Meditação, psicanálise e supraconsciência nas tradições inicáticas


A via inicática, tal como a compreendiam as antigas tradições sapienciais e como ainda pervive na maçonaria operacional, não tem como objetivo a compreensão do eu nem a resolução de conflitos internos, mas a realização de uma dimensão que transcende a própria individualidade.

Esta dimensão, supra-humana, não é alcançável por meio de técnicas psicológicas nem pelo refinamento da personalidade, mas por um processo de transformação profunda que implica o desmantelamento de todas as formas limitantes.
Nesta chave deve ser compreendido o simbolismo maçônico.

O trabalho do aprendiz não é um exercício de autoexploração, mas uma preparação para o abandono das formas.

A pedra bruta que deve ser desbastada não representa um eu que deve ser fortalecido, mas uma estrutura rígida que deve perder suas arestas para ser reintegrada na harmonia do templo universal.

O silêncio do aprendiz não é introspectivo nem contemplativo no sentido moderno, mas operacional: um ato interior pelo qual a palavra perdida começa a ressoar, não como conteúdo, mas como presença.
Esta ideia de trânsito da forma para o sem forma também se expressa com mestrado na Divina Comédia de Dante.

A própria estrutura do poema reflete a progressão dos estados da alma: o Inferno como reflexo da mente inferior e suas paixões endurecidas; o Purgatório como espaço de transmutação e verticalização; o Paraíso como a progressiva dissolução do sujeito na Luz.

Todo céu do Paraíso não é apenas uma área astronômica, mas um grau de consciência.

À medida que Dante sobe, a visão fica clara e a linguagem torna-se mais essencial.

A falha da fantasia é a anulação da forma.
O raio é a iluminação súbita do supraconsciente.
O desejo, já sem objeto, se realiza quando cessar como desejo.

Esta experiência coincide com os testemunhos dos sábios de todas as tradições quando descrevem o estado além da mente, onde já não há distinção entre conhecer, conhecer e conhecer.

Este estado foi descrito em várias línguas, mas a sua realidade é uma.

No Advaita Ved ānta, é conhecido como tur īya, o quarto estado, além da vigília, sono e sono profundo.

Não é um estado alterado, mas o fundo sempre presente que brilha quando cessam as agitações da mente.

No sufismo, Ibn ʿArab ī fala de uma consciência sem véu, onde o amante e o amado se unificam no Amado.

Na Cabala, faz-se referência à unidade com o Ein Sof, a infinitude divina, quando o vaso é anulado na Luz.
Na Maçonaria, esta estrada está velada na alegoria do Mestre Hiram.

Sua morte não é um fato mítico, mas uma representação da necessidade de morrer para a identidade profana para renascer no eixo espiritual.

O silêncio que segue sua morte é o espaço onde a palavra perdida pode surgir, não como conhecimento transmitido, mas como ressonância interior.

Esta palavra não pode ser pronunciada porque não pertence à linguagem dual, mas à pura intelecção.
Face a este trabalho de superação do humano, a psicanálise aparece como uma técnica destinada a manter a coerência do eu, a reparar as suas fraturas e a garantir o seu funcionamento no mundo.

Não é que seja inútil para quem vive preso no sofrimento psicológico; o que acontece é que ele se move em um plano totalmente diferente.

Como indica Guénon, “o erro fundamental da psicologia moderna consiste em tomar como sujeito o eu, sem ver que o verdadeiro sujeito é supra-individual”.
A psicanálise trabalha com o subconsciente, entendido como depósito de conteúdo reprimido que surgem para serem integrados na consciência individual.

Mas esta integração não equivale a uma realização espiritual. Guénon é flagrante: “O inconsciente freudiano não é mais do que um resíduo psíquico do ser humano; longe de representar um caminho para o supra-humano, é uma regressão para o sub-humano”.
Até as emoções, tão valorizadas no discurso moderno, são vistas aqui como energias que devem ser transmutadas.

Não há espiritualidade enquanto a alma se identifica com a agitação emocional, mesmo que esta se manifeste de formas subtis.

A paz verdadeira não nasce do equilíbrio entre emoções, mas da cessação do desejo.

É por isso que Dante coloca o seu descanso final não na visão, mas na vontade divina: “In la sua volontade è nostra pace”. Só quando a alma se entrega ao movimento do Ser pode cessar o conflito.

Neste sentido, a meditação nas tradições inicáticas não consiste em observar pensamentos nem gerir emoções, mas em dispor-se ao silêncio.

É um abandono radical de tudo o que é visto como seu, até que a distinção entre sujeito e objeto desapareça. Não há técnica aqui, mas disposição interior.

O símbolo guia, o ritual orienta, mas a chave é o esvaziamento.

Quando isso acontece, o supraconsciente não é algo que se conquista, mas algo que se revela como a única coisa real, sempre presente.

Como recorda Guénon: “As doutrinas orientais preservaram o verdadeiro sentido da espiritualidade, que é a realização efectiva do Ser total, e não uma simples aspiração sentimental ou um desenvolvimento psicológico”.

A tradição maçônica operacional, na sua dimensão simbólica mais profunda, guarda ainda as chaves deste trânsito para o real.

A quem se aproxima com humildade e perseverança, a pedra revela-se como luz, e o templo como reflexo terrestre de uma ordem eterna.

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