A espiritualidade do ser humano

 


O homem é um ser da natureza, mas, ao mesmo tempo, transcende-a. 

Ele compartilha com outros seres naturais tudo o que se refere ao seu ser material, mas difere deles porque possui dimensões espirituais que o tornam uma pessoa.

Segundo a experiência, a doutrina cristã afirma que no homem existe uma dualidade de dimensões, material e espiritual, numa unidade de ser, porque a pessoa humana é um único ser composto de corpo e alma. 

Além disso, ele afirma que a alma espiritual não morre e que está destinada a se reunir com seu corpo no fim dos tempos.

Esta doutrina está na base de toda a vida cristã, que seria completamente desfigurada se a espiritualidade humana fosse negada.

O Ápice da Criação Material

Diz-se por vezes que nenhuma ordem pode ser estabelecida entre os seres naturais, como se uns fossem mais perfeitos que outros, e acrescenta-se que, no fundo, tal classificação incorreria no defeito de ser "antropocêntrica", pois buscaria colocar o homem, de forma egoísta, em primeiro lugar da natureza. justificando um uso indiscriminado de outros seres.

No entanto, deixando de lado detalhes que interessam apenas às ciências e sem tentar justificar qualquer uso da natureza, é evidente que a Igreja descreve uma realidade ao afirmar que entre as criaturas existe uma hierarquia que culmina no homem. 

"A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos 'seis dias', que vai do menos perfeito ao mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas (cf. Ps. CXLV, 9), cuida de cada uma, mesmo dos pardais. 

Mas Jesus diz: «Vós valeis mais do que muitos pardais» (Lc XII, 6-7), ou ainda: «Quão melhor é um homem do que uma ovelha!" (Mateus. XII, 12)" * (1).

A Igreja ensina que a criação material atinge seu clímax no homem: "O homem é o ápice da obra da criação. A narrativa inspirada exprime-o distinguindo claramente a criação do homem da criação de outras criaturas (cf. I, 26)"* (2).

A criação material encontra seu sentido no homem, a única criatura natural capaz de conhecer e amar a Deus e, portanto, de ser feliz. 

O mundo material torna possível a vida humana e serve de canal para o seu desenvolvimento. 

Por isso, a Igreja afirma que "Deus criou todas as coisas para o homem (cf. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 12, 1; 24, 3; 39,1), mas o homem foi criado para servir e amar a Deus e para oferecer-lhe toda a criação"* (3).

O homem está acima do resto da natureza e pode dominá-la, embora deva exercer esse domínio de acordo com os planos de Deus. 

O Papa João Paulo II afirma: "É manifesto a todos, sem distinção de ideologias sobre a concepção do mundo, que o homem, embora pertença ao mundo visível, à natureza, difere de alguma forma dessa mesma natureza. De fato, o mundo visível existe "para ele" e o homem "exerce domínio" sobre o mundo; Mesmo sendo "condicionado" de várias maneiras pela natureza, ele a "domina", graças ao que é, às suas capacidades e faculdades espirituais, que o diferenciam do mundo natural. São precisamente essas faculdades que constituem o homem. Neste ponto, o livro do Gênesis é extraordinariamente preciso: ao definir o homem como 'a imagem de Deus', deixa claro para que serve o homem, por que ele é um ser distinto de todas as outras criaturas do mundo visível" (4).

Imagem de Deus

Todas las criaturas reflejan, de algún modo, las perfecciones divinas. Pero, entre los seres naturales, sólo el hombre participa del modo de ser propio de Dios: es un ser personal, inteligente y libre, capaz de amar. La Sagrada Escritura, al narrar la creación, lo pone de relieve diciendo que el hombre está hecho a imagen de Dios: «Dios creó al hombre a su imagen, a imagen de Dios lo creó, hombre y mujer los creó (Gen. I, 27). El hombre ocupa un lugar único en la creación: «está hecho a imagen de Dios»»* (5).

A imagem de Deus é dada no homem, independentemente do sexo, como observado no relato inspirado de que a pessoa humana foi criada por Deus como homem e mulher.

Que o homem é a imagem de Deus significa, antes de tudo, que ele é capaz de se relacionar com Ele, que ele pode conhecê-lo e amá-lo, que ele é amado por Deus como pessoa. 

"De todas as criaturas visíveis, só o homem é 'capaz de conhecer e amar o seu Criador' (Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 12, 3); ela é a "única criatura na terra que Deus amou por si mesma" (Ibid., 24, 3); somente ele é chamado a participar, pelo conhecimento e pelo amor, da vida de Deus. 

Foi para isso que foi criada, e esta é a razão fundamental de sua dignidade"* (6). Quando olhamos para os fatores que distinguem o homem dos outros seres naturais, este é o fundamental: o homem é capaz de se relacionar com Deus; É certo que existem outras diferenças importantes, mas nenhuma é tão profunda como esta.

O homem é uma pessoa, não é simplesmente uma coisa. A pessoa tem uma dignidade única: ninguém pode substituí-la naquilo que ela é capaz de fazer como pessoa. E só entre as pessoas a amizade e o amor podem acontecer. "Sendo feito à imagem de Deus, o ser humano tem a dignidade de pessoa; Não é só alguma coisa, é alguém. Ele é capaz de conhecer a si mesmo, de se apossar de si mesmo e de se doar livremente e entrar em comunhão com os outros; e é chamado, pela graça, a uma aliança com o seu Criador, para lhe oferecer uma resposta de fé e de amor que nenhum outro ser pode dar em seu lugar"* (7).

Não faria sentido usar a ciência natural para negar, em nome do progresso científico, a diferença essencial entre o homem e os outros seres da natureza, argumentando, por exemplo, que o homem tem uma constituição material semelhante aos outros seres e que as diferenças se devem unicamente à organização dos componentes materiais. 

Pelo contrário, a ciência natural fornece uma das provas mais convincentes das peculiaridades do homem; De fato, mostra que o homem, ao contrário de outros seres, possui capacidades criativas e argumentativas indispensáveis para colocar problemas científicos, buscar soluções e testar sua validade. 

O grande progresso científico e técnico da era moderna ilustra as capacidades únicas da pessoa humana, e não faria sentido usá-lo para negar o que, em última análise, torna possível a existência da ciência.

Unidade e dualidade

Quando tentamos compreender nosso ser, nos deparamos com uma realidade inegável: que somos um ser, mas possuímos dimensões diferentes. "O homem é uma unidade: é alguém que é um consigo mesmo. Mas nessa unidade há uma dualidade. A Sagrada Escritura apresenta tanto a unidade (a pessoa) quanto a dualidade (alma e corpo)" (8).

A dualidade é real. Não responde a uma mentalidade dualista já superada, que poderia ser dispensada hoje. Sem dúvida, a realidade pode ser conceituada sob diferentes perspectivas, e pode acontecer que algumas fórmulas representem alguns aspectos melhor do que outras. Mas nosso ser tem dimensões materiais e espirituais, e essa realidade não depende das ideias de uma época.

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Diz-se por vezes que o dualismo é estranho à perspectiva da Sagrada Escritura, que enfatiza a unidade da pessoa humana. Não se deve esquecer, porém, que a própria Sagrada Escritura contém afirmações claras sobre a dualidade constitutiva do homem. O Papa João Paulo II comenta: "É frequentemente enfatizado que a tradição bíblica enfatiza acima de tudo a unidade pessoal do homem... A observação é precisa. Mas isso não impede que a dualidade do homem também esteja presente na tradição bíblica, às vezes de forma muito clara. Esta tradição reflecte-se nas palavras de Cristo: Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma .

Em vez disso, temam aquele que é capaz de destruir a alma e o corpo em Geena (Matt., X, 22). As fontes bíblicas autorizam-nos a ver o homem como uma unidade pessoal e, ao mesmo tempo, como uma dualidade de alma e corpo: e este conceito foi expresso em toda a Tradição e no ensinamento da Igreja" (9).

Qualquer explicação confiável deve respeitar os dados confiáveis da experiência humana, que se referem tanto à unidade da pessoa quanto à dualidade de suas dimensões básicas. As dificuldades em conceituar ambos os aspectos ao mesmo tempo indicam que o homem é um ser complexo, e nada se ganharia simplificando arbitrariamente o problema.

Alma e corpo

Para expressar a dualidade constitutiva do ser humano, uma terminologia já clássica vem sendo usada há séculos, segundo a qual o homem é composto de alma e corpo. A Igreja usou esta terminologia nas suas formulações, introduzindo os esclarecimentos necessários: por exemplo, que alma e corpo não são substâncias completas, e que a alma é a forma substancial do corpo. Quando a Igreja fala de alma e corpo, está a referir-se às dimensões espiritual e material da pessoa humana, que é um ser único; Mas também enfatiza que a alma espiritual transcende as dimensões materiais e, portanto, subsiste após a morte, quando as condições materiais impossibilitam uma pessoa de permanecer no estado que lhe corresponde em sua vida terrena.

Diante de dualismos exagerados que desvalorizam a dignidade do material, a Igreja sempre ensinou que "o corpo humano participa da dignidade da 'imagem de Deus': é um corpo humano precisamente porque é animado pela alma espiritual, e é toda a pessoa humana que está destinada a ser, no Corpo de Cristo, o corpo humano. o Templo do Espírito (cf. VI, 19-20; XV, 44-45)"* (10).

Na Sagrada Escritura, o termo alma é usado com diferentes significados; Às vezes, designa a vida humana, ou a pessoa inteira. "Mas também designa o que há de mais íntimo no homem (cf. XXVI, 38; Iohan. XII, 27) e de maior valor nele (cf. X, 28; II Mac. VI, 30), aquilo para o qual é particularmente a imagem de Deus: 'alma' significa o princípio espiritual no homem"* (11). 

Este é o sentido em que falamos da alma quando se diz que a pessoa humana é composta de alma e corpo.

Sem dúvida, o mais importante é o conteúdo da doutrina; As palavras em que ela é expressa podem variar, desde que respeitado o conteúdo autêntico da doutrina. 

No que diz respeito à alma humana, entre "o que a Igreja ensina em nome de Cristo" está o seguinte: "A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência, após a morte, de um elemento espiritual dotado de consciência e vontade, para que o próprio 'eu' humano subsista. Para designar este elemento, a Igreja usa a palavra "alma", consagrada pelo uso da Sagrada Escritura e da Tradição. Embora ela não desconheça que esse termo tem vários significados na Bíblia, ela acredita, no entanto, que nenhuma razão válida é dada para rejeitá-lo e, ao mesmo tempo, considera que um termo verbal é absolutamente indispensável para sustentar a fé dos cristãos" (12).

Unidade da alma e do corpo

O Concílio Vaticano II exprime a unidade e dualidade simultâneas da pessoa humana com uma fórmula breve e lapidar: corpore et anima unus: "Um em corpo e alma, o homem, pela sua própria condição corporal, reúne em si os elementos do mundo material, de tal modo que, através dele, atingem o seu cume e elevam a sua voz ao louvor gratuito do Criador"* (13).

A unidade da pessoa humana sempre foi enunciada pela Igreja, diante de dualismos exagerados. Em um dos Concílios Ecumênicos, a terminologia aristotélica foi usada para enfatizar precisamente que alma e corpo formam uma única realidade: "A unidade da alma e do corpo é tão profunda que a alma deve ser considerada como a 'forma' do corpo (cf. de Vienne, ano 1312: DS 902); isto é, graças à alma espiritual, a matéria que compõe o corpo é um corpo humano e vivo; No homem, espírito e matéria não são duas naturezas unidas, mas sua união constitui uma única natureza"* (14).


Em suma, "o homem criado à imagem de Deus é um ser ao mesmo tempo corpóreo e espiritual, isto é, um ser que, por um lado, está unido ao mundo exterior e, por outro, o transcende: como espírito, não é apenas um corpo, mas também uma pessoa. Esta verdade sobre o homem é o objeto de nossa fé, assim como a verdade bíblica sobre sua constituição à "imagem e semelhança" de Deus; e é uma verdade constantemente apresentada, ao longo dos séculos, pelo Magistério da Igreja"* (15).

A pessoa humana é uma síntese do material e do espiritual: "na sua própria natureza une o mundo espiritual e o mundo material"* (16). Uma consequência importante dessa doutrina é que as dimensões materiais são boas e desejadas por Deus: "A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. 

O relato bíblico expressa essa realidade em linguagem simbólica quando afirma que Deus formou o homem a partir do pó da terra e soprou o sopro da vida em suas narinas, e o homem se tornou um ser vivo (Gn 1:1). II, 7). 

Portanto, o homem em sua totalidade é querido por Deus"* (17). O corpo é algo bom, desejado por Deus e destinado à vida eterna: "Portanto, não é lícito ao homem desprezar a vida corporal, mas, pelo contrário, deve considerar o seu corpo como bom e digno de honra, uma vez que foi criado por Deus e deve ressuscitar no último dia"* (18).

A Espiritualidade da Alma Humana

Em algumas épocas, a Igreja teve que enfatizar a bondade do corpo, diante daqueles que propunham um espiritismo que condenava como mal tudo o que se relacionava com as coisas materiais. Hoje, muitas vezes temos que lidar com o extremo oposto: um materialismo que ignora as dimensões espirituais e procura reduzir o homem às dimensões materiais que podem ser estudadas pelos métodos das ciências empíricas.

Neste contexto, o Papa João Paulo II sublinhou que o homem se assemelha mais a Deus do que à natureza: "É sabido que a ciência fez e continua a fazer numerosas tentativas em vários campos para demonstrar os laços do homem com o mundo natural e a sua dependência dele, a fim de o inserir na história da evolução das várias espécies. Embora respeitemos essa pesquisa, não podemos nos limitar a ela. Se analisarmos o homem nas profundezas de seu ser, veremos que ele difere do mundo da natureza mais do que se assemelha a esse mundo. A antropologia e a filosofia também procedem nesse sentido quando procuram analisar e compreender a inteligência, a liberdade, a consciência e a espiritualidade do homem. 

O livro do Génesis parece ir ao encontro de todas estas experiências da ciência e, ao falar do homem como «imagem de Deus», permite-nos compreender que a resposta ao mistério da sua humanidade não se encontra no caminho da semelhança com o mundo da natureza. O homem é mais semelhante a Deus do que à natureza. Nesse sentido, o Salmo 82:6 diz: 'Vocês são deuses', palavras que Jesus citará mais tarde"* (19).

O Concílio Vaticano II ensina: "O homem não se engana ao afirmar sua superioridade sobre o universo material e ao considerar-se algo mais do que uma mera partícula da natureza... De fato, por sua interioridade, é superior a todo o universo"* (20). Citando esta passagem do Concílio, João Paulo II comenta: "Eis como a própria verdade sobre a unidade e a dualidade (complexidade) da natureza humana pode ser expressa numa linguagem mais próxima da mentalidade contemporânea" (21).

A espiritualidade humana é amplamente atestada por muitos aspectos importantes de nossa experiência, através de capacidades humanas que transcendem o nível da natureza material. No nível da inteligência, as capacidades de abstrair, raciocinar, argumentar, reconhecer a verdade e enuncia-la em uma linguagem. No nível da vontade, as capacidades de querer, de se autodeterminar livremente, de agir com vistas a um fim intelectualmente conhecido. E em ambos os níveis, a capacidade de autorreflexão, para que possamos conhecer nosso próprio conhecimento (saber que sabemos) e nossos próprios atos de querer (querer amar). 

Como consequência dessas capacidades, nosso conhecimento está aberto a toda a realidade, sem limites (mesmo que o conhecimento particular seja sempre limitado); Nossa vontade tende para o bem absoluto, e não se satisfaz com nenhum bem limitado.

E podemos descobrir o sentido da nossa vida, e até dar-lhe sentido livremente, projetando o futuro.

Em nosso tempo, o materialismo é frequentemente apresentado sob uma roupagem científica. Ele frequentemente argumenta que tudo o que é humano está relacionado ao material, e que o homem é tão material quanto outros seres naturais; Suas características especiais seriam explicadas pela organização peculiar dos componentes do material. Ele acrescenta que a ciência já explicou muitos aspectos da pessoa humana e promete que, no futuro, explicará cada vez mais o resto. O materialismo, no entanto, é reducionismo ilegítimo; Tenta explicar toda a realidade recorrendo apenas aos componentes materiais e ao seu funcionamento, renunciando a qualquer questão de outro tipo: esse reducionismo é infundado e vai até contra o rigor científico, porque não distingue os diferentes níveis de realidade e as diferentes perspectivas que devem ser adotadas para conhecê-los.


Outras vezes, as críticas à espiritualidade humana baseiam-se na possibilidade de construção de máquinas que igualam, e até excedem, as capacidades humanas. 

Sem dúvida, as máquinas podem nos igualar e superar em muitos aspectos, mas falta-lhes a interioridade característica da pessoa e as capacidades relacionadas a essa interioridade (capacidade intelectual e argumentativa, consciência pessoal e moral, capacidade de amar e ser amado, por exemplo). 

As tentativas de equiparar máquinas a pessoas muitas vezes caem em uma falácia básica: exigem que a pessoa humana seja definida em termos de operações específicas que podem ser imitadas por máquinas.

A Imortalidade da Alma Humana

A Igreja afirma, juntamente com a espiritualidade da alma humana, a sua imortalidade: quando o homem morre, a alma espiritual continua a sua existência. A imortalidade da alma humana foi afirmada em várias ocasiões pelo Magistério da Igreja* (22) e o Concílio Vaticano II ensina: "Ao afirmar, portanto, em si mesmo a espiritualidade e a imortalidade de sua alma, o homem não é o joguete de uma miragem ilusória causada apenas por condições físicas e sociais externas. Pelo contrário, toca a verdade mais profunda da realidade"* (23).

Com certeza, é impossível imaginar o estado da alma humana separado do corpo, porque nossa imaginação precisa de dados sensíveis que, nesse caso, não possuímos. Mas, pela mesma razão, também não podemos imaginar Deus, e isso não afeta em nada a sua realidade: temos a capacidade de conhecer as realidades espirituais, voltando acima das condições materiais.

Embora a fé cristã dê especial certeza a esta afirmação, podemos conhecer a imortalidade da alma através da nossa razão. Por um lado, porque se a alma é espiritual, ela transcende as condições naturais e continuará a existir mesmo quando essas condições impossibilitarem a vida humana em seu estágio terreno. Por outro lado, porque nesta vida a trajetória moral das pessoas nem sempre encontra a recompensa certa. Além disso, porque não é lógico que Deus coloque no homem um desejo de felicidade e infinito que não pode ser satisfeito. E tudo isso se torna especialmente poderoso quando se percebe que a alma humana deve ser criada por Deus e que, portanto, ela só poderia deixar de existir se Deus a aniquilasse, o que parece inconsistente com o plano divino.

A Alma Humana, Criada Diretamente por Deus

A Igreja afirma também que a alma humana é imediatamente criada por Deus. O Papa Pio XII, a respeito da aplicação das teorias evolucionistas ao homem, advertiu que o corpo poderia vir de outros organismos, e assinalou que, por outro lado, "a fé católica nos obriga a sustentar que as almas são imediatamente criadas por Deus"* (24). O Credo do Povo de Deus, formulado pelo Papa Paulo VI, diz: "Cremos em um só Deus... e também o criador, em cada homem, da alma espiritual e imortal"* (25).

Com essa doutrina, o Magistério da Igreja, ao longo dos séculos, se manifestou diante de diferentes erros, como o priscillianismo, o traducianismo e o emanacionismo. Os priscilianos, seguindo Orígenes, afirmavam que as almas tinham uma existência anterior e que, como consequência de algum pecado, haviam sido lançadas na existência terrena. Os traducianistas, desejando explicar a transmissão do pecado original, afirmaram que a alma humana é gerada pelos pais. Segundo os emanacionistas, a alma humana é parte de Deus.

Em nosso tempo, às vezes falamos de um surgimento de características humanas, que viriam da matéria. Mas as dimensões espirituais não podem ser reduzidas a um resultado de forças e processos materiais, porque estão em um nível mais elevado do que o material. Nesse sentido, o Papa João Paulo II, recordando o ensinamento de Pio XII sobre a evolução, afirma: "A doutrina da fé afirma invariavelmente, por outro lado, que a alma espiritual do homem é criada diretamente por Deus... A alma humana, da qual depende, em última análise, a humanidade do homem, sendo espiritual, não pode emergir da matéria" (29).

O Catecismo da Igreja Católica ensina: "Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nessas aberturas, ele percebe sinais de sua alma espiritual. A "semente da eternidade que ela carrega dentro de si, sendo irredutível apenas à matéria" (Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 18, 1; cf. 14, 2), a sua alma só pode ter a sua origem em Deus"* (30). Referindo-se aos ensinamentos do V Concílio de Latrão, Pio XII e Paulo VI, acrescenta: "A Igreja ensina que toda alma espiritual é diretamente criada por Deus (cf. Humani generis, 1950: DS 3896; Paulo VI, Credo do Povo de Deus, 8) – não é "produzido" pelos pais – e que é imortal (cf. V Latrão, ano 1513: DS 1440): não perece quando separado do corpo na morte, e será reunido ao corpo na ressurreição final"* (31).


A criação imediata da alma humana não significa que outras realidades sejam afastadas da ação divina, nem significa uma mudança por parte de Deus, que é imutável. 

A ação divina se estende a toda a criação, mas no caso da alma humana, o efeito da ação divina possui um modo de ser que transcende o reino da natureza material. 

E esse modo de ser, a espiritualidade, é o que há de mais característico do homem: o que o torna uma pessoa, capaz de amar e ser feliz, participante da natureza divina, sujeito irrepetível e insubstituível que é objeto direto do amor divino.

A espiritualidade humana e a vida cristã

O ensinamento da Igreja sobre a alma humana não é meramente teórico; Tem implicações importantes para muitos aspectos da vida cristã.

Por exemplo, a vida moral não teria sentido se não admitisse a liberdade, que a espiritualidade pressupõe. 

De fato, algumas confusões doutrinárias e práticas partem dessa base: nega-se a espiritualidade, reduz-se a pessoa a condicionamentos materiais (características genéticas, impulsos instintivos, condições físicas de vida) e nega-se a liberdade autêntica; 

Consequentemente, o cristianismo seria reduzido à luta por objetivos que podem ser legítimos, mas que se referem apenas à vida terrena. 

A luta para alcançar a virtude e evitar o pecado seria sem sentido, ou, na melhor das hipóteses, as noções de virtude e pecado teriam que ser reinterpretadas, alterando todo o ensinamento moral da Igreja.

Se a imortalidade da alma não fosse admitida, a escatologia intermediária, isto é, o estado das almas após a morte e antes da ressurreição final, também não faria sentido. 

No entanto, a Igreja definiu solenemente que o destino da alma é decidido imediatamente após a morte, indo para o céu ou inferno, ou, conforme o caso, indo para o céu após a purificação necessária. 

Nem as orações da liturgia da Igreja que se referem a essa escatologia intermediária, nem a intercessão dos santos (nem, portanto, beatificações e canonizações) fariam sentido.

Si se altera la doctrina sobre el alma, también se alteraría la doctrina sobre Jesucristo, que tomó cuerpo y alma, bajó a los infiernos después de su muerte, resucitó al tercer día, y está realmente presente en la Sagrada Eucaristía también con su alma humana.

El materialismo, teórico y práctico, es una de las principales fuentes de confusión en nuestra época. Por este motivo, tiene una especial importancia profundizar en la doctrina de la Iglesia sobre la espiritualidad humana.

Notas

  1. Catecismo de la Iglesia Católica, n. 342.
  2. Ibid., n. 343.
  3. Ibid., n. 358.
  4. Juan Pablo II, Audiencia general, L’uomo immagine di Dio, 6.XII.1978: Insegnamenti, I (1978), p. 286.
  5. Catecismo de la Iglesia Católica, n. 355.
  6.  Ibid., n. 356.
  7. Ibid., n. 357.
  8.  Juan Pablo II, audiencia general, L’uomo, immagine di Dio, è un essere spirituale e corporale, 16.IV.1986: Insegnamenti, IX, 1 (1986), p. 1039.
  9.  Ibid., pp. 1039-1040.
  10. Catecismo de la Iglesia Católica, n. 364.
  11. Ibid., n. 363.
  12. Congregación para la Doctrina de la Fe, Carta Recentiores Episcoporum Synodi, sobre algunas cuestiones referentes a la escatología, 17.V.1979: AAS 71 (1979), pp. 939-943.
  13. Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et spes, n. 14.
  14. Catecismo de la Iglesia Católica, n. 365.
  15. João Paulo II, Audiência Geral, 16 de abril de 1986: Insegnamenti, IX, 1 (1986), p. 1038.
  16. Catecismo da Igreja Católica, n. 355.
  17. Ibidem, n. 362.
  18. Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, n. 14.
  19. João Paulo II, Audiência Geral, L'uomo immagine di Dio, 6.XII.1978: Insegnamenti, I (1978), p. 286.
  20. Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, n. 14.
  21. João Paulo II, Audiência Geral, L'uomo, immagine di Dio, è un essere spirituale e corporale, 16.IV.1986: Insegnamenti, IX, 1 (1986), p. 1041.
  22. Cf. por exemplo: Conc. Latrão V, Bula Apostolici Regiminis, 19.XII.1513: DS 1440; Pio XII, Litt, enc. Humani generis, 12 de agosto de 1950, n. 29: DS 3896; AAS, 42 (1950), p. 575.
  23. Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, n. 14.
  24. Pio XII, Litt. Enc. Humani generis, 12 de agosto de 1950, n. 29: DS 3896; AAS, 42 (1950), p. 575.
  25. Paulo VI, Profissão Solene de Fé, 30 de junho de 1968, n. 8. Este texto, depois de "imortal", refere-se ao V Concílio Ecumênico de Latrão e à Encíclica Humani generis.
  26. Cf. Conc. Bracarense I, ano 561: DS 455-456.
  27. Cf. Santo Anastácio II, Epist. Bonum atque iucundum ad episcopos Galliae, ano 498: DS 360-361.
  28. Conc. de Toledo, ano 400: Dz 31; São Leão IX, epístola. Parabéns vehementer a Pedro, bispo de Antioquia, 13.IV.1053: DS 685.
  29. João Paulo II, Audiência Geral, L'uomo, immagine di Dio, è un essere spirituale e corporale, 16.IV.1986: Insegnamenti, IX, 1 (1986), p. 1041.
  30. Catecismo da Igreja Católica, n. 33.
  31. Ibidem, n. 366.

FONTE: https://www.unav.edu/web/ciencia-razon-y-fe/la-espiritualidad-del-ser-humano


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