Originalmente este texto foi concebido para um propósito a ser atingido a partir de uma determinada estratégia de pesquisa
Frustrada a estratégia por falta de acesso às informações necessárias, procurei dar conta do mesmo objetivo, porém a partir de uma nova estratégia; assim, ao invés da abordagem qualitativa mediante entrevistas – com familiares e conhecidos -, a opção foi enfocar a questão pela via da abordagem quantitativa. Todavia, contrariando o poeta [1], arrisco a dizer que “a emenda ficou melhor do que o soneto”, pois a nova estratégia possibilitou desvelar as lições ocultas legadas por quem reconheço como um verdadeiro Mestre. Mas que as lições estejam ocultas não significam, em absoluto, que tenha havido falta de intencionalidade, mas talvez e antes a escolha por uma forma de expressão muito própria às Ordens Iniciáticas e aos grandes Mestres.
Para reduzir um pouco a ansiedade e talvez o mistério inadvertidamente instituído, eu esclareço que o intento original deste texto era prestar homenagem a um Irmão (JJPM) já há quase um ano falecido ou, como é hábito afirmar na Ordem, que passou para o Oriente Eterno.
Uma das dificuldades de quem presta homenagens é o risco de escorregar no discurso demasiado piegas [2], o que, pela emoção devida ao envolvimento direto, por vezes intenso, e também pela lealdade e fidelidade à memória, pode mesmo comprometer a autenticidade da fala que, ainda que verdadeira, é dada a saber pelo filtro da percepção dos interlocutores. Não obstante, como é habito afirmar, contra dados e factos não há argumentos, não há espaço para “senões e considerandos”; foi então o que a nova estratégia possibilitou: ao deixar o interlocutor (eu) a um razoável distanciamento – como observador analítico -, abriu espaço para que o leitor, com base nas evidências trazidas ao texto, formasse o seu próprio juízo acerca do homenageado.
Eu conheci JJPM no ano de 2016, quando passei a integrar os Quadros da Loja de Estudos e Pesquisas Universum, 147, jurisdicionada à Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul. Como todo iniciante, acautelado, ficava mais a observar, para aprender, do que a efetivamente tomar iniciativas. Naquela época ele já revelava as primeiras manifestações da doença – o Mal de Parkinson – que desde então, e de forma célere, viria a comprometê-lo, sobretudo algumas funções, a exemplo da locomoção e da fala, à exceção da cognição, sempre lúcida e arguta. Não obstante, sem qualquer constrangimento e sem jamais se afastar da afabilidade no trato, ele era presença sempre assídua, inclusive nas visitas às Lojas (algumas distantes, no interior do Estado), ora como palestrante, ora como acompanhante de apoio para formar a equipe da Loja. E também já desde as primeiras reuniões (mensais) me ficou claro que as suas manifestações tinham a densidade de uma expressão que ele mesmo ocasionalmente recorria frente a outras circunstâncias, nunca em causa própria: Roma locuta, causa finita.
Aos poucos, à medida que adquiria e lia as publicações da Loja [3], conhecidas como Edições “Universum”, passei a ter maior clareza da envergadura do Mestre, aquele com quem se busca esclarecimento e orientação, bem como se identifica como um exemplo a ser seguido. E foi assim que para celebrar o Jubileu de Prata da LEP Universum eu fiz o levantamento e a catalogação de todos os trabalhos até então publicados, de cujo texto (Pinheiro, 2021) extraio que, em meio a 42 autores, até àquela oportunidade o Irmão JJPM, em termos de quantidade de trabalhos, com 12, ocupava o terceiro lugar e, se considerado o número de páginas publicadas, com 407, o segundo lugar, a mesma colocação se levado em conta o número médio de páginas/artigo (33,9). Estas realizações constituem uma pequena amostra da capacidade de trabalho e do legado quantitativo do Irmão JJPM.
Quadro 1: Produção Intelectual do Irmão JJPM publicada pelas Edições “Universum”: 1997-2021
Nota: (*) este texto foi republicado na Edição Especial n0 4, 2003, em celebração ao sétimo aniversário da LEP Universum.
Acredito que qualquer que seja a régua de medida, o volume da produção intelectual do Irmão JJPM é superlativo, ultrapassa, com larga margem, a média de páginas/texto publicados pelas revistas nacionais similares às Edições “Universum”; e só não sou categórico porque não posso firmar (por impossibilidade) o conhecimento sobre o universo publicado, mas senão por outros motivos, pelas restrições que em geral são estabelecidas pelos próprios editores (15, no máximo 20 páginas), e também pela dificuldade de comparar os diferentes padrões de diagramação adotados pelos periódicos.
Desconheço se o Irmão JJPM publicou algum livro, por vezes um dos critérios (exigências) utilizados para selecionar os candidatos (indicados) às Academias Maçônicas de Letras, mas seguramente (e creio não ser necessário enumerar evidências para, por comparação, comprovar), como pode ser visto no Quadro 1, alguns dos seus textos também superam, em número de páginas, muitos livros disponíveis no mercado editorial. Não é por acaso que ele ocupou a Cadeira 32 da Academia Maçônica de Letras Sul-Riograndense. Habitualmente cada publicação das Edições “Universum” é constituída, majoritária mas não exclusivamente, por uma coletânea de textos escritos pelos integrantes da LEP Universum; não obstante, o Irmão JJPM assinou, sozinho, 2 (duas) edições: a Especial nº 1, em 1998 – comemorativa ao segundo ano de fundação da Loja -; e, a Especial nº 5, em 2016 – alusiva ao seu vigésimo aniversário. Portanto, parece correto afirmar que em meio ao legado de JJPM há sim, pelo menos 2 (dois) livros de lavra exclusiva. Tais feitos, somados à republicação de um texto de 1997, na Edição Especial nº 4, de 2003 – onde também há textos de outros autores -, permite concluir que o homenageado, já há tempos era convidado a participar de eventos especiais – de grande significado para a Loja e, por extensão, para a comunidade maçônica local e regional – o que, em si e em vida, foram reconhecimentos e distinção.
Os elementos quantitativos trazidos ao texto sinalizam para um espírito intelectual inquieto e empreendedor, mas afinal, de onde provieram tantas ideias, quais as fontes inspiradoras e nas quais sorveu o autor? Se os títulos dos seus trabalhos sinalizam a preferência pelos grandes temas da Maçonaria, efetivos guarda-chuvas para quase todos os Ritos, também apontam que para o seu desenvolvimento (e terem obtido a repercussão que hoje sabemos) exigiram a proficiência em diversos campos de conhecimento (História Geral, História da Maçonaria, Filosofia, Religião, etc.), um eclético e robusto lastro de conhecimento. O que pronto aguça a curiosidade do leitor: quais os autores e as obras que “fizeram a cabeça” do Irmão JJPM?
A busca pela resposta a estas perguntas levou à descoberta de valiosas lições deixadas pelo Mestre, não diria ocultas, mas que demandam um esforço para além da leitura isolada de cada um dos seus textos; são estas pois, as descobertas que ora passo a compartilhar. Ademais, conforme será dado a perceber, foi possível, senão identificar, conjecturar sobre os hábitos do homenageado, o seu zelo intelectual (responsabilidade pelo que escreve) e até mesmo o seu entendimento do que é a Maçonaria e como devem proceder os Iniciados intelectualmente mais inquietos.
Como método, procedi ao levantamento de toda a bibliografia referida ao final de cada um dos textos relacionados no Quadro 1.
Na planilha resultante, cada linha (a referência bibliográfica/texto) foi desdobrada em 6 (seis) colunas: autoria, nome da obra, editora, cidade, país e ano. Resultado: uma matriz com 574 linhas e 3.444 células com registros que, classificados e tabulados, se afiguram como informações que desvelam, mesmo para aqueles que não o conheceram, traços do Irmão JJPM.
Ora, de pronto ressalta uma informação: considerando terem sido 18 o número de publicações, o número médio de “referência bibliográfica/texto” é de praticamente 32. À primeira vista é um número elevado, seguramente superior ao que pode ser observado na maioria das publicações nacionais, inclusive em atenção às próprias exigências estabelecidas pelos agentes de fomento, como ilustra o edital para o I Concurso da CMSB [4] – Perspectivas para o Futuro [5] -:
[…] mínimo de 5 e máximo de 15 páginas, tamanho A4, excluindo eventuais capas e incluindo referências bibliográficas […] ainda, deve conter um mínimo de 05 (cinco) referências bibliográficas, que devem estar referenciadas no corpo do artigo, seja como citação direta ou indireta […];
todavia, trata-se de quantitativo alinhado, por exemplo, com as diretrizes da Revista Ciência & Maçonaria:
Espera-se um mínimo de referências de autores diferentes equivalente a, pelo menos, o mesmo número de páginas do artigo. Exemplo: um artigo de 10 páginas deve ter, no mínimo, 10 referências de autores diferentes” [6].
Em visão panorâmica observa-se o quão variadas foram as fontes do estudioso: no campo da Filosofia, dos Clássicos (Platão, Aristóteles) aos Modernos e Contemporâneos (F. Nietzsche, M. Heidegger, I. Kant, L. Wittgenstein, J. Habermas, M. Foucault, J. P. Sartre), e do mesmo modo no que refere à Maçonaria: de J. Anderson, S. Prichard, W. Preston, L. Dermott, Albert G. Mackey, Albert Pike, Robert F. Gould a Joseph F Newton, J. M. Ragon, D. Stevenson, entre outros. De imediato tem-se, aqui, uma recomendação sobre quais os autores que, se não são indispensáveis [7], foram lidos, consultados e citados pelo homenageado, o que por si mesmo é uma sugestão para que constem da biblioteca de todo aquele que se propuser a estudar e fundamentar as suas manifestações sobre a Maçonaria, independentemente do Rito praticado.
Mas em meio a tantos autores que de certo modo já eram esperados, o que mais chama mais a atenção é a habilidade com que o Irmão JJPM estabelecia o diálogo dos primeiros com outros tantos e das mais diversas áreas do conhecimento, a exemplo de I. Newton (físico e matemático, mas também ocultista), J. Piaget (psicólogo, epistemólogo), Carl G. Jung (psicoterapeuta), M. Eliade (cientista das religiões, mitólogo), I. Asimov (escritor), Humberto Eco (semiólogo, linguística), J. Campbell (mitólogo, estudioso de religiões comparadas), M. Gleiser (astrônomo e cientista), C. Lévi-Strauss (antropólogo, sociólogo), Jorge L Borges (poeta, ensaísta) e mais. Aqui, mais duas importantes lições: a multidisciplinaridade e a transversalidade exigidas para a compreensão da Maçonaria, bem como a sua conexão com a realidade do quotidiano. Em complemento, não se observa nos seus textos, gratuitamente e sem fundamentação, longas e exageradas tessituras de loas à Maçonaria, mas antes, quando oportuno o reconhecimento, realizado a partir da lógica, da Maçonaria considerada como um produto do seu tempo e da História.
Ainda em perspectiva, é notável a fluência do autor, tanto em inglês, quanto em francês e espanhol, competência que lhe permitiu, em vários textos e quando oportuno, confrontar a tradução em português com os respectivos originais (em alguns textos ambos são citados).
Para escrever Landmarks (Edição 36, 2016), das 19 referências, 15 não estão escritas em português. E se isso sem dúvida para muitos corresponde a uma restrição, para outros abre novos e por vezes inusitados horizontes, diferentes perspectivas de análise sobre o mesmo fenômeno. Tal competência permitiu-lhe, seguindo a mais estrita recomendação técnica, que ao trazer a contribuição de um determinado autor, o Irmão JJPM a complementasse com as análises e os comentários de terceiros sobre a obra (a contribuição) do citado, mesmo quando não disponível em português; isto, sem dúvida, enriquece sobremodo o conteúdo geral.
Vale a pena frisar, porque é equívoco demasiado comum, a confiança absoluta no (quando não o único) autor citado. Zeloso, JJPM buscava e convidava, no texto, à reflexão, reunia os pontos de vista e salientava os contraditórios; esta é, pois, mais uma lição deixada pelo Mestre. Oxalá tenha deixado uma Escola de seguidores.
Quais os autores e as obras mais referenciadas? Respectivamente:
- Platão (29) –
- A república (5),
- A defesa de Sócrates (1),
- As leis (3),
- Fédon (6),
- Timeu (3),
- Outros Diálogos [8]: Mênon, Banquete, Fedro, Crítias, Segundo Alcebíades (11);
- Carl G. Jung (20 referências) –
- Os arquétipos e o inconsciente coletivo (3),
- Fundamentos da psicologia analítica (3),
- Psicologia e alquimia (3),
- Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo (2),
- Interpretação psicológica do dogma da trindade (2),
- Psicologia e religião oriental (2),
- A vida simbólica (2),
- O símbolo da transformação na missa (1),
- A energia psíquica (1),
- Símbolos da transformação (1); e,
- Aristóteles (16) –
- Ética nicomáquea, ética eudemia (7),
- Metafísica (5),
- Da alma (3),
- Política (1).
O fato de os 3 (três) autores mais citados, bem como as obras de referência não pertencerem ao campo da Maçonaria parece revelar, de modo inequívoco, o posicionamento do autor: a Ordem não pode ficar ensimesmada, fechada em si mesmo, limitada à história; a Maçonaria é universal, dinâmica, relacional, axiológica, voltada para o dia a dia e para o futuro – aspecto deveras saliente a partir do diálogo estabelecido com os mais diversos autores em diferentes campos do conhecimento. Ancorado nos clássicos – Platão e Aristóteles -, de onde buscou os mais sólidos fundamentos, JJPM encontrou em Carl G. Jung o melhor intérprete contemporâneo para a indispensável reflexão simbólica no seio da Maçonaria Especulativa.
O pano de fundo se torna ainda mais nítido quando, aos autores e às obras já enumeradas, outros, desses domínios, são acrescentados; assim, no contexto da Maçonaria:
- a importância atribuída à física e à metafísica de Platão, bem como as de Aristóteles, ganham ainda maior relevância quando são ponderadas as referências a Plotino (3 obras totalizando 14 referências), a Proclus (2 obras totalizando 6 referências), as análises de Tomás de Aquino (Comentário a la ética a Nicómaco de Aristóteles), de Thomas Taylor (The metaphysics of Aristoteles, The commentaries of proclus on the timaeus of plato), Thomas Whittaker (The neo-platonists), Walter Pater (Plato and platonism), William R Inge (The philosophy of plotinus), Charles Bigg (Neoplatonism), George R. S. Mead (Plotinus) e outros (a exemplo de G. Reale);
- nota: JJPM recorreu aos Diálogos na sua versão em português, mas quando se tratava das análises não dispensou os autores e textos em outros idiomas;
- e do mesmo modo as de Carl G. Jung são complementadas por Mircea Eliade (9 referências, sendo 3 de O Sagrado e o Profano), René Alleau (A Ciência dos Símbolos – 4 referências), René Guénon (Os Símbolos da Ciência Sagrada – 5 referências), Mário R. de Luna (O simbolismo das religiões), Orígenes, ainda que com apenas uma citação (On first principles) e outros.
Fica patente, através destes sinais, a centralidade da Tradição [9] e do simbolismo na obra do Irmão JJPM. E se a estas dimensões forem acrescentas as anteriormente mencionadas, ter-se-á o seguinte conjunto de palavras e expressões-chaves para, em exercício de síntese, identificar a produção intelectual do Irmão JJPM: comprometida com uma Maçonaria contemporânea, com olhos voltados para o futuro, porém ancorada nas Tradições, na análise e interpretação simbólicas, e nos valores de sustentação aos relacionamentos.
Mas para além do conhecimento dos Clássicos, o universo mental do Irmão JJPM era povoado por inúmeros pensadores e filósofos da Modernidade [10], podendo-se afirmar que as suas leituras não eram aprioristicamente selecionadas por algum viés de preferência ideológica ou política (tendentes a reafirmar os vieses pré-existentes), daí que as suas considerações partiam do conhecimento e dos posicionamentos das mais diversas perspectivas ou, (pelo menos) dos 2 (dois) lados da História: B. Espinosa, F. Bacon, Jean-Jacques Rousseau, S. Freud, H. Marcuse, Michael Oakeshott, Ernst Cassirer, Alasdair MacIntyre, Mário F. dos Santos e vários outros. JJPM não foi um Maçom que, predominantemente, recorria a maçons para dirigir-se aos maçons para falar sobre Maçonaria.
A Bíblia (mais de uma versão), o Alcorão, assim como a história judaica contada por Flávio Josefo (The history of the jews, The antiquities of the jewes, A complete collection of the genuine works of Flavius Josephus), Fílon de Alexandria (The works of philo judaeus, the contemporary of Josephus), Samuel L. MacGregor Mathers (The kabbalah unveiled ) e outros também mereceram citações e referências.
Finalmente, e sobre os autores e as obras no campo da Maçonaria propriamente dita?
A resposta não é simples como, à primeira vista, se apresenta. Dificuldades: 1) há autores clássicos, bastante conhecidos e já citados neste texto, mas certamente há outros, lidos e citados por JJPM, mas que me são desconhecidos; 2) o problema apontado em (1) é superado quando o título da obra explicitamente identifica o conteúdo à Maçonaria, mas quando não é o caso, a exemplo do Pythagorean Triangle, do Reverendo e Maçom George Oliver, ou de Los Estados Multiples del Ser, de René Guénon, intelectual esotérico com amplas incursões no campo da Maçonaria? R. Guénon, por exemplo, é assíduo na literatura maçônica do Rito Escocês Retificado, mas não tanto no Rito Escocês Antigo e Aceito. A exemplo destes, é possível que existam outros casos na matriz de dados primários.
Frente a estas dificuldades, a opção, para oferecer alguma informação quantitativa ao leitor, foi contrastar a quantidade de autores de obras inequivocamente maçônicas (autor-título) com o total de autores identificados-listados independentemente do número de obras citadas por JJPM; assim, por exemplo, embora inúmeras obras de Platão tenham sido citadas, como autor, no procedimento adotado, ele só foi considerado uma vez. A Bíblia, assim como os Rituais Simbólicos (de todos os Graus) e os Dicionários foram equiparados, cada um, como sendo 1 (um) autor.
Nestes termos, procedido o levantamento, frente a um total de 267 “autores”, 58 – 21,7% – foram identificados como autores de obras inequivocamente relacionadas à Maçonaria, o que corrobora a observação anterior: JJPM foi, antes de tudo, um Mestre na promoção do diálogo da Maçonaria com os mais diversos campos do conhecimento (antropologia, psicologia, política, religião, literatura, etc.), inclusive com a “Física Nuclear e de Partículas”, de Salomon S. Mizrahí e Diógenes Galetti, e também com a “Uranografia”, de Rogério R. de F. Mourão; tendo colocado, assim, a Ordem na pauta do quotidiano. Mas chama a atenção a reduzida presença de autores nacionais na sua biblioteca, exceção a Valdir Gomes, Walter de O. Bariani e Hipólito J. da Costa, cada um com uma citação, e talvez um ou outro a mais que eu não tenha reconhecido pelos motivos acima já esclarecidos.
Não passa despercebido ao leitor, a presença, na biblioteca de JJPM, de inúmeros títulos editados no século XIX, mais precisamente, 31 obras que foram citadas várias vezes, e 3 (três) do século XVIII: A complete collection of the genuine works of Flavius Josephus, Les elements d`Euclide e, The hermetical triumph de Limojon de Saint-Didier, o que autoriza conjecturar que o Irmão JJPM, além de ser um amante do saber, um leitor ávido, era também um colecionador sempre disposto, na suas viagens, a encontrar tempo para garimpar títulos nos “sebos” das cidades visitadas, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos da América. Curiosidade: vários títulos, em tudo mais idênticos, registravam diferentes datas de edição; teria sido um cochilo do Mestre (comprando o que já possuía, algo habitual nos leitores compulsivos) ou alguma edição revista, ampliada ou comentada por terceiros?
Um ponto aproxima o Irmão JJPM da maioria dos autores maçônicos nacionais: não recorrer aos periódicos como fonte de pesquisa, apenas 7 (sete) menções foram registradas.
Com uma prosa fluída e instigante, sempre e naturalmente prendendo a atenção do leitor, o Irmão JJPM dispensava a estruturação do texto em secções (como é tecnicamente recomendado, senão como ferramenta de auxílio ao autor, ao leitor), escrevia como conversava (preferencialmente mediado por bom merlot), pois a sua organização para a exposição límpida e linear, era essencialmente mental, dispensando adereços auxiliares. Imagine o desafio, primeiro, de identificar temas e questões instigantes no seio da Ordem, depois, organizar as suas próprias ideias, argumentando e fundamentando a partir do diálogo com 60 pensadores, tudo isto ao longo de 130 páginas, como foi o caso de em o Cenáculo (Edição 41, 2020).
Em meio a tanto, ainda no âmbito da abordagem quantitativa e da exploração de dados públicos, é possível apreender outras realizações do Irmão JJPM. Por exemplo, na Edição 38 (2018, p. 33-54), JJPM apresentou, com o título “O Bom, o Mau e o Feio”, a tradução da palestra proferida pelo Irmão Alain Bernheim, 330, em sessão da Logia Quatuor Coronati, 122, filiada à Grande Loja Regular da Itália, em 03.10.2003.
A sua contribuição à Ordem, conforme já mencionado, já era amplamente reconhecida. Por exemplo, o Irmão Valdir Gomes, um dos seus pares na LEP Universum, ao término das suas “Reflexões”, ao lado de 2 (duas) citações e referências específicas, registra o seu “agradecimento peloa aprendizagem na produção literária dos Irmãos Aílton P. T. Branco, JJPM, Marcello Fco. Ceroni e Walnyr G. Jacques” (Edição 34, 2015, p. 98).
Em 2001, em celebração ao 5º aniversário da LEP Universum, foi instituída a Câmara de Estudos, considerada como a terceira fase de desenvolvimento da Loja: a primeira, a da submissão, avaliação e publicação dos trabalhos individuais; na segunda “as peças de arquitetura eram resultantes do esforço de “comissões de estudo”, integradas por membros com interesses convergentes para determinada matéria maçônica”. Na terceira:
[…] a sistemática laboral é um pouco diferente, mas muito mais eficiente […] as matérias de maior profundidade e de alta indagação podem ser discutidas e definidas em termos exaustivos. Qualquer ponto de vista individual ou grupal, tendo por objeto tema de grande interesse maçônico, é debatido por aqueles que já estão dedicados ao mesmo assunto, ou que têm demonstrado notórios conhecimentos sobre o mesmo […] esse modo de organização permite a existência simultânea de mais e uma Câmara, tornando possível a discussão e definição de várias pautas temáticas ao mesmo tempo;
quando então o Irmão JJPM foi convidado, entre os 7 (sete) integrantes, a ser o relator do primeiro tema (“Transmissão da Palavra Sagrada no Grau de Mestre no REAA”) analisado pela primeira Câmara, cujo relatório final, sob o título “Os Cinco Pontos Perfeitos”, foi publicado na Edição Especial n0 2 (2001).
Lembrando que, de regra, a redação do Prefácio das Edições é atribuição do Venerável Mestre (VM), e que por vezes aquele se confunde com a Mensagem (Palavra) que o VM dirige à comunidade maçônica, o Irmão JJPM, provavelmente devido ao impedimento do titular, foi chamado a prefaciar as Edições nº 10, de 1999; e, a n0 22, de 2004. Em 2019 foi convidado a prefaciar a Edição n0 40 (Especial): a reunião, num só volume, da História da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, escrita pelo Irmão Walnyr G. Jacques (que fora Grão-Mestre [11] e o empreendedor que esteve à frente da fundação da LEP Universum) e que até então se encontrava (e como também ainda, alternativamente, pode ser encontrada) dispersa em vários números, porque publicada na forma de capítulos pelas Edições “Universum”. Posteriormente, já na condição de Venerável (aclamado), prefaciou as Edições: 41/2020; 42/2021 (em celebração ao Jubileu de Prata da LEP Universum); 43/2021; 44/2022 (Edição exclusiva e que dá continuidade à História da GLMERGS, 1970-2022, agora escrita por Valdir Gomes); e, a 45/2023.
Ao longo da sua história a LEP Universum alternou procedimentos: ora os pareceres dos relatores dos trabalhos submetidos foram, ora não, publicados junto com os respectivos textos. Também aqui pode ser encontrado o legado do Irmão JJPM:
Quadro 2: Pareceres Emitidos pelo Irmão JJPM e Publicados pelas Edições “Universum”: 2000-2020
A terceira coluna (“Edição”) traz mais uma evidência da extraordinária capacidade de trabalho e da contribuição do Irmão JJPM: o leitor atento, que confrontar os Quadros 1 e 2, perceberá que no mesmo período em que JJPM leu e redigiu pareceres sobre 12 submissões, também escreveu as 259 páginas, dos seus próprios trabalhos, publicadas conjuntamente nas mesmas Edições.
Assim, concluo esta homenagem com citações extraídas de alguns Pareceres emitidos pelos Irmãos do Quadro às submissões encaminhadas por JJPM:
[…] o trabalho apresentado […] é “brioso” […] visto ser grande a vontade de fruição do seu conteúdo pelo espírito do leitor mais atento, decorrente não apenas da vasta cultura demonstrada pelo autor, pela elegância do texto, ou mesmo pela intimidade com pensamentos como os de Platão, Aristóteles, Nietzsche e Cassier. Em que pese o facto de todos estes atributos beneficiarem em muito a fruição do texto, o que realmente torna este saber “saboroso”, é a força da mensagem nele contida, sendo o seu caráter invulgar auto-evidente […] (Marcus V. Madeira, sobre “Filosofia Maçônica e Dogma Teológico”, Edição 29, 2011, p. 104-5);
.
Ao reportar-se às raízes dos ensinamentos ora abandonados, diz [o autor] que as “interpretações fantasiosas, tão comuns nos últimos anos, prestaram um desserviço à Ordem Maçônica. Provocaram desvio de rumo, irremediável perda de tempo …” e oferece a sua sugestão: “precisamos criar condições para garantir a sua sólida formação, incrementar mecanismos de estímulo a grupos de estudos e pesquisas …” (Walny G. Jacques, sobre “Maçonaria – uma Escola de Mistérios Iniciáticos”, Edição 32, 2014, p. 70);
.
Escrita com metodologia formal, com introdução, desenvolvimento, conclusão e utilização de alguns vocábulos que sem dúvida o leitor necessitará recorrer ao dicionário para melhor compreensão da sentença, o que a meu ver enobrece, enriquece e instiga ao aprimoramento cultural dos leitores […] Todos os argumentos apresentados pelo autor possibilitam ao leitor retirar desta peça de arquitetura as suas próprias conclusões e abrem possibilidades de estudos em muitas outras direções […] (Robson A. M. de Jesus, sobre “Corpo, Alma e Espírito”, Edição 35, 2016, p. 58-9); e,
.
[o autor] formula as suas ideias sobre o tema, garimpando segmentos de pensamentos de múltiplos autores em obras que preenchem bibliografia extensa, abrangente a estudos de áreas como filosofia, psicologia, história, didática, desenvolvimento humano e outras O resultado dessas consultas proporciona-lhe as bases para a sua teoria sobre o tripé de ensino e de evidências maçônicos ideais para iluminar o despertar iniciático […] procura entender os conceitos teóricos sobre cosmovisão, espiritualidade, realidade simbólica, o profano e o divino, a elevação intelectual e moral. Faz as suas interpretações e projeções numa postura relacional inteligente, convidativa no universo psíquico que levam ao entendimento de actos e factos, fenomenologia e essência existenciais […] pelo que li, aprendi e intuí, recomendo ao plenário da Loja Universum a aprovação da peça de Arquitetura “Cenáculo” (Ailton P. T. Branco, Edição 41, 2020, p. 280 e 286).
A propósito, JJPM refere ao Irmão João José Pereira Moreira, M.I. e Venerável Mestre da Loja Universum por ocasião do seu falecimento (16.11.23). Por fim, parafraseando o hino sul-rio-grandense, data venia, adapto o seu refrão:
Sirvam as suas façanhas
De modelo a toda Terra
De modelo a toda Terra
Sirvam as suas façanhas.
Ivan A. Pinheiro
Mestre Maçom. O autor não expressa o ponto de vista das Lojas, Obediências ou Potências das quais participa, mas tão somente exerce a sua liberdade de pensamento e expressão, daí porque muitas vezes comunica na primeira pessoa do singular. E-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Porto Alegre-RS, 10.08.24. |
Notas
[1] Vide, p. ex.: https://colband.net.br/2013/05/12/pior-a-emenda-do-que-o-soneto/#:~:text=A%20express%C3%A3o%20%E2%80%9Cpior%20a%20emenda,Bocage%20(1765%2D1805)%20.
[2] Afirma o dito popular: “quem morre vira santo”, pois todos os seus erros, defeitos e mal feitos são de imediato esquecidos, como se a morte, vista como castigo irrevogável, tivesse o condão do pleno esquecimento e perdão.
[3] Com quase 30 anos de existência, a LEP Universum já publicou aproximadamente 50 obras.
[4] Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil.
[5] Disponível em: https://www.gleb.org.br/blog/cmsb-inaugura-editora-e-lanca-concurso-literario-saiba-como-participar. Acesso em: 08.08.24.
[6] Disponível em: https://www.cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem/about/submissions#authorGuidelines. Acesso em: 08.08.24.
[7] Toda e qualquer lista não está à margem de críticas, mas o fundamento da sugestão é o reconhecimento hoje atribuído ao Irmão JJPM.
[8] Porque combinados em diferentes obras, não é possível identificar individualizando.
[9] Refiro à Tradição (elementos da cultura e dos conhecimentos dos antigos), para distinguir da “tradição inventada”, usos e costumes em meio aos quais acontecimentos reconhecidamente históricos são combinados às crenças e fantasias, por vezes intencionalmente e no âmbito de um projeto de legitimação de poder (político, religioso e/ou econômico), na forma de narrativas que pouco a pouco, com status de normalidade e habitualidade são então “incorporadas” à História e repassadas, inclusive, quando não sobretudo pelas instituições de ensino, às gerações futuras.
[10] Em razão dos propósitos deste texto não considero necessário adentrar em desdobramentos e no debate sobre a exatidão rigorosa das expressões, se Contemporaneidade ou Pós-Modernidade.
[11] 130 Administração, 07.04.67 – 28.07.72. Disponível em: https://www.glojars.org.br/galeria-honra. Acesso em: 10.08.24.
[13] Qualquer exemplar da coletânea das Edições “Universum” pode ser adquirido através do Irmão Robson A. Machado de Jesus; e-mail: robson@ramaje.com.br; (51)3339-0442; (51)98144-0494.
Referências bibliográficas [13]
- PINHEIRO, Ivan A. Loja de Estudos e Pesquisas (LEP) “Universum” – 25 anos: passado, presente e futuro. In: Edições “Universum”, Edição Comemorativa – Jubileu de Prata, GLMERGS (Porto Alegre-RS), maio, 2021, p. 97-112.
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