UM CLÁSSICO MAÇÔNICO NUNCA MORRE…


A Maçonaria brasileira vem vivendo uma fase de transição, o que tem proporcionado transformações nas obediências, suas relações, práticas dos ritos, posturas sociais, cultura organizacional, etc. 

Termos como Maçonaria Executiva surgem nessa fase, numa tentativa de nominar e alavancar essa transição. 

E a educação maçônica, parte integrante e fundamental da maçonaria enquanto uma escola de moral, vem experimentando tal transformação, com o surgimento de cursos, ferramentas e o início de uma nova literatura maçônica, mais próxima da escola autêntica.

Nesse contexto, obras maçônicas clássicas, algumas com mais de 200 anos, têm ganhado a atenção de tradutores. Entre elas, podemos citar Maçonaria Dissecada, de Samuel Prichard; Constituição de Anderson, de James Anderson; Ahiman Rezon, de Laurence Dermott; Esclarecimentos de Maçonaria, de William Preston; O Monitor dos Franco-Maçons, de Thomas Smith Webb; Moral e Dogma, de Albert Pike; algumas obras de Albert Mackey; dentre outras. Eu mesmo dediquei-me a traduzir e comentar uma dessas obras clássicas, no caso a Ahiman Rezon.

Mas, considerando o histórico maçônico brasileiro de casos claros de endeusamento e fanatismo com clássicos e seus autores, o que sugere que bom senso e senso crítico não são itens que já vêm de fábrica em todos os irmãos, faz-se necessário expor um alerta.

O histórico a que me refiro é quanto a Constituição de Anderson, cujo alerta foi feito em 2015

Apenas alguns anos depois do lançamento de sua segunda edição, ainda no século XVIII, a então Grande Loja da Inglaterra necessitou e realizou a promulgação de uma nova constituição, sem qualquer participação de Anderson. Já são mais de 250 anos que a Constituição de Anderson, por aberrações em seu conteúdo, não é mais adotada. 

Entretanto, não é raro deparar-se com uma legislação maçônica brasileira que declara aceitar “sem reservas” a Constituição de Anderson, mesmo havendo vários pontos de conflito entre a mesma e sua própria legislação. Não bastasse, cobra submissão à Constituição de Anderson em certos juramentos.

A Constituição de Anderson não tem qualquer valor legal, nem mesmo na Inglaterra, há séculos. Seu valor atual é apenas e exclusivamente histórico. O mesmo ocorre com a Constituição dos Antigos, a Ahiman Rezon, que tive o prazer de traduzir e comentar. Ninguém deve segui-la, muito menos jurar segui-la!  

E assim como essas duas constituições maçônicas não têm mais valor legal, mas apenas histórico, servindo de base para estudos e compreensões, o mesmo se aplica aos demais clássicos. 

Autores como Preston e Webb, do século XVIII, foram retificados por autores como Mackey e Pike, no século XIX. Estes foram retificados por outros como Coil e de Hoyos, no século XX. E esses, com certeza, serão retificados por novos autores neste século XXI. 

Trata-se da ordem natural das coisas.

Pegando a medicina como exemplo, não há comparação entre um livro de anatomia do século XVIII e um do século XX. 

Houve uma série de avanços, descobertas e novas compreensões, reduzindo muito do achismo, crendices e romantismo que permeavam a Medicina no século XVIII. 

O livro de anatomia do século XVIII é um clássico, uma referência antiga para fins de compreensão da evolução histórica da medicina, um marco a ser lembrado e respeitado. Mas não deve servir de base de estudos para um estudante de Medicina. Seu conteúdo não pode ser levado como uma verdade absoluta e imutável por qualquer estudante ou profissional da área. E o mesmo ocorre com os clássicos maçônicos.

A Constituição de Anderson não é uma lei válida, muito menos um princípio de regularidade. 

Moral e Dogma não é a visão oficial do Supremo Conselho “Mãe do Mundo”, muito menos a Bíblia do Rito Escocês. 

Os Landmarks de Mackey não são adotados pela maioria das obediências regulares do mundo, muito menos são universais. 

Nenhuma obra desses autores é palavra final sobre esses assuntos, mas apenas as primeiras relevantes, e por serem as primeiras, são clássicas. 

Servem de ponto inicial de análise, de parâmetro de comparação evolutiva, de primeiros degraus de uma escada infinita ainda em construção.

Voltando à Ahiman Rezon, é a chave para a compreensão da rivalidade entre Antigos e Modernos e as variações nos ritos maçônicos. 

Mas se alguém a ler sem ler e estudar Anderson, Preston, Antigos x Modernos, e os ritos maçônicos atuais, nada compreenderá ou tirará de útil.

A leitura de uma obra clássica sem o acompanhamento de outras obras, inclusive mais atuais, é como um ponto solitário, que não forma uma linha, muito menos um sólido. 

E é solidez que se espera na construção do pensamento maçônico. Um clássico nunca morre. Então não morra nele.  

Comentários

  1. É fundamental aos MAÇONS a “busca constante da verdade” e a capacidade de reformular seus conceitos e convicções. Só conseguimos buscar e reformar nosso conhecimento sobre a Doutrina e Filosofia maçônica, se nossa busca estiver consolidada nos princípios e bons costumes hodiernos. Os escritores ditos “antigos” foram e são importantes para o entendimento historiográfico da ORDEM MAÇÔNICA, mas, o que outrora era regra, não mais se aplica na atualidade.
    Essa ponte, esse raciocínio, é claramente entendido em suas escritas ...

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