendo a antiga tradição francesa que o Grande Oriente da França modificou em 1877.
O LIVRO DA LEI
O Livro da Lei ou Livro Sagrado é, num amplo sentido, a denominação dada às revelações inspiradas por Deus, transcritas por seus escolhidos.
Na China, o YiKing, escrito por Fo-Hi, provavelmente o mais antigo sábio da história humana, versa sobre as relações do homem com o universo; os livros escritos por Lao-Tse, fundador do taoísmo, discorrem sobre o princípio místico do universo, a prática do bem e a responsabilidade do homem quanto a ocorrência do bem e do mal em razão de sua própria vontade e determinação.
Na Índia os Livros Sagrados são os Vedas. O Rig-Veda, livro dos versos; o Yajur-Veda, livro das sagradas formas; o Sama-Veda, livro dos cânticos; e o Atharva-Veda, livro dos contos de fascinação e poderes mágicos.
O Bhagavad Gitã ou o Canto do BemAventurado, atribuído a Krishna, que seria assim como Buda uma das encarnações de Vishnú, o criador, ensina como se formar um sábio dentro de um ciclo de sucessivas existências.
No Egito, o Livro dos Mortos, que trata da vida e da morte, de interpretação difícil, encontrado em túmulos e junto a múmias. É possível que acreditassem servir para guiar as almas dos mortos.
E ainda podemos citar outras escrituras sagradas como, os clássicos no confucionismo; Tripitaka no budismo; Avesta no zoroastrismo; Ko-ji-ki e Nihon-gi no xíntoísmo; Alcorão no islamismo; Antigo Testamento no judaísmo e a Bíblia Sagrada no cristianismo.
Ao pleitearmos o ingresso na vida maçônica, tomamos ciência de que embora não seja a maçonaria uma religião, necessária se faz a crença em um Princípio Criador, denominado de o Grande Arquiteto do Universo.
Mais ainda, logo que conhecemos os Landmarks, vemos que esta crença é de suma importância, como a vida futura também assim o é, e que é indispensável, no Altar, estar o Livro da Lei.
A sua leitura é feita em todas as sessões, independente do grau, e tem por finalidade, embora seja certa a onipresença de Deus, invocar a benção do Grande Arquiteto do Universo para os trabalhos a serem executados, propiciando a fraternidade e o amor entre os irmãos.
No mundo ocidental, o Livro da Lei utilizado é a Bíblia Sagrada.
A utilização de outros livros, como os já citados, tem gerado polêmica entre estudiosos da cultura maçônica.
Existem os que defendem ser possível a utilização de qualquer deles, respeitando-se a religião do iniciado, pois é a maçonaria tolerante e aberta aos homens, independente de sua religião.
Outra vertente determina a Bíblia Sagrada como único e possível Livro da Lei, tendo em vista que os rituais de iniciação da Maçonaria anglosaxônica preceituam ser a Bíblia o guia da verdade e único caminho até Deus.
A Grande Loja da Inglaterra, considerada Loja Mãe da Maçonaria Universal, recomenda a utilização da Bíblia e não de qualquer outro livro porque a Maçonaria tem sua origem nas antigas corporações de mestres pedreiros construtores de igrejas e catedrais formadas sob a influência da Igreja na Idade Média.
É certo que muitos estudos demonstram que os rituais e lendas maçônicas, as Palavras Sagradas e de Passes, a doutrina e a Moral Maçônica em todos os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito estão profunda e estreitamente ligadas a história do povo israelita no Antigo Testamento e ao ministério de Jesus Cristo no Novo Testamento, que unidos formam a Bíblia Sagrada.
Decorre disto a incompatibilidade, senão de princípios, mas de tradições, personalidades, lendas e ritualística, quando da utilização de outros livros como Livro da Lei.
Não é absolutamente uma exigência que o Antigo e o Novo Testamentos sejam utilizados.
O Livro da Lei é o volume que, pela religião do país, acredita-se conter a vontade revelada do Grande Arquiteto do Universo.
A Maçonaria não tenta interferir com a fé religiosa em particular de seus discípulos, exceto na medida em que se relaciona com a crença na existência de Deus e o que resulta necessariamente dessa crença.
O Livro da Lei é para o maçom especulativo sua verdade espiritual e constitui a sua regra e guia de conduta.
O Landmark, portanto, requer que um Livro da Lei, um código religioso de algum tipo como a vontade revelada de Deus, faça parte do ornamento de cada Loja.
Desse modo, os Maçons reúnem-se, fora do mundo profano, em Lojas onde estão sempre expostas as três grandes luzes da Ordem: o Volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso, para aí trabalharem segundo o ritual do rito, com zelo e assiduidade e conforme os princípios e regras prescritas pela Constituição e pelos regulamentos gerais da Obediência.
Os Maçons prestam os seus juramentos sobre o Volume da Lei Sagrada, a fim de lhes dar um caráter solene e sagrado, indispensável à sua perenidade.
O Livro da Lei é o símbolo de Lei moral que cada Maçom deve respeitar e seguir; representa a filosofia que cada um adota ou a Fé que anima e governa os homens.
O “Livro da Lei Sagrada” foi antigamente só e simplesmente o Livro da Lei, livro que continha os Antigos Deveres, as regras, – os Old Charges – que regulavam a atividade das corporações.
Sobre ele, nossos antepassados operativos prestavam seus juramentos.
Existem indícios disto, não existem rastros de que prestavam seus compromissos ante um “livro sagrado”.
Na Constituição de Anderson de 1723 nada se diz sobre isto. Tampouco, nada se diz quanto a reforma de caráter esclarecedor que Anderson efetuou em 1738.
É em 1760 que a Bíblia adquire a categoria de “luz” da loja.
Entretanto, nos altares dos maçons operativos medievais não existia nenhuma Bíblia.
Neles se encontravam ferramentas de trabalho: a régua, o esquadro e o compasso – estas suas luzes.
AS OLD CHARGES
As Old Charges, ou Velhos Deveres, ainda são chamados de Antigas Constituições ou, segundo a expressão de Anderson, Constituições Góticas.
Esses 130 documentos se situam entre 1390 e 1410.
O mais antigo entre eles se chama Regius, data de 1390; o Cooke, de 1410.
O Regius, cópia de um manuscrito anterior, conta 794 versos em inglês arcaico, enquanto o Cooke é em prosa.
Entre os outros manuscritos que não são mais que variantes desses dois textos, citamos o Nigo Jones (1607) e o Wood (1610).
Na Maçonaria Operativa, a posse de um desses documentos por uma Loja equivalia a uma carta constitutiva na atualidade.
São conhecidas hoje mais de 115 versões desses documentos.
Albert Mackey em sua Enciclopédia, no verbete Manuscripts, edição de 1925, informa o nome de cada manuscrito, data e local de publicação e nome do proprietário.
Esses manuscritos consistem geralmente de 3 partes:
-a primeira é uma prece ou invocação de abertura;
-a segunda trata da história lendária do ofício e,
-a terceira formam os estatutos e deveres, ou seja, os regulamentos e observâncias que incubem aos maçons.
Por ocasião da criação da Grande Loja de Londres, George Payne apresentou o Manuscrito Cooke, que é o segundo documento mais antigo entre as Old Charges, e sob a denominação de Regulamentos Gerais fez publicar juntamente com as Constituições de Anderson em 1723.
Depois de examinar as lendas medievais e de compila-las, James Anderson limitou-se a adaptá-las à Bíblia, livro considerado editado pelo próprio Deus e considerado um manual da história da humanidade.
É verdade que os historiadores da Maçonaria estudaram o período de transição desta, quando de operativa passou a especulativa.
Porém, a não ser algumas Old Charges posteriormente descobertas, não existem documentos maçônicos relativos aos anos de 1687 a 1723.
Fato é que só em 1738, quando a Maçonaria já tinha se disseminado pelo mundo, é que James Anderson teve que apresentar uma certidão de nascimento da Maçonaria, posto que em 1723 quando escreveu uma “história” da Maçonaria e que anexou às Constituições daquele ano, ele nada dissera sobre tão importante acontecimento.
Em sua narrativa, o Reverendo Anderson enumerou as 4 lojas fundadoras da Grande Loja de Londres - O Ganso e a Grelha (hoje Lodge of Antiquity nº 2), A Coroa (hoje não mais existe), A Macieira (hoje Lodge of Fortitude and Old Cumberland nº 12), A Taça e as Uvas (hoje Royal Samerset House and Invernees Lodge nº 4) - e fez um resumo da eleição do primeiro Grão Mestre.
Os períodos anterior e posterior à criação da Grande Loja de Londres ainda se acham não suficientemente esclarecidos, ensejando ainda a curiosidade dos pesquisadores.
Sabe-se, todavia, que a primitiva organização de uma loja maçônica na primeira metade do Século XVIII já possuía um ritual e uma liturgia que foi evoluindo ao longo do tempo.
GRANDE LOJA DOS ANTIGOS E DOS MODERNOS
A Grande Loja dos Modernos tinha a Bíblia, o Esquadro e o Compasso representando o Mobiliário da Loja até a época da união com a Grande Loja dos Antigos.
Diziam suas Preleções:
- Qual é o Mobiliário da Loja? – A Bíblia, o Esquadro e o Compasso.
- Seus usos? – A Bíblia serve para dirigir e governar a nossa Fé, e sobre ela é feito o Juramento por nossos novos Irmãos. Assim também o Compasso e o Esquadro, quando unidos, servem para reger as nossas vidas e as nossas ações.
- De onde derivam e a quem pertencem? – A Bíblia deriva de Deus, para o homem em geral; o Compasso pertence ao Grão Mestre, em particular e o Esquadro a toda a Ordem.
- Por que a Bíblia deriva de Deus, para o homem em geral? – Porque aprouve ao Todo Poderoso revelar mais de sua Divina vontade neste Livro do que por outros meios que já tenha feito; seja pela luz da razão, seja pela retórica com todos os seus poderes.
- Por que o Compasso pertence ao Grão Mestre em particular? – Sendo este o principal Instrumento usado para desenhar e fazer plantas arquitetônicas, é particularmente apropriado ao Grão Mestre, como um Emblema de sua dignidade, e por sero Chefe e o Governador de toda a Ordem, e sob cujo patrocínio as nossas Grandes leis são tão sensatamente impostas, estrita e universalmente obedecidas pela Ordem em geral.
- Por que o Esquadro pertence a toda a Ordem? – Por ser ela juramentada no Esquadro e, consequentemente, compromissada a assim agir sobre ele. Escreve Dyer (2006: 137) que “aparentemente, os trabalhos da rival Grande Loja dos Antigos descreviam a Bíblia, o Esquadro e o Compasso como as Três Grandes Luzes da Franco-Maçonaria, desde a época de seu surgimento como uma organizada e isolada Grande Loja na década de 1750, uma vez que as Exposições da década seguinte dão essa interpretação. Neste aspecto, elas diferiam dos textos bem mais antigos, de um período anterior ao surgimento da Grande Loja dos Antigos e, assim, das práticas dos modernos, embora um antigo manuscrito escocês inclua a prática dos antigos. Quaisquer que tenham sido as diferenças que os nossos Irmãos de então tivessem, eles concordavam quanto ao significado desses emblemas – o guia e a regra O livro da lei sagrada um símbolo que divide de nossa Fé e a persuasão de nosso dever a Deus.
As demais, unidas no intuito de dirigir e governar as nossas vidas e ações, em inculcar a nossa obrigação para com o semelhante e para conosco mesmos, e em manifestar ao mundo o nosso mérito como maçons. Percebemos que nos tempos anteriores à União das duas Grandes Lojas, ambas eram basicamente cristãs em seus trabalhos e se referiam apenas à Bíblia”.
O Reverendo John T. Lawrence (In Dyer, 2006: 139) disse no seu livro Sidelights on Freemasonry que “a Bíblia não deveria ter defensores mais leais do que os franco-maçons.
Muitas pessoas parecem ter uma tendência a desculpar-se por acreditar na Bíblia, de dar-lhe espaço como um clássico, negá-la ou contestá-la.
Mas nós, pelos compromissos assumidos, a vemos como a expressão de uma voz Divina e, portanto, nos permite enxergar exatamente quais e o que são as expressões que a Bíblia exerce sobre nós; não apenas sobre o nosso sentimento e sentido de reverência, mas sobre o nosso bom senso. (...)
Mas a nossa Bíblia! Que acidentada e memorável História teve!
E, apesar disso, sobreviveu, inalterada.
Ela não fez a menor concessão, seja à perseguição ou à intolerância e muito pouco à erudição; mas permanece firme como uma rocha, irremovível, ao redor da qual bilhões de pessoas têm se insurgido ao longo dos séculos, pelos quatro cantos do mundo.
Dos príncipes até os camponeses, dos mansos e ingênuos até os sábios ou também os ignorantes, a Bíblia tem passado pelos séculos a inalterada mensagem da descida do homem, e de suas consequências, das relações com Deus e da única esperança de salvação.
Desde os textos maçônicos mais antigos o Esquadro e o Compasso são mencionados em conjunto e juntos simbolizam a Maçonaria.
As nossas antigas Preleções sempre se referem a esses instrumentos “quando unidos” e, por seus individuais usos e aplicações maçônicas eles nos ensinam os deveres e as obrigações que temos conosco mesmos e perante os nossos semelhantes.
J. S. M. Ward (In Dyer 2006: 142) vê nestas Luzes um simbolismo bem mais espiritual.
Diz ele: “No Volume da Lei Sagrada, o Esquadro está unido ao Compasso. Por si, o Esquadro representa a matéria e, por conseguinte, os nossos corpos. Os seus braços estando sobre o Compasso, que representa o espírito, denotam que o homem, num estado de desenvolvimento espiritual, representado por um Aprendiz, é, mormente, animal, pois o corpo ainda não está sob o controle ativo e completo do espírito. Para uma pessoa assim, é perda de tempo falar sobre as elevadas verdades espirituais, ela deverá, antes de tudo, ser treinada em pura moral, ser ensinada a usar o seu corpo com respeito e refrear seus instintos e apetites animais. É por isso que ao Aprendiz é simplesmente dito que a Franco-Maçonaria é um sistema de Moralidade, velado em alegorias, etc. (...) Assim, no Primeiro Grau, o Esquadro adverte o candidato d que deve devotar a maior parte do tempo ao Aprendizado do controle do corpo. No Segundo, indica que já está apto a aprender um pouco mais sobre as verdades espirituais e no Terceiro, está simbolizando um homem que, tanto quanto possa, obedece conscientemente à voz do espírito em vez do lado animal de sua natureza”.
Segundo a Constituição inglesa a regra é de que as Lojas posicionem as Três Grandes Luzes no pedestal do Venerável Mestre, prática da Grande Loja dos Modernos. Estando a Loja aberta, o Esquadro e o Compasso devem ser colocados sobre o Volume da Lei Sagrada.
Mas, esta regra não é unânime nas lojas. Em muitas delas é costume que elas sejam colocadas no centro da Loja, prática advinda da Grande Loja dos Antigos anterior a 1813 na Inglaterra.
Tais diferentes práticas motivaram dois métodos para a abertura do Livro: em posição de leitura pelo Venerável Mestre ou pelo candidato defronte a este.
O simbolismo do Volume da Lei Sagrada quanto aos Modernos, dizia respeito ao dever do Venerável Mestre instruir os Irmãos nos princípios contidos na Bíblia. A Bíblia não estava na Loja apenas para ser usada por ocasião dos Juramentos, pois ali ela permanecia como a Palavra de Deus e para que pudesse o Venerável Mestre instruir sobre ela. Com a reorganização da maçonaria inglesa em 1813, seu posicionamento ficou a cargo de cada Loja segundo a sua prática, mas continuou utilizada para receber os juramentos. O que ocorre na atualidade com os diversos ritos praticados pelas Grandes Lojas é que há ritos que o Livro da Lei é aberto e lido em locais definidos, aberto e lido em locais aleatórios, abertos e não lidos, não abertos. Porém, em qualquer circunstância, junto a ele estão o Esquadro e o Compasso, sempre em posição do grau no qual a Loja esteja reunida. Há ritos, porém, que neles o Livro da Lei se encontra ausente.
CONSIDERAÇÕES
A posição assumida pelo Grande Oriente da França em 1877 determinou um litígio interno na Maçonaria.
A Grande Loja Unida da Inglaterra, que se declara Grande Loja Mãe do Mundo, trouxe a si a atribuição exclusiva de estabelecer que Grandes Lojas ou Grandes Orientes são regulares ou irregulares.
Ao fundar o sistema obediencial a que hoje se submetem todas as potências maçônicas no mundo, impôs o critério do reconhecimento dessas por ela ou por outras já por ela reconhecidas, com base nos 8 pontos de regularidade pela mesma estabelecidos.
Por sua vez, o Grande Oriente da França não reconhece na Grande Loja Unida da Inglaterra a autoridade universal sob a qual todas as Grandes Lojas ou Grandes Orientes devem se submeter.
Os princípios, os fundamentos, os postulados, a doutrina, a história, enfim, a Instituição Maçônica em todo o universo se apresenta como bloco monolítico, diferenciando-se as potências entre si por particularidades que não ameaçam a sua universalidade.
O apanágio de liberdade em que se assentam as obediências maçônicas norteia o tanto as lojas tidas como “regulares”, quanto as consideradas “irregulares”.
As duas vertentes maçônicas só aparentemente são opostas. Se não, vejamos. Levantamos aqui algumas observações.
Durante a segunda metade de 1875 houve uma grande celeuma entre as Lojas na Índia, quanto à adequação do uso do Alcorão em lojas maçônicas sob constituição inglesa.
Correspondência considerável foi tida com a Grande Loja Unida da Inglaterra, em Londres, que trouxe à tona o fato da iniciação do Rei de Oudh, um muçulmano, na Friendship Lodge n.6, em Londres, em 14.04.1836.
Na cerimônia de iniciação um volume do Alcorão foi usado.
O livro tinha sido posto pelo Grão Mestre, e que o candidato era obrigado a ela pelo mestre da loja, que era um clérigo inglês. Isto produziu uma discussão mais aprofundada e foi resolvida pela Grande Loja Unida da Inglaterra, que era adequada para obrigar todos os candidatos sobre esse livro em particular que realizou a ser mais sagrado e que contém o trabalho da Divindade.
A Grande Loja Unida da Inglaterra deixou decidido que a Grande Loja Provincial da Índia poderia iniciar candidatos sem interferência com a religião, e estabeleceu a regra: “Ele não precisa deixar de ser um muçulmano, budista, hindu, judeu, cristão, ou qualquer outra denominação.”
O Grande Secretário da Grande Loja da Inglaterra declarou: "Não é uma questão de a Bíblia estar no altar, é “O Volume da Lei Sagrada”.
Entre os cristãos é o Antigo e o Novo Testamento combinados.
Entre os judeus é o Antigo Testamento sozinho.
Entre os maometanos é o Alcorão”.
Num grupo de discussão quanto ao tema um dos participantes deixou a seguinte questão:
"No final do Ritual de Iniciação, o Neófito, faz o seu juramento sobre o Volume da Lei Sagrada. Como escolhem o Livro, se o candidato acreditar somente no GADU?"
A iniciação em si é o culminar de um processo pelo qual um profano se torna maçom.
Este processo longo e tentativamente exaustivo permite o conhecimento do profano a iniciar, permite saber das suas crenças, e dos seus desejos.
As Lojas se referem sempre ao livro como o Volume da Lei Sagrada e não como a Bíblia, o Corão, a Torá, o Bhagavad Gita, etc.
Esta generalização permite uma maior abrangência.
As Lojas não estão obrigadas a ter um exemplar de cada um dos Livros da Lei Sagrada, aliás nalgumas grandes Lojas o único volume que existe é o Volume da Lei Sagrada editado pela própria Grande Loja e com fim único de se ser usado nas Lojas.
Nestes casos, os candidatos são informados que é assim que está determinado e é-lhes perguntado se isso lhes causa algum problema.
Mas mesmo nestes casos nada obriga a que só haja um Volume da Lei Sagrada em Loja.
Noutras Grandes Lojas não há um livro único e as Lojas podem escolher qual o que usam, ou mesmo quais os que usam.
Há assim um grau de liberdade para cada Loja, no que ao Volume da Lei Sagrada diz respeito.
Todavia, a pergunta tem mais uma pertinência, e que é o fato de o candidato sendo crente no Grande Arquiteto, não reconhecer como Volume da Lei Sagrada nenhum dos propostos.
Temos aqui três soluções:
1) O Candidato indica o livro que pretende, este é avaliado pela Loja, que deverá, contudo, solicitar um parecer à Grande Loja, e se tudo estiver certo a cerimonia é feita.
2) O Candidato aceita prestar os seus juramentos sobre o(s) livro(s) existentes na Loja e o problema deixa de existir.
3) O Candidato não apresenta alternativa e não aceita o(s) Volume(s) da(s) Lei(s) Sagrada(s) existente(s).
Caso em que a decisão da Loja só pode ser a de terminar o processo e não proceder à iniciação.
Por outro lado, na maçonaria operativa inicial, as corporações estavam sob a influência direta da Igreja, e no primeiro livro das constituições maçônicas publicado em 1723, os maçons eram obrigados a ser da religião do país em que viviam.
O segundo livro, no entanto, publicado em 1738, alterou esta cláusula e aceitava todos os crentes em Deus, não importando de que religião.
As Constituições de Anderson de 1723 não têm e nem conferem à Maçonaria um espírito religioso.
Neste sentido é importante recordar aquela regra de interpretação das normas jurídicas, segundo a qual “ubi lex voluit, dixit; ubi noluit, tacuit” (quando a lei quer, diz; quando não quer, cala).
E isto é precisamente o que ocorreu com estas Constituições.
Não dizem absolutamente nada sobre a presumida obrigatoriedade da qualidade religiosa nem da obrigatoriedade do polêmico “Livro da Lei Sagrada”.
Os Francomaçons têm sua Bíblia: as Constituições de Anderson.
É este o livro que deve colocar-se sobre o altar e sobre o qual poderia exigirse o juramento ou promessa.
De outra maneira, maçonicamente parece-nos ímpio tratar de impor um dogma religioso a uma Ordem cuja virtude essencial é a de “não admitir limite algum na investigação da verdade” (Boletim da Grande Loja da França).
Os rituais do Grande Oriente da França falam em “Livro da Lei Maçônica”, numa referência à Constituição, sem que esteja claramente especificado se a Constituição de Anderson ou da Potência, ou ambas.
No Brasil, a Oficina Chefe do Rito Moderno, em sessão realizada aos 8 dias do mês de setembro de 1969, baixou resolução definindo a Bíblia como o Livro da Lei, devendo no entanto permanecer fechada.
Todavia, uma questão já havia sido levantada por Mário Bhering em 1902, conforme Boletim do Grande Oriente do Brasil daquele ano: como iniciar um profano descrente que outros ritos repelem, num rito adogmático e obrigá-lo a prestar o seu compromisso sobre a Bíblia?
E responde Costa & Castellani (1990: 54): se nós no Brasil, aceitarmos o uso da Bíblia nos trabalhos do Rito Moderno, não teremos mais uma Maçonaria adogmática, porém um seguimento teísta a exemplo do Rito Francês praticado pela Grande Loja Nacional Francesa, onde não O livro da lei sagrada um símbolo que divide têm assento os descrentes que outros ritos repelem, como era o desejo do Poderoso Irmão Mário Bhering.
O. Wirth entende compreensível que a Bíblia conserve todo seu prestígio antes aqueles espíritos religiosos que buscam nela a palavra de Deus, fazendo-a o guia infalível de sua fé; porém, semelhante veneração está muito longe de poder impor-se racionalmente e constitui uma característica anglo-saxônica de que não participam as raças latinas.
Os maçons anglo-saxões quiseram ter sua Maçonaria particular e renunciaram ao universalismo proclamado em 1723.
O ponto de vista de muitos irmãos é que se não queremos representar uma farsa, não devemos empregar a Bíblia em testemunho de que pertencemos a uma Sociedade que aceita todas as doutrinas e ensinamentos bíblicos.
Exigir um espírito religioso é impróprio de nossa Ordem.
Quem assinala os antigos manuscritos para recordar-nos que neles se fazia referência à Bíblia a que as reuniões se consagravam a Deus, a Santíssima Trindade, aos santos e à Virgem, há que recordar que isto nada significa.
Naqueles tempos todos estavam obrigados a pertencer a uma religião, e quem assim não o fazia ou não o manifestava era considerado herege, candidato a perder tudo, inclusive sua própria vida.
A religião, considerada como sistema de fé e de veneração, pertence à Igreja e não a uma organização fraternal.
A Maçonaria possui várias potências e ritos.
Todos, sem dúvida, são regulares de acordo com os as normas estabelecidas, mas, nem todos reconhecidos.
Entretanto, nenhuma potência é detentora da Maçonaria. Por que, então, a Grande Loja Unida da Inglaterra é que pode dar reconhecimento?
Onde está escrito nas leis maçônicas, que a ela lhe pertence tais poderes?
A Grande Loja da Inglaterra quis impor a presença da Bíblia, o que não foi aceito pela França e outros países, que desejavam adotar o livro sagrado de cada um deles ou o que cada maçom respeitasse. Isto é que torna a maçonaria universal.
Como se pode ver, o conceito da regularidade só é aceite pelos maçons que se autodenominam «regulares», enquanto os chamados maçons «irregulares», negam qualquer valor a essa dualidade e preferem denominar-se «adogmáticos», «liberais» ou «democráticos».
Para complicar mais as coisas, a tendência congénita que os maçons têm para dividir-se e para formar novas obediências, somada ao facto de a Grande Loja Unida de Inglaterra só reconhecer uma única obediência regular por país, teve como resultado que muitas lojas que cumprem os requisitos teóricos da regularidade estejam fora desta.
Apesar disso, continuam a utilizar a denominação de regulares para não serem confundidas com as adogmáticas, ou irregulares.
A disparidade existente entre os maçons, no que toca ao reconhecimento institucional da existência, ou não, de um ser supremo, parece aos nossos olhos uma diferença aparentemente irreconciliável.
Estaremos perante um primeiro obstáculo, insanável, para determinar que tipo de crença os maçons, no seu conjunto, têm no que diz respeito à ordem no mundo?
Talvez não seja assim.
Os «padrões», ou «limites do território», designados quase universalmente pela palavra inglesa landmarks, são listas que recolhem os pontos inalteráveis da essência da maçonaria especulativa tradicional, ou regular.
Estes landmarks incluem a obrigatoriedade, para os que quiserem ser maçons, de reconhecer a existência de Deus.
Assim, por exemplo:
1. O landmark número 19, dos recolhidos por Albert Mackey: «Uma crença na existência de Deus como Grande Arquitecto do Universo, é um dos limites mais importantes da Ordem (…) a negação da existência de um Poder Supremo e Vigilante de tudo, determina uma incapacidade absoluta para a iniciação».
2. Primeiro landmark, da lista elaborada por Luke Lockwood: «a crença na existência de um Ser Supremo, em alguma revelação da sua vontade…».
3. Número 8, dos landmarks de H. B. Grant: «Exige-se a crença incondicional na existência – e a reverência ao seu nome – de um Ser Supremo, ao qual os homens chamam Deus, e ao qual os maçons se referem como Grande Arquitecto do Universo».
4. Primeiro landmark, de John W. Simmons: «A crença na existência de um Ser Supremo...».
5. Primeiro landmark, de Roscoe Pound: «A crença em Deus». A «Regra de doze pontos da franco-maçonaria», norma exigida pela Grande loja Unida de Inglaterra para obter o reconhecimento da «regularidade maçónica», declara no seu primeiro ponto: «A franco-maçonaria é uma fraternidade iniciática que tem como fundamento tradicional a crença em Deus, o Grande Arquitecto do Universo».
Pois bem, o requisito da crença no Grande Arquitecto do Universo, proclamado tão afincadamente nestes, e em muitos outros documentos, que deu lugar ao percurso desgarrado dos Grandes Orientes, na realidade, não constitui uma diferença essencial entre os maçons regulares e irregulares.
Os maçons regulares e irregulares estão certamente mergulhados numa disputa de método que tem provocado rixas e confrontos entre eles.
Não obstante, nem uns nem outros se negam mutuamente a condição maçónica (salvo as excepções desaprovadas pela maioria dos maçons).
Isto é que é decisivo.
Na maçonaria de tipo inglês, abundam os agnósticos não beligerantes, para quem não é problema a aceitação simbólica do Grande Arquitecto do Universo; e vice-versa, a omissão nos Grandes Orientes irregulares de qualquer menção ao G.A.D.U., à imortalidade da alma ou ao livro da Lei Sagrada, não implica a priori a sua «proibição», pelo que, se um maçon, privadamente, professar qualquer tipo de religião, não entra em colisão com a obediência irregular.
A este respeito, costuma passar despercebido um dado curioso e muito revelador: quando, em 1877, o “convento” do Grande Oriente de França decidiu eliminar das suas Constituições todos os artigos que contivessem referências a Deus, à Lei Sagrada ou à Imortalidade da alma, a medida foi adoptada por iniciativa do então GrãoMestre, que presidia ao Conselho da Ordem, Frédéric Desmons (1823-1909).
O que chama a atenção neste assunto, é que o senhor Desmons era de profissão… pastor protestante, o que demonstra que a intenção da medida não era excluir os candidatos que admitissem a existência de Deus, ou que acreditassem na sobrevivência da alma, mas sim despojar o ritual de exigências excessivamente «dogmáticas».
Ao mesmo tempo que Desmons pugnava por essa política dentro da loja, continuava a exercer a sua actividade religiosa de pastor protestante, à sua maneira. Foi uma personagem de um fanatismo laicista extremo, como é típico do Grande Oriente de França.
Poucos anos depois de ter conseguido a supressão das menções ao Grande Arquitecto do Universo nos trabalhos da sua obediência, abandonou o exercício do seu ofício religioso para dedicar-se plenamente à actividade política, na qual teve um certo êxito, pois chegou a alcançar a vice-presidência do Senado francês.
O seu sectarismo anti-liberal levou-o a colaborar no assunto que deu origem ao «escândalo das fichas», uma conjura pela qual os maçons organizaram um sistema de controlo dos membros das forças armadas que consistia em facilitar a ascensão aos filiados na maçonaria enquanto aos membros do exército que eram notoriamente católicos militantes, aos que enviavam os seus filhos para colégios católicos ou àqueles cujas mulheres assistiam à Missa, era-lhes vedada qualquer promoção.
Desde todos os recantos de França, uma apertada rede nacional enviava para o Ministério da Guerra as fichas com todos os dados dos militares «clericais».
Aí, eram arquivadas num ficheiro que era designado por «Cartago».
Os militares que figuravam no «Cartago», não tinham qualquer hipótese de conseguir ascender na carreira.
Essa história ignominiosa é narrada com abundantes detalhes pelo maçon Alec Mellor.
Quando, em 1905, a conspiração se tornou do conhecimento público, houve uma enorme comoção em França.
Há que ter em conta que o próprio Desmons, e com ele, muitos anticlericais do G.O.F. que professavam uma religião meramente privada, não tiveram qualquer problema em ser qualificados para ingressar numa loja de obediência regular e teísta inglesa (in «O Segredo da Maçonaria Desvendado», Diel, 2009, pp. 59-64).
BIBLIOGRAFIA
ASLAN, Nicola. História Geral da Maçonaria – Período Operativo. Rio de Janeiro; Editora Aurora. S/data,
ASLAN, Nicola. Landmarques e Outros Problemas Maçônicos. Rio de Janeiro: Editora Aurora. S/data.
BAYARD, Jean-Pierre. A Espiritualidade da Maçonaria. Da Ordem Iniciática Tradicional às Obediências. São Paulo: Madras. 2004.
COSTA, Frederico G. & CASTELLANI, José. O Rito Moderno. A Verdade Revelada. Londrina: A Trolha. 1990. DYER, Colin F. W. O Simbolismo na Maçonaria. São Paulo: Madras. 2006.
SENNA, Vanildo de. Landmarques. Tese para o I Congresso Maçônico Internacional de História e Geografia. Academia Brasileira Maçônica de Letras. Rio de Janeiro. 1981.
SENNA, Vanildo de. Fundamentos Jurídicos da Maçonaria Especulativa. Tese para o I Congresso Maçônico Internacional de História e Geografia. Academia Brasileira Maçônica de Letras. Rio de Janeiro. 1981.
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