CONJETURAS TEOLÓGICAS NO RITUAL MAÇÔNICO

 

A tradição nas iniciações mistéricas deixa-nos uma conjectura teológica muito clara e definida, segundo a qual o espírito com que o nosso corpo é estimulado tem uma existência pré-terrena e de certa forma supraterrena.

Esta ideia é recolhida e muito bem expressa como paradigma na filosofia do próprio Platão, em obras como Fedon, diálogo no qual se relata as últimas horas de Sócrates na terra, as suas últimas palavras e as conversas com alguns dos seus amigos.

Também está colhida em outras obras, como Menon.

A ideia fundamental de que partem Sócrates, Platão e até os pitagóricos é a mesma que encontramos na concepção religiosa do momento.

A alma é concebida como algo diferente do corpo (dando lugar assim ao dualismo entre corpo (sôma) e o princípio vital, chamado alma (psique).

A alma teria uma existência pré-terrestre e, em certo sentido, pertence à ordem das coisas eternas, enquanto que, por outro lado, o corpo amarrado à materialidade é perecível e em mudança.

É assim que o corpo se transforma no túmulo, prisão ou simples veículo de nossa entidade espiritual e eterna.
Mas como é que a alma chega ao corpo?

Segundo a tradição, a alma, acidentalmente ou melhor "pecado original", é levada à perda do paraíso metafísico em que se encontra nessa plena, para se ver precipitada para esta prisão inerte e escura de materialidade.

A alma, neste processo de "encarnação", esquece a sua autêntica identidade espiritual e sua existência pré-terrestre.

Tendo em conta isto, o método mayéhutico usado por Sócrates adquire um sentido maior do que o de simplesmente dar à luz ideias.

O que Sócrates fazia era ajudar a própria alma do dialogante a lembrar (processo de relembrar) aquilo que já sabia, mas esqueceu neste processo de encarnação.

Pois a alma conhecia perfeitamente todas as coisas.

Devemos recordar aqui a teoria das ideias, que não deixa de ser também uma referência a uma alma que, saindo de certa forma do corpo, encontra a luz do bem que lhe permite conhecer correctamente tudo o que existe.

Estas ideias, embora hoje possam parecer estranhas para Atenas da época, não o eram.

Estas conjecturas eram comuns nas inicias anuais rituais que tinham lugar para cultar as deusas Deméter e Perséfone, os quais eram celebrados em Eleusis (perto de Atenas), bem como nos ritos órficos ou nos bacanais dedicados ao Deus Baco.

Estes atos rituais usavam um método de ensino muito característico baseado em explicações mitológicas que pretendiam dar sentido e respostas às preocupações próprias da existência humana, como por exemplo: de onde viemos? Para onde vamos? e qual o sentido de estar nessa vida?.

Assim mesmo o expressou Píndaro, iniciado nos mistérios de Eleusis: Bendito é aquele que, tendo visto estes rituais, toma o caminho subterrâneo.
Conheça o fim da vida, assim como o seu começo divino.

Ou até mesmo o próprio Cícero:
Não só encontramos aí a razão para vivermos mais alegremente, mas também que podemos morrer.
com maior esperança.

Segundo Hoffman nos diz: Os iniciados frequentemente experimentaram em visões a congruência do princípio e do fim, da vida e da morte, a totalidade e o eterno campo generativo do ser.

Tinha que ter sido um encontro com o inefável, um encontro com o divino, e só podia ser descrito por metáforas.

É surpreendente que a experiência eleusina seja descrita repetidamente em antítese: escuridão e luz, terror e beatitude.

Esta ambivalência também é evidente em outras descrições como a de Aelius Aristides, que disse que Eleusis era: A mais aflita e esclarecedora de todas as coisas divinas que existem entre os homens.

Nos rituais órficos o mito é outro, mas a ideia subjacente é a mesma.
Fala-se de uma alma vinda dos deuses e de um corpo material corrupto.
Os órficos produziram uma interpretação própria e bastante original sobre a origem e natureza do Mal e como os seres humanos poderiam se livrar dele.

Tal interpretação reservada para ser compreendida apenas por alguns dos iniciados nos segredos arcanos, baseia-se em um mito, isto é, em uma história, protagonizada por personagens divinos, que tenta explicar a origem e a génese da realidade.

Até antes de Platão intervir em uma profunda remodelação da ética e da filosofia das ideias órficas, a única maneira que o homem tinha de se livrar do mal era através de rituais e não pela ética do “bem” e do “mal”, pois o comportamento não tinha apenas relação com a presença ou libertação do mal.

Os rituais inicáticos não são como os rituais cívicos e populares, que pretender religiar-se à divindade por meio de render culto ou participação de cerimônias religiosas, mas na mistagogia destas cerimônias o homem procurava um conhecimento próprio sobre seus próprios medos, angústias, medos, doenças e morte.

Estas cerimônias ofereciam uma explicação sobre o que acontecia depois da vida.

A experiência da iniciação e transmissão de um conhecimento “escondido” através de uma tradição e doutrinas forneceu recursos aos iniciados para enfrentar esses tranes angustiantes.

Com isso, vencia-se "o supersticioso", entendido como um beato dominado por um medo obsessivo pela religião, que procura acalmar as suas preocupações, procurando nos intérpretes de sonhos, adivinhos, ou os augures a que Deus ou deusa lhe deve suplicar.

Segundo o mito órfico, o mal tem a ver com a origem do homem. Zeus comete um incesto com sua mãe Rea, identificada com Démeter, e tem como filha Perséfone, com a qual tem outro filho chamado Dionísio, filho nascido de um duplo incesto, pelo que afinal era filho, neto e meio irmão de Zeus.

Isso fazia Dionísio uma espécie de alter ego de Zeus e permitia que Ele sucedesse a si mesmo.

Dionísio recebeu de seu pai o poder divino quando ainda era criança. Hera, que odiava esta criança, instiga os Titãs, irmãos de Cronos e pertencentes a uma geração primordial de deuses (mas privados dos poderes), a atacá-lo.

Eles matam o deus crianças e para fazer desaparecer os rastos do crime, desmembram-no, cozinham-no e devoram-no.

Mas Zeus descobre o que aconteceu e furioso, fulmina os Titãs com o raio.

Da mistura do fogo do raio, das cinzas de Dionísio e do sangue dos titãs com a terra em que eles caíram, surgem os humanos.

A destruição dos Titãs acaba com o mal no âmbito divino, mas este fica em ruínas nos seus sucessores, os seres humanos.

Este mito tem as seguintes consequências:

1) O homem é dual: Terra de onde vem o corpo (soma) mortal e corruptível e em parte divino pelos Titãs e Dionísio, de onde deriva a alma (psique) que é imortal e divina.

2) A alma por sua vez tem o bem de Dionísio e o mal que vem dos Titãs. Por isso, o mal não é um elemento exterior, mas faz parte da própria natureza do ser humano.

3) O mal afecta principalmente a alma, e esta por ser imortal, o mal que se realiza afeta tanto esta vida como a vida do Além.

4) O mal surge pelos titãs, mas deste mal original derivam “males” de tipo diferente.

5) A alma deve ser libertada desse componente criminoso e do mal. A libertação é feita por meio do sofrimento e da purificação ritual, para que o castigo se cumpra nesta vida, para que a alma possa ser libertada da prisão ou sepulcro da carne e da realidade material, assim se possa livrar da metempsicose que é a transmigração da alma do outro mundo para este e deste corpo para outro, até que as culpas se expirem suas culpas, e alcançar a reintegração ao estado divino original.

Por tudo o que foi dito podemos dizer, que o mal não pertence apenas a este mundo, pois é algo próprio da alma imortal.

É por isso que o mal e os castigos que correspondem a estes são dados na alma.

A morte não comporta uma libertação sem antes se libertar do mal por meio da purificação, que nos livrará do mal e das suas terríveis punições no outro mundo (Hades) após as quais o homem terá que reencarnar, até alcançar o objetivo de se libertar definitivamente.


(Retirado da Biblioteca do Colorado Ruiz, QDLGLC)

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