De Abrão, um homem velho e sem potência,
E Sara, mulher estéril, pois tinha muita idade,
O Senhor, que é gestor de toda possibilidade,
Fez nascer a Isaque, por divina providência.
A esse Isaque Deus deu grande saber e glória;
E a Ismael, o meio-irmão, nascido da egípcia,
O Senhor dotou com muita coragem e perícia;
Ambos foram pais de nações de bela história.
Isaque deu origem ao heróico povo de Israel,
Que logo se tornaria um país de competência;
Os árabes sábios são da semente de Ismael.
Quem lê entenda, pois aqui existe sabedoria:
O judeu é o cérebro da terra: dele vem ciência.
O árabe é coração: sensibilidade é o seu guia. (O parto de Deus, 2012)
Abrão, o fundador de nações
Diz o texto bíblico: “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção.”(Gênesis 12:1-2).
Depois, á vista das vicissitudes enfrentadas por Abrão na terra da promessa, Deus resolveu dar a ele para sempre toda a terra que ele pudesse medir com os olhos, bem como multiplicar a sua descendência como o “pó da terra”.
E para selar essa promessa, mudou seu nome de Abrão para Abraão, que significa prolífico, pai de muitos etc..
[i]Eis aí, nessa promessa feita ao agora Abraão, o cerne da reivindicação israelita sobre as terras palestinas, e o principal móvel da disputa milenar que ainda se trava naquela região.
Com base nisso, os israelitas, descendentes de Abraão, teriam um “direito divino” sobre essas terras, pois elas lhe foram dadas pelo próprio Deus. Com o que, evidentemente não concordam seus vizinhos palestinos, que aliás, já viviam naquelas terras bem antes de o povo de Israel vir habitá-las.
Destarte, a saga de Abraão, como exposta na Bíblia, revela bem o intuito ideológico que os cronistas bíblicos quiseram lhe dar.
Na consistência temática e na continuidade histórica que o povo de Israel lhe deu, estão as raízes desse direito.
A história de Israel e as lutas pela conquista dessas terras, são o grande enredo urdido pelos rabinos judeus que escreveram o formidável monumento literário que conhecemos como Bíblia Sagrada.
E essa é a grande força desse livro, que até hoje continua sendo a maior realização literária já produzida pela humanidade e o que mais influiu no pensamento humano até os dias de hoje.
Historiadores como Israel Finkelstein e Neil Archer Silbermam (A Bíblia Não Tinha Razão, Ed. Girafa, 2003), no entanto, argumentam que a religião monoteísta dos judeus não nasceu antes da separação que o unificado reino de Israel sofreu após a morte do rei Salomão.
Na verdade, o monoteísmo dos israelitas só teria se consolidado século VII a. C., no reinado do rei Josias, e seria durante sua gestão como rei de Judá que os cronistas da sua corte teriam terminado a compilação das histórias bíblicas, criando uma literatura épica e com claras intenções ideológicas, para forjar para Israel uma origem nobre e com direito hereditário sobre as terras que haviam conquistado pela espada de Josué, primeiro, e depois pelas guerras de Saul, Davi e Salomão.
Segundo esses historiadores, os cronistas da corte do rei Josias “criaram” uma história para Israel com propósitos ideológicos e políticos. O único problema é que, ao fazer de Abraão o "pai de multidões", eles abriram também a possibilidade de que os demais povos, descendentes desse patriarca, viessem reivindicar parte da sua herança.
[ii] Destarte, praticamente todos os povos do Oriente Médio poderiam, hoje, se dizer descendentes de Abraão, porque depois da milenar miscigenação ocorrida entre os povos palestinos, hoje todos tem algum sangue árabe ou judeu em suas veias. Sem falar nas religiões que todos professam, que são originárias de um tronco único, ou seja, o Javismo.
[iii]
Árabes e Judeus
Ao contrário do que se pensa não há uma animosidade histórica entre árabes e judeus, embora a eterna disputa pelas terras palestinas tenha concorrido para criar um ambiente de hostilidade entre eles. Na verdade, o conflito histórico existente na Palestina teve origem nos povos cananeus, hoje representado pelos palestinos, e Israel. A confusão, nesse caso, se estabeleceu pelo fato de os palestinos de hoje falarem a língua árabe e professarem a religião muçulmana, o que os aproxima dos povos árabes.
Na verdade, ao longo da história, judeus e árabes conviveram com mais facilidade do que judeus e cristãos e cristãos e muçulmanos. Essa realidade era bem visível na época das Cruzadas, por exemplo, quando os cristãos ganharam a inimizade tanto de árabes quanto de judeus, pois apareceram na Palestina como invasores, massacrando indistintamente tanto uns quanto outros. Hoje essa realidade mudou face á ocidentalização dos judeus, e ao fato de que a maioria do apoio financeiro, político e ideológico que sustenta o estado de Israel vem do Ocidente. Mas até a metade do século passado, quando o moderno estado de Israel ainda não existia, a convivência entre árabes e judeus era até bem pacífica.
A questão ideológica
O fato é que, tanto judeus quanto árabes procuram dar á história de Abraão e seus dois filhos claros contornos ideológicos. No direito consuetudinário das tribos orientais é sempre do filho primogênito o direito á sucessão. Abraão não tinha um filho de sua esposa legitima, Sarai, por isso aproveitou o expediente comum entre os patriarcas orientais, de usar uma serva para gerar esse filho. Para os judeus, entretanto, a ideia de que seu povo tivesse origem no filho de uma escrava era uma coisa intolerável. Daí o estratagema imaginado pelos cronistas bíblicos, de fazer Sarai, a legítima consorte de Abraão, de forma milagrosa, ter um filho na sua velhice. Assim Israel não teria que amargar uma descendência espúria por parte de mãe.
Então Deus fez nascer Isaque, por divina providência. E com isso subverteu a tradição legal, pois esse “truque” divino, que se assemelha á uma chicana jurídica, tirou dos árabes( e por tabela, dos palestinmos) o seu legítimo direito á herança de Abraão.
Assim, a animosidade entre os futuros árabes e judeus teria começado já naqueles tempos, face ao conflito instaurado nas tendas do patriarca Abraão entre suas duas mulheres e seus respectivos filhos, cada um, por seu lado, reivindicando a herança do velho patriarca.
Sarai, a esposa legal de Abraão venceu a disputa e a concubina egípcia de Abraão, Agar, junto com seu filho Ismael, foram expulsos do acampamento israelita. E para que o episódio não fosse contabilizado como uma grosseira injustiça, os cronistas bíblicos compensaram o deserdado Ismael com a geração dos povos do deserto (como os antigos israelitas chamavam os cananeus), antecessores dos atuais palestinos. Destarte, embora árabes e israelitas fossem primos irmãos, esse episódio teria criado um profundo poço de descontentamento e animosidade entre os dois povos.
Essa animosidade se tornou ainda mais profunda quando os palestinos adotaram a religião de Maomé, o Islã. Embora reconhecendo que o Islã é uma continuação do Javismo e que o Alcorão é um complemento da Toráh, e Maomé uma espécie de reencarnação de Moisés, o livro sagrado dos muçulmanos é um tanto ambíguo quanto á relação entre árabes e judeus, pois ao mesmo tempo que instrui os muçulmanos a tratar os judeus como irmãos, também ordena que os judeus que não se converterem ao Islã sejam tratados como inimigos.
[iv] A hostilidade entre judeus e árabes, entretanto, só se tornou violenta depois da Segunda Guerra Mundial, quando as Nações Unidas permitiram que uma leva de israelitas, dispersos pelo mundo, voltasse para a Palestina e lá começasse a fundar o novo estado de Israel, que havia sido abolido definitivamente pelos romanos em 135 da era cristã pelo Imperador Adriano.
Essa nova repatriação dos judeus (a primeira havia acontecido após a queda da Babilônia), provocou violenta reação dos povos que viviam na Palestina, povos estes de cultura muçulmana. A maioria das nações árabes protestou veementemente contra o fato de o povo de Israel voltar a ocupar porções da terra palestina. Originaram-se nesse fato os conflitos que ainda sacodem a Terra Santa nos dias de hoje. E á medida que Israel amplia seus domínios na região, esse problema mais se acentua, pois Israel, um estado mais forte e bem mais organizado que seus primos árabes, cada vez mais ocupa territórios na Palestina, empurrando os palestinos para guetos como a triste e empobrecida Faixa de Gaza.
Uma visão maçônica desse tema
A Maçonaria, como se sabe, tem raízes muito fortes na tradição de Israel. Na verdade, acreditamos que a própria idéia que informa a prática da Maçonaria moderna é uma derivação do ideal que fundamentou a fundação de Israel como nação e o desenvolvimento de sua crença como povo eleito de Deus, fprmando uma nação modelo para todos os povos da terra. Em nossa visão, o proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino semelhante aos demais estados palestinos (após a instituição do reinado de Saul), pode ser considerado como a primeira vivência maçônica institucionalizada e a nação israelita foi, nesse sentido, tal qual ela foi concebida por Moisés, a primeira
Loja (Loka, em sânscrito) instituída entre os homens com o propósito de uni-los em uma verdadeira Fraternidade.
[v]Isso porque a tese que fundamentou o estabelecimento do estado israelita está centrada numa idéia utópica que poderia ser realizada através da prática de uma Fraternidade, ligada pelos laços do sangue e da religião, e pelo compartilhamento de uma forte tradição. Destarte, o conflito entre Isaque e Ismael pode ser visto, alegoricamente, como uma dissidência ocorrida dentro da Grande Loja de Israel, como tantos outros que ocorreram e ocorrem dentro da própria instituição maçônica.
Os laços da Maçonaria com a tradição de Israel já eram bem fortes entre os antigos Irmãos operativos, que viam em figuras da tradição israelita os seus mestres arcanos. Figuras bíblicas como Nenrode, o suposto construtor da Torre de Babel, Enoque, o patriarca que subiu ao céu sem conhecer a morte, Seth, o filho caçula de Adão, e principalmente o Rei Salomão e seu arquiteto construtor Hiram Abiff, já eram figuras importantes na tradição mais antiga da Arte Real.
Essa relação se tornou ainda mais forte na transição da Maçonaria operativa para a especulativa, quando aos ritos maçônicos foram incorporados diversos motivos históricos inspirados na história israelita, como a reconstrução de Jerusalém, os temas do Apocalipse, a organização do estado de Israel sobre o Rei Salomão e principalmente o Drama de Hiram, formidável alegoria que fundamenta a proposta iniciática da Arte Real.
Algumas lendas cultivadas, principalmente no rito do Arco Real, se referem á Abraão como verdadeiro mago, conhecedor de segredos arcanos obtidos junto aos hierofantes da Caldéia.
Esses segredos, que se referem de forma especial á geometria e à astrologia, teriam sido muito importantes no desenvolvimento da tradição israelita e foram incorporadas pela moderna Maçonaria.
Assim, a questão ideológica e racial que são levantadas em relação ao episódio de Abraão e seus dois filhos são irrelevantes para os maçons.
A Maçonaria é uma organização ecumênica que não incentiva debates desse tipo.
Para ela tanto a Bíblia hebraica quando a cristã, e também o Alcorão são livros inspirados, que revelam a vontade de Deus, expressa no pensamento dos profetas que os receberam. Já as ideologias desenvolvidas pelos grupos humanos são doutrinas professadas por pessoas e grupos que desejam fazer valer seus interesses particulares.
Não cabe à Ordem maçônica mundial discutir quem tem razão nessa pendenga. Talvez ambos tenham, talvez ninguém tenha. O mais importante em tudo isso é a idéia inscrita na esperança que informou a criação do estado de Israel, ou seja, a idéia de que a humanidade deve ser um povo só, que se ligue pelos princípios da fraternidade e do amor á beleza.
Nesse sentido, a elevação de Israel como “povo eleito”, e sua constituição como nação foi a concepção pragmática da ideia de que Deus, o Grande Arquiteto do Universo construía, através da nação de Israel, uma “maquete” da humanidade perfeita, que deveria servir de modelo para todas as nações da terra.
Esse, aliás, foi a ideia defendida pelo Cavaleiro De Ransay em seu famoso discurso de 1738, quando ele começou a divulgar os ideais maçônicos por toda a Europa, através do Rito Escocês Antigo e Aceito.
“Os homens não se distinguem essencialmente pelas diferentes línguas que falam, as roupas que usam, os países que ocupam, ou as dignidades com que são investidos.
O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho.
É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade foi inicialmente estabelecida.
Queremos reunir todos os homens de espírito esclarecido, maneiras gentis e humor agradável, não só pelo amor às belas artes, mas ainda mais pelos grandes princípios de virtude, ciência e religião, onde o interesse da Fraternidade se tornam aqueles de toda a raça humana, onde todas as nações podem recorrer a conhecimentos sólidos, e onde os habitantes de todos os reinos possam aprender a valorizar um ao outro, sem abrir mão de sua pátria.”[vi]
A Maçonaria é pois, uma arte, que em seu núcleo científico, é informada pelos fundamentos da Geometria Sagrada.
Nos princípios que a informa, todas as formas se condensam em um princípio único.
Assim, a esperança maçônica é que um dia todos os povos da terra se estreitem numa Irmandade, não importando a língua que falem nem as tradições que cultivem ou a religião que professem.
A tolerância e o amor ao belo e ao bom que cada cultura desenvolve são mais fortes que quaisquer ideologias, pois são arquétipos inspirados pela própria concepção divina que está na base da estrutura cósmica. No dia em que todas as pessoas na terra entenderem essa verdade simples, não haverá mais Isaque e Ismael.
Todos se unirão num forte abraço fraterno, e então o mundo que eles inspiraram com suas ideologias poderá, finalmente, reencontrar o elo que nos une, a todos, ao nosso velho pai Abraão.
Então, como nos ensinam os mestres cabalistas, será realizada a Tikun, ou seja, a reconstrução do vaso cósmico, que o homem Adão quebrou com o seu pecado.
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