Aquele que espera descobrir algum segredo na leitura deste artigo irá se decepcionar, o foco do artigo se destina à análise de algumas questões jurídicas, disponíveis em sites e livros jurídicos envolvendo essa instituição benemérita que seria a Maçonaria.
Desde o início dos tempos se tem buscado um modo de regular as relações entre as pessoas – Jean Jacques Rousseau se referia a um contrato social que nos uniria em benefício mútuo e cada um deveria abrir mão de uma parcela de sua liberdade para que pudéssemos viver em comunidade – sem isso não haveria como haver leis, polícia, segurança etc.
Vem daí a ideia de que todos devem agir com responsabilidade, cada qual deve se responsabilizar pelos seus atos.
O homem, diz a lei seria uma pessoa natural, que, ao ser concebido, já poderia perceber direitos, mas ao nascer com vida, já seria objeto de vários deveres (nossos pobres bebês já estão fadados a ter um CPF no registro de nascimento desde 2015 para que nada escape ao Fisco, por exemplo – o Brasil nunca conheceu o liberalismo e pelo jeito em que as coisas vão, não o conhecerá tão cedo – a fúria arrecadatória e o intervencionismo estatal se agigantam).
Mas há um detalhe muito importante. Quando um homem corre o risco de perder tudo que tem, ele se arrisca menos. Por outro lado, quando ele pode limitar o risco a uma parcela de seu patrimônio, ele tolera se arriscar mais. Isso foi feito pelos holandeses que, sem querer, criaram a ideia de uma pessoa jurídica, modo de pessoa natural limitar a parte de seu patrimônio que pode ser arriscada em um dado empreendimento, sem comprometimento de toda a estrutura patrimonial familiar.
Yuval Harari, no magistral livro Sapiens, Uma Breve História da Humanidade diz que, no momento em que o homem cria esse conceito de pessoa jurídica, a Holanda se torna o centro financeiro mundial do século XVI, seu rei é convidado a governar a Inglaterra (Guilherme de Orange), se aperfeiçoam as casas bancárias, o título de crédito é criado (cheque, letra de câmbio, nota promissória etc) e o mundo capitalista prospera como nunca num florescimento econômico.
O mundo não seria como hoje conhecemos sem a ideia de pessoas jurídicas – basta ver o que a pandemia provoca com a falência das pessoas jurídicas e o quadro alarmante que se descortina na economia mundial para que se tenha essa antevisão. Hoje ninguém mais se arrisca neste cenário, a economia está sendo devastada.
Chegou-se ao ponto, tamanho o intervencionismo, inclusive judicial, na atividade econômica que se promulgou um Estatuto de Liberdade Econômica – Lei nº 13.874 em 2.019 (a partir da MP 881) para ver se as pessoas se arriscariam mais para gerar mais prosperidade, mas a pandemia e a histeria que se seguiu a ela não evitaram o caos da atividade econômica.
Nesse contexto, a pessoa jurídica seria uma ficção, um ente imaginário que se forma pelo contrato, pelo qual as pessoas naturais que o compõem atuam nos rumos dos objetivos traçados, de modo a que, se deles não se desviarem, não haja responsabilização dos indivíduos.
A pessoa jurídica, num ambiente que não seja um Estado Totalitário (recomenda-se a leitura de As Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt – que demonstra que, a cada ato de liberdade que se suprime o Estado caminha a passos largos para o abandono da democracia – e o Estado brasileiro se agiganta na restrição sobre como, por exemplo, educaremos nossos filhos, fala-se, hoje, em absurda revisão da literatura, determinando-se correção de obras de autores consagrados, caçando-se tudo e todos em nome de um politicamente correto aleatoriamente estabelecido não se sabe bem por quem, sendo tudo contra-majoritário).
Mas a pessoa jurídica surge nesse contexto, um fator de limitação de responsabilidades que somente poderia ser superado em caso de fraudes. Na normalidade, se o Estado arrasou seu negócio por conta de atos de irresponsabilidade, a priori você não fraudou nada, você foi vítima. Estaria protegido pelo véu que separa a pessoa física da jurídica.
A ideia da maçonaria enquanto pessoa jurídica surge neste contexto, da necessidade dos indivíduos em atuarem de modo discreto, pelos ideais maçônicos, no cumprimento de seus fins sociais (aperfeiçoamento humano e atividades benemerentes), de modo a que, no cumprimento de tais fins, se possa atuar em conjunto, de modo a que não se retalie quaisquer de seus membros numa gestão regular de suas atividades.
Inúmeros livros de história dão conta do papel fundamental da Maçonaria em Movimentos como a Inconfidência Mineira e a Abolição da Escravatura, em defesa de ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Há muitas ações de benemerência que discretamente seus membros praticam sem espera de qualquer reconhecimento. Cuida-se, portanto, de uma associação civil, mas, o que vem a ser isso ?
Pela legislação brasileira, a Maçonaria poderia ser entendida como uma pessoa jurídica de direito privado interno (não é composta pelo Estado, não tem direito público na composição de seu capital social e não é gerada, ao menos nas potências que aqui atuam como filial ou satélite de alguma organização internacional – tem-se autonomia em relação a tanto).
Embora até possa ter algum tipo de receita, posto haver captação de valores com mensalidades ou doações e outros, fato é que não há lucro, não há dividendos, não há partilha dos valores apurados entre os membros, logo isso retira o que antigamente se diria caráter comercial da entidade (lá se vão os tempos dos Atos de Comércio do Regulamento 737 de D. Pedro II, hoje se diz caráter empresarial por conta da adoção da teoria da empresa pelo Código Civil atual).
Diante disso se tem que a Maçonaria não seria uma empresa, mas seria uma associação, posto ser uma pessoa jurídica que implica numa reunião de pessoas (não numa reunião de bens, o que seria próprio de uma fundação) para o desenvolvimento de uma atividade comum, mas que não seria empresarial, justamente por não visar o lucro de quem quer que seja.
Apenas e tão somente se visa atingir as finalidades sociais que não são lucrativas, muito ao contrário. Como toda associação, a Maçonaria deve ser criada pelo Registro no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (empresas são criadas na Junta Comercial do Estado) e deve se pautar pelo que vier a ser estabelecido em seus estatutos ou contratos constitutivos – estes, por sua vez, enquanto normas jurídicas particulares (apenas obrigam os membros) devem estar em conformidade com as normas jurídicas gerais que obrigam a todos (Constituição Federal, Código Civil, Lei dos Registros Publicos etc).
A 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve, por unanimidade, decisão da 25ª Vara Cível de Brasília no sentido de que as lojas maçônicas e os orientes, como se defende neste artigo (como se tem informações na internet não se está a revelar qualquer segredo, mas se está pretendendo contribuir como elucidações sobre o tema) são associações civis, podendo ser livremente criadas, ostentando liberdade sobre sua forma de organização e funcionamento. Assim, portanto, se asseverou no julgamento do recurso 0736427-87.2017.8.07.0001 daquele Areópago:
“Diante dessa moldura normativa, detêm plena liberdade de redigir seus estatutos e as normas que regerão suas relações com os associados, que, optando por se integrarem, associando-se mediante adesão voluntária, devem sujeitar-se às regras estabelecidas pelas entidades”.
Para o Desembargador que analisou o caso, a interseção judicial sobre os assuntos internos de entidade associativa não se afigura revestida de legalidade e legitimidade quando volvida a simplesmente impulsionar procedimento ético-disciplinar de associado.
Repita-se, no entanto, que a ordem interna não pode, como em qualquer pessoa jurídica, contrapor-se à legislação do país ou à ordem constitucional, daí a necessidade de, por exemplo, se assegurar em procedimentos garantias que lhe são próprias, como contraditório, ampla defesa, vedação de discriminação etc. Nesse sentido:
TJ-RJ - APELAÇÃO APL 00884168720108190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 2 VARA CIVEL (TJ-RJ) Data de publicação: 21/11/2012 DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO QUE EXCLUIU SUMARIAMENTE DO QUADRO EFETIVO MEMBRO DA MAÇONARIA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
1. As associações civis, pessoas jurídicas de direito privado que são, devem respeito à Constituição da República, sendo as normas privadas inoponíveis quando suprimem os direitos fundamentais do indivíduo.
2. A exclusão ou a destituição de qualidade de membro, como formas de punição, devem ser precedidas de procedimento em que lhe seja assegurado o contraditório e a ampla defesa suficientes ao respeito dos ditames constitucionais.
3. Recurso ao qual se nega seguimento para manter a sentença que anulou ato de destituição do membro da qualidade de efetivo para agregado, na forma do art. 557 , caput do C.P.C.
4. Precedentes deste Tribunal.
Cada Loja Maçônica, por sua vez, também se regulariza e disciplina seus direitos e obrigações (patrimônio, deveres etc) de acordo com um estatuto social que deve ser periodicamente adequado à realidade da sociedade e às mudanças legislativas – por isso na recente questão da disputa entre filiações a potências maçônicas, houve necessidade de regularização do estatuto da Loja às novas normas e realidade dos fatos.
Enquanto os membros atuarem de acordo com as finalidades sociais propostas nas cartas constitutivas, não haverá possibilidade de responsabilização dos membros individuais que componham a sociedade, sejam os gestores que detenham poder de direção, sejam os obreiros que não os detenham.
Cogitou-se, inclusive, no sentido de que, a Maçonaria, enquanto pessoa jurídica (não obstante não seja uma religião) ao possuir templos e proceder a determinados cultos poderia, até mesmo, almejar a situação de imunidade tributária. Nesse sentido dispõe de modo expresso a norma contida no artigo 150, inciso VI, b CF:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: .... b) templos de qualquer culto;
Nesse sentido aponta o tributarista Roque Antônio Carrazza, no sentido de que a imunidade abrangeria os templos maçônicos:
“A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação entre Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República. Sabemos que, durante o Império, tínhamos uma religião oficial: a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado. (…). Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar todas elas. Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público. Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita”
No passado chegou, até mesmo, a ocorrer casos de isenção por confusão no sentido de se conferir cunho religioso à ordem. Veja-se como exemplo, no ano de 2.002:
TJ-DF - APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA DE OFÍCIO AC 20000150021228 DF (TJ-DF) Data de publicação: 03/04/2002 EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - MAÇONARIA - RELIGIÃO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - LEI COMPL EMENTAR DISTRITAL - ISENÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VALOR EXARCEBADO. 1. A IMUNIDADE É FORMA QUALIFICADA DE NÃO INCIDÊNCIA, QUE DECORRE DA SUPRESSÃO DA COMPETÊNCIA IMPOSITIVA SOBRE CERTOS PRESSUPOSTOS PREVISTOS NACONSTITUIÇÃOO . A MAÇONARIA É UMA SOCIEDADE DE CUNHO RELIGIOSO E SUAS LOJAS GUARDAM A CONOTAÇÃO DE TEMPLO CONTIDA NO TEXTO CONSTITUCIONAL , DEVENDO, PORTANTO, FICAR IMUNES AOS IMPOSTOS. 2. ADEMAIS, O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 8º DA LEI COMPL EMENTAR Nº 277, DE 13 DE JANEIRO DE 2000, ACRESCIDO PELA LEI COMPL EMENTAR Nº 363, DE 19 DE JANEIRO DE 2001, AMBAS DO DISTRITO FEDERAL, PREVÊ A ISENÇÃO DE IPTU DE IMÓVEIS CONSTRUÍDOS E OCUPADOS POR TEMPLOS MAÇÔNICOS. 3. REDUZ-SE O VALOR DA VERBA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUANDO A SINGELEZA DA CAUSA, O VALOR DO EXECUTIVO FISCAL E O PRECEITO DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL O AUTORIZAREM. 4. DADO PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME
No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se inclinou no sentido de não conferir imunidade aos Templos Maçônicos, justamente, segundo voto do Ministro Ricardo Levandowski, porque cuidar-se-ia de sociedade secreta (em verdade discreta, diria eu) que não seria em si uma religião (julgamento do RE 562.351 no ano de 2012).
Antevendo-se uma omissão legislativa a Maçonaria tentou reverter a posição deste aresto, no próprio STF a partir de um Mandado de Injunção, não conseguindo, igualmente êxito, como se observa no julgado deste ano:
STF - EMB.DECL. NO AG.REG. NO MANDADO DE INJUNÇÃO MI 7069 SP 0083767-17.2018.1.00.0000 (STF) Data de publicação: 06/07/2020 MAÇONARIA. INEXISTÊNCIA DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL EXPRESSA DO DEVER DE LEGISLAR. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGOS 1.022 E 1.024 DO CPC/2015. MANIFESTO INTUITO PROTELATÓRIO. CARÁTER INFUNDADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS. DETERMINAÇÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO.
1. A omissão, contradição, obscuridade ou erro material, quando inocorrentes, tornam inviável a revisão da decisão em sede de embargos de declaração, em face dos estreitos limites do artigo 1.022 do CPC/2015.
2. In casu, o Plenário desta Suprema Corte negou provimento ao agravo interno interposto, mercê de a firme jurisprudência desta Suprema Corte consignar a inexistência, na Carta da Republica, de obrigação jurídico-constitucional expressa de regulamentação do art. 150, VI, b, da Constituição ou de concessão de imunidade tributária a templos maçônicos. Não obstante, o embargante aduz que “com base na doutrina e jurisprudência maçônica [,] o TEMPLO MAÇÔNICO é verdadeiramente o local onde se abriga a instituição filosófica, filantrópica, educativa, progressista e RELIGIOS”.
3. Deveras, percebe-se que o recurso é manifestamente protelatório, repetindo os mesmos argumentos já apresentados desde a petição vestibular. Trata-se, ainda, de pretensão absolutamente infundada, máxime de contrária à firme jurisprudência desta Suprema Corte quanto ao descabimento do pleito frente à estreita via processual eleita, razão pela qual é autorizada a determinação do trânsito em julgado da contenda. Precedentes.
4. Embargos de declaração DESPROVIDOS, com a determinação de certificação do trânsito em julgado e consequente baixa imediata dos autos, independentemente de publicação do acórdão.
Isso não impede, no entanto, nos entes federativos em que a legislação o permitir, que se tentem outros tipos de benefício, por exemplo, os próprios de entidades beneméritas e assistenciais, para Lojas regularmente constituídas.
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