Num tempo em que os reinos ainda eram desenhados com sangue e espada, havia um mosteiro branco no alto das Montanhas de Kýrios, onde os discípulos buscavam não apenas a luz da sabedoria, mas a disciplina da alma.
O mestre daquele retiro era Andros, homem de poucas palavras, de olhos calmos como um lago imperturbável e um coração forjado no fogo do mundo.
Certa manhã, antes do nascer do sol, o Conselho dos Regentes enviou uma comitiva ao mosteiro:
— Andros, a Ordem reconhece sua virtude e retidão. Desejamos nomeá-lo Grão-Instrutor de todos os retiros do Norte. Seu nome será cantado nos salões de pedra e nos registros reais.
Os discípulos, tomados de júbilo, celebraram.
Mas Andros apenas se curvou respeitosamente e respondeu:
— Aceito como aceito a chuva que vem ou o céu que se abre. Recebo sem orgulho, pois nada me pertence, nem mesmo esta carne que veste meu espírito.
Três dias depois, um mensageiro chegou apressado.
O selo real havia sido rompido.
O pergaminho era curto e frio:
— Por pressão dos regentes do sul, a nomeação foi anulada. O cargo será dado ao Mestre Ióvan. Pedimos que compreenda. Nada pessoal.
Os discípulos esperavam uma palavra de indignação.
Mas Andros, no silêncio de sua cela, apenas olhou pela janela e disse:
— Como o vento vem e se vai, assim também o aplauso e a ingratidão. Não serei eu menor por não ser lembrado, nem maior por ser louvado. Meu dever é como a rocha: imóvel diante das marés.
Naquela mesma noite, houve um levante nos vilarejos próximos.
As casas foram saqueadas, crianças levadas, a esperança esmagada sob os pés dos bárbaros que atravessaram os vales.
O povo clamava por liderança.
O mestre Ióvan, recém-nomeado Grão-Instrutor, recusou-se a deixar a segurança de seus salões no sul.
Dizia que era cedo demais para intervir.
Mas Andros, que já não possuía título, reuniu os seus discípulos.
Com passos firmes, desceu até os vilarejos.
Sua voz ecoou nas praças:
— Não vim como enviado do trono, mas como servo da justiça. Aquele que perdeu tudo, ainda pode oferecer coragem.
E assim foi.
Por sete noites e sete dias, lutaram ao lado dos camponeses.
Reergueram muros, trataram feridos, protegeram os indefesos.
Quando os bárbaros retornaram, encontraram muralhas de pedra e homens de alma inquebrantável.
Ao final, não houve medalhas.
Nenhum novo título.
Apenas a reverência silenciosa de um povo salvo.
Na volta ao mosteiro, um discípulo aproximou-se e perguntou:
— Mestre, como pode suportar tamanha injustiça e, ainda assim, doar tanto de si?
Andros respondeu com serenidade:
— Meu valor não está na mão que me coroa, nem na boca que me acusa. Mas na chama que arde constante, mesmo quando ninguém a vê. Honra e desfeita são irmãs de um mesmo silêncio. A alma livre não se prende a nenhuma delas.
Moral:
A verdadeira grandeza não se mede pela posição que ocupamos, mas pela firmeza com que seguimos fazendo o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando, mesmo quando nos tiram tudo, até o nome.
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