Fernando Pessoa e a Maçonaria - O BULE

 

Por Rogério Mathias Ribeiro

Contra todas as fórmulas do mal, Contra tudo que                torna o homem precário. Se és maçon, Sou mais que          maçon – sou templário. 
Esqueço-te santo Deslembro teu indefinido encanto. 
Meu irmão, dou-te o abraço fraternal. [1].
-
Uma das questões mais discutidas pelos pesquisadores
do papel do ocultismo na obra pessoana é se Fernando 
Pessoa foi, ou não, um maçom. 

Essa resposta poderia ajudar no entendimento de um
dos principais mistérios: o ocultismo foi apenas uma 
fonte de inspiração para o poeta ou foi a base de seu 
projeto poético? 

Uma confirmação da participação de Fernando Pessoa
na Maçonaria poderia sugerir que os estudos do poeta 
(que atravessaram sua vida) sobre as ordens iniciática
e ciências ocultas eram mais do que simples matéria bruta 
para sua poesia. 

Não temos dúvidas do enorme interesse do poeta 
pelos assuntos ocultos. 
Sua vida e sua obra mostram-nos um enorme 
conhecimento sobre as ordens, a simbologia maçônica 
e as religiões antigas. 

Assim como a maioria dos pesquisadores do papel do 
ocultismo na poesia de Fernando Pessoa, acreditamos 
que o escritor foi um iniciado tanto como poeta quanto 
em sua vida pessoal. 

Alguns estudiosos argumentam que há razões para se 
duvidar da efetiva participação do poeta na Maçonaria. 
Uma das razões seria o fato de não haver registro da 
passagem de Fernando Pessoa pelo Grande Oriente 
Lusitano, única obediência portuguesa de sua época; 
seria um bom argumento se a loja não tivesse sido 
assaltada e vandalizada em 1929 e 1935 e em decorrência 
disso tivesse a maioria dos documentos sido destruída. [2]. 

As depredações e ataques não provam a participação de Pessoa no Grande Oriente Lusitano, mas tampouco 
convém acreditar que a única maneira de Fernando 
Pessoa passar por uma iniciação em ordem secreta ou em 
ritos secretos seria através da loja em questão; há 
também a hipótese da participação de Pessoa em outra 
ordem iniciática que não a Maçonaria. 
Antes de completar esse raciocínio, seria relevante 
abordar o teor do famoso artigo de Pessoa em 
defesa da Maçonaria, principal argumento usado por 
aqueles que não creem na filiação maçônica do poeta. 

Este trecho abaixo é do artigo que Fernando Pessoa 
publicou no Diário de Lisboa, no 4.388 de 4 de fevereiro de 
1935, contra o projeto de lei, do deputado José Cabral, 
proibindo o funcionamento das associações secretas, 
sejam quais fossem os seus fins e sua organização:  
“Começo por uma referência pessoal, que cuido, por necessária, não dever evitar. Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém, antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma idéia absolutamente favorável da Ordem Maçônica. A estas duas circunstâncias, que em certo modo me habilitam a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem de político ou social –, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto – assunto bel, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa preparação, cuja natureza me não proponho indicar (...)”[3] 

Não poderíamos esperar que Pessoa se declarasse maçom
em um artigo de primeira página de jornal enquanto 
tramitava (foi posteriormente aprovado) um projeto que estabelecia várias e fortes sanções a todos 
quantos pertencessem a associações secretas; 
definitivamente, não seria uma atitude muito inteligente. 

Além disso, não é permitido a um maçom declarar a sua condição a ninguém, muito menos àqueles que não façam 
parte da fraternidade. 

No livro coordenado por Teresa Rita Lopes, 
Pessoa inédito, temos um escrito de Pessoa que 
auxilia na compreensão da questão: 
“Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a 
Ordem nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não 
tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem pudesse 
entender, insinuei que a tinha, quando falei de uma 
preparação especial, cuja natureza não me proponho i
ndicar. Esta frase escapou, e ainda mais o seu sentido 
possível, aos iledores antimaçonicos. 
Só posso pois dizer que pertenço à Ordem Templária
de Portugal. 
Posso dizer, e digo, que sou Templário portuguez. 
Digo-o devidamente autorizado. E dito, fica dito. (…)”[4] 

Sendo assim, Pessoa admite que foi iniciado, e não fica 
por aí, vai além: declara-se templário português, ou seja, 
mais que maçom. Ao que parece, o poeta foi iniciado, 
aprendeu sobre as ordens secretas e tinha conhecimentos que lhe permitiam estudos aprofundados sobre as mesmas. 

António Arnaut, em seu Fernando Pessoa e a Maçonaria, levanta diversas hipóteses sobre a iniciação de 
Fernando Pessoa, inclusive a de Fernando Pessoa 
ter se transmutado em um iniciado, ou ter se autoiniciado. 
Jorge de Matos, em O pensamento maçônico de 
Fernando Pessoa, também não guarda dúvidas da 
iniciação do poeta, mas de igual forma levanta hipóteses 
sobre como esta teria se dado – talvez, através do mago 
inglês Aleister Crowley. 
Na verdade, é difícil, depois de tanto tempo, saber ao 
certo como se deu a iniciação de Pessoa, principalmente 
em se tratando de ordens secretas. 

Temos de definitivo o profundo conhecimento do poeta 
sobre o assunto, o qual, segundo muitos 
pesquisadores e maçons, só poderia ser adquirido por 
meio de uma participação efetiva em uma ordem 
ocultista, com a presença de um mestre que lhe 
auxiliasse a compreender a intrincada simbologia. 

Pessoa, no artigo do jornal, continua a discorrer 
sobre a Maçonaria: 
“A Maçonaria compõe-se de três elementos: 
- o elemento iniciático, pelo qual é secreta; 
- o elemento fraternal; 
- e o elemento a que chamarei humano – isto é, o que 
  resulta de ela ser composta por diversas espécies de 
  homens, de diferentes graus de inteligência e cultura, 
  e o que resulta de ela existir em muitos países, 
 sujeita, portantoa diversas circunstâncias de meio 
e de momento histórico, perante as quais, de país 
para país e de época para época reage, quanto à atitude social, diferentemente. Nos primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçônico, a Ordem é a mesma sempre e em todo o mundo. No terceiro, a Maçonaria – como aliás qualquer instituição humana, secreta ou não – apresenta diferentes aspectos, conforme a mentalidade de Maçons individuais, e conforme circunstâncias de meio e momento histórico, de que ela não tem culpa. Neste terceiro ponto de vista, toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só idéia – a "tolerância"; isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender. Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo quanto se chama "doutrina maçônica" são opiniões individuais de Maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer sobre as suas relações com o mundo profano. São divertidíssimas: vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth até ao misticismo cristão de Arthur Edward Waite, ambos tentando converter em doutrina o espírito da Ordem. As suas afirmações, porém, são simplesmente suas; a Maçonaria nada tem com elas. Ora o primeiro erro dos Antimaçons consiste em tentar definir o espírito maçônico em geral pelas afirmações de Maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé.”[5] - Nesse trecho, Pessoa faz uma síntese dos principais elementos da Maçonaria, em Portugal e no exterior, demonstra conhecimento de como funcionavam naquela época as diversas estruturas das ordens maçônicas e chega mesmo a enumerar os principais autores citados pelos antimaçons. - “O segundo erro dos Antimaçons consiste em não querer ver que a Maçonaria, unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua ação social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como afetam toda a gente. A sua ação social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias – as que provocaram a formação dessas Obediências distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue daqui que nenhum ato político ocasional de nenhuma Obediência pode ser levado à conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode provir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria não criou.”[6] - Em seguida, Fernando Pessoa discorre sobre as diferentes correntes de pensamento que existem dentro da Maçonaria, chamadas obediências distintas. É importante lembrar que outras ordens secretas como a Ordem da Rosa Cruz e a Ordem Templária podem estar incluídas de algum modo dentre essas obediências distintas; isso abre espaço para cogitarmos que a aproximação maior de Pessoa seria com uma obediência distinta e não exatamente com a parte mais difundida da Maçonaria, hipótese que não deve ser descartada. - “Resulta de tudo isto que todas as campanhas antimaçônicas – baseadas nesta dupla confusão do particular com o geral e do ocasional com o permanente – estão absolutamente erradas, e que nada até hoje se provou em desabono da Maçonaria. Por esse critério – o de avaliar uma instituição pelos seus atos ocasionais porventura infelizes, ou um homem por seus lapsos ou erros ocasionais – que haveria neste mundo senão abominação? Quer o Sr. José Cabral que se avaliem os papas por Rodrigo Bórgia, assassino e incestuoso? Quer que se considere a Igreja de Roma perfeitamente definida em seu íntimo espírito pelas torturas dos Inquisidores (provenientes de um uso profano do tempo) ou pelos massacres dos albigenses e dos piemonteses? E contudo com muito mais razão se o poderia fazer, pois essas crueldades foram feitas com ordem ou com consentimento dos papas, obrigando assim, espiritualmente, a Igreja inteira. Sejamos, ao menos, justos. Se debitamos à Maçonaria em geral todos aqueles casos particulares, ponhamos-lhe a crédito, em contrapartida, os benefícios que dela temos recebido em iguais condições. Beijem-lhe os jesuítas as mãos, por lhes ter sido dado acolhimento e liberdade na Prússia, no século dezoito – quando expulsos de toda a parte, os repudiava o próprio Papa – pelo Maçom Frederico II. Agradeçamos-lhe a vitória de Waterloo, pois que Wellinton e Blucher eram ambos Maçons. Sejamos-lhe gratos por ter sido ela quem criou a base onde veio a assentar a futura vitória dos Aliados – a "Entente Cordiale", obra do Maçom Eduardo VII. Nem esqueçamos, finalmente, que devemos à Maçonaria a maior obra da literatura moderna – o "Fausto" do Maçom Goethe. Acabei de vez. Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria aos Maçons e aos que, embora o não sejam, viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz. Deixe a Antimaçonaria àqueles Antimaçons que são os legítimos descendentes intelectuais do célebre pregador que descobriu que Herodes e Pilatos eram Vigilantes de uma Loja de Jerusalém.”[7] - O trecho que finaliza a defesa da Maçonaria também é passível de alguns comentários importantes. Fernando Pessoa critica a Igreja tradicional e enumera feitos virtuosos dos integrantes da Maçonaria, dentre eles a maior obra da literatura moderna escrita por Goethe. Ora, é também sobre Goethe, o “Maçom Goethe”, tão admirado pelo poeta, um ensaio do próprio Pessoa que trata de poesia e alquimia e que será comentado posteriormente nesse trabalho. É também digna de menção a solicitação que Pessoa faz ao deputado para que deixe a Maçonaria aos maçons e “aos que embora não o sejam, viram, ainda que em noutro Templo a mesma Luz.”. “Ver a Luz” é a expressão maçônica que significa ser iniciado, ser recebido na Ordem, ou seja, Pessoa pede que a Maçonaria seja deixada aos maçons e aos iniciados por ordens similares, por ordens iniciáticas que permitem aos seus adeptos a visão da Luz, entre esses pode estar o próprio Pessoa que se dizia “Templário portuguez”. A Maçonaria aos maçons e aos que viram a Luz; a “Antimaçonaria” aos descendentes do “pregador” de Herodes e Pilatos. Em que grupo estaria Pessoa senão no primeiro? - Acreditamos, pois, que se levando em conta os sólidos conhecimentos que Fernando Pessoa tinha dos propósitos das ordens iniciáticas, da simbologia maçônica e esotérica, dos rituais das ordens secretas, da estrutura e do funcionamento dessas ordens, assim como seu profundo domínio de tantas questões relacionadas ao tema, o poeta foi um iniciado, ainda que autoiniciado, na Maçonaria ou em alguma ordem secreta similar. Yvette Kace Centeno nos diz que: “A maçonaria é, para Fernando Pessoa, “uma vida” mais do que uma sociedade ou uma ordem.”[8] - Se o poeta participou ativamente dos rituais, das reuniões, e foi um membro oficializado, não há documento que possa comprovar, porém, a quantidade de livros sobre o assunto presentes na biblioteca de Pessoa e a quantidade de escritos seus a respeito das ordens iniciáticas colocam o poeta como um estudioso profundo do tema e, como o próprio poeta revela, um templário português iniciado. - 

1. Apud MATOS, 1997, p. 138. 
2. ARNAUT, Antonio. Fernando Pessoa e a Maçonaria
Lisboa: Grêmio Lusitano, 2005, p.6. 
3. Apud ARNAUT, 2005, p.21 e 22. 
4. Apud LOPES, 1993, p. 334. 
5. Apud ARNAUT, 2005, p. 29 e30. 
6. Apud ARNAUT, 2005, p. 30. 
7. Apud ARNAUT, 2005, p. 30.
8. CENTENO, Yvette Kace. 
O pensamento esotérico de Fernando Pessoa
9. Lisboa: Publicações Culturais Engrenagem, 1990, p.25.  

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