As ordens iniciáticas e o nó de górdio.

górdio

Premissas:

  • A Maçonaria não impõe nenhum limite à livre investigação da verdade”.
  • A Maçonaria tem por fim combater a ignorân­cia em todas as suas formas; combater os hipócri­tas que enganam a humanidade; os pérfidos, que a defraudam e os ambiciosos que a usurpam“.

Apesar de a Maçonaria moderna se ter estrutu­rado na Inglaterra em 1717, ela já existia atuante no século anterior e de maneira germinal em tem­pos remotos. 

Foi na Inglaterra que a Maçonaria alcançou o estágio mais sofisticado de “negócio de Estado” e desde então, naquela ilha, os Pedreiros Livres (freemasons) permanecem condescendente com o sistema monárquico de governo.

Foi tam­bém nessa boa e velha Inglaterra que, em 1960, foi formada a banda de “The Beatles“, que tanto admi­ramos, e que não tem nada a ver com a Maçonaria.

Foi em França, com a assistência dos adversári­os comuns da Coroa Britânica – os escoceses – que as bases de futuras repúblicas foram moldadas, e tomadas para si, pelo Rito Escocês a partir de 1786 e no decorrer da história. 

Menos de setenta anos separam a Maçonaria como negócio de Estado monárquico das Maçonarias revolucionárias e republicanas (Revolução Francesa, 1789-1799), cujos principais líderes e redactores da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foram maçons.

Não pretendo dizer que a Revolução Francesa foi exclusivamente “obra da Maçonaria”, mesmo porque toda a obra maçónica só é válida quando abraçada primeiro pelos seus membros e Lojas; depois pelo povo. 

A progressiva saída de cena da Maçonaria acon­teceu com o surgir, por um lado, das organi­zações sindicais durante o século XIX – no Reino Unido, em 1871, e na França, em 1884 – e por outro, com o desenvolvimento das modernas uni­versidades, laicas e de carácter estatal, introduzin­do-se assim uma relação nova entre os governos, os trabalhadores e o conhecimento.

No final do século XIX os “segredos” da orga­nização do trabalho (atuação operativa) e os “mis­térios” da pesquisa científica (atuação especulati­va) passaram das mãos dos maçons para os sindi­catos e as universidades – não por descuido da Maçonaria, mas por vontade própria da legítima organização maçónica que almeja, em primeiríssi­mo lugar, o processo civilizatório condenando qualquer forma de absolutismo ou controle do pen­samento.

Não obstante estas realidades históricas, a Maçonaria do século seguinte (1901-2000) insis­tiu em preservar os feudos que tinham sido derru­bados há mais de um século e meio. 

O desgaste advindo dessa luta é melhor observado em países de cultura jovem como o Brasil, pois nos Esta­dos Unidos a Maçonaria vinha-se fortalecendo, nos últimos séculos, mediante projectos sólidos, abrangentes em termos da república e do interesse social (ver meu livro “Grande Loja Maçónica de Minas Gerais, História Fundamentos e Forma­ção“, Belo Horizonte, 2014 – III e IV partes).

Entre nós, os prolongados queixumes entreme­ados de gemidos e gritos de grande pesar face ao desgosto de que – dizem eles – “a Maçonaria não está fazendo nada”, reflete a consequência de um absolutismo que insiste num modelo feudal, cuja natureza intrínseca e oculta é monárquica: muitos caciques e poucos índios.

Este é o “nó górdio” que ainda não consegui­mos desatar (Górdio, segundo a lenda, foi um cam­ponês da Frigia – Anatólia, na moderna Turquia – coroado rei quando, cumprindo a previsão dos oráculos, chegou à cidade numa humilde carroça que ele amarrou numa coluna com um nó impossí­vel de se desatar. Enquanto a carroça ali estivesse, só ele poderia governar, fazer as leis e julgar.)

Assim permanecem os novos carroceiros que amarram os seus coches nas colunas do Templo da Sabedoria com um nó desafiante ao poder dos seus súbditos. 

Chega-se ao poder pelo voto democrático, mas governa-se pelo sistema discricionário – esta é a regra das novas sociedades INICIÁTICAS (não só a Maçonaria!!!) onde a educação, o conhecimento e o poder não são compartilhados de forma igualitária: uns “sabem” mais que os outros e o mínimo que dizem saber não comparti­lham; de igual forma inventam “histórias para bois dormirem”, enquanto a vaca vai para o brejo.

Voltemos à Frigia do ano 340 A.C., quando Ale­xandre, o Grande, ouviu a história do nó górdio e, intrigado com a questão, foi até o templo e, após muito analisar, desembainhou a sua espada e cortou o nó com um único golpe.

Onde estarão os Alexandres hoje?

Parafraseando Fiedrich Hegel, ouso apreciar o que acontece com quaisquer outros fatos do passa­do, refiram-se eles aos costumes, às leis, etc. – fatos pertencentes à história que a miopia do Sécu­los XX e do atual Século XXI insiste, à custa de cultuar a estupidez, em classificá-los sem nenhu­ma relação com a vida presente. 

E por melhor que os verdadeiros estudiosos reconheçam estes fatos e personalidades em todos os seus pormenores, o desafio que devemos enfrentar não se tem tornado cultura nossa.

A indigência cultural impede que os nossos direi­tos – o conhecimento do poder e a participação no poder do conhecimento – produzam os efeitos da glória que já não existe. 

O que é histórico, disse Hegel, só é nosso quando pertence à nação a que também pertencemos ou quando podemos consi­derar o presente em geral como uma consequên­cia de tais ou tais acontecimentos passados, em especial daqueles cujos caracteres e actos neles representados se prendem como os anéis de uma cadeia

Não basta o laço que existe entre o povo e a terra em que ele vive; é preciso que haja uma ínti­ma ligação entre o passado do nosso povo e o nosso estado atual, a nossa vida e modo de existên­cia de hoje.

Mas que esta ligação entre o passado e o nosso estado atual não se imobilize pela carroça de Górdio estacionada na entrada dos templos.

José Maurício Guimarães

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