Maçonaria e a Justiça

 

A palavra nos é muito familiar. 
Fala-se em Justiça nos conflitos de interesse, nas críticas de comportamento, nas divergências de idéias. 
Falam em Justiça o agredido e o agressor, o acusado e o acusador, o juiz e o réu. 
Fala-se de Justiça como se ela pudesse ser simplesmente objeto de decisões humanas, como se ela dependesse de nossos conceitos pessoais, como se ela fosse a favor ou contra nossas idéias e nossos valores. 

Será esta a natureza real da Justiça? 
Fala-se em fazer Justiça ao se aplicar a lei. 
Será a lei do homem a expressão da Justiça? 
Qual é o conceito do justo e do injusto? 
Até onde vai o nosso direito de agirmos em nome da Justiça?

Estas questões desafiam o homem desde os primórdios da filosofia e sua complexidade foge ao nosso alcance. 
Não pretendemos, portanto, respondê-las nesse trabalho. Tampouco desenvolver um estudo profundo de seus vários aspectos. 
Nossa intenção é apresentar, dentro de nossas limitações, uma breve reflexão sobre a Justiça e as leis, ressaltando sua importância na civilização humana e na filosofia da Sublime Instituição.

A Justiça é um valor fundamental da humanidade. 

É, ao mesmo tempo, raiz e suporte basilar da civilização. 
Os antigos já observavam que as diferenças fundamentais entre eles e os povos bárbaros, que viviam em sua vizinhança, diziam respeito à idéia de Justiça e aos códigos por ela gerados. 
O conceito de Justiça era tão importante na civilização grega que, em sua mitologia até os deuses eram sujeitos à Justiça, embora ela não fosse considerada como um deus supremo.

A maneira de ver a Justiça que predomina na Grécia pode ser sumarizada nas idéias de Anaximandro, filósofo representativo daquele período. Segundo ele há uma certa proporção de fogo, terra, água e ar no universo.

Cada um desses elementos tenta perpetuamente aumentar o seu império. Existe no entanto uma lei natural, a Justiça, a qual é responsável pela manutenção no balanço, conservando os elementos dentro dos limites eternamente estabelecidos. 

O homem moderno usualmente rejeita estes conceitos como anacrônicos, mas o iniciado pode, à luz dos simbolismo maçônico, avaliar esta lição da sabedoria antiga. 

Ao considerarmos a Justiça como a lei que rege as quatro essências do mundo material, o quaternário, consideramo-la como uma manifestação própria da quintessência, condição do equilíbrio universal, manifestação da lei maior da natureza. 

Na Maçonaria todos almejamos aprender a dominar os elementos, os agentes causais que conflitam em nosso interior. 
Só ao conseguirmos isto compreenderemos o sentido da Justiça que brilhará em nós, como deve brilhar, na luz da estrela flamejante.

É também entre os gregos que vemos o aparecimento dos conceitos materialistas de Justiça, provenientes em grande parte daqueles que, não admitindo o princípio criador, não conseguem ver nada além dos interesses do poder temporal. 
Segundo Thersimacus, por exemplo, só existe um princípio de Justiça: o interesse do poder mais forte. 

Segundo esta visão, ainda sustentada por muitos em nossos dias, injustiça para os mais fracos é desobedecer aos interesses dos poderosos. Não podemos concordar com esta idéia que constitui a justificativa filosófica para elaboração de códigos legais discricionários e cerceadores da liberdade.

Assim como das leis dependem nossas ações e intenções, do nosso conceito de Justiça dependem a elaboração e o aperfeiçoamento de nossos códigos legais. 

Mas serão realmente necessários os códigos legais? Não seria mais sensato simplesmente seguirmos a lei natural? Certamente deveríamos, se soubéssemos pautar nossa conduta pela lei natural. 

Mas como disse Rousseau: “Toda a Justiça vem de Deus, que é a sua única fonte. Se soubéssemos, porém, recebê-la de tão alto não teríamos necessidade de governos ou de leis”. 

É, pois, a imperfeição do homem que implica na necessidade da lei positiva, a qual é concebida para controlar o ambiente social, para tornar o comportamento dos indivíduos menos instintivo e mais sistemático. 

Mas como sistematizar a elaboração da lei a partir de um valor como a Justiça, do qual não se pode conceber outra origem que não uma emanação essencial da divindade? 

É impossível tratar adequadamente deste tema tão amplo em nosso trabalho. Vamos nos limitar a exemplificar com dois pontos de vista que escolhemos em meia a uma enorme variação.

Ambos se baseiam num postulado fundamental da moderna teoria legal, segundo o qual os direitos dos indivíduos devem ser protegidos pelo Estado. 

De acordo com Locke a lei natural estabelece os limites da liberdade individual, e se uma ação justifica retaliação pela lei natural, a lei positiva assegurará que a retaliação seja feita pelo Estado. 

A dificuldade está em se determinar que ações justificam uma retaliação pela lei natural. 

Devemos nos lembrar que, ao lado do “olho por olho, dente por dente”, temos também o ensinamento do Cristo “mostra-lhe a outra face”. 

O ponto de vista de Geremy Bebtham, o utilitarista, é o de que a lei é o método de se fazer com que os interesses do indivíduo coincidam com os interesses da coletividade. Esta visão tem como corolário que, para se ter felicidade, é preciso que se contribua com a felicidade alheia. 

Aqui surge a antiga discussão sobre a predominância do coletivo ou individual.

Cabe ainda neste trabalho uma reflexão a respeito da lei na Maçonaria. 
Desde a nossa iniciação sabemos da importância que se dá em nossa instituição a observância das leis. 

Mas devemos compreender que os alicerces da arte real repousam sobre a Lei Moral, revelada ao homem pela Suprema Inspiração. 

Daí termos em nossas Lojas a presença imprescindível do Livro da Lei, que pode ser identificado universalmente em todas as culturas civilizadas. 
Ele não pode faltar em nossas Oficinas para lembrar que a lei divina nunca poderá faltar em nosso templo interior. Enorme importância também emprestamos à lei dos homens, pois o código legal tem sido, é e será um instrumento através do qual a sociedade humana evolui e se aperfeiçoa. 

Contudo, um exame mais aprofundado de nossa história e dos nossos costumes mostra a preocupação fundamental com a Justiça acima da lei. 

A Maçonaria é a grande inimiga da opressão e sabemos que o legislador humano nem sempre elabora as leis segundo os princípios morais mais elevados. Testemunhamos amiúde a promulgação de leis que ferem a dignidade e a decência. 

Testemunhamos amiúde a eterna luta entre a opressão e a Justiça que se manifesta entre nós como o conflito entre o poder e o direito. 

Portanto as leis que institucionalizam a covardia, as leis que estatizam o crime contra os princípios naturais, as leis que valorizam a imoralidade e a indecência, estas, emanando de poderes ilegítimos, sempre foram e sempre serão combatidas por aqueles que amam a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

O apego cego a qualquer tipo de lei escrita pelo homem leva ao conservadorismo extremado e intolerante, ao fanatismo. 
Por outro lado o desrespeito sistemático ao código legal eleva a deteriorização da moral e dos costumes, ao retrocesso para a animalidade instintiva, para o primitivismo moral pré-civilizatório. 

Como dizia Aristóteles “o homem separado da lei e da Justiça é o pior dos animais”. 

Precisamos da lei como o esteio do estado civilizado. 
Foi Santo Agostinho quem disse que o estado sem justiça não é muito melhor do que um bando de ladrões, assaltantes. 

O Maçom deve, portanto, cumprir a lei e observá-la com verdadeiro espírito crítico, contribuindo para melhorá-la, para aproximá-la cada vez mais do ideal de Justiça. 

O Maçom deve procurar ser justo, isto é, feito observando-se o trinômio Igualdade, Liberdade e Fraternidade, pois que a raiz da Justiça é igualdade, o reconhecimento de que em nosso semelhante existe como em nós a essência e a vontade do Supremo Criador.

A Justiça é o fundamento da liberdade, e o respeito à Justiça é o sublime cimento para a construção da paz. 

Mas é através da caridade que se opera diretamente à Justiça, pois a caridade se compreende como o amor incondicional ao próximo, a fraternidade que não nos cansamos de apregoar e de cultivar. 
Aqueles que desconhecem os princípios de fraternidade ou desconsideram como se fosse uma teoria tola é que são os agentes da agressão, do desrespeito, do escárnio, da incompreensão, da intolerância ou de outras práticas lesivas ao semelhante e que configuram a injustiça flagrante. 

O verdadeiro iniciado sabe que é melhor receber a injustiça do que praticá-la, pois aquele que recebe a injustiça sofre a dor corporal, a dilapidação material, sofre a dor de ver feridos os seus amigos e humilhada a sua família. 
Mas aquele que pratica a injustiça sofre o pior dos danos, pois se lhe danifica a alma, pois se lhe fecham as portas para a verdadeira luz.

Para se compreender e se praticar a verdadeira Justiça não é suficiente um estudo elementar, nem mesmo é suficiente a mais alta erudição teórica. 
É necessário sim um trabalho árduo e constante, pois a Justiça, como disse o poeta, não pode ser posta a prova nas escolas, não se transmite de alguém que não possua a alguém que não a possua, ela pertence a alma, não se sujeita a provas. Ela é a sua própria  prova.

A Maçonaria oferece, na Iniciação, o meio ideal para que alcancemos o nosso caminho para o verdadeiro senso de Justiça e para que o difundamos a partir daí, pelo nosso exemplo. Trabalhemos, pois, meus Irmãos, para que a Justiça se espalhe por toda a humanidade. 

Se isto parece um sonho, nesse sonho acreditemos. 

Sonhemos meus Irmãos, com o dia em que se celebrará o funeral do ódio, o funeral da miséria, o funeral da opressão, o funeral da intolerância. 

Concretizar esse ideal faz parte do sublime labor de nossas Lojas, pois aqui aprendemos a dominar as nossas paixões levantando templos à virtude e forjando masmorras ao crime.


Em todas as ciências e em todas as artes o alvo é um bem; e o maior desses bens acha-se principalmente naquela dentre todas as ciências que é a mais elevada; ora, essa ciência é a política, e o bem em Política é a Justiça, isto é, a utilidade geral. 

Pensam os homens que a Justiça é uma espécie de igualdade e concordam, até um certo ponto, com os princípios filósofos que expusemos em nosso tratado de moral. Nele explicamos o que é a Justiça e a que ela se aplica; e dissemos que a igualdade não admite diferença alguma entre aqueles que são iguais. (Aristóteles, A Política, pág. 64)


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