RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS GRAUS (SEGUNDO ANDRES CASSARD)
O homem e suas paixões, desde a época de seu nascimento até sua morte e ainda depois desta, são o objetivo que tiveram em vista os fundadores de nossa Instituição.
O edifício maçônico foi fundado sobre essa base moral.
A vida do homem divide-se, de ordinário, em quatro períodos: a infância, a juventude, a maturidade e a velhice.
Poderse-ia reduzi-la, com mais propriedade, às duas épocas intermediárias: juventude e maturidade.
A infância nos aparece como uma terra não cultivada, e a velhice, como uma terra esgotada.
Para o Maçom, ou seja, para o filósofo, não há nada perdido na criação.
Tudo é, para ele, objeto de estudo, tanto em sentido próprio quanto figurado.
Admite todas as idades, todos os talentos, mas estabelece uma divisão a sua maneira como a que apresentamos: juventude, virilidade e maturidade.
Na juventude, fundamenta-se o Grau de Aprendiz; na virilidade, o de Companheiro; na maturidade, o de Mestre.
Vejamos a exatidão desta divisão, examinando os três graus simbólicos.
Cada um vai precedido do resumo do grau e seguido do correspondente apanhado da vida do homem em sua divisão ternária:
- a juventude que compreende também a infância;
- a virilidade e a maturidade que abraçam também a velhice.
O homem que aspira aos benefícios da Iniciação Maçônica é apresentado no Templo com uma venda sobre os olhos, sinal da escuridão em que se encontra todo profano.
Não está nem nu nem vestido, para representar a inocência.
Despoja-se-lhe dos metais, emblema dos vícios.
Para que percorra a senda iniciática, é necessário dar-lhe um guia.
Está nas trevas.
Busca a Luz.
Esta agonia moral termina com sua morte para o mundo profano, a fim de que ressuscite no mundo maçônico.
Bem assim, como na religião, se despoja o homem, na hora suprema, de sua forma terrestre, para ascender a uma vida toda espiritual.
Esta sublime idéia da destruição e regeneração dos seres, estabelecida pela natureza e reproduzida em todos os antigos e modernos dogmas religiosos, é o objetivo moral que nos propomos a inculcar, principalmente, no primeiro grau.
Preparado o aspirante, entregue a profundas meditações em meio às borrascas que atormentam seu espírito, oscila longo tempo entre temores e esperanças.
Se persistir em sua nobre e valorosa resolução, será submetido, corporal e espiritualmente, a provas físicas e morais.
As primeiras têm por objetivo conhecer sua força e sua resistência; as segundas, sondar seu espírito, conhecer o poder de sua alma e penetrar o fundo de seu coração por meio de impressões instantâneas.
Não basta saber que tem a força necessária para lutar com um inimigo, senão que conta também com meios morais para vencer, tendo a coragem necessária para desprezar os perigos, estimulada a alma por uma sublime abnegação.
Nós nos fazemos donos de suas inclinações, de seus gostos, de seus costumes, de suas doutrinas, tanto em moral natural quanto em moral especulativa ou sistemática.
Impomo-nos às suas idéias como cidadãos de uma nação e às suas crenças sobre as relações que os homens devem ter entre si, enquanto cidadãos do mundo.
Por isso não admitimos à iniciação senão aspirantes livres e de bons costumes que tenham adquirido os rudimentos de uma educação liberal e se proponham a fazer bom uso de suas faculdades intelectuais.
Por isso retificamos suas noções quando são errôneas e as fortificamos quando justas, com o duplo poder do exemplo e dos preceitos.
Conhecemo-lo intimamente, e ele nos conhecerá ainda com maior intimidade.
O contrato que proporemos, se o aceita, é indissolúvel e reciprocamente obrigatório para ambas as partes.
Admitido o aspirante à iniciação, vê, diante de si, um templo material e os primeiros utensílios de que se vai servir.
Se lhe instruiu de que este templo material é o emblema de um templo moral. Passa a conhecer, logo após, o uso dos primeiros instrumentos da arte.
O PRIMEIRO PERÍODO DA VIDA DO HOMEM: A JUVENTUDE
Recém saído o homem do plantel onde se lhe instrui a respeito dos primeiros rudimentos da juventude, quando se fixa momentaneamente debaixo do teto paterno sem conhecer qualquer objetivo, então, não se apresenta senão idealmente na grande cena da sociedade com a simplicidade, a confiança e a boa fé da infância; mas ardendo em desejos que não sabe moderar e cheio de necessidades que sonha satisfazer.
Sem experiência, percorre os caminhos da humanidade, errando, se não for guiado; entregar-se-á a todas as paixões, se não for detido.
Imagina que a vida é uma realidade afortunada, ainda que não passe de um sonho vão.
Mas o que é um prazer sem limites?
Crê que sempre haverá de ser jovem, cheio de vigor; persuade-se de que pode tudo quanto quer e, se for deixado obrar sem limites, de tudo abusará.
Depois dos erros, virão os vícios; depois dos vícios, virão os crimes.
Alguns homens encontrarão em seu caminho, que lhe aconselharão a prudência, que o chamarão à razão – dote divino que o jovem desconhece ou conhece pouco.
Esses homens farão despertar na alma do jovem o desejo de instruir-se, após haver-lhe traçado um quadro perfeito.
Advertem-no de que nada deve aprender com pressa; de que deve julgar e falar com circunspeção sobre tudo quanto vê e ouve; que não deve confundir nunca o bem com o mal, nem se afastar da bela senda da virtude.
Até aqui, tudo é teoria.
Tudo vê confusamente em torno de si; apenas é visto pelos que o rodeiam; mas o que lhe importa, em sua atual posição e em sua posição futura, é haver dado o primeiro passo, adquirindo um título de Aprendiz no mundo e tomado um posto no primeiro grau da escada social que, de pronto, haverá de ascender com glória.
Eis aqui a juventude: ela é o primeiro período da vida do homem, como o grau de Aprendiz é o primeiro da Maçonaria.
RESUMO DO SEGUNDO GRAU: COMPANHEIRO
Vimos o homem no primeiro grau deixar o mundo profano pelo maçônico ou, simbolicamente falando, deixar as trevas pela luz.
Se foi dócil aos conselhos, zeloso no trabalho e desejoso de instruir-se, é guiado, pela mão do Mestre, até o lugar que ocupam os Companheiros.
Se, ao aspirar o termo fixado para sua educação maçônica, forem felizes suas disposições, se lhe instrui no uso dos instrumentos, tanto em sentido próprio quando simbólico; da forma e da natureza das pedras; da qualidade dos materiais.
O Companheiro dirige e vigia os Aprendizes e é o auxiliar dos Mestres.
Recebe novas palavras, novos sinais, novo salário.
Seu avental, com a beta baixada, anuncia o obreiro laborioso e diligente entregue com fervor ao estudo e à prática de sua arte.
O trabalho manual cessou: da prática passou à teoria.
Encontra-se numa esfera mais elevada e já não caminha com temor e vacilação: é mais segura a senda que percorre e o ponto a que se dirige está mais perto.
Tudo é estímulo, ânimo e esperança para ele.
Possuindo a ciência das coisas materiais, é instruindo nas morais.
O Companheiro goza da satisfação que produz a combinação de ambas aos olhos de seus irmãos e realça, perante os seus, sua própria importância.
A partir deste momento, é-lhe permitida uma nova e nobre ambição.
O terceiro e último grau da Maçonaria Simbólica vem a ser então toda a sua esperança.
Um Companheiro hábil será sem dúvida um excelente Mestre.
A VIRILIDADE
A espécie de idealidade traçada na primeira fase da vida do homem assume aqui um caráter de realidade ainda abrasada pelo fogo da juventude.
Sai o homem do círculo estreito em que permanecia, entrando no mundo.
Nos estudos que realizou, teve a parte elementar de todos os estágios; mas não possui ainda uma ciência, uma arte ou profissão que lhe assegure uma posição social: carece dos conhecimentos necessários a respeito dos costumes da sociedade, e é necessário que os estude e trace sobre eles um plano de conduta útil a seus interesses e não prejudicial aos interesses dos demais.
A profissão a que é chamado pelo voto de seus pais ou por suas próprias inclinações se faz objeto de profundas meditações.
Trabalha unido a seus novos Irmãos, sob a direção de hábeis Mestres.
Uma vez instruído, lança-se à carreira dos negócios públicos: chega a ser homem de estado, jurisconsulto, médico, magistrado, literato, negociante, agricultor, artista, industrial, etc.
Também associa seu destino ao de uma mulher e torna-se pai de família.
Os novos deveres que contraiu absorvem todo seu tempo.
Tudo o interessa ardentemente, tudo o encanta, o arrebata; mas, dentro em pouco, já não o satisfazem seus veementes desejos: sonha, delira, espera, cede às ilusões e, seja qual for sua sorte, deseja mais...
É infeliz por sua louca ambição, e o que foi antes um sentimento nobre vem a ser agora uma paixão funesta!
Chegamos já ao segundo período da vida do homem. É o Companheiro que quer ser Mestre.
Observemos o homem profano e homem maçom e veremos mais justificada ainda a propriedade de nossas observações.
RESUMO DO TERCEIRO GRAU: MESTRE
Ultrapassado o grau de Companheiro, esforça-se para chegar ao de Mestre, ou seja, pretende exaltar-se ao último grau do simbolismo.
Crê fazer jus a isso mediante seus trabalhos.
Louvável ambição, se a guiam sentimentos nobres e magnânimos; perniciosa, se é seu móvel a vã ostentação.
São os Mestres os chamados a julgar a utilidade desta ambição.
O Companheiro trabalhou sobre a direção do Mestre: adquiriu ciência na prática e na teoria de seu grau.
Está mais ilustrado e ativo, porque a esperança de uma recompensa próxima o engrandece; mais hábil na execução das obras e mais consciente de seu próprio valor, quer chegar, de improviso, e sem interstício algum, à satisfação de seu desejo.
Mas estes mesmos dotes enchem sua alma de ambição.
Não é bastante, para ele, possuir as qualidades que lhe tornarão fácil a viagem por um caminho regular e ordenado, mas lento a seus olhos, e o frenesi de desejos imoderados conturba suas idéias.
Revolta-se contra a regularidade que se observa nos trabalhos. Não consegue compreender que a multiplicidade destes são as novas e mais severas provas a que lhe submetem os Mestres.
Não quer vencê-las com constância e labor, mas apela para a violência. Quer apressar o fim.
Sua audácia o torna suspeito, e torna-se o foco da desconfiança geral.
Eis aqui, em toda sua plenitude, a moral do terceiro grau da Maçonaria.
Para o Companheiro sábio e moderado estas dificuldades são emblemáticas; para o Companheiro ambicioso e violento, são realidades.
O homem é fraco, de ordinário, em todas as situações da vida.
Cede ao temor, à força, à perfídia.
Há sabedoria e generosidade em seus Irmãos, quando o advertem sobre os erros em que pode incorrer, livrando-o das penas que o podem alquebrar.
Uma longa e triste experiência comprovou que o temor faz réus de graves faltas também àqueles que pareciam mais fortes e animados, salvando-os hoje, com coragem, de um perigo para derrubá-los depois num abismo onde caem por fraqueza.
Ponhamos agora em ação a conduta do Companheiro ambicioso.
Para ser Mestre, tudo esquece, tudo sacrifica.
Trata de obter, empregando a astúcia ou a ameaça, recorrendo até ao crime, aquilo que não pode licitamente alcançar; exercitando todas as suas faculdades, engana, despreza, violenta o Mestre.
Frustrados todos os esforços, vê uma espantosa verdade: foi temerário, comprometeu-se: ao partir, fechou com as próprias mãos a porta do arrependimento.
Na impossibilidade de voltar atrás, chega às últimas conseqüências do crime: um erro leva a outro – guardai-vos bem de não cometer o primeiro.
Ferido o Mestre, sucumbe ao impulso dos excessos do Companheiro; mas guardou seu segredo, e o Companheiro cometeu um crime inútil.
Logo se conhecerá sua perfídia.
O remorso do culpado fará triunfar a razão, e a divindade e a virtude, profundamente ofendidas, serão vingadas.
No Grau de Mestre, reaparece o Companheiro e se desenvolve perante seus olhos, em toda sua extensão, a idéia matriz dos filósofos antigos e modernos: do seio da morte nasce a vida; ou, de outro modo, segundo Ovídio: tudo muda de forma, mas nada desaparece.
Esta sublime idéia que alguns homens sistematizaram, menos por ignorância do que por má-fé, deve nos predispor às mais sublimes meditações.
É nesta base que se fundamentam os mais belos e consoladores princípios morais e os maiores dogmas religiosos, iguais no fundo e na essência, ainda que variados na forma.
Todos os povos da terra não reconhecem outra fonte. Bem-aventurados os homens de virtude e consciência que limitam sua ambição à pratica da moral!
Glória e prosperidade aos que, propagando esta moral protetora da espécie humana, elevam seu espírito até o G\A\D\U∴, implorando graças aos homens virtuosos de toda a terra e perdão para o delinqüente arrependido.
A MATURIDADE
Chegado o homem à maturidade, período da vida entre a juventude e a velhice, aspira obter o prêmio de seus talentos por meios nobres e decorosos, títulos, honras, glória e felicidade.
Moderado e prudente, seria suficiente esperar tudo da apreciação de seu trabalho ao longo do tempo.
Entregue a si mesmo, seria a mais inefável das sortes, a mais pura das glórias, possuir o que ninguém pode dar ou pagar: a tranqüilidade da consciência e lembrança das boas ações.
Mas, se a ambição o domina, já não haverá nem prudência, nem meditação, nem freio; serão seus próprios méritos que o irão enganar, longe de se tornarem o baluarte de sua felicidade.
O mérito dos demais não tem brilho a seus olhos e em cada homem vê um rival que quisera reduzir a pó.
O prêmio que lhe está oferecido se afasta cada vez mais ante sua inflamada imaginação, porque não o vê chegar velozmente.
Quer arrebatá-lo e não o detém os meios em seus fins: astúcia, perfídia, calúnia, fraqueza, crime, tudo acredita bom e legítimo.
O egoísmo é seu Norte; o instinto da usurpação, sua estrela; a ambição, sua bússola; nesse mar bravio, seu juízo resta perturbado e corrompido seu coração.
Junta-se com aqueles que obram como ele e meditam e cometem um crime... desmascarados, acham o suplício na vergonha.
Para o cúmulo do castigo, seu coração é torturado pelo remorso sem trégua, sem fim; é estéril para os demais, porque o exemplo pode horrorizar por instantes, mas raramente corrige.
As lições que recebemos são inúteis, quando as paixões são superiores ao homem.
“Sua ambição não é legítima” – disse o ambicioso diante de um rival.
“Elevar-me-ei onde ele sucumbiu: não venceu porque as circunstâncias lhe foram adversas, mas a mim favorecem... a audácia ajuda a sorte.”
Insensato! ... Acredita ver o término feliz de suas esperanças, mas não vê os perigos que o rodeiam e, se chega a enxergá-los, os experimentará, desperdiçando em vão sua audácia e sua fortuna!
Ambiciosos de todas as épocas e de todas as condições!
Compreendei que a sorte, quando foi filha do crime ou da loucura, por mais brilhante que fosse na aparência, teve sempre cruéis remorsos e recônditos pesares.
Quando vivíeis cheios de poder, reinava o silêncio nas abóbadas do Templo; mas, uma vez na tumba (física ou moral), a história ou as tradições vulgares afastará o véu de vossos crimes e vossos nomes ficarão manchados numa eterna afronta.
Honrai a prudência, o talento, a elevada razão dos fundadores da Maçonaria que nos legaram os meios de abater as paixões, sobretudo a ambição, cujo extermínio é um dos mais altos fins do sublime Grau de Mestre.
A Lenda Interpretada
De todas as instituições humana, a Franco-Maçonaria é a única que soube prever sua própria decadência e o modo de remediá-la.
Ela não se faz ilusões sobre o perigo interior que ameaça os seres vivos, em razão dos germens de morte e de dissolução inerentes a todo organismo.
Os inimigos exteriores podem entravar e ainda paralisar nossa atividade; mas não nos matam senão muito excepcionalmente.
São as enfermidades resultantes de perturbações internas as que, mais amiúde, nos conduzem à tumba.
Toda higiene previdente levará, pois, em conta, os elementos dissolventes que tendem a nos minar de maneira sórdida, tendo importante papel em nosso funcionamento vital.
Para resistir à morte, é preciso conhecer seus agentes, a fim de neutralizar constantemente sua obra nefasta.
Em Maçonaria, a solidez do edifício não tem nada a temer da chuva, do vento ou dos furiosos clamores do exterior; mas os obreiros que trabalham com mau espírito comprometem a corporação e podem matá-la, se ela não possuir um poder suficiente de resistência contra a dissolução.
Uma instituição indispensável ao desenvolvimento da Humanidade não poderia, de outra parte, desaparecer, porque possui um espírito de Vida que, do mesmo modo que a Fênix, a faz renascer perpetuamente de suas cinzas.
Ao instrumento usado ou corrompido que se afasta, este imperecível Arcano, o Fogo Construtivo, os substitui incessantemente por organismos novos mais e mais adaptados à sua missão.
Cada vez mais, o Filho da Putrefação sucede mais resplandecente a seu pai assassinado, como Hórus, o sol da manhã, empreende diariamente a carreira de Osíris que declina a partir do meio-dia, para submergir, à tarde, nas trevas do Ocidente.
Mas, para ressuscitar mais forte e mais gloriosa, a Maçonaria deve precaver-se contra o mal que determina sua perda.
Trata-se de uma tríplice praga representada pela Ignorância, o Fanatismo e a Ambição.
Estes são os Companheiros indignos que acometem ao respeitável Mestre Hiram, ou seja, a Tradição Maçônica personificada.
Contanto que os criminosos da lenda sejam obreiros que cooperam conosco para a construção do Templo, não procuremos fora da Maçonaria seus mais temíveis inimigos.
Seguramente, os três vícios estendem seus estragos a toda humanidade, a qual é preciso curar gradualmente da ignorância, do fanatismo e da superstição.
Mas antes de nos constituirmos, de maneira ambiciosa, em curadores dos demais, sejamos modestos e cuidemos, antes de tudo, de nossa própria saúde.
A Maçonaria começará, pois, por si mesma, esforçando-se por extirpar de seu próprio seio os vícios dissolventes.
Não se achará verdadeiramente à altura de sua missão, senão no dia em que seus membros saibam mostrar-se instruídos, tolerantes e desinteressados.
Então, mas somente então, sua influência intelectual e moral afirmar-se-á irresistivelmente.
Desmascaremos agora os matadores de Hiram.
São numerosos!
Mas, amiúde, não sabem o que fazem, encontrando-se submersos na ignorância maçônica mais deplorável.
É precisamente porque ignoram tudo em Maçonaria que censuram com intransigência o que ultrapassa sua compreensão impotente.
Em nome de um racionalismo limitado, reclamam a supressão das fórmulas e dos usos, cuja razão de ser não discernem.
Seu vandalismo inspira-se em uma lógica rígida e em um dogmatismo estreito, cuja imagem é a Régua que se arroja sobre o ombro de Hiram e paralisa seu braço direito.
Privado de seus sinais materiais de manifestação, o espírito maçônico encontra-se, com efeito, reduzido à impotência, em razão das mutilações ou dos transtornos que o simbolismo tradicional tem sofrido.
Nenhum ensinamento iniciático é possível, se os símbolos sobre os quais se ensina não existem.
Racionalizada segundo o gosto dos anti-simbolistas, a Franco-Maçonaria não seria senão uma escola na qual os alunos que não sabem ler houvessem decretado a supressão do alfabeto...
A estreiteza do coração, porém, é ainda pior que aquela da inteligência.
A Maçonaria ensina os homens a se amarem, apesar de tudo que os divide.
Devemos nos elevar acima das divisões, para comungar, entre nós, pelo efeito dessa mútua tolerância, fora da qual não existe Franco-Maçonaria.
O que pensar, depois disto, daqueles pretensos Maçons que, acreditando-se eles sozinhos na posse da verdade maçônica, tomam ódio a quem quer que não pense como eles?
Como se houvessem se proclamado infalíveis em suas opiniões, estes pontífices as erigem em dogmas e fulminam incessantes excomunhões contra os heréticos postos à sua maneira de ver.
Eles tendem a desorganizar a Maçonaria, a estreitá-la às dimensões de uma igreja restrita, enquanto a Loja deve estender-se do Oriente ao Ocidente e do Meio-Dia ao Norte, para expressar até que ponto se impõe a universalidade à nossa instituição, essencialmente anti-sectária.
Assim, infiltrando-se entre nós, debaixo de qualquer disfarce que seja, o espírito de sectarismo reduz a pó os cimentos de nossa fraternidade universal.
Desprende as pedras do edifício, pretendendo voltar a talhá-las com maior exatidão.
É, pois, com o Esquadro de sua concepção particular do justo que os intolerantes, os sectários e os fanáticos golpeiam no coração o Mestre Hiram.
Como todos os vícios, o fanatismo resulta, de outra parte, do exagero de uma qualidade, porque é preciso formar uma convicção justa para trabalhar.
Eminentemente ativo, o Companheiro não pode se ater a uma excepcionalidade flutuante: é-lhe de toda necessidade uma base de certeza, ao menos relativa, para edificar.
Aceitará, pois, com discernimento, certos princípios, e dar-lhes-á crédito, enquanto guias de sua conduta. Mas, havendo-se determinado livremente, respeitará a liberdade dos demais, dando-se conta de divergências de opinião que resultam da complexidade do aspecto das coisas, tanto quanto certos Irmãos, — e com maior razão os profanos, — podem chegar, com toda sinceridade, a conclusões contraditórias.
Quando a incompreensão e o sectarismo realizaram sua obra, não resta a Hiram mais que receber o golpe de graça. Quebrantado, cai sob o malhete dos ambiciosos.
Estes não pensam senão em tirar partido, em seu proveito, de uma Instituição falseada em via de deslocamento.
Desviando-a de seu objetivo elevado, mas longínquo, assinam um objetivo prático imediato que pode servir aos seus desígnios.
A Franco-Maçonaria torna-se então o instrumento de uma camarilha política monopolizadora do poder ou de uma conspiração dirigida contra o interesse geral.
Isto é a morte do Maçonismo seguida da indiferença pela sorte de seu cadáver.
Oswald Wirth In-fólio da Câmara do Meio Ir.'. Adayr Paulo Modena http://mestredoimaginario.blogspot.com/Painel do Rito até 1928 recópia
SUBSÍDIOS AO ESTUDO DO PAINEL
À guisa de prólogo, convém alertar que o atual Painel de Mestre não é o original do Rito Escocês.
O deste foi substituído, em 1928, quando adotamos o ritual vigente, e com ele o painel do Rito de York, decorrendo daí algumas discrepâncias entre a descrição inglesa e a nossa - acrescidas por modificações feitas nas cópias e recópias do painel, pintado pelo Ir:. J. Harrys, em 1823, para o Rito Emulation (York).
Ao longo deste texto, apontaremos tais diferenças, e - para elucidá-las -, vamos ter que ir e vir entre os dois ritos, o York e o Escocês, mas, como somos do segundo, algumas das nossas referências talvez soem estranhas, e até esdrúxulas, aos cânones do primeiro.
Feita a ressalva, e sendo o nosso propósito o de informar da forma mais sucinta possível, vamos ver somente pontos não enfocados na 1ª Instrução do Ritual de Mestre do R.'. E.'. A.'. A.'. , em vigor em nossa Grande Loja.
Portanto, percorrendo o painel de alto abaixo, vejamos:
1. A orientação - os painéis do Aprendiz e o do Companheiro têm o topo para o Leste, o de Mestre fica ao contrário.
Isso, dizem uns, decorre da liturgia religiosa, onde os ataúdes dos sacerdotes e o dos fiéis são posicionados em direções opostas na nave do templo: os daqueles, com a cabeceira para o oriente, e os destes, para o ocidente.
No primeiro caso, simbolizando a despedida do padre à paróquia, e, no segundo, a dos leigos à igreja. Inaplicável analogia, ilógica, pois para ser válida, teríamos a presença do ataúde também nos demais painéis simbólicos. Isso, sem falar que - esotericamente -, a orientação do ataúde é inversa, se considerada a paridade dignitário religioso = mestre maçom.
Portanto, não é a presença deste ou daquele símbolo que determina a orientação, e sim a tipificação do trabalho expresso no painel, ou seja, ele fica voltado para o Oriente porque deve ser "decifrado" pelos mestres no sentido oposto ao do afeiçoamento externo da Pedra - feito no Ocidente, pela "leitura" dos obreiros da oficina. Aqueles laboram sob a Verdadeira Luz, a da Lâmpada Mística; estes, à luminosidade do reflexo, à luz da Flamígera.
Em síntese, a orientação dos painéis obedece ao sentido esotérico do trabalho, o da Câmara do Meio em busca do subjetivo; o do Ocidente, dirigido à objetividade.
2. O ramo de acácia - o ato do exaltando segurá-lo, detalhe relevante, e que antigos rituais faziam executar, hoje, inexplicavelmente, desapareceu do texto ritualístico, embora sua lembrança ainda permaneça inserida na 2ª instrução do mestre.
Quanto ao significado mítico, simbólico, etimológico etc da acácia, a literatura maçônica é pródiga em informações.
Assim, pinçamos somente três tópicos para este sumário:
a) a fórmula a a.'. m.'. é c.'. é oriunda do rito Héredom (antecessor do Escocês);
b) nos Antigos Mistérios, simbolizando o renascimento - "O Eterno Retorno" - sempre houve a presença de uma planta que, por vezes, personificava o iniciado, vítima inocente de uma morte violenta que o conduzia à imortalidade. c) segundo J. Campbell, em "As Transformações do Mito através do Tempo", pode se dizer que o ramo de acácia está plantado acima do ataúde, como se "árvore apotropaica" fosse, isto é, como meio de defesa contra presenças malévolas e, através do seu poder regenerador, também para marcar "o limiar"...
3. O ataúde - pintado em negro, que o fundo branco ressalta, propositadamente conduz o raciocínio à imediata especulação sobre a morte.
No caso, a de Hiram (tal como Osiris) vítima inocente, cadáver ocultado, exumado e, com os devidos ritos, reenterrado.
Sepultar em dois tempos foi, em tempos arcaicos, prática esotérica complexa, imposta ao cadáver ou aos ossos daqueles dignitários destinados à perpétua lembrança.
Expressão alquímica dos estágios contíguos, sucessivos e circulares da Grande Obra: ora em Negro, ora em Branco. Ambos necessários e complementares à aproximada compreensão do Todo.
Em síntese, por não podermos "viver" a morte (expressá-la em todos os seus momentos e nuances), ela somente nos é inteligível quando ritualizada ou simbolicamente expressa, no caso, pelo ataúde contido no painel, mas este, concomitantemente, pela presença da acácia, nos acena com a perenidade da vida...
4. Os utensílios do mestre - vistos em conjunto, cada um deles pode assinalar sem descaracterizar-se em seus fins:
- o lápis, com o ponto;
- o compasso, com a medida; e
- o cordel Œ, com o ângulo.
Coincidência ou não, tais números correspondem aos graus simbólicos que o mestre sintetiza, expressa e amplia.
5. a lápide - é a placa em forma de cartucho hieroglífico (sinal de distinção entre os antigos egípcios), gravada com caracteres maçônicos e algarismos arábicos, identifica, pelas iniciais, o nome do morto, sua profissão, linhagem e a época do passamento .
Deve ser decifrada da direita para a esquerda, e, na forma inglesa de expressão, assim:
- nos semicírculos - Tubal, no primeiro, e Cain, no segundo (Tubalcaim, o bíblico primeiro artífice - a P.'.P.'. ); no retângulo
– 1ª linha, Hirão Abiff the Builder (H.'. A.'. , o construtor);
- 2a linha, Anno Lucis 3000 (para nós, A.'. V.'. L.'. ).
Cumpre esclarecer que o sentido da leitura, da direita para esquerda, não decorre da presunção do texto ter sido feito nos moldes das escritas sagradas, mas sim porque foi gravado segundo a imagem vista num espelho (antiga prática de segredo), o que se comprova pelo exame do algarismo 3 dos três mil anos, voltado para a direita (ao contrário), mostrando ser um reflexo.
E mais, a presença de algarismos arábicos no dístico exclui, por incompatível, ter sido seguido o modo hierático de escrita Ž.
Os três milênios transcorridos da criação do mundo até a morte de Hiram são, evidentemente, míticos.
No entanto, historicamente reais, se tomados como tempo começado no IV milênio anterior a nossa Era (3000 anos antes da construção do Templo), quando o mundo conhecido se restringia ao Mediterrâneo oriental e adjacências - época dos primórdios da escrita, da metalurgia, da arquitetura etc. - isso, aliado à instituição do Estado e da religião, agregando as comunidades isoladas e as crenças esparsas, fez surgir um mundo novo, não doado, mas gerado pelo trabalho humano e concebido por seu espírito demiúrgico.
Portanto, nesse nível, aproximadamente, coincidem as datações: a profana, a hebraica e a maçônica. Finalizando este tópico, deveríamos, por certo, fazer algumas considerações sobre os artífices nominados na lápide; dispensável para com Hiram abiff, pois, em decorrência do contexto da Lenda, está suficientemente justificada a menção de seu nome no painel.
Mas, quanto a Tubalcaim, sua inserção necessita ser explicada. Ela advém das Antigas Lendas Operativas, quando os maçons buscaram uma nobiliarquia bíblica, mítica e até histórica, que enobrecesse a origem e justificasse a antigüidade da Corporação obreira.
Muitos nomes então foram agregados à Instituição: Noé, Nemrod, Euclides, Pitágoras, Jabal, Salomão e outros; a maioria não deixou traços nos atuais rituais.
Mas o de Tubalcain, que manejou o martelo, e foi artífice em toda a qualidade de obras de cobre e de ferro (Gen. 4.22), um dos míticos grão-mestres e lendário ancestral de Hiram Abiff, ficou na Palavra de Passe.
O porquê de tal continuidade credita-se ao esoterismo implícito ao ofício de ferreiro, detentor do segredo do fogo e da transmutação dos metais, possibilitando a "passagem" do Homem à condição ativa de "posse do mundo" (do hebraico, tebel e kanah), o que nos reconduz e, concomitantemente, reafirma a gênese dos 3000 anos.
6. 0s ossos - decussados (cruz de Santo André) são fêmures, e não as tíbias ditas na Instrução; tal evidência ainda não sensibilizou os ritualistas, apegados à letra, e não sensíveis ao símbolo.
Este, no formato do conjunto (caveira e fêmures), alegoriza a figura do atanor alquímico com suas tenazes, simbolicamente pertinente, pois nele se buscava a transmutação do chumbo em metais nobres.
No caso, a regeneração iniciática do homem através da ultrapassagem do Portal da Morte purificadora.
Mas morte que é vida, pois o vocábulo grego, raiz de atanor, thanatos = morte, antecedido da negação "a", é não-morte, imortalidade ou a maçônica ressurreição de Hiram no novel mestre.
Também é válido lembrar que, na cabalística Árvore da Vida, as sefiras Kether, Hod e Netzach correspondem, na figura humana, respectivamente, ao crânio e aos fêmures e, em loja, ao Ven.'. e aos VVig.'. .
7. As palavras - abaixo dos ossos e acima do pórtico estão as letras maçônicas MB (iniciais das PPSS:. do grau).
Lidas da mesma forma do dístico, da direita para a esquerda. Alguns desenhos deformaram tais signos, deixando-os iguais às letras UE do alfabeto profano, dificultando a correta decodificação.
A origem dos vocábulos provém de uma lenda, posteriormente adaptada à estória de Hiram, segundo a qual, em busca de um segredo, o corpo de Noé teria sido exumado por seus filhos S:.C:.J:..
A dupla acepção da palavra substituta, M:. ou MB:., decorre do desacordo entre os Modernos e os Antigos sobre qual teria sido a exclamação pronunciada na mítica exumação; derivadas do hebraico, como querem uns, ou do dialeto gaélico (uma das vertentes do idioma escocês) como postulam outros, o importante não é o significado literal, mas sim a idéia transmitida: o desligamento do espírito da "carne-morta" e o "re-nascer" do Mestre!
8. O pórtico - seu lugar central sobre o ataúde está em consonância com a sua importância esotérica, geralmente despercebida, pois embora já o tenhamos visto à entrada do templo (na 2ª instr. de Apr.'. e na 1ª de Comp.'. ), somente o associamos com a utilitária idéia de passagem ou de embelezado ornamento, e então, não despertamos para ver o seu real e extenso simbolismo, calcado sobre: Centro, Gênese, Início, Fundamento.
Idéias todas pertinentes à mítica primeira loja que, segundo antigos manuscritos, reunia-se no Pórtico do Templo de Salomão.
Além disso, passagem e ornamento significam, respectivamente, iniciação e litúrgica cobertura.
E, afora isso tudo, ainda temos a acepção do pórtico sobre o ataúde representar o 25º Caminho da Árvore da Vida (entre a Porta dos Homens e a dos Deuses, ou seja, da séfira Yesod = O Fundamento à Tiphereth = a Harmonia), pois cobre, do plexo solar ao baixo ventre do corpo prostrado, em síntese: do Sol à Lua, do Meio-Dia à Meia-Noite.
Aprofundar o estudo de tais idéias foge ao escopo do presente trabalho, a digressão foi feita somente no sentido de apontar caminhos e, principalmente, de ressaltar o valor esotérico do Pórtico - o ornamento principal da loja de mestre.
Os dois outros ornamentos, o Pavimento e a Lâmpada Mística, são a reafirmação esotérica do liame entre terrestre e celeste - matéria e espírito -, e presentes em todas as lojas simbólicas, expressos pelo Piso e pela Luz, conexão que, por velada ou compartimentada no estudo de cada um dos graus, às vezes nos escapa... Especulações à parte, existem alguns detalhes importantes a assinalar no pórtico, tais como:
8.1 - a abóbada no estilo românico relembra os primórdios operativos, anteriores ao advento do gótico; sua superfície interna, à vista, tem o traçado dos raios solares e, acentuada, a marcação do meridiano (algumas versões acrescentam: os trópicos, o equador, e até gravam o tetragrama); em sua extremidade oriental - como se fora o Sol nascente - está a trapeira, dando passagem à Luz (a nossa Lâmpada Mística);
8.2 - o dístico em hebraico no frontispício é obra de maçons inventivos, pois não consta do desenho original dos idos de 1820 (hoje é aceitável dizer-se que expresse Kodesh Ha-Kodashim = Santo dos Santos, ou Holiness to the Lord = Deus Altíssimo = Glória ao Altíssimo = À G.'. A.'. D.'. U.'. ).
8.3 - as colunas conservam-se em estilo coríntio desde a primeira estampa, mas o seu número, quantas são, tem sofrido acréscimos ao sabor das preferências dos copistas, originariamente foram oito, depois dez e já existem painéis com doze colunas.
Portanto, não faremos considerações quanto ao simbolismo numérico, pois, se o fizéssemos, teríamos que especular, e muito, o que nos levaria a ultrapassar os limites desta dissertação.
No entanto, quanto ao número original das colunas, não podemos esquecer que ele está conforme o espírito bíblico e lendário do rito inglês, pois quatro pares significam a família de Noé, os noaquidas, patronímico que Anderson, na segunda edição de sua Constituição, diz ter sido o primitivo nome dos maçons.
Reforçando o mítico oito, e ligando-o à arquitetura, há também o aspecto documental Inglês, o dos anais de construção da abadia de Vale Royal em 1277, quando, pela primeira vez, historicamente, está expresso que oito canteiros (artífices) compõem um grupo denominado loja.
Quanto ao estilo, o coríntio, supomos que sua escolha possa ter sido feita em decorrência de ter sido o último, o mais belo e completo, criado pelo gênio grego, conotações essas, de síntese e pináculo, perfeitamente cabíveis à Loja de Mestre.
8.4 - o pavimento não é o nosso, composto de losangos, mas sim, o de York, em quadrados. Tal diferenciação não encontrou o seu exegeta final, pois ainda é discutível até a existência de tal ornamento no Templo de Salomão.
Maçonicamente bizantina tal pesquisa e discussão, pois é inamovível a tradição de cada um dos ritos a tal respeito (v.g. o rito Schroeder não especifica o pavimento).
É consensual que a disposição e o tamanho dos ladrilhos sejam módulos da posição dos pés nos passos regulares.
O que não elide, e de certa forma até reforça, a reminiscência "operativa" do grande quadriculado de medidas, destinado ao corte, talhe, entalhe e ajuste das peças estruturais, possibilitando que, justas e perfeitas, fossem encaixadas na construção.
O pavimento em exame, tanto pode ser visto como o conjunto de 7x7=49 ladrilhos, correspondendo assim ao Quadrado Mágico de Vênus, no caso, simbolizando a Fraternidade, ou, unitariamente tomados como padrão de medida, localizam o túmulo de H.'. A.'. no texto York (três de cada Ponto Cardeal, apontando o Centro - e cinco ou mais de profundidade).
Ressalte-se que não há contradição entre o não sepultar no Templo e o sepultar sob o Pavimento, pois o Pórtico não é o Templo!
Não é o Sanctus Santorum.
Este está após o pavimento quadrangular e além do cortinado que deixa entrever a Arca da Aliança.
Portanto, seja o dizer escocês (exceto os números) quanto o inglês, ao estabelecerem que H.'. A.'. foi sepultado o mais próximo possível do S.'. S.'. , são coincidentes na velada alusão à honrosa inumação do Grande Mestre sob o piso da Loja que dirigiu.
9. As ferramentas - são as de antanho, do passado Operativo, e que, segundo o Rito York, foram empregadas no mítico homicídio.
Estão empilhadas na seqüência dos golpes desferidos: primeiro, a régua de prumo; depois o nível de assentar; por último, o malho pesado.
Hoje, compreensivelmente, na representação do drama mítico, os IIr:. daquele rito, observando os fins, adequaram-se ao ferramental de uso dos pedreiros atuais, ou seja, utilizam a chumbada do prumo, o nível de bolha e o malho. Nós, escoceses, empregamos a régua de 24" e o esquadro (coincidimos no malho), pois a nossa versão da Lenda nos impõe essas e não aquelas ferramentas.
10. O esquadro - não carece de maiores explicações, pois é sabido que ele representa a Lei em seu mais amplo aspecto e, no caso, a condição de maestria de Hiram Abiff.
11. A tríade dos 5 - no rito inglês, tais números correspondem às três lojas de Companheiros (cinco em cada uma), constituídas por Salomão para pesquisar o paradeiro do mestre desaparecido, e que partiram das três portas do Templo.
Findas as buscas, os 15 obreiros foram honrados com a participação nas exéquias de H.'. A.'. . Entre nós, escoceses, tal dizer fica difícil, pois a nossa lenda alude somente a quinze conspiradores, e não a igual número de leais e dignos CComp.'. .
Assim, somente nos ficou a presença de um mau companheiro em cada porta (os três facínoras) ou, numa interpretação numerológica: a acepção maléfica do 15 (o fogo dos ínferos).
E, por falar nisso, vamos ao último item de nossa complementação.
12. O triplo sinal aos pés do ataúde - os copistas fizeram algumas estampas apresentar três jotas em vez da tripla repetência da críptica letra "c" (adiante veremos por quê). Para os ritos ingleses são as iniciais de chalk (giz), charcoal (carvão) e clay (argila) - alegoricamente: liberdade, fervor e zelo, apanágios do perfeito maçom.
Condições essas que, ao longo dos rituais, são, juntas ou separadamente, diversas vezes mencionadas.
No preâmbulo deste trabalho aludimos às mudanças de 1928 (rituais e painéis), realizadas no sentido de marcar diferenciação litúrgica entre a ex-obediência (o GOB) e as novéis GGLL, mas feitas, é compreensível, no calor dos acontecimentos, daí decorrendo senões que não foram até hoje sanados.
Dentre eles está a não correspondência pontual entre a Lenda Hirâmica escocesa e o Painel de Harrys. No sentido de conciliar a tradição escocesa com a mensagem do York, buscamos dar aos "cês" a interpretação que os nossos desenhistas quiseram ver ao transformarem tais signos em "jotas".
Assim, dos Operativos da Escócia trouxemos três cowans - pedreiros grosseiros - não possuidores da Palavra (mason's word), os algozes de Hiram, inominados no York, mas personalizados nos nossos J.'. J.'. J.'. , simbolicamente presos na caverna do remorso e calcados aos pés da vítima...
Iniciamos, com um exíguo prólogo, este trabalho de complementação à dissertação sobre o Painel do Mestre, é compatível que o finalizemos da mesma forma.
Concluímos, pois, dizendo que o painel da Lenda Hirâmica, ao apresentar as ferramentas e o esquadro colocados abaixo do Pórtico e acima dos cowans, faz remissão ao justo e perfeito trabalho de levantar templos e cavar masmorras.
NOTAS Œ - nos ritos ingleses, Emulation (York) e outros, o utensílio cordel não é simplesmente um cordão, é um dos instrumentos dos Operativos, o skirret: carretel com eixo em ponta que, fixado no solo, permitia desenrolar a linha de marcação da obra e também esquadrejar o canteiro da construção ao formar o triângulo com lados na razão
3-4-5 (teorema de Pitágoras) - retângulo com extremidades em oval, dentro do qual se escrevem os nomes dos faraós, a partir da 4ª dinastia.
Exemplos pormenorizados mostram que o sinal representa um nó de corda com laçada, de modo a não ter fim, simbolizando o retorno cíclico, possivelmente relacionado com o sol.
Os faraós tinham dois nomes em cartucho, o primeiro era o de sua entronização (praenomen = "nome de trono") e o segundo o próprio - talvez daí tenha se originado o costume do Mestre, ao atingir a realeza dos iniciados, fazer a escolha do seu nome simbólico.
Ž - copistas "inventivos" colocaram um ponto no críptico A de anno, transformando-o em J; outros, da mesma estirpe, fizeram mais, além da dita inclusão, excluíram o ponto antecedente ao 3, ali aposto para marcar, assinalar, a singularidade de tal algarismo. - tais dísticos, em hebráico ou em inglês, constavam dos brasões das duas primeiras Grandes Lojas Britânicas. - é possível que a forma do pavimento que adotamos tenha sido escolhida em homenagem a Christopher Wren, maçom Operativo e também Aceito, arquiteto real e construtor da Catedral de S. Paulo (o seu pavimento é composto de ladrilhos quadrados, alternadamente pretos e brancos, dispostos diagonalmente); no átrio daquele templo reunia-se uma das quatro lojas fundadoras da Grande Loja de Londres e Westminster. ‘ as dimensões do túmulo York sugerem um ossuário ou um túmulo vertical; a primeira hipótese é congruente com o arcaico rito de sepultar em dois tempos, a "impura carne" não ficaria sequer próxima ao SS - a segunda, lembra o costume da Antiga Mesopotâmia: sepultar seus reis em fossos verticais. ’ - em vez de ferramentas, simbolizando-as, antigos rituais escoceses determinavam o uso de canudos de cartolina, talvez para evitar acidentes decorrentes de pancadas mais fortes.
FONTES DE CONSULTA (as básicas em negrito): A Maçonaria Operativa - N.Aslan - Ed. Aurora Apreciação Sumária do Painel de Mestre - Trab. do Ir.'. José Wainberg A Simbólica Maçônica - J. Boucher - Ed.Pensamento As Transformações do Mito através do Tempo – Joseph Campbell – Cultrix Dic. Judáico de Lendas e Tradições - A. Unterman - Ed. J.Zahar Ferreiros e Alquimistas - M. Eliade - Ed. Relógio d'água Free Mason at Work - Harry Carr (ainda não public. em português) Grande Dic. Enciclop. de Maç. e Simbologia - N.Aslan - Ed. Arte Nova Instruç. p/Loja de Mestre - IIr.'. Assis e F.S. Paschoal - A Trolha (nota abaixo) Mesopotâmia - Ed. Del Prado O Mestre Maçom - Assis Carvalho - Ed.A Trolha (nota abaixo), O Mundo Egípcio - Deuses, Templos e Faraós - Ed. Del Prado O Painel nas LLoj. do R.'. E.'. A.'. A.'. - Modena - O Vigilante, Jun/92 O Pórtico - Modena - A Renascença, Ago/96 O Templo de Salomão na Tradiç.Maç. - Alex Horne - Ed. Pensamento Sentido Oculto dos Ritos Mortuários - J.P.Bayard - Ed. Paulus Wren - Margaret Whinney - Thames and Hudson Ltd, London, 1971.
NOTA - tais obras dizem que J.Harrys fez um outro Painel para uma loja hebraica, e no qual deu uma visão mais completa de sua concepção acerca do tema. Na verdade, tal pintura foi feita pelo Ir.'. Esmond Jefferies para o Rito Logic, conforme consta de minúscula legenda ao pé da estampa reproduzida e textualmente expressa por H.Carr em "The Freemason at Work".
Além disso, seus autores incidem no erro de uma pretensa retificação de 3000 para 2992 como origem da V.'. L.'. , quando, na verdade, o que Jefferies apontou, com a segunda data em hebraico, e sem omitir a primeira em algarismos arábicos, foi o término da obra: mais de sete anos de trabalho.
Mas, afora isso, nos é particularmente importante assinalar que tal painel faz constar abaixo das crípticas letras "ces" as iniciais de liberty, fervency e zeal - dispensáveis no nosso entendimento, a não ser que tal redundância seja aparente e, então, a nossa interpretação dando ao triplo "c" = cowans, não é só uma hipótese, mas assertiva válida, pois também está no contexto maçônico inglês.
Nove Estágios do Grau de Mestre Maçom segundo Oswald Wirth
I. O RETORNO AO PONTO DE PARTIDA
Os ensinamentos da vida são de ordem prática. Eles formam o Obreiro, tendo em vista a tarefa que lhe incumbe, desenvolvendo sua habilidade, esclarecendo-o sobre a especialidade de sua escolha.
Por preciosa que seja esta educação, ela não poderia ser considerada como respondendo ao supremo ideal iniciático.
Tornando o Obreiro humanamente sábio, a educação corresponde à via média, normal e segura que se recomenda aos homens sinceros, fortes em sua boa vontade.
Mas quem quer agir, deve fazer-se convicto, adotando hipóteses de trabalho baseadas sobre a fé. Ora, a Iniciação integral esforça-se por discernir a verdade sincera, despojada de tudo aquilo que lhe torna comumente aceitável.
Mesmo refugiada nua no fundo de um poço, a verdade aparece sob formas sedutoras sob as quais se esconde um esqueleto.
É até a ossatura da realidade que deve penetrar a visão do pensador.
Não lhe é suficiente ver, agora, a Estrela Flamígera, porque ela está extinta para o Companheiro digno de conquistar o Grau de Mestre.
Tudo se obscurece, com efeito, para o adepto preocupado em examinar a fundo aquilo que acredita saber. Para repassar em seu espírito as aquisições de sua inteligência, deve retornar sobre o caminho da Iniciação.
Triunfando, ao término do Segundo Grau, não pode caminhar em direção ao Terceiro, senão voltando sobre seus passos.
Reconhecendo que, a despeito de seus esforços, não realizou a imagem do homem-tipo figurado no Pentagrama, o Companheiro retorna à Pedra Cúbica atingida por numerosas imperfeições mostradas através do controle minucioso da Régua e do Esquadro.
Estes instrumentos lhe permitem reparar as negligências de seu trabalho.
Ele retoma a Alavanca e censura-se por não a haver manejado escrupulosamente na iniciação.
Muito freqüentemente, não desejou estar inspirado por motivos rigidamente direitos, como exige a régua. Deve acabar de disciplinar sua vontade.
Sua razão não foi nunca arrastada para fora dos limites que traça o Compasso?
E, a seu governo, foi seu julgamento sempre aplicado a ele mesmo com severidade?
Discernindo estas faltas, desembaraçou-se delas sem pena, através de golpes de Malho assentados com vigor sobre um cinzel bem dirigido?
Perscrutando sua consciência, o Companheiro reconhece que, a despeito de sua aplicação ao trabalho, está longe de haver realizado a perfeição.
Sua primeira instrução iniciática deve ser retomada, porque se pergunta se a venda da ignorância profana realmente saiu da frente de seus olhos.
São tantos os preconceitos tenazes que o cegam ainda, que deve, mais do que nunca, lutar para conquistar a luz.
Depois, deseja o Cálice da Amargura, que nem sempre teve a coragem de esvaziar até as fezes, pois o homem recua perante as crueldades contínuas da vida, ainda que tenha coragem para lançar-se ao Fogo purificador da grande prova, porque é mais fácil consentir em morrer bruscamente por um ideal, do que viver exemplarmente, sem desfalecer, ao curso de peripécias de uma longa e monótona existência renovadas incessantemente por torturas mesquinhas.
A constância é a virtude daqueles que a água fortaleceu, ao mesmo tempo em que os lavou das imundícies contraídas por contatos impuros.
Mas quem pode gloriar-se de escapar a toda mácula moral?
Mesmo intelectualmente, conseguimos nos defender sempre de todo o preconceito?
As discussões humanas não nos atraem para um dos campos antagônicos?
Para que o ternário discreto se torne verdadeiro, é indispensável que saibamos planar acima do terreno das querelas estéreis, porque dois pontos figuram dois contraditores que não conseguem se ouvir, enquanto um terceiro ponto mediano não se colocar acima deles como árbitro e conciliador.
Síntese, apreciação imparcial Tese, afirmação Negação, antítese Elevar-se ao terceiro ponto é fazer prova de serenidade de julgamento própria daquele que alcançou o cume da montanha onde foi purificado pelo Ar.
Mas uma visão clara não se adquire senão ao preço de um prévio aprofundamento.
Disso resulta que a elevação do espírito à sublimação filosofal é acompanhada de um esforço equivalente na descida a si mesmo.
É por esta razão que o Companheiro, desejoso de entrar na posse integral dos dois primeiros graus da Arte Real, retorna à Câmara de Reflexões onde começa por se submeter à prova da Terra: ei-lo de regresso ao ponto de partida, chamado, pela segunda vez, a morrer voluntariamente.
Em realidade, está se examinando a ele mesmo, tal e qual na Iniciação e sua incompetência o abate: ele nada sabe e permanece impuro, a despeito das purificações sofridas. Tudo está para recomeçar, se quer tornar-se Maçom, realizando o ideal maçônico, ou melhor, ambicionando o Mestrado.
II. A CÂMARA DO MEIO
Quando, voltando sobre seus passos, no aprofundamento dos ensinamentos recebidos, o Companheiro chega ao ponto de partida, não há lugar para mostrar-se orgulhoso de si mesmo.
Ele quer tornar-se um Iniciado, um homem mais esclarecido que os outros e não se furtará das penas para instruir-se, praticando a virtude.
Seus estudos o fazem, finalmente, reconhecer que nada sabe e os esforços consagrados à realização do bem o deixam convencido de sua impotência. Átomo perdido na imensidão, é ínfimo.
É loucura de sua parte aspirar ao cumprimento da Grande Obra.
Não seria mais sábio resignar-se ao inevitável e deixar o mundo tal como é, vivendo o menos mal possível encouraçado numa desdenhosa indiferença?
Desencorajado, o pensador se fixa em suas reflexões.
Onde elas conduzem?
Ele retorna para contemplar o lugar onde mergulhou em suas meditações.
É uma caverna tenebrosa onde não brilha nenhuma claridade.
Nada se manifesta à sua vista, mas escutam-se surdos gemidos que parecem provir de fantasmas.
Esses lamentos são sugestivos, pois evocam imagens lúgubres.
O Companheiro, adepto da vida, tem a impressão de haver descido ao antro da Morte onde esqueletos o rodeiam.
E ele não se engana, porque está na cripta da segunda morte dos Iniciados, no centro simbólico da Terra onde tem lugar a Câmara do Meio, o santuário da desilusão absoluta.
Penetrando-o, somos chamados a morrer, não mais simplesmente para as grosseiras ilusões do mundo profano, como no começo de nossa iniciação, mas para tudo o que é frívolo e mesquinho.
Desta vez, não é bastante se despojar dos metais, operação fácil comparativamente ao despojamento integral que exige a segunda morte: trata-se de se pôr a nu além da pele e das carnes, a fim de não ser mais que um esqueleto, porque o futuro Mestre deve se identificar com o Arcano XIII do Tarot, aquele que corta as cabeças do Rei Razão e da Rainha Imaginação, mas que, ceifando, faz surgir da terra, a cada movimento, mãos para agir e pés para caminhar.
Isso significa que ser desencorajado pela desilusão torna-se fecundo para o homem de ação, discípulo do progresso.
A tarefa é positiva e a evolução vital se afirma como realidade.
Que, aliás, ensina a Geometria?
O ponto matemático sem dimensão nada é, mas, posto em movimento, este nada engendra a linha, geradora da superfície, mãe de todos os corpos de três dimensões. Não somos nada enquanto permanecemos imóveis, mas nosso movimento deixa um traçado luminoso, mesmo que não sejamos mais que efêmeras estrelas cadentes. Se concebermos que tudo não é mais que o nada em marcha, tornamos ativa nossa inação, sem nos enganarmos sobre nosso próprio valor e nossa capacidade.
Agimos, sem nos debater em pura perda, porque vamos construir, porque este é o objetivo da vida.
Todavia, após haver sondado a profundidade de nossa ignorância, como podemos trabalhar em segurança, certos de que não nos enganaremos em nossa empresa?
Ora, a desilusão paralisa: ela destrói a confiança adquirida pelo Companheiro e a certeza dos princípios segundo os quais ele trabalha.
Perdendo sua fé ativa, ele abandona seus utensílios para permanecer desamparado entre aqueles que sucumbem, como ele, na grande prova da decepção.
Em que o desiludido poria sua confiança? Está sem ilusões mesmo quanto à Maçonaria, instituição que formula os bons princípios, mas não os aplica mesmo em seu próprio seio.
Os maçons pretendem fazer reinar a harmonia no mundo: ora, eles se agrupam em organizações que se opõem umas às outras e se recusam a confraternizar entre elas.
As Lojas recrutam mal e são invadidas por ignorantes vaidosos, incapazes de se iniciar realmente: também a iniciação é ela fictícia, e a Maçonaria vegeta como um corpo sem alma do qual o espírito foi retirado.
Tal é, eis, a irreparável catástrofe prevista pelo Ritual: o Espírito não mais governa. O Arquiteto do Templo está morto, e ninguém é capaz de substituí-lo.
Os Mestres que recebiam suas instruções estão desamparados. Estão reunidos na Câmara do Meio, mas avaliam a situação sem saída e se abandonam à dor de não ter à sua cabeça o sábio Hiram, detentor dos supremos segredos da Arte de construir.
III. O MESTRE DOS MESTRES
A Bíblia não faz alusão a Hiram, o arquiteto do Templo de Salomão: artista hábil em trabalhar os metais, esse fundidor não intervém senão tardiamente para preparar o Mar de Bronze, uma espécie de vaso sagrado, sem esquecer as colunas Jakin e Boaz que se desenhavam exteriormente à direita e à esquerda da entrada principal do santuário.
Nenhum escritor judeu faz alusão à morte de Hiram, o que faz supor que retornou a Tiro após o término dos trabalhos que aceitara executar em Jerusalém.
O que os Maçons contam a esse respeito é, pois, pura lenda, um mito que não tomou de empréstimo da Bíblia senão o nome de seu herói.
Para os iniciados, tornou-se o arquiteto que traçava os planos e dirigia os trabalhos dos obreiros construtores que dividiu em Aprendizes, Companheiros e Mestres.
Todas as classes de obreiros recebiam salários de forma diferente: Os Aprendizes, junto à Coluna Boaz; os Companheiros, em Jakin; os Mestres, na Câmara do Meio.
Mas cada categoria, para esta finalidade, deveria fazer-se reconhecer pelos mistérios particulares do grau.
Ora, três Companheiros haviam, inutilmente, solicitado o mestrado. Foram julgados insuficientemente instruídos pelos Mestres que, assim, adiaram sua exaltação. Porém, satisfeitos deles mesmos, os três obreiros acreditaram-se vítimas de uma injustiça e resolveram obter, pela astúcia, o que lhes fora recusado.
Seu plano era o de constranger Hiram a comunicar-lhes o segredo dos Mestres.
Postaram-se, então, perto do meio-dia, junto às três portas do Templo, porque o trabalho era interrompido nesse horário e o arquiteto tinha o costume de percorrer sozinho o canteiro de obras, a fim de controlar o avanço da construção.
Tendo acabado sua inspeção, Hiram quis sair pela porta onde espreitava o primeiro dos três conspiradores. Um diálogo se engaja.
O Companheiro julga-se digno de passar a Mestre e intima Hiram a revelar-lhe imediatamente o segredo do terceiro grau.
Hiram recusa com indignação, daí o furor do Companheiro que desfere no Mestre um violento golpe com a Régua. Visava à cabeça, mas um movimento de sua vítima desviou o instrumento que se abateu sobre o ombro, perto do pescoço.
Hiram retira-se e dirige-se para outra saída, onde se choca com o segundo conjurado, mais insolente ainda que o primeiro em suas pretensões.
Permanecendo firme em sua recusa, o Mestre é, desta vez, atingido na região do coração com a ajuda de um Esquadro – ou de uma alavanca, segundo certos Rituais.
Cambaleante, Hiran encontra forças para ganhar a terceira porta que está guardada pelo mais exaltado dos três malfeitores.
O Mestre declara insensatas as suas exigências, o que lhe vale um mortal golpe de Malhete sobre a fronte.
Apavorados com seu inútil crime, os assassinos escondem o corpo de Hiram sob escombros.
Depois, com a vinda da noite, eles o transportam para longe, enterrando-o num local pouco propício.
O desaparecimento de Hiram consternou a todos os Obreiros, em particular, os Mestres que, em seu abatimento, se puseram a gemer, sentindo-se incapazes de substituir o Arquiteto traiçoeiramente entregue à morte, porque o crime, – isto era evidente, – unicamente maus Companheiros o teriam podido perpetrar.
Enquanto os Mestres se lamentavam, um Companheiro penetrou em seu asilo de luto e recolhimento. Não seria este um dos assassinos de Hiram vindo confessar seu crime movido pelo remorso?
IV. OS ASSASSINOS DE HIRAM
Exata em seu significado, a lenda é mais verídica, a seu modo, que a História, muito freqüentemente edificada com a ajuda de informações equívocas.
O fundidor Hiram dos textos bíblicos, por hábil que fosse, é um personagem de muito pouca importância histórica, não tendo em comum senão o nome com o Mestre Hiram do Ritual maçônico.
Todavia, o que personifica esse arquiteto imaginário é uma formidável realidade.
Não é, pois, de nenhum modo, pueril exigir de um candidato a Mestre a prova de sua inocência no assassinato de Hiram.
Para o Iniciado, Hiram não é outro senão o espírito maçônico.
Enquanto ele vive, a Maçonaria persiste em sua tarefa construtiva, o Templo é construído e, bem inspirados, os maçons trabalham com método, satisfeitos com o progresso que constatam.
Mas trata-se de um período conturbado, em que Hiram não mais dirige o trabalho maçônico, pois caiu vítima dos conspiradores da lenda que, eles também, não são reais. O primeiro encarna a ignorância.
Não mais aquela dos profanos, mas a dos maçons que deveriam ser instruídos em suas qualidades de Companheiros, iniciados nos mistérios da Estrela Flamígera.
Infelizmente, certos portadores de insígnias ignoram tudo a respeito da Maçonaria que eles pretendem, melhor que ninguém, compreender, pois que foram admitidos entre aquela maioria de obreiros que sabem trabalhar.
Colocando tudo a seu nível que é, a seus olhos, unicamente a intelectualidade racional, têm eles por certo que nada poderia ultrapassar sua compreensão, salvo se fosse absurdo.
Armados dessa Régua inflexível, golpeiam o Mestre.
Não o matam imediatamente, mas o paralisam em sua ação (braço direito).
O candidato ao terceiro grau nunca pactuou com espíritos superficiais sempre prontos a condenar aquilo que não compreendem?
Não se pronunciou pela supressão daquilo que não se enquadrava em sua lógica estreita, muito solícito em atrelar-se à tradição maçônica?
Qual foi sua atitude em presença de criticas inconsideradas, formuladas à vista dos usos pretendidos ridículos ou, no mínimo, ultrapassados?
Está certo de não haver nunca participado da mentalidade que fez abater sobre o Mestre a pesada Régua do primeiro assassino?
Se pecou, reconhece seu erro e toma a resolução de repará-lo?
O segundo assassino representa o fanatismo. Não aquele dos inimigos exteriores da Maçonaria.
As organizações são ameaçadas por maus internos que simbolizam os maus Companheiros, promotores da morte de Hiram.
São os que medem com o Esquadro, aplicando a outrem este instrumento de controle, quando deveriam servir-se dele para assegurar o corte correto de sua própria pedra: proclamam-se eles mesmos justos e impecáveis e se impõem como modelo.
Infeliz daquele que se recusa conformar-se com sua norma!
Os maçons que não partilham de sua opinião são denunciados como heréticos e rejeitados como falsos irmãos.
A tradição vital da tolerância é assim ignorada. Hiram é perigosamente atingido no coração pelos maçons que tomam ódio de seu contraditor, contestando sua boa fé.
O futuro Mestre admite que alguém possa pensar e agir de outra maneira que ele?
Considera como válida apenas sua própria interpretação da lei maçônica?
Legislando arbitrariamente, segundo o particularismo de suas estreitas concepções, não espreita Hiram perfidamente, armado de um Esquadro falseado pela intolerância?
Aqui, agora, a falta deve ser confessada e reconhecida em todas as suas conseqüências e depois expiada por um arrependimento profundo. Isso não é tudo.
O pior dos criminosos figura a ambição dos exploradores da ignorância e do fanatismo.
Esses perversos apoderam-se do Malhete que mata Hiram: são os políticos que põem a Maçonaria a serviço de sua ideologia particular.
Todos aqueles que desviam a Instituição de persistir em sua Grande Obra construtiva, tornam-se culpados do crime irreparável contra a tradição simbolizada por Hiram.
A ignorância corrige-se pela instrução, e a intolerância sectária é uma enfermidade curável.
Mas o egoísmo que a ambição possui revela-se indigno da Arte Real.
O mestrado não convém senão àquele que se esquece dele mesmo e não sucumbe à fascinação de qualquer miragem de vaidade.
O orgulho de comandar ou brilhar num posto eminente não conduz senão a grandezas ilusórias. Para tornar-se realmente Mestre, o indivíduo deve concentrar seus desejos sobre o desenvolvimento de sua capacidade de servir a outrem.
Esforcemo-nos por nos tornar úteis na medida de nossos talentos e de nossa energia, se quisermos nos elevar.
V. O CADÁVER DA TRADIÇÃO
A imperfeição humana tende a matar continuamente o Arquiteto do Templo humanitário.
Hiram morre diariamente quando os homens erram, porque os Iniciados têm por tarefa constante a de ressuscitar.
Mas, para proceder a uma ressurreição, é indispensável encontrar-se em presença do despojo mortal do defunto.
A procura do cadáver de Hiram se impõe, pois, aos adeptos que a morte do Mestre mergulhou no luto e na consternação.
Chorando Hiram, rendem em sua alma um culto ao ideal desconhecido e mantêm vivo o espírito que cessou de dirigir o trabalho maçônico.
Eles permanecem fiéis ao sentimento pela tradição que está intelectualmente perdida.
São os bons maçons que fazem confusamente uma idéia muito alta da Maçonaria, instituição gloriosa no passado, mas atualmente enfraquecida, doente e em vias de desorganizar-se.
Eles sofrem e choram, porque têm consciência de uma palavra perdida e do apagar das luzes que esclareceram outrora os verdadeiros iniciados.
Nós não sabemos mais nada, – dizem eles, – tudo foi esquecido; mas restam-nos os vestígios mortos do antigo saber vivente.
Essas relíquias são sagradas para nós, porque, se nada mais subsiste nas ruínas do edifício do qual queremos retomar a construção, como poderemos persistir na eterna Grande Obra?
Eis o que resta de pé na tradição morta para compreensão do maçons, uma conjuntura supersticiosa da Maçonaria são seus usos inveterados, os símbolos obrigatórios e os ritos iniciáticos que a prática impõe.
Tal é o cadáver de Hiram que se presta à evocação de seu espírito animador, se não for subtraído às homenagens dos fiéis à tradição pelos maus Companheiros.
Encontrar esse cadáver é, pois, a tarefa que se impõe aos Mestres, desde que, dominando sua dor, tomem consciência daquilo que exigem deles as circunstâncias.
Nove Mestres se dispersam por grupos de três, para procurar o corpo de Hiram.
Isis, em luto, percorreu toda a terra para descobrir, um a um, os pedaços do corpo de seu esposo, porque Osiris não pode ser chamado à vida, se seu cadáver não for reconstituído em sua integridade.
Em Maçonaria, o esoterismo é o mesmo: deve-se restabelecer o simbolismo maçônico em seu conjunto coerente, a fim de tomar sua significação e fazer reviver o espírito daqueles que praticam apenas uma rotina supersticiosa.
Como o de Osíris, o corpo de Hiram sofreu mutilações.
Em seu falso racionalismo, os Companheiros amputaram-lhe os membros; outros, por sectarismo, enxertaram estranhos apêndices aos organismo normal do Mestre.
Convém restituir aqueles que os primeiros arrancaram, desembaraçando das adjunções heteróclitas dos segundos o corpo do Mestre que vai ressuscitar.
Distinguir o que é maçônico daquilo que não é – tal deve ser o cuidado dos expertos encarregados de encontrar o cadáver de Hiram.
Eles se dirigem para o Ocidente, Oriente e Meio-Dia, concordando em se reunir ao Norte.
Isso quer dizer que se informam por tudo o que é universalmente tradicional, fazendo abstração das fantasias locais e não retendo senão aquilo que é incontestavelmente iniciático.
Uma ciência positiva não é seu guia; também eles erram muito tempo antes de encontrar indícios satisfatórios.
Finalmente, um deles deita vistas sobre um ramo de Acácia.
Para se chegar a compreender o alcance do mito maçônico, é necessário lembrar que a planta de que se trata aqui aparece como a única em meio às areias desérticas.
Trata-se de um arbusto espinhoso entre os Orientais que vêem nele um emblema da imortalidade.
Em Maçonaria, os adeptos que se gabam de conhecer a Acácia, têm-se como iniciados nos mistérios do terceiro grau da Arte Real.
Uma particular importância liga-se, então, ao ramo verde que sinala a terra sob a qual se descobrirá o corpo de Hiram.
Que significa esse ramo revelador?
O verde, cor da esperança, faz alusão à que subsiste ainda em meio ao desespero.
A crença no amanhã reanima a coragem daqueles que o presente desilude.
Ora, esta confiança nasce de um sentimento indestrutível que liga o homem à Vida e à Grande Obra que ela persegue.
Conhecer a Acácia é tomar consciência do incessante trabalho vital, é adquirir a certeza de que esse trabalho necessário não sofrerá qualquer interrupção prolongada.
Se pára momentaneamente, é para ser retomado de imediato com novo vigor.
Direcionado por um falso caminho, sofre curta interrupção que o obriga a melhor orientar-se. Hiram não saberia permanecer morto: ele não foi morto senão em vista de sua ressurreição.
VI. O TÚMULO DE HIRAM
Fixado na terra entre um Esquadro e um Compasso, o ramo de Acácia revela o lugar da sepultura do Arquiteto assassinado.
Hiram foi enterrado a pouca profundidade e as trolhas postas em ação não tardam em remover a areia que recobria o corpo do Mestre venerado.
Esse trabalho de liberação é efetuado por aqueles maçons que aprofundaram a Maçonaria, porque, enquanto ela permanecer incompreendida, não representará senão o túmulo da Tradição morta, essa colina que se eleva acima da banalidade do deserto humano, mas que o Esquadro e o Compasso, acompanhando a Acácia, designam à atenção dos fiéis de Hiram.
A Maçonaria não é, vista do exterior, senão uma coisa muito pobre, um acúmulo de insignificantes grãos de areia; mas o que ela esconde sob essa modéstia é inestimável aos olhos dos sábios, porque a tradição iniciática está morta, mas intacta, reconstituída em sua síntese orgânica.
Sem dúvida, um gesto de horror escapa daqueles que são postos em presença desse majestoso conjunto.
Como semelhantes ensinamentos puderam se perder?
Que perversão ousa matar aquele que, acima de tudo, merece viver?
O crime cometido é abominável e enche de horror aqueles que o avaliam em toda a sua ignomínia.
Se a Maçonaria estivesse viva, se seus adeptos se compenetrassem em trazê-la à vida, praticando-a em espírito e verdade, que não seria ela em comparação com o que mostra presentemente?
Contemplando os traços imóveis do Mestre, os adeptos fiéis admiram a Tradição, mas desesperam de o fazer reviver, em presença das disposições refratárias de muitos maçons contemporâneos.
Todavia Hiram repousa em tal calma serena, que parece dormir.
Dá a ilusão de respirar ainda e de estar prestes a despertar. Um dos Mestres não consegue se impedir de tomar a mão direita do morto que pressiona como Aprendiz, pronunciando a palavra sagrada do primeiro grau.
Hiram permanece insensível a esta primeira tentativa que não tem outro resultado senão uma desoladora constatação: a carne se desprende dos ossos.
Deve-se conhecer integralmente a Maçonaria, seus usos e seu simbolismo para ressuscitar Hiram, reanimando espiritualmente o cadáver da Tradição morta.
Limitada aos mistérios do primeiro grau, a Iniciação é impotente para expulsar dele a morte e permitir que fique de pé, caminhe e viva.
Os segredos de Companheiro mostram-se, eles também, impotentes, porque Hiram permanece inerte, mesmo quando a palavra sagrada do segundo grau lhe é soprada na orelha e lhe é dado o toque correspondente.
Eis: tudo se desune – uma compreensão parcial é insuficiente; deve-se tomar em conjunto o espírito vital da Iniciação, para reanimar o corpo de Hiram.
Isso significa que um conhecimento experimental da Maçonaria, tal como se pratica, – Compagnonnage ou Companheirismo, – não confere ainda o poder de despertar o Mestre.
A tradição que deve reviver é mais augusta do que aquela da qual os maçons atuais detêm a herança parcial.
A Arte Real excede-os em sua insuficiente compreensão iniciática.
Eles possuem os símbolos e os ritos, as exterioridades corporais, mas o espírito animador lhes escapa.
Este espírito de vida permanece surdo ao apelo do racionalismo dos Aprendizes: o raciocínio desagrega e os argumentos lógicos não engendram, em sua frieza, qualquer calor vital; d’outra parte, a galvanização sentimental dos Companheiros não consegue vencer a inércia cadavérica.
É, todavia, possível conjurar a Vida que circula através da cadeia dos seres viventes.
Ela se deixa capturar e dirigir sobre o organismo que merece reviver.
Esta captação se opera pela constituição, em ponto menor, de uma universal cadeia de Vida.
Unidos por aspirações comuns, os homens de coração tornam-se poderosos, vibram por um único desejo desinteressado.
Se se aproximam estreitamente, para formar um circuito fechado, determinam uma corrente indutora na qual a ação vitalizante se torna real.
Quando o valor do simbolismo tradicional reconstituído em seu conjunto é reconhecido, o desejo fervoroso de refazer-se com vigor impõe-se aos fiéis de Hiram que, por instinto, procedem aos ritos reanimadores.
Eles infundem ao cadáver a vida intensa que circula em sua corrente, e o milagre acontece: a tradição retoma força e vigor.
VII. O MESTRADO
A putrefação ataca o cadáver de Hiram.
Toda esperança de reanimação parece perdida.
Todavia o Mestre mais experimentado entre os fiéis à Tradição resiste ao desencorajamento.
É ele quem faz formar a cadeia da qual se destaca, quando ela produz seu efeito.
Postado aos pés do morto, inclina-se sobre ele, tomando sua mão direita que agarra até o punho, puxando-o, a seguir, para si, enquanto dois ajudantes empurram Hiram à frente pelos ombros e o mantém erguido, antes de despertar inteiramente.
Um novo esforço põe Hiram de pé, e eis que o contato com o evocador, pelo pé direito, o joelho e o peito, pode assim dar, ao vivente, a firmeza necessária para colocar-se na vertical, com flexibilidade nas articulações e ritmo respiratório.
Ele vive, mas permanece fraco e crispa sua direita, ainda impotente, naquela que lhe comunica a energia reanimadora.
Na realidade, ele dorme ainda e recairia por terra, caso seu vivificador não o sustentasse com a mão esquerda que desliza pelo ombro do desfalecente.
Nesse momento, três sílabas são sopradas na orelha do ressuscitado que permanece inconsciente.
Elas significam: Ele vive nos Filhos e revificam o Mestre intelectualmente.
O que deve reviver em todo Companheiro entregue à morte como Hiram e ressuscitado segundo o procedimento tradicional é o Espírito Maçônico.
Esse espírito anima o Construtor que se consagra à Grande Obra, quando aplica sua inteligência em discernir o plano do Arquiteto, a fim de consagrar toda sua energia à realização desse plano.
Para passar a Mestre, deve-se discernir o que se quer fazer, decifrar o plano segundo o qual o trabalho da vida universal se concretiza.
Este discernimento confere a suprema iniciação, porque nós não podemos nada ambicionar além de compreender como o Universo se constrói, a fim de podermos nos associar, a seguir, com todas as nossas forças, ao grande Trabalho construtivo.
Hiram revive em nós quando o espírito maçônico nos anima, quando, mortos para tudo o que é mesquinho, consagramonos sem reserva e com absoluta abnegação à Grande Obra do progresso humano.
O Mestre deve estar morto para todo egoísmo; não sonha com a felicidade individual nem com a glória ligada a seu nome: não é verdadeiramente Mestre senão quem se identifica com a Obra.
Diante desta, ele se apaga e se aniquila, porque não se eleva ao Mestrado senão quem é absorvido pela Obra, para morrer a fim de poder viver.
Os mistérios do grau de Mestre são aqueles da Vida e da Morte, antagonismo não mais que aparente.
O verdadeiro Mestre vive em tudo, estando morto.
Ele permanece afastado de tudo aquilo que torna o homem escravo.
Desiludido, é indiferente a ele mesmo e nada ambiciona, nem a sabedoria, e ainda menos a glória.
Morto para ele mesmo, insensível ao que lhe toca, ele matou em seu coração todo desejo egoísta.
Sua vontade não se torna senão mais potente em seu desinteresse: ele comanda o Futuro, porque, se o Presente escapa ao Mestre, tem ele o poder de determinar o Amanhã.
Seu sonho lúcido é plástico; seu pensamento fecundante projeta-se na matriz daquilo que deve nascer.
Ele é o profeta mudo daquilo que se prepara para se objetivar.
É um homem pacífico que observa em silêncio e deixa perorar os energúmenos; ele pode passar despercebido, mas sua ação é irresistível, mesmo quando não é mais que metal.
O Mestre influencia: quando se cala, seu silêncio faz os outros pensarem; assim como um orador brilhante, não é, talvez, senão um médium inconsciente, eco retumbante do pensamento do Mestre silencioso.
Graças aos iniciados do Terceiro Grau, a Maçonaria realiza sua obra, a despeito dos tagarelas superficiais e dos excitados que a comprometem.
Onde estaria a instituição sem fiéis discípulos de Hiram que saibam ressuscitar o Mestre que maus Companheiros não cessam de matar?
Tudo é simultâneo em Iniciação.
VIII. OS SUPERIORES DESCONHECIDOS
O drama do Mestrado se desenrola na obscuridade até o momento em que Hiram, na pessoa do recipiendário, ergue-se revificado.
Uma cortina se afasta, então, revelando o Oriente, onde a luz resplandece, como se emanasse de Mestres integralmente iniciados reunidos nessa parte da Loja.
Esses Mestres permanecem separados de nós, enquanto Hiram não for ressuscitado em nossa pessoa.
Sem vê-los, podemos compreendê-los: são os inspiradores daqueles que sabem escutar os Superiores Desconhecidos, escondidos atrás da cortina das aparências sensíveis de onde prosseguem os trabalhos, visando à plena utilização das forças do bem.
É esse o sentido que lemos em Symbolum, poesia composta por Goethe ao sair de uma Sessão de Mestre: Doch rufen von drüben, Die Stimmen der Geister, Die Stimmen der Meister: Versaümt nicht zu üben Die Kräfte des Guten.
Do além chamam as vozes dos espíritos, as vozes dos Mestres: não negligencieis de aplicar as forças do bem.
Esta estrofe assimila os verdadeiros Mestres aos espíritos, gênios invisíveis que entraram na imortalidade.
Quando nos debatemos no seio das trevas do canteiro terrestre, não possuímos o Mestrado senão na medida em que entramos em comunicação com inteligências liberadas da prisão do corpo.
Submetendo-se à segunda morte, o Mestre se espiritualiza, rechaçando, como indica o símbolo do Terceiro Grau, tudo o que nele subsiste de inferior e de grosseiramente animal.
Elevando-se acima de sua estreita personalidade, torna-se acessível às influências misteriosas.
Guardemo-nos aqui de todo materialismo.
Os Superiores Desconhecidos não são chefes em carne e osso, como se lhes figurou o Barão de Hund, mal instruído a esse respeito no Século XVIII, quando então fundou a Estrita Observância, organização maçônica acolhida com zelo na Alemanha.
Uma insuficiente iniciação tem difundido, em nossos dias, a concepção de uma Loja Branca, composta por sábios que se desdobram metapsiquicamente para instruir ao longe seus discípulos, sem precisarem sair materialmente de seu inacessível monastério tibetano.
Perturbadora para os geógrafos, semelhante localização parece uma infantilidade.
O espírito sopra onde quiser, manifestando-se por tudo, sem ter necessidade de um refúgio onde se prenda.
Seguramente, a direção superior da Maçonaria não pertence aos dignitários que são eleitos anualmente.
Os chefes de Lojas ou de Grandes Lojas dirigem a menor e, muito freqüentemente, com mesquinharia: às vezes, manobram mal o Malhete que lhes é confiado; a despeito de seus títulos e de seus penduricalhos, não são os Superiores efetivos, ou, falando de outro modo, os verdadeiros Mestres.
O verdadeiro Mestre é discreto: indiferente às honras, ele pode aceitá-las, mas prefere esquivar-se delas. Sua ação é silenciosa, porque o verdadeiro Mestre deixa falar e contenta-se com agir; ele obra modestamente em sua esfera, sem deixar-se perturbar pela agitação dos profanos fantasiados de iniciados.
Fiel a seu ideal, limita-se a viver exemplarmente. Aplica-se a bem trabalhar, por puro amor à Arte.
Ele não está abandonado a si mesmo.
Desconhecido pelos excitados que se debatem sob o aguilhão da cobiça egoísta, ele atrai a atenção e a simpatia dos Mestres efetivos, desconhecidos eles também: sua ajuda fraternal não lhe falta; ela se traduz numa colaboração íntima e constante, contanto que o Mestre trabalhe superiormente.
Quando se inclina sobre a Tábua de Delinear, não é o único a coordenar o plano segundo o qual se deve construir o amanhã.
Se está então lúcido, não é credor da colaboração de inteligências liberadas do corpo?
Sem cair nas puerilidades do espiritismo evocador de fantasmas, lhe é permitido considerar que nada se perde no domínio das idéias.
O pensamento vital permanece vivendo, independente de cérebros que vibrem sob sua ação.
Inacessível em sua sutileza transcendente, ele se particulariza, se condensa e se coagula ao apelo dos pensadores; meditando, atraímo-lo para nós, emprestando-lhe uma forma expressiva: tal é o trabalho sobre a Tábua de Delinear.
Esse trabalho é uno no que tende à união da individualidade pensante com o Pensamento Superior generalizado.
Se o místico se engaja na via unitiva sentimentalmente, por contemplação passiva, o Iniciado permanece fiel ao método ativo: ele procura a Verdade com confiança e a extrai de toda parte, porque tem a missão de construir segundo imutáveis princípios de solidez.
Construtor prático do futuro próximo, não sonha durante a vida.
Em sua boa fé e fervorosa vontade de realização, merece ser ajudado, quando aspira a bem dirigir seus próprios esforços e o daqueles Companheiros que se reportam à sua experiência.
Tendo carregado a alma de energias atuantes, a luz nutriz lhe é dada.
Ela lhe vem muito naturalmente, por um mecanismo de alta psicologia ao qual faz alusão a teoria dos Superiores Desconhecidos, enigma sutil proposto à sagacidade dos Mestres.
IX. A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
Tudo é verdadeiro, com a condição de ser entendido espiritualmente.
O organismo decomposto não se reconstrói em seus elementos definitivamente separados e postos na circulação geral.
O morto que ressuscita não é um corpo, mas um espírito; não é um espectro ou um fantasma, mas uma energia real e indomável.
Aquilo que vive merece reviver e retoma uma nova forma apropriada às circunstâncias.
É assim que o passado caído no esquecimento surge de sua tumba para responder ao apelo do presente.
Quando uma necessidade se faz sentir, há – de fato mesmo – uma evocação, e aquele que espera sobre a terra rejuvenesce então como rebentos primaveris.
Hiram revive porque a tradição iniciática não pode se perder; essa luz que se vela e parece às vezes extinta não pode sofrer senão eclipses momentâneos.
Presa em lanternas sujas, ela nos foi transmitida apenas reconhecível.
Ao longo de séculos de incompreensão, Hiram dormiu, mas acorda quando seus adeptos prevenidos aproximam-se do túmulo da letra morta, para atrair a si o corpo inanimado.
Aquele que compreende dá a vida aos mortos de espírito, assassinados pela incompreensão.
Incompreendida, a Iniciação pode se praticar sob a forma de culto exterior, perpetuando ritos e transmitindo símbolos; a Maçonaria quase nada faz melhor que isso: um jogo iniciático atraindo crianças grandes que se comprazem em ser postas em cenas das quais não adivinhavam senão vagamente o sentido.
Mas o adolescente pára de brincar com o que lhe parece pueril; tomando-se a sério, não se abandona mais em infantilidades, desvia-se da Tradição que não estiver mais viva e que não subsistiria senão como corpo sem alma. Tornada habitável, a habitação solicita um habitante.
Praticada corretamente, segundo a letra, a Iniciação rebela-se e conduz à reflexão; contanto que seja conferida a alguns iniciáveis, Hiram não permanece morto.
O Barão von Knigge dizia, já em 1781, que melhor vai brincar com imagens da Arte que não conhecê-las.
Aquele que brinca pode crescer em espírito e chegar à compreensão do esoterismo do jogo.
Parece, aliás, que os jogos tradicionais guardem segredos: um dado marcado por pontos relaciona-se aos mistérios dos números, do mesmo modo que os dominós, mas nada ultrapassa o Tarot nesse sentido.
Aquilo que é precioso se conserva pelo jogo, como se, por instinto, a infância se ligasse às coisas dignas de sobreviver.
Mas os anos se sucedem, e nós deixamos de brincar quando a reflexão nos amadurece; a sabedoria consiste então em não desprezar aquilo que pode divertir-nos, porque o que o tempo se recusa a destruir impõe nosso respeito.
Há um passado misterioso, morto para nossa compreensão, mas susceptível de reviver em nossa inteligência: é este passado que simboliza Hiram.
Se não o ressuscitarmos, faltaremos à nossa missão de Construtores, porque a Humanidade vive uma vida unitária: seu amanhã não pode ser senão a realização dos sonhos de seu passado.
Quais foram esses sonhos imortais que antigamente martelaram a imaginação dos homens mais nobres pela inteligência e pelo coração?
Não podemos nos elevar até eles, senão partindo daquilo que deixaram de objetivo, sob a forma de vestígios que caem sob os sentidos.
A esse título, as instituições iniciáticas, por imperfeitas que elas sejam em seu funcionamento, devem nos ser sagradas.
As religiões foram fundadas por Iniciados, mas destinadas ao grande número, adaptaram-se à mediocridade das massas.
Fora delas, discretas associações de espíritos mais compreensivos que a multidão, constituíram-se em todas as épocas.
Não foram talvez senão estreitos cenáculos que não fizeram falar deles. Há dois séculos, a Iniciação esforça-se por renascer, sob uma nova forma, baseada em costumes iniciáticos ainda observados na Inglaterra pelos Freemasons.
Assim se constituiu a Maçonaria moderna, instituição que inicia infantilmente com uma profunda sabedoria.
Ela conta, em nossos dias, com milhões de adeptos que aprenderam a brincar com o Ritual, sem penetrar o sentido da cena à qual se abandonam.
Eles aderem aos princípios gerais da Maçonaria e acreditam-se iniciados em seus mistérios, na razão daquilo que viram e ouviram.
Seu erro consiste em aterem-se àquilo que lhes cai sob os sentidos, quando a verdadeira Iniciação não se endereça senão ao espírito.
Isso lhes foi mostrado, contanto que o Aprendiz se entregue à reflexão, dirigindo-se a um começo de compreensão que lhe permita passar a Companheiro.
Os que ostentam títulos maçônicos, mesmo dos mais altos graus, restam, infelizmente, quase todos em perpétua aprendizagem elementar.
Raros são os Iniciados efetivos do segundo grau; mais excepcionalmente ainda, aqueles do terceiro. Todavia Hiram ressuscita: os Mistérios da Arte Real não estão enterrados sob a pedra de um túmulo cimentado; a colina que os recobria foi removida.
A tradição se oferece doravante à contemplação daqueles que querem fazê-la reviver.
A Cadeia se forma e o Mestre é chamado à vida.
Ele vive em todo iniciado capaz de evocar nele mesmo o imperecível Gênio reitor do progresso humano.
CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS RELATIVAS AO GRAU DE MESTRE MAÇOM POR OSWALD WIRTH
Os Superiores Desconhecidos Os Superiores Desconhecidos — Nascimento — Vida — Morte.
Este ternário corresponde aos três graus simbólicos.
O Aprendiz desenvolve-se para nascer para uma vida nova.
Está em gestação, e não verá a luz senão ao final de suas provas intrauterinas, após um parto colocado em cena em alguns mistérios da Antiguidade.
O Companheiro estará provido de ferramentas para viver, falando de outro modo, para obrar exteriormente com o objetivo de realizar um trabalho em associação com outra pessoa.
O Mestre viveu, adquirindo experiência, mas declina e deve preparar-se para morrer.
Os místicos, cuidadosos em levar uma vida superior, obrigam-se a seguir três vias sucessivas.
A primeira, chamada expiatória, tende à purificação moral (Aprendizagem); a segunda, que desenvolve no crente a inteligência dos mistérios, é designada como iluminativa (Companheirismo); e a terceira, no curso da qual o querer individual se confunde com a vontade divina, se faz, por este fato, unitiva (Mestrado).
Mas o ideal unitivo do religioso, seja ele um cristão, um muçulmano ou um budista, tende a uma absorção mais ou menos aniquiladora em Deus.
Mas os Iniciados tendem à apoteose por semelhança aos deuses, considerados como inteligências imateriais que governam o mundo acima da humanidade que pulula na superfície do globo.
É nesse sentido que Pitágoras exorta aos seus discípulos a divinizarem-se: “Quando, enfim, deixando teu corpo aqui embaixo, tomes teu livre vôo até o céu, a partir desse momento, imperecível, serás um deus imortal ao abrigo dos golpes da morte” (A. Siouville, Os versos de ouro de Pitágoras, Coleção Simbolismo, Paris, 1913).
A imortalidade pitagórica exclui, desde logo, todo repouso eterno e toda beatitude preguiçosa.
Os deuses têm sua função na vida universal: trabalham em um plano superior, porque, se não trabalhassem, perderiam toda razão de ser e cessariam de existir. Há solidariedade absoluta naquilo que é, de onde a vida não pertencer senão àquele que trabalha pelo bem do conjunto.
O egoísmo é um erro que conduz necessariamente à morte, posto que isola da vida universal, cuja corrente corta.
Enquanto a inação é sinônimo de aniquilamento, o repouso definitivo equivale ao Nada.
Nestas condições não há outro recurso, para tornar-se imortal, senão associar-se às potências que regem o mundo.
Para esta finalidade, não é indispensável conhecer as potências que os homens representam à sua imagem, chamando-os deuses, espíritos ou demônios.
Os Mestres, — porque assim os designam os Iniciados — estão envoltos num mistério impenetrável; permanecem invisíveis por trás da espessa cortina que nos separa do além.
Mas se o véu não se ergue para nós, é-nos permitido aproximarmo-nos dele e entrarmos em relações com a fonte de nossas mais fecundas inspirações.
Saibamos escutar a voz dos Mestres que não desejam senão nos instruir no silêncio e no recolhimento.
Não se trata, neste caso, de necromancia ou de evocação dos mortos, segundo os princípios da antiga magia ou das práticas correntes do moderno espiritismo.
O que sobrevive dos mortos é seu pensamento, é o ideal ao qual consagraram a sua vida.
Nossos Mestres são todos os mártires da idéia, os artesãos do progresso humano que existiram e desapareceram.
Entre eles e nós, que continuamos sua obra, se estabelecem misteriosas comunicações.
Sempre escondidos, estimulam de maneiro oculta nosso pensamento na busca constante da Verdade, e sustentam nossa vontade na luta incessante que nos é imposta.
Quando o Aprendiz submerge corajosamente nas trevas para buscar a luz, é um Mestre invisível que o guia de prova em prova, preservando-o do perigo.
O Companheiro já não será guiado da mesma maneira, porque ele deve saber dirigir-se por si mesmo, aproveitando a experiência dos mais velhos, que se tornam, para ele, os intérpretes da sabedoria dos Mestres.
Mas estes, os verdadeiros Mestres, já não são obreiros que talham blocos de pedra e os ajustam em seu lugar no grande edifício: eles não trabalham senão em planos, quer dizer, intelectualmente, concebendo o que deve ser construído.
Estas são as inteligências construtivas do mundo, potências efetivas para os Iniciados que entram em contato com os Superiores Desconhecidos da Tradição.
O Mistério da Individualidade Aparecemos transitoriamente no teatro do mundo, para desempenhar um papel determinado; mas não sabemos entrar em cena senão disfarçados em uma personalidade. (Persona, em latim, significa máscara e, por extensão, papel, ator).
Pedimos emprestado, para esta finalidade, um organismo da espécie animal mais refinada deste planeta; depois, nascemos com as características de uma raça, para suportar, a seguir, as influências do meio nacional e familiar.
Assim se constitui o personagem que representamos.
Este último tem seu nome e acredita reconhecer-se, graças ao espelho perante o qual se caracteriza.
É um ator singular que desempenha seu papel com uma convicção absoluta, posto que se identifica por completo com o personagem representado.
A representação, sem embargo, está limitada; quando cai a cortina, o autor deixa de representar e retorna para sua vida real.
Pouco importa então o personagem que encarnava para as necessidades da obra: rei ou mendigo, senhor ou lacaio, tudo não era senão convencional.
Agora não resta senão um artista mais ou menos satisfeito com sua maneira de representar e de interpretar o pensamento do autor.
Fascinado pelo que fere os sentidos, o indivíduo comum coloca em seu papel toda a sua alma e vive-o, como se sua verdadeira vida se desenrolasse sobre o palco.
Raros são os atores da comédia humana que se dão conta de que representam e sabem dedicar-se a desempenhar bem, sem serem enganados pelo seu papel.
Estes sábios não se iludem nem pelas riquezas das decorações nem com a suntuosidade dos trajes; tampouco se comovem fora da razão com as peripécias do drama que se representa.
Estes são os Iniciados que souberam quebrar o encanto das aparências teatrais: sabem que estão disfarçados, segundo as exigências do papel, e não se esquecem daquilo que são na realidade da vida.
Conhecer-se a si mesmo, sob esse ponto de vista iniciático, foi o grande problema de Sócrates.
Se o indivíduo pudesse discernir aquilo que ele é, deteria o Arcano dos arcanos de toda a filosofia transcendente.
Um ator misterioso tem o papel de nossa personalidade.
Que artista é este que não se mostra senão em cena, vestido e mascarado?
Se quisermos sabê-lo, obedeçamos ao Ritual.
Viremos mentalmente as costas ao mundo objetivo ou teatral e entremos em nós mesmos, para submergir na noite do desconhecido.
Desçamos aos infernos, esta escuridão indispensável para o bom êxito da Grande Obra.
Ali, ouçamos as revelações do silêncio e da escuridão; um deus se manifestará, se realmente houvermos sabido morrer para o mundo exterior, para o fenomenismo que cativa os profanos.
Este deus nada tem dos ídolos que cria a imaginação: não está dentro do domínio das formas, mas é essencialmente vivo e atuante.
É o agente ou o ator em toda extensão do termo, entidade profundamente real em relação aos fantasmas falazes das aparências fenomenais.
A Divindade Humana
O pensador que soube discernir a si mesmo sob a máscara da personalidade entra, por este fato, na vida iniciática.
Já não se contenta com a existência fictícia do teatro e, sem descuidar-se de seu papel, preocupa-se com a vida séria do ator que acabou de representar.
Esta vida é menos efêmera que a outra.
Nós dela não concebemos nem o princípio nem o fim; é divina, e divinizamo-nos, participando dela de uma maneira consciente.
Depende de nós, pois, elevarmo-nos até a divindade, tomando consciência de nossa verdadeira natureza.
A iniciação tem sido sempre o caminho do santuário do Homem-Deus.
Ela ensina a despir a besta humana aprisionada no campo estreito da sensação material e pretende nos liberar, chamando-nos para uma vida superior de uma amplitude ilimitada...
O Iniciado possui a vida real e permanente, porque se desprendeu da aparência transitória para ligar-se à realidade durável.
Pouco lhe importa seu destino teatral que subordina à tarefa mais alta e mais vasta de sua individualidade.
Trabalha como obreiro da Grande Obra na transformação eterna das coisas.
Muito bem.
Exercer uma função de eternidade, consagrando a ela toda a sua energia é viver essa vida divina que realiza o ideal unitivo dos místicos.
Estes se enganam, quando não compreendem que viver é trabalhar.
A vida não tem nenhuma existência por ela mesma: não vivemos por viver, senão que para cumprir uma função do organismo universal.
O iniciado dá-se conta disso e quer exercer sua missão: aplica toda a sua inteligência em discernir o que se lhe pediu, de antemão resolvido a tudo afrontar e a não evitar nenhum sacrifício para trabalhar bem.
O Maçom que assim trabalha se imortaliza por seu trabalho.
Sabe que sua personalidade não é nada e desinteressa-se dela.
Mas eleva-se até um princípio interior de iniciativa que adivinha sem poder conhecê-lo exatamente, deus desconhecido em sua misteriosa realidade: este é o eu transcendente, possivelmente idêntico em todos os seres que pensam.
Este eu não ocupa nenhum lugar no espaço nem pode ser delimitado pelo tempo; é, pois, de essência divina.
Assim é aos iniciados a quem se dirige o salmo LXXXII, onde se lê no versículo 6: “Eu disse: vós sois deuses (Aelohim), vós sois todos filhos do Soberano”.
A Morte Quando termina a representação, o ator abandona a máscara (persona) e volta a ser ele mesmo.
Em que poderia afetá-lo este retorno a si mesmo?
Seria, para ele, um desencanto pela vida real?
Isso não sucederá nunca com o artista consciente de sua arte que não é enganado por sua própria representação. Um papel não é, para ele, senão um incidente em sua carreira, e sua ambição será desempenhar honrosamente múltiplos ofícios, representando sempre cada vez melhor.
O mesmo acontece com o ator disfarçado em nossa personalidade.
Esta não o interessa senão enquanto proporciona-lhe a ocasião de provar sua arte e de aperfeiçoar-se nela. Se é artista, vive para a arte e não para o papel que representa (persona), vita brebis, ars longa (vida breve, arte longa).
Isto significa que a vida é curta, se se limita à personalidade, mas participa da permanência da arte, desde que se identifique com ela.
Em outros termos: não existe a morte para o Artista.
O abandono de um organismo usado ou deteriorado que se tornou impróprio para seu ofício não representa para o obreiro senão uma troca de ferramenta de bem pouca importância, se souber trabalhar.
O bom obreiro não permanece nunca sem ocupação, ainda que no domínio mesquinho de nossa agitação planetária, com maior razão em uma ordem superior de coisas onde nada se destrói, como nada se destrói na física e na química.
Sejamos força criadora e não nos preocupemos com nosso porvir.
Quando nossa personalidade civil se extingue, os rastros que deixa não têm senão um interesse medíocre.
Para ela não é preciso esperar nada depois da morte. Post mortem nihil! (Nada depois da morte).
Mas não cabe confundir-se o instrumento com o Obreiro.
No mais: A que aspira o Iniciado senão a transformar-se?
Sendo agente de transformação, como temeria ele sua própria metamorfose?
Para progredir e subir é preciso desfazer-se dos impedimentos.
Saibamos, pois, nos despojar daquilo que nos torna pesados e ganhemos em potência aquilo que perdemos em densidade.
Renunciemos, de outra parte, a nos figurar a vida nãopersonalizada, porque neste terreno todas as conjecturas são vãs.
Basta que a Acácia nos seja conhecida, ou seja, que tenhamos consciência da verdadeira vida.
Todavia, o ramo revelador é inseparável do Esquadro e do Compasso, instrumentos de medida e de positivismo que determinam a estrita equidade de nossos atos e o meticuloso rigor de nossas concepções teóricas.
Um Maçom, pois, não se perderá jamais no desconhecido.
Ele fará judiciosamente a parte do mistério e recusará sempre erigirse em pontífice capaz de satisfazer a todas as curiosidades.
Suas convicções pessoais permanecem na ordem prática: não afirma senão na medida em que constata.
Distinguindo o laço que liga toda vida a uma vida mais extensa, compara o indivíduo humano a uma célula do grande organismo da Humanidade.
Este ser coletivo corresponde ao Grande Adão dos Cabalistas: vive essa vida superior prometida aos Iniciados que sabem morrer em sua personalidade profana.
A Imortalidade
Sob a multiplicidade das aparências exteriores infinitamente variadas, oculta-se uma realidade interior cujo atributo essencial é a unidade.
Isso é o que tem feito os antigos afirmarem um no todo.
Eles concebiam uma substância única dissimulada sob os aspectos constantemente diversificados da matéria.
Como acreditavam, de outra parte, que uma só e mesma vida circula através de todos os seres vivos, admitiam por analogia que uma só luz intelectual se manifesta em todas as inteligências.
Somos mais ou menos imortais, na medida em que nos ligamos à unidade fundamental dos seres e das coisas.
Se a universalidade repercute em nosso centro animador, participamos do permanente e do imperecível.
Se, ao contrário, apenas refletimos o transitório em nós, não há qualquer razão para sobrevivamos àquilo que, por sua própria natureza, é efêmero e fugidio, ou temporal, como dizem os místicos.
Em desacordo com os Iniciados, os místicos representam-se uma vida eterna distinta da que levamos neste mundo.
Eles não compreendem que a vida é, necessariamente, Una, e que vivemos, desde já, na eternidade.
O que os engana é que, com relação à nossa personalidade, a vida única se desdobra segundo apareçamos na cena da objetividade ou nos retiremos dele momentaneamente.
Estas fases de retiradas são marcadas pelo sonho e pela morte, estados similares dos quais um não é mais alarmante que o outro.
Enquanto dormimos, o ator que, para desempenhar seu papel, literalmente entrou em nossa pele desprende-se dela e volta a ser, momentaneamente, o mesmo. Mas, ao término de algumas horas, volta à cena até o dia em que renuncia ao teatro e não reaparece mais.
É então que se produz o que conveio chamar de morte, simples incidente à vista do princípio que pensa e trabalha em nós.
Como nada se pode perder ou destruir, toda atividade prossegue sob outro modo de aplicação.
Por isso a tradição maçônica considera o maçom morto como chamado a trabalhar em um plano superior.
Nele havia uma energia consagrada à Grande Obra, força indestrutível ao mesmo título que qualquer outra força.
Esta energia é independente do instrumento graças ao qual se manifesta entre nós.
Ela se transforma sem se extinguir; mas, mas se quisermos permanecer no terreno iniciático, convém não levar mais longe a afirmação.
Se nos referimos ao simbolismo do terceiro grau, estamos separados do mais além por um véu impenetrável.
Estamos organizados para trabalhar no domínio restrito que nos revelam nossos sentidos.
Dediquemo-nos, pois, à nossa tarefa, sem desejar nos distrair dela por uma curiosidade indiscreta no estado presente de nossa condição.
O obreiro (mergulhador) que se revestiu do escafandro à vista do trabalho que deve executar debaixo das ondas faria mal em lamentar não ver os vastos horizontes da superfície das águas.
Ele deve contentar-se com o pouco que percebe nas semitrevas do fundo lamacento no qual o retêm seus pés de chumbo.
O aparato de que é prisioneiro lhe permite operar em um meio que não é o seu; enquanto está ali encarcerado, o mergulhador abstrai-se de suas recordações do ar livre, a fim de dedicar-se integralmente ao seu trabalho.
Este é também nosso caso enquanto estamos materializados. É preciso então tirar o melhor partido possível dos órgãos de que dispomos, esforçando-nos por desempenhar conscientemente nosso ofício de mergulhadores.
Sem embargo, não se pede ao mergulhador que se convença de que toda sua vida se passe no fundo das águas.
Não desceu aí senão para cumprir uma missão que lhe impôs mais acima.
O mesmo não acontecerá ao misterioso ator que, em razão de uma causa elevada, ocultou-se em nossa personalidade?
Os antigos sábios não pretenderam jamais ser mais iluminados nesta matéria do que o comum dos mortais.
Eles não se vangloriavam de possuir qualquer sensibilidade anormal reveladora dos segredos do outro mundo ou da outra vida.
A meditação colocava-os no caminho das suposições razoáveis, sobre as quais preferiam guardar silêncio, deixando aos adivinhos e às pitonisas as divagações sobre aquilo que é normalmente incognoscível.
O que subsiste depois da morte é, de outra parte, a Recordação.
Deixar atrás de si uma memória honrada deve ser a ambição de cada um.
Por mais humilde que seja o papel, é preciso representa-lo bem, a arte de viver bem é o máximo de tudo: é a grande arte, ou Arte Real, à qual se consagram os Iniciados.
O que viveu bem se imortaliza, ainda que não seja senão sob a forma de uma influência atávica feliz, corrente destinada a fortificar-se, sobretudo se a descendência for fiel ao Culto dos Antepassados.
Este culto tem suas raízes num instinto muito seguro. Deu lugar a práticas pueris, mas é profundamente respeitável em seus princípios.
Devemos viver de maneira que deixemos atrás de nós um dinamismo do bem, herança mais preciosa que aquela sobre a qual o fisco percebe seus direitos.
Esta sucessão imaterial se abre, de outra parte, em benefício de todos os que souberam aproveitá-la, sem que nenhum dos interessados possa ser frustrado.
A influência benéfica assim exercida não depende do ruído que se pode fazer ao redor de uma personalidade.
O silêncio não tarda a se produzir sobre aqueles que mais fizeram falar deles.
A glória não gera senão uma mísera imortalidade, imagem caricata da verdadeira.
Saibamos viver bem, e a morte não será para nós senão o meio de viver para sempre.
A Sobrevivência
Aquele que deixa uma obra tem a sensação de que não morre por completo.
Desde que a humanidade foi capaz de reflexão, o homem que ainda não possuía nem arte nem indústria fez consistir a grande obra na reprodução da espécie.
Tudo o que se relaciona à geração fez-se sagrado.
Erigido em forma de menir, a imagem do órgão viril converteu-se no primeiro símbolo do poder criador; no seio da família, o pai sentiu-se divinizado, daí o patriarcado primitivo.
Morrer sem posteridade passava então por ser o pior dos infortúnios, como se morresse por completo quem não deixasse ninguém atrás de si, para honrar sua memória.
Mais tarde, o nômade fez-se sedentário e pareceu participar da vida da árvore que havia plantado.
O fundador de um lar converteu-se num deus doméstico, e o reconhecimento público divinizou da mesma forma o construtor de uma ponte, de um aqueduto ou o indivíduo que cavara um poço.
Os grandes chegaram então a desejar imortalizar-se por formidáveis e indestrutíveis construções que deviam lhes servir de túmulos.
As pirâmides são testemunhas desta pueril ambição.
Mais nobre é busca do Belo que obsidiou os humanos desde que se elevaram acima da animalidade.
A necessidade de ornamentar os objetos, dar-lhes uma forma harmoniosa, manifestase nos mais antigos vestígios do trabalho dos primitivos.
Esta necessidade formou artistas enamorados de sua obra, digna de ser admirada de maneira durável pelas gerações futuras.
Muito bem: não está morto quem realizou a beleza.
Esta revive em todos os que se atêm ao mesmo culto, em todas as almas que a harmonia faz vibrar e da qual se faz o intérprete.
Às artes plásticas somam-se, sob este ponto de vista, a música e a poesia.
Numa linguagem rimada que a memória retém com agrado os rapsodos cantaram as lendas confiadas à tradição oral.
A escrita, a seguir, permitiu fixar a palavra, e a arte de escrever apareceu desde então como um dos ofícios mais seguro da imortalidade.
Mas não é senão muito relativo o domínio da sobrevivência baseada em obras objetivas e tangíveis.
As obras-de-arte perecem, e esquecemo-nos de seus autores.
O que, ao contrário, não perece jamais é a ação boa e generosa realizada em benefício do grande número.
Ela procede de uma força sem cessar crescente que anima aos indivíduos.
Que estes desapareçam pouco importa, se a energia que obrava neles subsiste!
Desinteressemo-nos, pois, de uma imortalidade que se nos representaria como individual.
Nossa personalidade se vai extinguir e, se mais tarde os evocadores imaginarem entrar em relação conosco, não constituiriam senão um fantasma semelhante às noções que eles poderiam ter de nós.
Exaltando-se, terminariam, talvez, por tornar objetivo aquilo que tem em sua mente, porque toda necromancia não é senão uma fantasmagoria na qual o operador faz seus gastos.
Um Iniciado não evocará, pois, jamais um personagem, qualquer que seja.
O continente, a máscara (persona) não é nada a seus olhos; não se interessará senão pelo conteúdo, pela energia animadora que é a única imperecível.
Esta energia é atraída pelo desejo de trabalhar bem e de consagrar-se de corpo e alma à Grande Obra.
Quem, pois, trabalha em nós senão a força que animou aos nossos predecessores?
Hiram que ressuscita é uma realidade.
Saibamos meditar e compreender.
As Superstições Sacudindo o jugo dos preconceitos, a razão rebela-se contra tudo que não resiste à prova da crítica. Nada melhor.
Mas o juiz que condena está certo de encontrar-se inteiramente iluminado?
Nada existe sem sua razão de ser.
Aprofundemos, pois, antes de rechaçar. Este método não é revolucionário, mas é iniciático.
A juventude impaciente a ele não se conforma, mas a idade madura deve adotá-lo como regra.
O mestre não julga senão com perfeito conhecimento de causa.
Se penetrarmos naquilo que simboliza o cadáver de Hiram, não desprezaremos nada do que é humano.
Guardar-nos-emos particularmente de afligir com desdém irrefletido tudo aquilo que um racionalismo estreito se apressa demasiado em rechaçar como absurdo.
Nosso raciocínio nada tem de infalível, e sua clareza alcança apenas um raio limitado.
De outra parte, tudo está muito longe de ser explicado, portanto, uma prudente reserva se impõe, sobretudo, a respeito de crenças tenazes que se mantêm há século, a despeito das religiões reinantes e de todas as filosofias dos grandes talentos.
Estas são as superstições.
Muito bem: tomado em sua mais ampla acepção, este termo se aplica a tudo aquilo que sobrevive (superstes).
Toda superstição é, pois, uma sobrevivência: a sobrevivência de um costume ou de uma prática contém a noção do que primitivamente lhe deu nascimento.
Já não sabemos por que realizamos os atos sociais da vida corrente que, sem embargo, foram logicamente determinados em sua origem.
Atualmente, nós os realizamos mecanicamente, para obedecer ao costume e sem nos preocupar com sua justificativa racional.
Nossa vida é, assim, um tecido de superstições, muito inocentes em sua maior parte.
Outras o são menos, pois, longe de passarem despercebidas, chocam aos amigos da razão.
É aí que o Mestre-Pensador se distingue do Aprendiz que se exercita para raciocinar. Uma superstição chamará tanto mais a atenção dos espíritos reflexivos quanto mais esparsa, mais antiga e mais grosseira ela pareça.
É permitido, com efeito, dizer-se a priori que, se a verdade absoluta se nos escapa, não saberíamos, de outra parte, nos encontrar em presença de um erro total, ampla e duravelmente acreditado entre os homens.
Estes não aderem com obstinação, a despeito de todos os bons raciocínios, senão às noções que não são inteiramente falsas, mas cuja verdade inicial foi desfigurada.
Da mesma maneira que imperecíveis pepitas de ouro são carregadas pelo lodo dos rios, há verdade em meio à confusão grotesca das superstições.
Saibamos, pois, lavar o barro dos tempos, para dele desprender o metal precioso.
Não nos esqueçamos de que nossos ritos e nossos símbolos nos chegaram sob a forma de superstições, ou seja, de sobrevivências conservadas com piedade, enquanto ninguém conseguia lhes dar uma interpretação lógica.
De outra parte, o passado ainda não nos entregou todos os seus segredos. Merece ser estudado naquelas de suas sobrevivências que mais nos desconcertam.
Já, à luz de um conhecimento mais profundo das faculdades humanas, não demos de ombros perante a relação dos ensinamentos atribuídos aos feiticeiros.
Sabiamente, procuremos deixar de lado a parte das imaginações exaltadas, esforçando-nos em desprender o verossímil do fictício.
As crenças populares recolhidas até entre os selvagens proporcionam inestimáveis indicações sobre o que se poderia chamar de a revelação natural.
Existe ali um imenso domínio de investigação que o Iniciado não deve descuidar, se quiser realmente recuperar a Palavra Perdida.
O cadáver de Hiram está diante de nós: inclinemo-nos sobre ele, erguemo-lo e tragamo-lo à vida, infundindo a nossa naquele deseja somente falar para nos instruir.
A Construção Individual
É comumente admitido que a antiga iniciação conduzia, mais particularmente, aos grandes segredos que se referiam, em primeiro lugar, à existência de um Deus único, síntese de todas as divindades adoradas pelo vulgo e, em segundo lugar, à imortalidade da alma humana.
Como o método iniciático recusa-se a inculcar o que quer que seja, não é admissível que uma doutrina positiva haja sido ensinada no seio dos Mistérios.
O adepto tem por missão descobrir por si mesmo o que convém admitir como verdade.
Seus mestres guardam-se muito de formular dogmas que tenham a pretensão de resolver os problemas estabelecidos perante a inteligência humana.
O Iniciado consagra-se à perseguição incessante de uma verdade que sabe que não alcançará jamais.
Deixa, pois, às religiões e aos sistemas filosóficos o cuidado de satisfazer os curiosos que, incapazes de toda investigação pessoal, reclamam soluções autorizadas, garantidas por uma igreja respeitável ou por uma escola que goze do prestígio requerido!
Longe de evitar o trabalho de pensar, a iniciação incita à reflexão.
Estabelecer com lucidez os problemas importa-lhe muito mais que resolvê-los. Sem dúvida, interrogando os números conforme os preceitos pitagóricos, chegamos a conceber a unidade de um princípio universal ativo e inteligente.
É-nos permitido edificar sobre esta base metafísica de nossa eleição; mas não teremos o direito de erigir nossas visões pessoais em doutrina iniciáticas.
No que concerne ao Grande Arquiteto do Universo, é preciso dar-se conta de que esta expressão não contém nenhum modo de impor uma crença.
Os construtores deveram ser muito naturalmente levados a representar o mundo como uma grande oficina de construção.
Concluindo, do pequeno ao grande, não demoraram a se persuadirem de que tudo se constrói; o conjunto do trabalho da natureza não tende senão a construir seres cada vez mais perfeitos.
Esta concepção considera todo organismo como uma construção, e o próprio homem, por conseguinte, como um edifício animado.
O simbolismo maçônico coloca ainda mais longe a analogia, sugerindo que o microcosmo, o mundo a menor, se constrói a si mesmo, em tudo igual ao macrocosmo, o mundo a maior.
Teríamos, pois, em nós, um arquiteto que obra em sua esfera, segundo a vontade do Grande Construtor Universal.
Os Hermetistas, cujas alegorias se inspiram na química, fazem residir a energia construtiva de todo indivíduo naquilo que eles chamam de Enxofre, ardor interno expansivo que determina o desenvolvimento do gérmen, o crescimento e a completa expansão do ser.
Tal princípio misterioso passa de potencial a atual por efeito da fecundação.
Esta produz uma rápida multiplicação da célula fecundada, cuja descendência se diferencia cada vez mais, adaptando-se às funções complexas da coletividade que se constitui.
Cada um de nós é uma humanidade a menor, descendente de um óvulo originariamente macho e fêmea. É assim mesmo possível encontrar, na vida intrauterina, a fase correspondente ao estado edênico da lenda bíblica.
Como quer que seja, o organismo edifica-se, não ao acaso, mas sob certas regras de arte que tendem a formar um indivíduo normal, robusto e bem adaptado ao papel que deve desempenhar.
Existe nisso regras gerais de arquitetura impostas pela tradição da espécie.
Tudo acontece como se o gérmen individual obedecesse a uma sugestão construtiva, chamando cada célula a exercer uma função determinada no interesse do conjunto.
Há nisso intenção e previsão ou, falando de outro modo, execução de um plano preconcebido.
Isso é verdade em toda construção vital, por ínfima que ela seja. O menor vegetal procede de uma idéia-tipo, segundo a qual se constrói.
A construção humana, mais complexa, inspira-se também em um tipo geral e durável, país, raça, particularizando-se de uma maneira mais efêmera em famílias.
O indivíduo é o produto transitório e repetido de uma causa construtiva permanente.
Guardemo-nos, pois, de ceder diante dessa pobreza de espírito que confunde o Grande Arquiteto do Universo com o Deus dos crentes.
A construção universal é uma realidade.
Os seres grandes e pequenos constroem-se cada um segundo o plano ideal de sua espécie, modificado em seus detalhes, a fim de corresponder à sua destinação particular (destino) dos indivíduos.
Não se trata de iludir os problemas, mas de buscar a solução com toda liberdade de espírito. Para aprofundar o mistério, é preciso fixá-lo, e não apenas rodeá-lo.
Para o Pensador tudo é matéria de reflexão: não teme nem se aventurar na obscuridade para colher nas sombras aquilo que procura, nem submergir nas trevas do insondável, se delas deve retirar elementos de luz. Hiram só ressuscita, surgindo da tumba.
Comentários
Postar um comentário