A Urgência de Ser ((Oliver Harden)

 

Vivemos num tempo em que o verbo “parecer” tomou de assalto o lugar sagrado do verbo “ser”.

As máscaras, outrora instrumentos cênicos ou rituais, tornaram-se próteses existenciais, aderidas à pele da alma com tamanha força que já não distinguimos onde termina o rosto e onde começa o disfarce. Em nome de uma estética que promete aceitação e pertencimento, traímos a autenticidade, vendemos a essência, hipotecamos o espírito.

Carecemos, sim, de parecer menos,
para, enfim, ousarmos ser.
A alma, sufocada por cosméticas existenciais, já não respira, apenas simula fôlego.
Pintamos verdades com verniz de mentira, enquanto a verdade nua, em sua crueza abissal, é exilada para os subterrâneos da consciência.

O que nos suja não é o barro da experiência, mas o pó translúcido da simulação, o blush da falsidade, a base opaca da hipocrisia.
Há uma urgência silenciosa a clamar por desnudamento, despir a persona, rasgar o figurino social, desmaquiar a alma.

Pois só quem ousa confrontar o espelho sem adornos pode descobrir a beleza bruta do próprio abismo.
Transformar obsessão em realidade, como quem transmuta ilusão em obra, desejo em gesto, intenção em construção, seria, de fato, um início digno de ser chamado começo.

Mas o que temos feito?
Esperado a conclusão de sonhos que nunca começaram, cultivado esperanças que nos dispensam da ação, projetado para o amanhã aquilo que se recusa a nascer no agora.
Vivemos hipnotizados por finais gloriosos, enquanto adiamos indefinidamente os primeiros passos.

Como herdeiros de um romantismo mal digerido, preferimos a fantasia da utopia à rudeza da pedra inaugural.

Queremos a auréola sem o martírio, o topo da montanha sem o suor da subida.
Mas o ser, o verdadeiro ser, não se ergue de fantasias, nem se sustenta sobre castelos de areia emotiva.

Ele nasce do enfrentamento, do trabalho interior, da renúncia ao espetáculo.

Ser é um ato revolucionário num
mundo viciado em aparência.

É nadar contra a correnteza dos filtros, dos slogans, dos simulacros.
A construção da realidade é sempre inicial,
sempre presente, nunca concluída.

Quem vive na ânsia da conclusão escapa do labor de ser no tempo, prefere o aplauso do fim à solidão da origem.
É preciso, portanto, que tenhamos coragem de recomeçar, não como quem volta ao ponto de partida, mas como quem retira as máscaras e, pela primeira vez, encara a própria face.

Só no solo nu do ser se constrói uma existência
que não teme o espelho nem a noite,
e que, sem precisar parecer,
pode, enfim, resplandecer.


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