Abro este artigo já me declinando frente a possíveis julgamentos ou pressupostos de que seja um direccionamento proposital a este ou aquele Maçom. Longe disso, apenas reflexões de como anda a Ordem Maçónica nos nossos dias, embora tais factos e reflexões provém de épocas mais antigas relatadas pelos mais diversos autores maçónicos.
E aqui recordamos uma máxima que entre a expectativa e a realidade das coisas e das pessoas, existe um enorme abismo, muitas vezes intransponível. E como sabemos, os homens que adentram a Maçonaria trazem do chamado mundo profano os seus talentos e também os seus piores defeitos, que a Escola Maçonaria procura através dos seus rituais e simbolismos ancestrais, incentivar esses homens a se aprimorarem, a se aperfeiçoarem, principalmente na sua moral e ética, para posteriormente galgar degraus mais elevados no intelectualismo e na própria espiritualidade, que permeia a doutrina maçónica.
Destarte aprendemos logo no começo da nossa jornada maçónica, a qual já se fazem mais de 40 anos, que a “Maçonaria é uma escola de moralidade, velada por alegorias e ilustrada por símbolos”. Tal afirmação é do Maçom americano e médico, Albert Gallatin Mackey em 1882 no seu livro Symbolism of Freemasonry, sim ele mesmo, o compilador dos famosos 25 Landmarks que uma grande maioria de Potências Maçónicas pelo mundo adoptou como padrões e regras fundamentais da ordem. Tais alegorias ou lendas são as diversas estórias contadas a partir de trechos do Antigo Testamento onde encontramos sempre um fundamento moral a nos ensinar algo, ou seja, a decantada MORAL DA ESTÓRIA. E em seguida um complemento simbólico repleto de comparações entre a maçonaria operativa vertida para a especulativa, na tentativa de nos incentivar a desenvolver as qualidades representadas pelos diversos instrumentos de trabalho da antiguidade e as suas correlações filosóficas interiorizadas.
As práticas da Maçonaria inicialmente eram simples e igualitárias como poderemos ver nas ilustrações antigas como está abaixo do ano de 1745, que passamos a comentar.
A gravura apresentada fornece-nos muitas informações interessantes de como a Maçonaria veio evoluindo e agregando tantos elementos de distinção entre os Irmãos perdendo a sua simplicidade e conteúdo. Tal gravura faz parte do acervo do Museu Maçónico da Grande Loja Unida da Inglaterra.
Podemos observar que todos os membros da Loja usam o mesmo avental, sem distinção alguma, como Companheiros. Sabemos que a alfaia importante e indispensável do Maçom é portar o avental, independente da vestimenta de cada um, afinal o que caracteriza um Maçom em Loja é o uso do seu avental, que aqui no caso é padrão para todos. Sabemos que muitas lojas do passado praticavam apenas os dois primeiros graus e, portanto, aqui vemos essa padronização dos aventais. A única excepção é o Mestre da Loja, um Companheiro escolhido para dirigir os trabalhos do dia, onde além de usar o mesmo avental, usa um chapéu e uma fita com o esquadro no peito, símbolo daquele que está dirigindo a loja.
Nota-se também que a sala é desprovida de qualquer adorno, uma sala reservada para a Iniciação onde o elemento central e principal é um tapete bordado ou desenhado com os símbolos referentes ao ritual praticado, ladeado por 3 candelabros com velas nas posições do triângulo rectângulo de Pitágoras, onde se localizam os dois Vigilantes e o Mestre da Loja. A Loja é aberta quando os três acendem os candelabros saudando a Sabedoria, a Força e a Beleza. O único a segurar um malhete é o Mestre da Loja. E como cavalheiros de época, todos portavam as suas espadas.
O Candidato a iniciação está nem nu nem vestido à moda antiga com o chamado triângulo da nudez, ou seja, o peito esquerdo desnudo, o joelho direito desnudo e o pé esquerdo desnudo usando um chinelo.
Na porta da sala ainda vemos a presença de um membro com uma espada em punho a guardar o local, como um Cobridor. Rituais antigos como o Rito Juanita e até mesmo o Schroeder usam o tapete actualmente. No Juanita a abertura e fechamento da Loja é exactamente a mesma usando os 3 candelabros.
Não havia altares, apenas uma mesinha para o Mestre da Loja, onde mantinha o Livro para o Juramento.
Já nesta outra gravura vemos o Candidato já vestido realizando o seu Juramento, após ter passado por sobre o tapete, ajoelhando-se numa banqueta próxima a mesa do Mestre da Loja, colocando a sua mão direita sobre o Livro enquanto a esquerda segura um compasso no seu peito. Tradição que utilizamos em muitos dos ritos actualmente.
Portanto vemos que a ritualística era simples, mas mantinha as tradições e os conteúdos fundamentais da ordem que chegaram até aos nossos dias.
Mas, e aqui lamentamos descrever este MAS no nosso relato, a Maçonaria veio evoluindo e agregando elementos de distinção entre os Irmãos, e transformando os ritos e rituais em peças muito complexas, com títulos rebuscados, e alfaias sofisticadas a empavonar os Maçons, em recintos cada vez mais pomposos e barrocos. Devemos culpar os franceses? talvez, mas continuamos a adoptar e praticar o que eles criaram, e tudo o mais que servem de distracção e descaminho ao principal e importante que é conteúdo iniciático doutrinário que a Maçonaria nos oferece, para os membros e para a Ordem.
O que vemos infelizmente actualmente é a “Maçonaria ser mais uma escola de arrogâncias, velada por vaidades e ilustrada por orgulhosos”. Parece uma afirmação ruidosa e tendenciosa, mas pedimos ao leitor ainda não fazer julgamentos precipitados pois ainda vamos expor o caso.
Vejamos como tais sentimentos se processam aos menos atentos. Ao sermos convidados pelo nosso padrinho, o que já nos enaltece por termos sido escolhidos na sociedade dentre muitos outros, e aceitos por uma Loja, passamos por provas interessantes de sepultamento simbólico numa câmara escura que nos faz pensar e meditar em termos de que morremos. e fomos enterrados vivos, assinando um testamento de despedida do mundo. Para em seguida, num estado meio que maltrapilho e até humilhante, mas orientado, ser conduzido a provas iniciáticas que nos testam a confiança, perseverança e coragem. E aí sim juramos fidelidade e nos recebem saudações cordiais efusivas e nos revestem com um avental branco e puro, além dos pares de luvas de igual brancura. É um bom começo para a nossa auto-estima.
Porém não se passa muito tempo e o tal avental começa a receber mais detalhes, as vezes apenas uma abeta abaixada, mas outras já uma fita colorida. E não tarda a receber mais detalhes e floreados com rosetas, taus, penduricalhos entre outros adereços, tudo isso ainda nos primeiros 3 graus, e claro nos intitulando com outros títulos que são adquiridos apenas por estar em dia com a tesouraria e chancelaria. Passamos a ser considerados Companheiros e Mestres!
Juntamente com tais adereços vêm os títulos a esfregar-nos o Ego, como o de Mestre, Venerável Mestre, Mestre Instalado, Past Master entre outros, onde acreditamos ou nos fazem acreditar que nos formamos em algo superior e nos capacitaram a agora que ao invés de aprender podemos ensinar algo a alguém.
E claro que tais honrarias e títulos vazios não param por aí, pois não tarda em lhe encaminharem a outros grupos como os chamados altos graus, onde os títulos se sobrepõem: Mestre Secreto, Mestre Perfeito, Preboste e Juiz, Mestre Eleito dos Nove, Cavaleiro Eleito dos Quinze, Sublime Cavaleiro Eleito, Grande Mestre Arquiteto, Cavaleiro do Real Arco, Grande Eleito, Perfeito e Sublime Maçom. Além do título de Três Vezes Poderoso Mestre entre outros. E as alfaias e condecorações multiplicam-se no nosso peito a convencer-nos de que estamos evoluindo na Ordem e no Universo acima do povo comum.
E ainda temos os títulos mais nobres a cobrir-lhes as vistas da ilusão: Príncipe de Jerusalém, Grande Pontífice, Soberano Príncipe da Maçonaria, Patriarca Noachita, Chefe do Tabernáculo, Príncipe do Tabernáculo, Príncipe da Misericórdia, Grande Comendador do Templo, Grande Inspector Inquisidor, Sublime Príncipe do Real Segredo, Soberano Grande Inspector Geral, e isto apenas num rito.
Estamos exemplificando aqui os cuidados que um Maçom dentro da Ordem deve ter com relação a sua vigilância interna no polimento constante do seu ego se por ventura se deixar contaminar com a erva daninha da Arrogância que se desenvolve nesse processo. Todos estes graus, os seus rituais e ensinamentos são de muito valor, uma verdadeira universidade de conhecimento cultural a disposição do caminhante, mas com o perigo de se perder nas aparências, nos cargos e nos títulos e empavonamentos que o rito propõe.
E assim chegamos ao nosso propósito de expor com mais detalhes o que esta erva daninha da Arrogância pode causar no Maçom descuidado e não vigilante dos seus sentimentos. Além dos três maus companheiros inerentes na alma humana, a Ignorância, o Fanatismo e a Ambição que assassinam o desenvolvimento da Espiritualidade em nós, a Arrogância manifesta-se como verdadeira praga no nosso Jardim mental e emocional, e se não for extirpada a tempo e alertada pode vir a tomar o modo de pensar, sentir e agir de um Maçom que se considera empossado nos mais altos graus da Ordem.
Para nos podermos vigiar e proteger-nos da Arrogância entendemos ser importante compreender melhor o que é e o que provoca na nossa alma. E para melhor explorar o tema utilizamo-nos dos conhecimentos de Ermance Dufaux no seu artigo listado abaixo sobre os Estudos da Arrogância, cujo gráfico abaixo faz parte.
O princípio que gera a arrogância foi desenvolvido no homem para o seu bem. É a ânsia natural de crescer e se realizar. O impulso inerente para progredir. O instinto de conservação que prevê a protecção, a defesa em todos nós. Tais princípios são os factores de motivação para a coragem, a ousadia, o encanto com os desafios. Graças a eles surgem os líderes, o idealismo e as grandes realizações inspiradas em visões ampliadas do futuro. O excesso de tudo isso, no entanto, criou a paixão. A paixão gerou o vício. O vício patrocinou o desequilíbrio emocional.
Nos dicionários encontramos que: Arrogância, “qualidade ou carácter de quem, por suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, assume atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros; orgulho ostensivo, altivez”.
É uma exacerbada estima a si mesmo. Supervalorização de si. Autoconceito superdimensionado. Desejo compulsivo de se impor aos demais. E ainda nos induz a rigidez, competição, imprudência, prepotência, estado orgulhoso de ser.
Estas são as quatro acções mais perceptíveis em decorrência do acto de se arrogar que estruturam expressiva maioria dos estados psicológicos e emocionais do Ser. A partir deste estado orgulhoso de ser, podemos perceber um quadro mental de rígida auto-suficiência, do qual nascem as ilusões e os equívocos da caminhada humana, arrojando-nos aos despenhadeiros da insanidade aceitável e da rivalidade envernizada.
A rigidez é a raiz das condutas autoritárias e da teimosia que, frequentemente, desaguam nos comportamentos de intolerância. Sob acção da rebeldia, patrocina o desrespeito ao livre-arbítrio alheio e alimenta constantemente o melindre pela vida não ser como ele gostaria que fosse.
A competição não existe sem a comparação e o impulso de disputa. Quando tomado pela paixão, a força motriz de semelhante acção é o sentimento de inveja. Na mira da rebeldia, causa o menosprezo e a indiferença que tenta empanar o brilho de outrem. A competição é o alimento do sentimento de superioridade.
A imprudência é marcada pela ousadia transgressora que não teme e nem respeita os limites. Quase sempre, essa inquietude da alma alcança o perfeccionismo e a ansiedade que, frequentemente, desaguam na necessidade de controle e domínio. Consubstanciam modos rebeldes de ser. Desejo de hegemonia. Sentimento de poder.
A prepotência é um efeito natural da perspicácia que pode insuflar a megalomania, a presunção. Juntos formam o piso da vaidade. A rebeldia, nesse passo, conduz a uma desmedida necessidade de se fixar em certezas que adornam posturas de infalibilidade.
A arrogância retira-nos o “senso de realidade”. A alteração da percepção do pensamento é o factor gerador dos mais severos transtornos psiquiátricos.
Na competição, eu sou maior. Na imprudência, eu quero. Na prepotência, eu posso. A arrogância pensa a vida e, ao pensá-la, afasta-nos dos nossos sentimentos.
Interessante observar que uma das propriedades psicológicas doentias mais presentes na estrutura rebelde da arrogância é a incapacidade para percebê-la. O efeito mais habitual da sua acção na mente humana. Basta destacar que dificilmente aceitamos ser adjectivados de arrogantes.
Outros efeitos deste estado doentio da alma: Apego a convicções pessoais. Gosto por julgar e rotular a conduta alheia. Necessidade de exercício do poder. Desprezo aos esforços alheios. Ter resposta para tudo. Desprezar o valor alheio.
A arrogância que costumamos rejeitar como característica da nossa personalidade é responsável por uma dinâmica metamorfose dos sentimentos, prejudicando a boa convivência e o desenvolvimento da verdadeira fraternidade.
Fica aqui o nosso alerta portanto para que nos vigiemos neste processo de evolução dentro da Maçonaria que é uma grande escola de Moral e Ética, para não incorrer no delituoso estado de arrogância ilusória que o processo maçónico nos apresenta.
Alberto Feliciano
Bibliografia
- O Livro dos Espíritos – questão 907- comentário de Allan Kardec.
- Dicionário Houaiss.
- Ermance Dufaux – Série Harmonia Interior (internet)
- Imagens do Museu Maçónico da GLUI.
Comentários
Postar um comentário