O patriarca Abraão e a tradição Maçónica

abraão

Sai da tua terra e da tua parentela, e da casa do teu pai e vai para a terra que eu te mostrar. E eu farei de ti um grande povo e te abençoarei e engrandecerei o teu nome (…)”

Génesis 1;12.

Foi na terra dos magos que o patriarca Abraão,
Ao buscar por entre estrelas a luz da sabedoria,
Teve nesse dia uma sagrada e divina inspiração:
A de que no universo um Deus somente havia.

Mas aqueles sacerdotes que viviam na Caldeia,
Estavam enriquecendo no comércio da religião;
Daí não gostaram nem um pouquinho da ideia,
E foram logo expulsando o sábio mago Abraão.

Foi então que ele saiu daquela terra dos caldeus,
E se fixou no vale verde cujo nome era Hebron,
Onde fundou a tribo conhecida como hebreus.

Foi na Palestina dos ferozes e ímpios cananeus,
Nesse vale sagrado por onde corre o rio Jordão,
Que o mundo conheceu o seu verdadeiro Deus.


Abraão, o iniciado

A Bíblia informa que o primeiro nome do patriarca fundador da nação israelita era Abrão. Este era um nome comum entre os pastores da Mesopotâmia. 

Abrão era um pastor de cabras e ovelhas, até que Deus o escolheu para ser “pai de uma multidão”, ou seja, o patriarca genitor de vários povos que se espalharam pelo Oriente Médio, e especialmente do povo de Israel, povo que mais tarde seria escolhido por Deus para ser o seu modelo de nação. Então, depois dessa escolha e da aliança que foi firmada entre Deus e Abrão, quando este tinha noventa e nove anos, este passou a chamar-se Abraão, que significa “pai de multidões”.

Esta é uma propriedade que a língua hebraica tem. 

As palavras, em hebraico têm valores numéricos que são interpretados segundo as disposições das letras e dos sons que elas formam. 

A simples adição de uma vogal ao nome de uma pessoa faz com que ela mude completamente de significado. 

Assim, Abrão, que era apenas o pai de um clã, com a adição de um a, passou a ser Abraão, o pai de uma multidão.

Até os noventa e nove anos(número que também tem as suas implicações cabalísticas), Abrão foi um homem comum, embora já desde criança tivesse sido escolhido por Deus para uma importante missão. 

Mas ao que parece, antes de receber de Deus a consagração e o prémio da sua missão, ele teve que realizar uma longa jornada iniciática pelas terras que receberiam a sua semente, e não raras vezes teve que intervir pessoalmente para garantir os resultados da tarefa que lhe fora confiada aos setenta e cinco anos de idade, quando saiu de Haran, cidade onde morava com a sua família, para se estabelecer na terra de Canaã, por ordem expressa de Deus.

99 é o número que antecede o 100, múltiplo de 10, o número perfeito. Abrão não poderia ser consagrado antes de atingir a “idade da perfeição”. 

Daí as suas experiências e aventuras, conforme narradas na Bíblia se assemelharem à uma verdadeira jornada iniciática, as quais constituem aventuras espirituais realizadas justamente para aprimorar o carácter do indivíduo para levá-lo a um estado de superação da sua condição material. 

Este é o estado que todo místico precisa obter antes de receber a sua “iluminação”.

Quem era Abrão antes de receber a promessa da Aliança e qual realmente teria sido a sua real importância no contexto geral da história da civilização e das ideias que influenciaram a formação do espírito universal, especialmente entre os povos do ocidente?

Tudo que sabemos sobre ele é o que consta das crónicas bíblicas e dos comentários que sobre esses textos os intérpretes e comentadores da Bíblia fizeram. 

Nenhum documento escrito, nenhuma referência arqueológica, nenhuma outra informação que sequer informe quando e onde teria vivido esse que teria sido o primeiro patriarca do povo que mais tarde, já nos tempos de Moisés, teria sido escolhido por Deus para ser um modelo de perfeição entre as nações.

A Bíblia registra que Abraão é um descendente de Noé, tendo nascido na décima geração desse patriarca, após o dilúvio. 

Embora não de modo explícito, ela sugere que Abrão já era um devoto da divindade que mais tarde iria ser cultuada pelo seu povo como sendo o verdadeiro e único Deus do universo. 

Este era o mesmo Deus que teria instruído Noé para fazer a arca, e teria mantido com a família do patriarca uma relação de amizade, fidelidade e favorecimento, distinguindo o clã de Abraão entre todas as famílias da terra.

Não é sem propósito que Abrão tenha nascido na décima geração dos descendentes de Noé, pois dez é o número perfeito, como já se informou. 

Assim, dez gerações teriam que ser contabilizadas até que o descendente adequado para a missão que Deus queria realizar entre os homens nascesse. 

Esta tradição, de contar as gerações de dez em dez, para situar os acontecimentos marcantes da linhagem de Israel, parece ter sido uma orientação fundada em alguma crença astrológica que via os acontecimentos cósmicos benéficos ocorrendo conforme esse segmento de tempo, da mesma forma que a sequência de seis era maligna. 

Desta forma, encontraremos dez gerações (do bem) de Adão até Noé e dez gerações de Noé até Abrão. 

Destarte, são seis as gerações do mal, contabilizadas a partir de Caim.

Curiosamente, o evangelista Mateus passou a contar as gerações sagradas de catorze em catorze desde Abrão até Jesus. 

Não conseguimos identificar uma possível fonte das suas informações pois elas não constam do Velho Testamento nem da literatura rabínica produzida paralelamente. Todavia, Lucas contabiliza 72 gerações a partir de Adão até Jesus. 

Onde ele conseguiu essas informações não fazemos a menor ideia, mas se lembrarmos que 72 é o número dos anjos (semanphores) ou espíritos, que servem na presença de Deus, talvez possamos ter uma pista dessa curiosa genealogia sagrada que resultou na pessoa de Jesus Cristo, chamada pela Cabala pelo sugestivo nome de Shekinah.

Abraão e a tradição maçónica

Os comentários rabínicos posteriores, constantes do Talmude e principalmente dos textos cabalísticos retratam Abraão como sendo um sábio imerso em contemplações metafísicas ou um visionário, muito próximo dos magos caldeus retratados na literatura mesopotâmica. 

Segundo estes textos ele, ainda jovem, intuiu a existência de uma só divindade e passou a integrar toda a realidade divina num único conceito que seria o de Jeová, deus acreditado pelos povos pastores do norte da Mesopotâmia, e que era representado, não por espíritos da natureza ou por qualidades humanas, como faziam os demais povos, que através dos seus ídolos, reverenciavam as forças da natureza e o poder dos seus reis, mas sim por um conceito abstracto, que encarnava hierarquia, poder e origem sobrenatural do homem. 

Esta ideia simbolizava, ao mesmo tempo, o patriarca da família, na sua natural posição hierárquica e a ascendência divina da família, representada por uma origem recenseada a partir do primeiro homem que Deus colocou na terra, ou seja, Adão. 

Isto dava força à pretensão de Israel, pois a sua linhagem se originava na própria divindade e o seu direito de propriedade era oriunda do próprio Deus, por que Ele prometera aquela terra a Abraão e a sua descendência. 

Nasceria, dessa forma, o conceito de fratria, ou seja, a ideia de um clã unido pelos laços do sangue e da tradição, que mais tarde daria sedimento ao conceito de Fraternidade, que Moisés iria usar para dar ao povo de Israel uma organização de verdadeira Maçonaria.

O proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino, pode ser considerado como uma espécie de vivência maçónica bastante peculiar. 

Tanto é que o rito do Arco Real se refere à Loja presidida por Moisés no Monte Horeb como sendo a primeira Loja maçónica do mundo.

Esta é a razão pela qual os maçons adotaram tantos símbolos e referências à cultura israelita e também o motivo de os encontrarmos disseminados por todos os graus do moderno catecismo maçónico. 

Estas inferências não se devem apenas a admissão de judeus na Ordem, como de ordinário acreditam alguns autores, mas porque a própria cultura maçónica desenvolveu-se a partir do núcleo israelita e busca recompor, no simbolismo e no objectivo contido na ideia de fraternidade praticada pela Maçonaria moderna, os mesmos sentimentos que motivaram a fundação da antiga nação de Israel. 

Desta forma, podemos dizer que se existe um arquétipo inspirador para a Arte Real hoje praticada, esse é a Israel bíblica. 

A nação que ele fundou constitui um verdadeira obra de Arte Real, cuja estrutura seria, mais tarde, construída por Moisés e receberia o acabamento feito por Salomão. 

Mais tarde esse edifício seria reformado por Zorobabel, o Aterzata, e sofreria depois uma reforma total através de Jesus, o mestre carpinteiro de Nazaré.

É por isto que tanto a tradição gnóstica, derivada dos ensinamentos da Cabala, quanto a sabedoria contida nos textos gnósticos, cultivados pelas vertentes espiritualistas da Maçonaria e da Teosofia, vêem em Abraão um mago conhecedor dos grandes segredos arcanos, especialmente o Verdadeiro Nome de Deus. Para os místicos o Nome de Deus é uma palavra que contém, no número formado pela sua composição gráfica, somado ao valor numérico resultante do som produzido pela sua correcta pronúncia, um poder extraordinário.

A ideia de que certos sons contém poder é uma antiga crença existente em quase todos povos antigos. 

Na Índia, por exemplo, a palavra Om, é um mantra poderoso. 

Foi, aliás através do som das trombetas que as muralhas de Jericó ruíram para que o exército israelita pudesse invadi-la.

Segundo os cultores da Cabala mística foi com esse poder, emanado da escrita e da pronúncia do seu Nome, que Deus teria dado surgimento à matéria universal, a partir da sua própria essência espiritual, sendo o seu grito inicial “Haja Luz”, o chamado Big-Bang dos cientistas. 

A partir daí todas as manifestações de criação divina no mundo das realidades manifestas são precedidas da pronúncia desse Nome Inefável. Por isso o próprio Deus o proibiu de ser pronunciado em vão num dos mandamentos do Decálogo, pois essa acção dá impulso a um acto criador, que somente a Deus é permitido.

Para os cabalistas, foi Abraão quem transmitiu ao povo de Israel as informações sobre a criação do mundo, que constam do Génese, as quais teria obtido junto aos sábios mesopotâmicos quando ainda habitava em Ur dos caldeus. 

Estas informações seriam aquelas contidas na literatura suméria, mas somente Abraão conseguiu entender o verdadeiro significado dessas lendas da criação e registrou as suas observações no chamado “Livro da Criação”, ou Sefer Yetzira, obra cabalística por excelência, que desvenda o segredo da criação do mundo.  

Abraão revela que Deus criou o mundo a partir das combinações feitas com as letras e o som do seu Verdadeiro Nome, que resultou nas dez emanações da Árvore da Vida, que são as dez famosas sefiroths.

Embora Abrão não seja citado na Maçonaria como autor de obras arquitectónicas de vulto, que lhe conferisse um lugar de destaque entre os mestres maçons cultuados nas lendas maçónicas, como Seth, Enoque, Ninrode, Salomão e Hiram Abiff, o nome do patriarca hebreu não pode ser esquecido quando se tradição maçónica. Abraão é o pai da nação de Israel, obra maçónica por excelência, e em termos de espiritualidade, a verdadeira essência da Arte Real.

João Anatalino Rodrigues

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