Não se pode negar qualquer ponto de vista ...

 


Um ser qualquer, humano ou outro, pode ser considerado evidentemente sob pontos de vista bem diferentes, podíamos até dizer que existem um número indeterminado de pontos de vista, de importância farta desigual, mas igualmente legítima dentro dos seus domínios respectivos, desde que não pretendam ultrapassar seus próprios limites nem, acima de tudo, tornar-se exclusivos e acabar por negar os outros.

Se assim for e, consequentemente, não se pode negar qualquer ponto de vista, nem ao mais secundário ou contingente entre eles, o lugar que lhe pertence pelo simples fato de responder a alguma possibilidade, por outro lado, não é menos evidente que, do ponto de vista metafísico, o único que aqui nos interessa, considerar um ser sob o seu aspecto individual é necessariamente insuficiente, pois dizer metafísico é universal.

Nenhuma doutrina que se limite a considerar os seres individualmente pode merecer o nome de metafísica, qualquer que seja o valor e o interesse que possa ter sob outros pontos de vista; tal doutrina poderá sempre ser denominada "física", no sentido original desta palavra, uma vez que limita-se exclusivamente ao domínio da "natureza", isto é, ao da manifestação, e ainda com a restrição de que só tem em conta a manifestação formal ou, mais especialmente, um dos estados que a constituem.

Muito longe de ser em si mesmo uma unidade absoluta e completa, como gostariam a maioria dos filósofos ocidentais e, em todo o caso, os modernos sem excepção, na realidade, o indivíduo constitui apenas uma unidade relativa e fragmentária.

Não é um todo fechado e auto-suficiente, um "sistema fechado" à forma da monada de Leibnitz, e a noção de "substância individual", entendida nesse sentido e à qual esses filósofos dão tanta importância, carece de valor propriamente metafísico: no fundo, nada mais é senão a noção lógica de "sujeito" e, embora não haja dúvida de que possa ser usado sob este conceito, não pode legitimamente ser transportado para além dos limites deste ponto de vista especial.

O indivíduo, considerado mesmo em toda a extensão de que é susceptível, não é um ser total, mas apenas um estado particular de manifestação de um ser, estado que está sujeito a certas condições especiais e determinadas de existência e que ocupa um determinado lugar na série indefinida de estados do ser total.

A presença da forma entre estas condições de existência é o que caracteriza um estado como individual; por outro lado, é evidente que esta forma não deve necessariamente ser concebida como espacial, pois só o é no mundo corporal, sendo precisamente o espaço uma das condições que definem este último.
Devemos recordar aqui, ainda que resumidamente, a diferença fundamental entre "sim" e "eu", ou entre "personalidade" e "individualidade", tema que já demos todas as explicações necessárias noutro lugar.

O "sim", dissemos, é o princípio transcendente e permanente do qual o ser manifestado, o ser humano, por exemplo, é apenas uma modificação transitória e contingente, alteração que, por outro lado, não poderia de forma alguma afectar o princípio.

Imutável na sua própria natureza, desenvolve as suas possibilidades em todas as modalidades de realização, de número indefinido, que constituem para o ser total outros tantos estados diferentes, cada um dos quais tem as suas condições limitativas e determinantes de existência, e das quais uma delas constitui a porção ou, melhor, a determinação particular deste ser que é o "eu" ou individualidade humana.

Aliás, este desenvolvimento só é tal, para dizer a verdade, quando é considerado do lado da manifestação; fora dela tudo deve necessariamente encontrar-se em perfeita simultaneidade dentro do "eterno presente"; portanto, a "permanente actualidade" do "si mesmo" não é afectada.

Assim, o "sim" é o princípio pelo qual existem todos os estados do ser, cada um dentro do seu próprio domínio, ao qual também podemos chamar grau de existência; e não devemos pensar que nos referimos apenas aos estados manifestados, individuais como o ser humano ou supra-individuais, isto é, em outros termos, formais ou não-formais, mas também, embora neste caso seja impróprio usar a palavra "existir", aos estados não manifestados, entendendo como tais todas as possibilidades que, pela sua própria natureza, não são susceptíveis de manifestação, bem como as próprias possibilidades de manifestação em modo principial; mas este "sim" só é por si mesmo, não tendo nem podendo ter, dentro da unidade total e indivisível da sua natureza íntima, nenhum princípio exterior a ele. "

(René Guenon, sobre Los Angeles.)

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