No século XXI fará sentido ser-se Maçom? – II

Uma das características da maçonaria é a sua aparente aversão por tudo quanto seja novo. 

Aqui, a maçonaria trai claramente a sua raiz anglo-saxónica tradicionalista, com a primazia do costume sobre o estatuído, da tradição sobre a modernidade, em suma, da imutabilidade sobre a inovação. 

Esta tendência é, simultaneamente, uma das suas maiores fraquezas e uma das suas maiores forças. 

Em 300 anos a maçonaria não mudou grande coisa; de facto, os princípios da maçonaria são, hoje, os mesmos que eram há 300 anos. 

Houve, porém, suficiente bom-senso aquando da sua instituição para que estes se tivessem mantido relevantes até aos dias de hoje. 

Contudo, à boa forma anglo-saxónica, os tais “princípios” não estão propriamente escritos numa lista – precisamente do mesmo modo que o Reino Unido não tem uma Constituição, mas se considera ser esta o conjunto dos documentos legais, sentenças judiciais, costumes, tratados e outros – contrariamente com o que sucede com a maioria dos países, que têm uma constituição escrita e claramente delimitada. 

Pode considerar-se, todavia, que os que se seguem corresponderão, grosso modo, ao que a Maçonaria tem como propósito.

Tornar homens bons em homens melhores. 

A maçonaria nunca pretendeu ser um refúgio de homens caídos, ou um reformatório de almas perdidas. 

Não cura o alcoolismo, não dá aconselhamento psiquiátrico, e muito menos transforma bandidos em anjos. 

A maçonaria sempre teve, e terá, elevados padrões de exigência moral que se aplicam quer aos seus membros quer àqueles que pretendem sê-lo, e por isso os seus regulamentos e costumes prevêem especificamente que pessoas que enfermem das limitações acima descritas não integrem as suas fileiras – e sejam mais tarde discretamente afastadas se a triagem não tiver sido eficaz. 

O estrito cumprimento das leis dos países em que está implantada, bem como o dos deveres cívicos, familiares, laborais e religiosos, são algo que se espera – mais, se exige – de qualquer maçon, sob pena de eventual exclusão ou mesmo expulsão da Ordem. 

Quanto à forma como, cumpridos estes requisitos mínimos, um homem bom se torna melhor, essa dependerá exclusivamente da vontade de cada um, daquilo que escolha melhorar e de onde pretenda chegar. É um caminho estritamente individual e profundamente pessoal, do qual a maioria nunca fala ao longo de toda uma vida.

Fomentar e nutrir o amor fraternal. 

Organizados em lojas e reunindo-se regularmente em sessões – que, tipicamente, contam entre uma e três dezenas de presenças – os maçons executam rituais razoavelmente semelhantes em todo o mundo, o que torna as cerimónias maçónicas num elo de ligação, numa experiência comum entre homens oriundos das mais diversas proveniências entre quem se fomenta o espírito de grupo e as ligações próximas e de longo prazo. 

Ao atravessar barreiras sociais, económicas, raciais, religiosas e políticas a maçonaria congrega homens que, de outro modo, nunca se teriam conhecido, e aqui se tratam entre si por “irmão” e por tu, independentemente das posições, cargos e honrarias que uns e outros tenham ou mereçam (ou não…) dentro ou fora da maçonaria. A fraternidade e a tolerância são valores preponderantes por serem conducentes à harmonia que se procura e que é essencial ao bom funcionamento das lojas e da sociedade em geral.

Construir e promover a autoconfiança. 

A loja constitui um microcosmos da sociedade envolvente, quer na sua diversidade, quer na multiplicidade de ofícios que aí existem. 

Tal como uma associação tem o seu presidente, o seu tesoureiro, o seu secretário, etc., também em cada loja há ofícios semelhantes – e alguns outros diferentes – que vão sendo ocupados sucessivamente por diferentes pessoas. 

No processo, não só estas prestam um serviço à loja, como recebem da loja a possibilidade de enriquecer a sua experiência no exercício do cargo. 

Aprende-se, assim, coisas simples – e fastidiosas, mas necessárias! – como elaborar um acta; outras, atemorizantes para tantos, como falar em público exprimindo uma ideia que antecipadamente se tenha elaborado; ou percepções mais profundas, como a de que um cargo é, ou deve ser, acima de tudo, a prestação de um serviço, e não uma manifestação de poder.

Cultivar a solidariedade. 

Os maçons são encorajados a tomar parte activa na comunidade, e a prestar auxílio aos mais carenciados na medida das possibilidades de cada um. 

Se bem que a maçonaria não seja uma instituição de beneficência, no sentido de que este não é o seu propósito fundamental, é esta, contudo, uma das vertentes de enriquecimento pessoal que fomenta e promove. 

Nem sempre o auxílio prestado é em espécie; rapidamente se aprende que a maior dádiva é que cada um dê um pouco de si, seja do seu tempo, do seu saber, ou mesmo do seu sangue – como a Loja Mestre Affonso Domingues tem promovido intermitentemente há um número apreciável de anos.

Buscar a Verdade. 

Nem as lojas são locais de culto, nem as sessões e rituais maçónicos foram concebidos enquanto substituto de uma ida à igreja, templo, mesquita ou similar. 

A maçonaria regular exorta cada um dos seus membros a cumprir os deveres que a sua crença lhe imponham.

Simultaneamente, o princípio da tolerância é constantemente recordado, especialmente no que concerne a tolerância religiosa, uma vez que esta está matricialmente na origem da Maçonaria. 

Espera-se de cada um que procure (e cumpra com) a Verdade que lhe seja mais adequada, e que aceite a diversidade de percursos que, frequentemente, serão tantos quanto aqueles que os percorrem.

Baixar a guarda. 

Reduzida ao essencial, pode dizer-se que a maçonaria proporciona aos seus membros um contexto onde, por algum tempo, se podem refugiar das lutas e fadigas do mundo exterior, despir as cotas de malha e baixar as espadas das lutas do dia-a-dia. 

É para isso que se cultiva um ambiente de confiança, e que os assuntos fracturantes e a própria discórdia são deixados à porta do Templo. 

Longe de constituir um momento de fraqueza, esta vulnerabilização deliberada acaba por se traduzir num momento te repouso, de descontracção, e mesmo de um certo abandono, que ajuda a retemperar-nos as forças.

Como se vê, a maçonaria só aparentemente é avessa ao que é novo; a mensagem da maçonaria é que, de tão intemporal, não carece, porventura, de modernização…


Publicado no Blog “A partir pedra” em 8 de Julho de 2015

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