A TRADIÇÃO MAÇÔNICA ATUANTE NA FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE JUSTA E LIVRE

 


Este trabalho visa explorar os fundamentos da liberdade a partir da perspectiva maçônica, destacando como seus princípios e tradições contribuíram para a formação de uma sociedade mais justa e livre.


Introdução

A busca pela liberdade tem sido um dos mais persistentes e complexos temas na história da filosofia e da política, moldando sociedades e impulsionando revoluções.

A Maçonaria, uma organização com raízes profundas e ramificações globais, tem desempenhado um papel significativo na promoção dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade.

Este trabalho visa explorar os fundamentos da liberdade a partir da perspectiva maçônica, destacando como seus princípios e tradições contribuíram para a formação de uma sociedade mais justa e livre.

Ao analisar a interseção entre filosofia, história e práticas contemporâneas da Maçonaria, buscamos compreender o impacto duradouro dessa instituição no mundo moderno.

Fundamentos da Liberdade

Na filosofia grega, o conceito de liberdade é abordado por meio de três termos principais: eleutheria, enkrateia e autarkéia.

Cada um oferece uma perspectiva distinta sobre o que significa ser livre. Eleutheria refere-se a um status sociopolítico que diferencia cidadãos de escravos, como explica Farias (1995, p. 173).

Essa definição destaca a íntima relação entre liberdade, poder político e lei.

O termo enkrateia, derivado de "kratos" (poder) ou "kratein" (domínio), refere-se ao autocontrole. Sócrates é quem vincula a liberdade ao autoconhecimento, estabelecendo que a verdadeira liberdade é o domínio sobre as próprias paixões.

Essa concepção oferece uma base para a eleutheria, que, ao longo do tempo, perdeu seu significado original e transformou-se numa luta entre os mais fortes e os mais fracos.

Nessa mudança, a liberdade deixou de ser o cumprimento de uma lei escolhida de maneira livre.

Enkrateia, por sua vez, impede que a cidade (polis) seja dominada por um pequeno grupo de indivíduos, garantindo assim a liberdade de todos.

Sócrates, citado por Farias (1995, p. 177), enfatiza que "mesmo o cidadão livre (eleutheros) pode ser escravo se não desenvolver a virtude do autocontrole (enkrateia)".

A liberdade interior, portanto, não significa desconsiderar a lei exterior, mas sim usá-la como um guia para as escolhas pessoais.

O autoconhecimento dá ao homem a capacidade de fazer escolhas conscientes e morais, estabelecendo a liberdade como uma prática dentro dos limites da lei e não em oposição a ela.

Outro termo grego que explora a liberdade é autarkéia, que conecta o conceito à autonomia e ao exercício das virtudes na busca pela plenitude e felicidade.

A autarkéia surge como condição de sobrevivência política, refletindo a organização social dos gregos.

Ela é uma forma de independência, tanto para a cidade quanto para o homem.

Enquanto a eleutheria é uma concepção política e jurídica, a autarkéia está mais próxima da virtude, mediando entre a liberdade política e a dimensão ética da ação humana.

Para Farias (1995, p. 174), no contexto grego, defender a lei é essencialmente defender a liberdade, pois lei e liberdade são interdependentes.

A liberdade, segundo Aristóteles, é viver de acordo com as leis que o cidadão elaborou ou às quais deu seu consentimento.

Dessa forma, a verdadeira liberdade está no cumprimento das leis estabelecidas pelo Estado. Aristóteles (1973, p. 429) também destaca que o ser humano deve buscar viver segundo a parte mais nobre de si, atingindo um estado de autossuficiência, chamado autarkéia, que leva à verdadeira felicidade.

Farias (1995, p. 223) explica que a liberdade, para ser mais do que um simples conceito jurídico ou político, precisa estar enraizada na autossuficiência.

É essa independência que permite ao homem agir com liberdade concreta. Tal visão é derivada da filosofia aristotélica, que discute a liberdade em um nível ontológico.

Descartes (1596-1650) aborda a liberdade de espírito, definindo-a como a capacidade de escolha sem coerção externa. Para ele, a liberdade verdadeira surge quando a mente reconhece uma opção de maneira tão clara que as demais se tornam irrelevantes (Descartes apud Beyssade, 1972, p. 99).

Hobbes (1588-1679) associa a liberdade ao Estado, afirmando que, no estado natural, a liberdade é plena, mas insegura. No entanto, no Estado civil, a liberdade é limitada, mas proporciona paz e segurança (Hobbes apud Wollmann, 1994, p. 77). O contrato social, para Hobbes, garante a preservação da vida, que se torna o objetivo principal do Estado, acima da liberdade individual.

Por sua vez, Locke (1632-1704) relaciona a liberdade à busca pela felicidade. Para ele, ser livre é agir de acordo com a própria vontade, buscando a felicidade como o objetivo final da vida humana (Locke apud Nodari, 1999, p. 72). Assim, a liberdade não é um fim em si, mas um meio para alcançar o bem desejado.

Liberdade na Tradição Maçônica

A liberdade, enquanto conceito filosófico, é um pilar essencial para a construção de qualquer sociedade democrática.

Filósofos como John Locke e Jean-Jacques Rousseau dedicaram grande parte de suas obras a dissecar a natureza da liberdade, defendendo a ideia de que todos os indivíduos possuem direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à propriedade.

Locke, em seu "Segundo Tratado sobre o Governo", argumenta que a liberdade é um estado natural do homem, onde a razão governa e os direitos são respeitados.

Rousseau, por sua vez, em "O Contrato Social", propõe que a liberdade só pode ser genuinamente realizada através da participação ativa dos cidadãos na criação das leis que governam suas vidas.

Essas discussões filosóficas formam a base para entender como a Maçonaria incorpora e promove os ideais de liberdade.

Desde sua origem, a Maçonaria se posicionou como uma defensora fervorosa da liberdade de pensamento.

No período operativo da Maçonaria, conforme conta a história, os pedreiros livres criaram um ambiente seguro em suas guildas para transmitir conhecimentos sobre construções.

Com o tempo, passaram a aceitar outros profissionais e pensadores (os chamados "maçons aceitos") em suas guildas, pois, na época dos feudos, esses eram locais seguros para discutir ideias e pensamentos.

Por isso, eram conhecidos como “Livres Pensadores” (Senna, 1981). A Maçonaria, em sua essência, prega o conceito de liberdade.

Até hoje, seus rituais, simbologias e ensinamentos enfatizam a importância de cada indivíduo buscar sua própria liberdade, ao mesmo tempo em que respeita a liberdade alheia.

Na tradição maçônica, os fundamentos da liberdade não se limitam a teorias abstratas, mas são praticados por meio de ações concretas.

A Maçonaria tem uma longa história de envolvimento em movimentos sociais e políticos que buscaram expandir os direitos e as liberdades individuais, como o Iluminismo, a independência dos países da América Latina, a Revolução Americana e a Abolição da Escravatura.

Essas revoluções não apenas refletiram os princípios filosóficos de liberdade discutidos por Locke e Rousseau, além dos princípios socráticos de dominar suas paixões e submeter suas vontades, mas também ecoaram os ideais maçônicos de construir uma sociedade onde justiça e igualdade prevalecem.

Aqui estão alguns feitos históricos notáveis da Maçonaria ao redor do mundo:

ILUMINISMO – A Maçonaria teve uma ligação profunda com o Iluminismo, uma era que desafiou ideias tradicionais e promoveu a liberdade de pensamento. Grandes nomes do Iluminismo, como Voltaire, Montesquieu e Locke, eram maçons. Outros, como Denis Diderot e Jean-Jacques Rousseau, embora não haja comprovação de suas iniciações na Maçonaria, estavam de alguma forma ligados ao círculo maçônico de suas épocas, e suas ideias eram consonantes com os princípios maçônicos. Jean-Jacques Rousseau, em particular, foi um filósofo, cientista político e idealista cujas ideias inspiraram a Revolução Francesa. O Iluminismo foi um dos maiores movimentos em prol da liberdade de pensamento na história.

REVOLUÇÃO AMERICANA – Muitos dos Pais Fundadores dos Estados Unidos eram maçons, como George Washington e Benjamin Franklin. A influência da Maçonaria nas ideias de liberdade e direitos individuais foi crucial para a formação da Constituição dos Estados Unidos. A Declaração de Independência de 1776 afirma que todos os homens "são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade". Esse documento, que sela a luta pela liberdade, foi redigido por um maçom e assinado por, no mínimo, nove outros maçons.

MOVIMENTOS ABOLICIONISTAS – A Maçonaria se envolveu em diversos movimentos sociais e políticos na Europa e nas Américas. Maçons participaram ativamente em movimentos pela abolição da escravidão, pela educação pública e pelos direitos das mulheres. Em várias partes da América Latina, como no Brasil e na Argentina, muitos maçons estavam envolvidos em movimentos abolicionistas, defendendo a igualdade e os direitos humanos. As lojas maçônicas frequentemente serviam como pontos de encontro para ativistas que lutavam pela liberdade dos escravizados.

No Brasil, além das histórias já conhecidas sobre o projeto emancipacionista liderado por Joaquim Nabuco, a influência maçônica na literatura da época também se destacou.

Rui Barbosa, Castro Alves e Luiz Gama, escritores e maçons, difundiram o pensamento libertário por meio de livros e ações que impulsionaram a abolição da escravidão e a participação da Maçonaria na Lei Áurea.

O processo abolicionista contou com a participação ativa das lojas maçônicas nos bastidores da história.

Um exemplo é a loja Lealdade e Brio, da cidade de Resende (RJ). Em uma ata datada de 15 de outubro de 1874, relata-se que uma escrava chamada Benedita, de apenas 12 anos, bateu à porta da loja durante uma reunião, pedindo misericórdia, pois estava sendo procurada por ter fugido do castigo.

Ela foi recebida pelo Ir. Cobridor Umbelindo, e a sessão foi suspensa para entender a situação.

Após as devidas apurações, a loja foi reaberta com o objetivo de arrecadar fundos para comprar a alforria da menina.

Foram coletados 200$000 (duzentos mil réis) e Benedita ficou sob a tutela do Ir. Umbelindo até ser libertada. Em Resende, a menina ficou conhecida como "A Escrava que ‘os bodes’ libertaram".

Em Belém (PA), a avenida Padre Eutíquio, uma das mais importantes da cidade, destaca-se pelo comércio e pela Praça Batista Campos. No entanto, a pessoa que dá nome à avenida, um padre, político e negro da cidade, era secretamente maçom.

Ele liderou, na loja que ficava na rua que leva seu nome, um movimento nos anos 1860 e 1870 em que maçons se reuniam para comprar escravos e libertá-los!

Esses são apenas dois exemplos dos inúmeros feitos da Maçonaria nos bastidores da história brasileira em prol da liberdade.

INFLUÊNCIA CONTEMPORÂNEA

Nos dias de hoje, a Maçonaria continua a exercer influência em diversas esferas sociais e políticas, embora muitas de suas atividades permaneçam discretas. A luta pela liberdade ao longo da história gerou frutos que são colhidos no mundo moderno.

Com a interatividade proporcionada pela internet e as múltiplas discussões contemporâneas, a Maçonaria não atua mais em revoluções ou guerras, mas se dedica ao resgate de valores, como o combate ao obscurantismo, ao fanatismo e ao preconceito.

Ela promove o bem, apoia causas sociais, e participa de debates em prol da pátria e da humanidade.

Hoje, espadas foram substituídas por canetas, e os valores maçônicos são refletidos na política, na arte e na atuação de maçons em todo o mundo.

Ainda assim, alguns desafios persistem. Por se tratar de uma instituição em que muitos membros são conservadores, certas discussões, comuns nos tempos atuais, são evitadas ou até suprimidas.

Em uma entidade que outrora defendia a liberdade de pensamento, alguns membros hoje reprimem ideias mais liberais, como a aceitação da homossexualidade ou a participação de mulheres na Maçonaria.

Além disso, há uma divisão entre potências maçônicas que, em vez de se unirem por uma sociedade mais justa, se fragmentam por razões políticas ou, em um cenário ainda mais preocupante, por motivos que deveriam ser combatidos pelos próprios maçons: o ego.

Essa divisão enfraquece a instituição, já que irmãos deixam de se reconhecer apenas por questões burocráticas, mesmo compartilhando os mesmos princípios e enfrentando os mesmos inimigos.

A Maçonaria foi e continua sendo uma entidade que prega os princípios da liberdade, não apenas em palavras, mas também em ações concretas.

Desde sua fundação, a instituição se comprometeu com a promoção da liberdade individual e coletiva, oferecendo a seus membros não apenas um espaço de reflexão, mas também um campo de atuação.

Ao longo da história, seja em movimentos sociais, revoluções políticas ou mesmo na defesa dos direitos humanos, a Maçonaria desempenhou um papel de vanguarda, influenciando decisões e transformações cruciais para o desenvolvimento de sociedades mais justas e igualitárias.

Mesmo atualmente, onde as batalhas pela liberdade assumem formas mais sutis e complexas, a Maçonaria permanece fiel a seus valores, formando intelectualmente seus membros para que possam influenciar a sociedade de maneira positiva.

As reuniões maçônicas, os debates e os estudos realizados dentro das lojas não se limitam a teorias abstratas, mas preparam seus integrantes para serem agentes de mudança, seja no campo social, político ou cultural.

Eles carregam consigo os princípios aprendidos, agindo em prol do bem comum e em defesa dos valores fundamentais de igualdade, liberdade e fraternidade.

Nos bastidores da história, a Maçonaria continua a moldar o mundo.

Em tempos de obscurantismo, fanatismo ou tirania, ela oferece uma rede de apoio, resistência e ação.

Sua força reside não apenas em sua tradição secular, mas na capacidade de adaptar seus ideais à realidade contemporânea, formando líderes que, quando necessário, estão preparados para se levantar contra qualquer forma de opressão.

Dessa forma, a Maçonaria não apenas recorda as glórias de um passado libertador, mas também se projeta no futuro, sempre pronta para atuar em prol da construção de uma sociedade onde a justiça, a igualdade e a liberdade sejam garantidas para todos.


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