Nos registros da tradição simbólica, poucas narrações disfarçadas de conto infantil abrigaram tanta profundidade filosófica quanto Pinóquio, essa fábula de madeira viva, esculpida com inocência e perdida pelos caminhos do desejo.
Muitas vezes reduzida a uma lição moral sobre a mentira, sua verdadeira estrutura encerra uma jornada inicática que, sob a luz da maçonaria, revela um ensino maior: a edificação do ser por meio da consciência e da vigilância interior.
Pinóquio não é uma criança.
É o símbolo do ser ainda relatório, matéria bruta sem consciência, animado pela faísca de um desejo superior: ser real.
Ou seja, alcançar a plenitude da alma consciente, livre, responsável.
Nele se refletem todos aqueles que ainda não acordaram do sono dos impulsos, dos fios que outros movem.
É a alegoria perfeita do homem antes da sua iniciação, quando ainda não distingue entre voz do ego e voz do espírito.
No seu coração — invisível aos olhos, audível apenas para a alma — habita um sentinela: o grilo falante.
Não se trata de uma caricatura moral, mas de uma representação refinada do que em maçonaria chamamos de Guardatemplo Interior: essa voz ténue mas inabalável que, das sombras do eu profundo, vela pela harmonia do templo que somos.
O Guardatemplo não impõe, sugere.
Não castiga, avisa.
Não manda, inspira.
É o eco ancestral da sabedoria que esquecemos, esperando ser reconhecida.
Pinóquio, como todos os seres em trânsito, desouça essa voz.
Seduzido pelo canto do fácil e do imediato, cai repetidamente: nas mãos do Enganador, na farsa do teatro, na ilusão do país sem deveres.
Cada queda é um grau na descida, cada traição na sua consciência é uma fractura no seu templo interior.
E, no entanto, nunca está sozinho.
O Guardatemplo — expulso, negado, ignorado — permanece fiel, como um velho guardião que sabe que toda alma perdida conserva uma faísca de retorno.
O momento cume não chega no topo do triunfo, mas no ventre da baleia.
Naquela escuridão final, símbolo perfeito da câmara de reflexão, onde o ego morre e o ser se revela, Pinóquio encontra-se consigo mesmo.
Compreenda, finalmente, que não basta viver: é preciso acordar. Não basta mover-se: é preciso escolher-se.
Não basta querer ser humano: tem que merecer.
E então, não por magia, mas por transformação, a madeira sonha... e torna-se carne.
O templo está se reconstruindo.
A voz do grilo — do Guardatemplo — volta a ser ouvida.
O aprendiz tomou consciência de si.
O iniciado nasceu.
A maçonaria, em sua linguagem de símbolos, nos lembra que todos nós carregamos um fantoche e um sentinela.
Que o trabalho do maçom não é apenas aprender, mas vigiar-se, construir a partir de dentro, guardar o limiar da alma contra a profanação diária.
O verdadeiro templo não se ergue com pedra nem cal, mas sim com fidelidade a essa voz interior que não clama, mas guia; que não obriga, mas chama.
E assim, o conto de Pinóquio revela-se como o que sempre foi: uma parábola de reintegração, um espelho da alma que anseia transcender, um canto inicático sobre a necessidade de ouvir — acima do ruído do mundo — o humilde, eterno e sagrado Guardatemplo que carregamos dentro de nós.
(Crédito: Fausto Franco Sosa)
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