O profeta Jonas não existiu?
Sim e não!
O livro de Reis fala de um profeta Jonas, filho de Amati, que era de Gad-Ofer (2Rs 14,25). Esse Jonas atuou aproximadamente no ano 400 a.E.C, período da reconstrução do país, após a catástrofe do exílio da Babilônia (587 a 536 a.E.C.).
Considerando esse contexto, o autor do livro de Jonas, ainda que fale de uma realidade que aconteceu 300 anos antes, denuncia a mentalidade exclusivista dos judeus, exacerbada por Neemias e Esdras, os quais pregavam uma raça pura de judeus baseada na Lei de Moisés.
O povo não podia suportar estrangeiros no meio dos puros judeus. Esdras obrigou os homens casados que voltaram da Babilônia a abandonar as mulheres estrangeiras. Tudo aconteceu, conforme relata o capítulo dez do livro de Esdras, numa tarde chuvosa e melancólica.
Jonas denuncia os pecados da cidade de Nínive, capital da Assíria (1,1-2), país que destruiu o Norte do país por volta de 722 a.E.C. Nínive ficou na memória do povo de Israel como símbolo das crueldades do sistema opressor assírio (Is 10,5-15; Sf 2,13-15). O livro propõe ao povo de Nínive a penitência (3,7-9). Deus terá misericórdia para com Nínive (3,10), que representa o opressor. Basicamente, o livro atribuído a Jonas quer discutir a universalidade da salvação e a conversão. Deus salva e ama o opressor convertido.
A salvação não é somente para o povo judeu. O sinal de Jonas é a inclusão, a universalidade da salvação, a conversão e o perdão.
Por isso, Jesus sabiamente aplicou essa visão a Ele. E acrescentou: “Está aqui algo mais do que Jonas”.
O apócrifo Vida dos Profetas conta que Jonas, no final de sua vida, deu um sinal sobre Jerusalém e o país inteiro que, quando ouvissem uma pedra gritar amargamente, o fim estava próximo. [3]
Deus chama Jonas para profetizar, mas ele foge. Ele prefere ir para uma Colônia de férias, a cidade de Társis. E para lá embarca. No barco para Társis, ocorre uma terrível tempestade, o capitão e os marinheiros que o interrogam representam Deus que continua desafiando Jonas. Uma tempestade assola os viajantes.
Para salvar a todos, Jonas propõe que ele seja jogado ao mar.
No fundo do mar, lugar do mal e das incertezas, Jonas cai justamente no interior de um peixe grande, a imaginária baleia, e ali fica por três dias e três noites.
Nesse momento, Jonas toma consciência de seus atos, mergulha no silêncio de si mesmo, enfrenta o monstro do mar, lugar do perigo, que mora dentro dele mesmo.
Da leitura do livro como sendo uma parábola resulta que Jonas somos todos nós, quando cultivamos medos que nos impedem de seguir adiante.[4] Medo de sair proclamando a Palavra que liberta. Medo de mergulhar no Sagrado, de assumir as responsabilidades que a vida nos impõe. Jonas, em hebraico, Yoná, significa pomba de asas aparadas.[5]
Jonas nos convoca a mergulhar nos mais profundo de nós mesmos, a fazer uma viagem interior ao túnel do tempo, para superar traumas e recobrar forças para viver o presente intensamente.
Jonas é todo aquele que prefere ficar na baleia, descansando sem assumir a sua missão de anunciar a misericórdia, a conversão e o perdão para todos. Ele não crê que o opressor possa se salvar.
O outro personagem que Jesus também se diz maior é muito conhecido na época.
Trata-se de Salomão, filho de Davi com a Betsabeia, a mulher de Urias, aquele soldado que ele mandou para o front da guerra para morrer.
Salomão foi rei em Israel entre 979 a 932 a.E.C.
Ele fez construir um Templo em Jerusalém e nele colocou a arca da aliança. O Templo se tornou uma empresa de sacerdotes funcionários do Rei. Diplomata, devido aos vários casamentos com mulheres estrangeiras (300 mulheres e 700 concubinas), Salomão impôs às tribos do Norte o pagamento de impostos para manter a capital do reinado, Jerusalém. Salomão desenvolveu o comércio internacional. Ele construiu grandes e luxuosos palácios para suas esposas com o fruto dos altos tributos recolhidos do povo. Com Salomão, a economia de Israel e as relações internacionais prosperaram.
A paz reinou por 40 anos. Jerusalém se tornou o centro da fé judaica.
Todos iam a Jerusalém para ver Deus e o rei. Salomão passou para história como rei sábio, mas também como opressor.
Em que Jesus é maior do que Jonas e Salomão?
Para falar de sua missão redentora, Jesus relaciona o fato de Jonas ficar três dias e três noites na baleia com a sua morte. Ele morreria, visitaria a mansão dos mortos, o Xeol, para resgatar para a vida os mortos que ali estavam, e ao terceiro dia ressuscitaria. Jesus é maior do que Jonas porque ele propõe e vive a experiência da misericórdia eterna.
Já em relação a Salomão, Jesus tem consciência de que Ele não é rei como Salomão, mas um rei justo, que julga com a sabedoria que vai além da opressão contra o seu povo. Jesus será o rei juiz no fim dos tempos, quando saberá julgar com sabedoria e misericórdia para com todos.
Aos mestres da Lei e aos fariseus, os quais impunham o rigorismo da Lei para o povo, pois eram de índole má e desvirtuada (adúltera), Jesus propõe o eterno sinal da misericórdia e do amor.
O sinal eterno do Deus de Jonas, que é o mesmo de Jesus, é o da misericórdia com os que voltam para o caminho do Amor.
Quem tem medo, como o Jonas da parábola, não fala o que pensa. Quem fala que o pensa cultiva amigos e inimigos! Jesus sabia disso, por isso foi e é maior que Jonas.
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ
[2] Para entender o alcance o número três, sugiro assistir ao nosso vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4Pi03rn7MQo&t=157s
[3] FARIA, Jacir de Freitas, Profetas e profetisas na Bíblia. História e teologia profética na denúncia, solução e esperança, perdão e nova aliança. Teologia Bíblicas, v. 5. São Paulo: Paulinas, 2006, p.73-74.
[4] FARIA, Jacir de Freitas, Profetas e profetisas na Bíblia. História e teologia profética na denúncia, solução e esperança, perdão e nova aliança. Teologia Bíblicas, v. 5. São Paulo: Paulinas, 2006, p.28-29.
[5] LELOUP, Jean-Ives, Caminhos da realização. Dos medos do eu ao mergulho do ser, Petrópolis: Vozes, 2000, p. 17-79.
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