Após a unificação da Itália, impulsionada por figuras como Giuseppe Garibaldi, e após alguns papados de transição, Leon XIII assumiu o desafio de reorganizar o pensamento da Igreja perante um mundo em plena transformação.
O poder temporal do Vaticano tinha sido desmantelado, os Estados nacionais estavam a avançar sobre as estruturas tradicionais e a modernidade impunha novos ritmos à humanidade.
Neste contexto, Leon XIII procurou definir claramente o papel da Igreja perante a nova era, lançando as bases doutrinais que ainda hoje se mantêm.
Sua encíclica Rerum Novarum (1891) é talvez o exemplo mais claro desta tentativa de reconciliar a fé com a ordem social, oferecendo uma alternativa aos extremos do liberalismo selvagem e do socialismo revolucionário.
O forte protagonismo de líderes laicos como Garibaldi, abertamente ligados à Maçonaria e outras ordens esotéricas, intensificou a rejeição do Vaticano contra essas correntes.
Essa rejeição, já presente desde antes, consolidou-se doutrinalmente com a encíclica Humanum Genus (1884), onde Leon XIII condenou a Maçonaria como promotora do relativismo moral, do laicismo institucional e do colapso da ordem cristã nas sociedades modernas.
Leon XIII não se limitou a declarações teóricas: impulsionou linhas de ação direta contra a Maçonaria e outras ordens esotéricas.
Desde o fortalecimento de estruturas de militância católica até à criação de redes de influência política, educativa e gremial — como a Liga de San Miguel —, a sua estratégia foi clara: recuperar terreno espiritual, simbólico e político. Perante isto, a resposta foi inevitável.
A Maçonaria e outras ordens esotéricas, especialmente aquelas com inserção política e educacional real, começaram a desenvolver uma posição claramente anticlerical.
Não desde o confronto dogmático — porque muitas reconheciam livremente o princípio espiritual ou mesmo religioso — mas desde a oposição ao clericalismo como ingerência do clero na vida civil.
Este anticlericalismo não era uma cruzada contra a fé, mas uma defesa ativa da autonomia do Estado, da razão ilustrada e dos direitos civis contra as pressões da Igreja institucionalizada.
Nesse sentido, é importante esclarecer que o anticlericalismo maçônico nunca teve a ver com lutar contra os dogmas da fé ou com a espiritualidade do indivíduo.
Mas teve — e deve continuar a ter — uma posição firme quando a Igreja, através de estruturas organizadas como o Opus Dei, a Pastoral Social, as organizações profissionais católicas ou os sectores universitários afins, intervém na formulação de leis, na gestão pública ou na definição de políticas de aplicação geral.
Diante dessa avançada, a resposta da Maçonaria e de outras ordens esotéricas sempre foi clara: não.
O poder espiritual não deve condicionar o poder civil.
Paralelamente à ofensiva doutrinária da Igreja, o surgimento de múltiplas ordens esotéricas no final do século XIX — desde a Golden Dawn (Amanhecer Dourado) até uma constelação de escolas inicáticas, templárias, herméticas e gnósticas — exerceu uma influência considerável na resistência cultural e simbólica ao clericalismo.
Muitas dessas ordens disputaram não apenas o terreno espiritual, mas também o filosófico, político e estético, operando como verdadeiras alternativas de sentido e poder mole na Europa e na América.
No entanto, após a segunda metade do século XX, a maioria destas organizações perdeu a visão e a missão fundadora.
Em vez de se adaptarem ao mundo moderno como centros de formação do ser humano livre, eles caíram na especulação fantasiosa, desligadas dos processos reais de transformação social.
Arcanos, símbolos e chaves que outrora funcionaram como ferramentas de libertação e despertar interno, foram relegados para a decoração ritual ou fetiche intelectual, sem capacidade de aplicação concreta na vida quotidiana.
Hoje, grande parte dessas ordens parecem mais preocupadas em manter uma aura de mistério do que em oferecer sabedoria prática para atuar no mundo.
Hoje, a humanidade atravessa uma nova encruzilhada.
Estamos a deixar para trás o paradigma do humanismo clássico e antropocêntrico, para entrar — quase sem nos apercebermos — numa civilização de tecnocentrismo radical.
O avanço da inteligência artificial, biotecnologia, automação, controle de dados e virtualização da vida estão modificando não só o trabalho ou a economia, mas a mesma noção do humano.
Neste cenário, nem a Igreja nem as ordens inicáticas deram, até agora, respostas claras. No entanto, o campo está aberto.
Esta dobradiça histórica exige uma nova forma de liderança cultural, ética e simbólica.
Neste contexto, o actual Papa, Leão XIV, declarou publicamente que a sua missão se alinha com a de Leon XIII, adaptada ao século XXI.
Ainda sem publicar uma encíclica, já deu sinais de que procura posicionar a Igreja novamente como ator central no desenho da nova ordem global.
O objetivo parece claro: reinserir a igreja no centro do debate mundial, não a partir da teologia, mas a partir da política cultural, económica e social.
Para concretizar essa visão, deverá inevitavelmente avançar com uma estratégia de clericalismo renovado, reforçando a presença do pensamento eclesial no espaço público.
A pergunta que se impõe é inevitável:
O que a Maçonaria e as outras ordens esotéricas fará?
Serão capazes de sair do seu ritualista e reconquistar a sua vocação formadora, articular uma visão estratégica face aos desafios do século XXI?
Ou ficarão fechadas na sua própria nostalgia enquanto outras forças — com visão, estrutura e agenda — reocupam o centro do palco?
A história oferece muitas respostas, mas o presente exige apenas uma: ação consciente.
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