BETA ISRAEL: O RESGATE DOS JUDEUS NEGROS

Há 27 anos, uma massiva operação do governo israelense concluía a retirada dos judeus da Etiópia, reconhecidos como israelenses.

Em 21 de novembro de 1984, uma operação massiva de transporte humano começava na Etiópia. Envolvendo 30 aviões, mercenários, a CIA e o governo do Sudão, Israel conduzia uma tentativa de retirar todos os judeus da Etiópia.

Os chamados Beta Israel pertencem a uma das comunidades de judeus negros espalhadas pelo continente africano. Há também os lembas em Zimbábue e na África do Sul, os igbos, na Nigéria, e os ybir ou yeber, na Somália, além de outras tribos em Moçambique, Camarões, Costa do Marfim, Gana e Quênia.

Eles já eram conhecidos dos judeus europeus desde o século 19, quando missionários britânicos que viajavam pela Etiópia encontraram as primeiras tribos. 

Em 1947, foram oficialmente reconhecidos pelos rabinos-chefes de Israel, antes mesmo de o país ganhar sua independência.

“Muitos nunca haviam saído de seus vilarejos e se espantaram ao ver um judeu branco”, diz Cecília Ben David, professora de cultura judaica da Casa de Cultura de Israel, em São Paulo.

ORIGEM

A origem dos judeus negros não está clara e se mistura com a mitologia bíblica. A família real etíope, deposta pelos revolucionários em 1974, dizia-se descendente de Makeda, a rainha de Sabá, com o rei Salomão, de Israel (que na Bíblia aparecem conduzindo relações meramente diplomáticas). Os nobres etíopes se converteram ao cristianismo no século 4 d.C., enquanto os beta israel se diziam remanescentes dessa relação entre realezas.

Se a origem de algumas tribos é mitológica, a de outras têm comprovação científica. É o caso dos lembas, que tiveram sua origem semita comprovada por DNA numa pesquisa, liderada por Tudor Parfitt, professor de estudos judaicos modernos da Universidade de Londres, na Inglaterra, e autor do livro As Tribos Perdidas de Israel – A História de um Mito. Segundo o pesquisador, são descendentes dos cohanim, uma família de sacerdotes judeus da tribo israelita de Levi. 

“Eles alegavam ser de uma das tribos perdidas de Israel e traziam um objeto sagrado, semelhante a uma arca, que seus sacerdotes guardavam zelosamente. Com a ajuda de uma equipe de Oxford, constatei que o objeto era de 1350”, afirmou Parfitt em entrevista publicada no site da SOAS (School of Oriental and African Studies ou Escola de Estudos Orientais e Africanos, da mesma universidade para a qual trabalha).

A arca se referia a um barco do clã buba, que também compartilha dos mesmos ancestrais dos cohanim. Outra pesquisa feita por Parfitt concluiu que grande parte das comunidades judaicas ao redor do mundo vêm do Levante, isto é, do atual território de Israel e vizinhanças.

A única exceção são os etíopes, que não teriam raízes israelitas. “Sua forma de judaísmo foi uma das que se desenvolveram no país. Ou seja, os judeus não foram para a Etiópia em tempos antigos, mas o judaísmo sim”, disse. 

Nos Estados Unidos há judeus negros que migraram na 2ª Guerra. Não existem registros de tribos em solo brasileiro, mas os judeus negros provavelmente foram trazidos para cá durante a escravidão. “Tantos cristãos-novos (judeus convertidos) de Portugal foram parar em alto mar após as perseguições da Inquisição que é provável que muitos tenham chegado aqui, assim como em Guiné, Congo e Angola, onde era menor o alcance inquisitorial”, diz Glasman.

RESGATE

A Etiópia foi um dos países onde a Guerra Fria foi travada com napalm. Desde 1974, estava em guerra civil, envolvendo o governo revolucionário contra dissidentes e separatistas da Eritreia. Como resultado, as perseguições religiosas e a fome fizeram com que cerca de 8 mil judeus etíopes fossem salvos pela Operação Moisés (em homenagem ao profeta bíblico). 

Em 1984, mais de 30 voos da Trans European Airways foram responsáveis por levar os judeus para Israel atráves do Sudão. Tudo foi realizado de maneira ultra secreta. A antiga companhia aérea havia realizado voos que vinham Sudão, com muçulmanos – seria uma ótima maneira de não despertar a atenção das autoridades.

Antes do resgate, muitos judeus fugiram da Etiópia a pé para os campos de refugiados do Sudão – a jornada era de duas semanas a um mês. No entanto, devido a violência e uma série de doenças, 4 mil deles perderam suas vidas durante o trajeto.

A operação só acabou de fato no dia 5 de janeiro de 1985, quando o então primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres, confirmou que os judeus foram transportados em aviões. Peres pediu que o assunto não fosse comentado na mídia, todavia, era tarde.

O assunto se espalhou e o Sudão foi pressionado por autoridades árabes – queriam o país impedisse o transporte aéreo. Os judeus que não conseguiram sair da Etiópia seriam salvos pela Operação Josué.

A operação Moisés Wikimedia Commons

Ocorrendo no ano seguinte, a Operação Josué foi liderada pelos EUA, ao total, mil judeus foram salvos pela ação – número pequeno se comparado à Operação Salomão.

A terceira operação resultou no resgate de mais de 14 mil emigrantes para a capital israelense, Tel-Aviv, entre 24 e 25 de maio de 1991. O plano foi executado com um Boeing 747 carregando 1.088 pessoas, mais que o dobro de sua capacidade, ou seja, quase uma missão impossível. De 1980 a 1992, cerca de 45 mil judeus etíopes migraram para Israel.

Ao chegar em Israel, os judeus etíopes foram alojados e receberam assistência médica.Todavia, o lento processo de integração a sociedade, gerou discriminação e racismo contra os beta israel ao passar dos anos. 

Um incidente ocorrido nos anos 90 causou um sentimento de discriminação entre os judeus negros. O sangue doado por israelenses etíopes foi descartado pelo banco de sangue nacional de Israel. As autoridades israelenses tinham medo de uma possível transmissão de HIV. Excluídos da sociedade, muitos desses judeus vivem nas periferias, que encara altos níveis de desemprego e possuem poucos recursos públicos. Hoje, existem mais de 121.000 beta israelenses vivendo em Israel.

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