CHEGADA NA ESCARPA ROCHOSA

 


Sem dar atenção às minhas súplicas, eles cantavam:

O verdadeiramente alto sempre está em baixo.
O verdadeiramente rápido vai sempre devagar.
O altamente sensível é entorpecido.
O altamente eloqüente é mudo.
A enchente e a vazante são uma só maré.
Quem não tem guia tem o melhor guia.
O muito grande é sempre o menor.
Tudo tem quem dá tudo que é seu.
ABISMO NEGRO
Como último recurso, pedi-lhes que me dissessem para que lado devia me voltar ao sair da gruta.
Pois a morte poderia estar à minha espera no primeiro passo que eu desse e eu ainda não queria morrer.
Sem fôlego, esperei pela resposta que veio com outra extravagante canção.
O que me deixou mais perplexo e exasperado do que nunca, dizendo:
A borda do penhasco é dura e escarpada.
O seio do vácuo é macio e profundo.
O leão e o verme, o cedro e o vime,
O coelho e o caramujo, a lagartixa e a codorniz,
A águia e a toupeira, todos no mesmo buraco.
Um gancho. Uma isca. Só a morte compensa.
Como é em cima, assim é em baixo.
Morrer para viver ou viver para morrer.
MORRER E VIVER
Morrer para viver ou viver para morrer.
A luz da lanterna se apagou, no momento em que deixei a gruta engatinhando com as mãos e os joelhos.
Com o cão atrás de mim para se certificar de que eu realmente saíra da gruta.
A escuridão era tamanha que me parecia sentir o seu peso sobre as minhas pálpebras.
Eu não me poderia me deter um só instante mais.
O cão me fez compreender isto, perfeitamente.
Um passo hesitante. Outro passo hesitante. Um terceiro passo hesitante e senti que a Montanha havia desaparecido
debaixo dos meus pés.
Me senti colhido pelas ondas revoltas de um mar de trevas que me roubavam o alente e me lançavam para baixo...
Para baixo... cada vez mais para baixo.
A última visão que me passou pela mente enquanto eu girava no vácuo do Abismo Negro foi a do satânico casal de noivos.
As últimas palavras que murmurei, quando o alento me gelou nas ventas, foram as que eles haviam pronunciado:

“Morrer para viver ou viver para morrer.”

Fonte: Livro de Mirdad, de Mikhail Naimy.
Imagem: Arquivo: Montanha do Espírito com Sete Degraus.
Antônio Monteiro

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