O duplo sentido da compaixão
O tema da compaixão tem ocupado boa parte das reflexões nestes dias, quando se observa, simplesmente acionando o controle remoto da televisão, a intolerância a tudo que não é compatível com o pensamento individual.
Outros temas vêm à tona quando se pretende entender, à luz do bem-estar geral, porque o comportamento humano é sempre origem de polêmicas e mal-entendidos: individualismo, egoísmo, solidão, espiritualidade, entre outros. Pensemos, então, numa frase de Confúcio que parece resumir todos esses termos:
“Como é cruel o homem que se resume à sua vida privada e não tem compaixão dos outros!”
De certa forma o pensamento de Confúcio é questionável sob alguns aspectos, haja vista que a verdade absoluta não é patrimônio da humanidade e tudo o que se pode dizer ou fazer desencadeará múltiplos significados e emoções diferentes, de acordo com o modo como cada um receba a mensagem. Uns dirão que foi a forma como foi dita, outros que foi a forma como foi recebida. A emissão e recepção de mensagens é hoje objeto de estudos acadêmicos com a pretensão de ciência.
Quando se trata do “humano”, a palavra ciência é a mais improvável que se pode usar em tempos históricos que direciona para um crescente individualismo.
Basta observar que para um fato com cinco testemunhas tem-se cinco versões, carregadas de emoções, interpretações e pontos de vista construídos a partir da vivência individual de cada um.
Voltando então à compreensão do pensamento de Confúcio, pode-se retirar da frase algumas palavras cujos conceitos dão conteúdo à mensagem: cruel, homem, resume, vida privada e compaixão. Interessante é que ele mesmo (Confúcio) complementa “compaixão dos outros”, porque o conceito é tão carregado que a compaixão vale para o infortúnio do outro, mas não para a sua felicidade. Observa-se aqui que a frase entendida anteriormente como altruísta, traz embutido um conceito de arrogância e individualidade.
É necessário sair de si mesmo, de não se reduzir à sua simples humanidade e vida privada, para sentir compaixão.
E quanto a isto: será que a piedade ou a tristeza esgotam tudo sobre a compaixão? É, como afirma Spinoza, “uma bondade que é tristeza, que chamamos comumente piedade e que é um dos flagelos do mundo”? O que salta à vista, no entanto, é que falta elemento para conceituar a compaixão como uma virtude, já que a piedade está à reboque do infortúnio do outro. A mais clara superioridade que a humanidade pode se arrogar é a de ser humano em relação aos animais e, neste sentido, a compaixão é uma virtude singular, quase um sinônimo de humanidade.
Assim, entende-se que a compaixão é um sentimento e como tal não é um destino, não é um dever senti-la, mas sim de desenvolver em si mesmo a capacidade de senti-la e, por mais paradoxal que seja, a ambivalência, ou dualidade, se encontra em toda atividade mental ou existencial, inclusive nas virtudes.
A compaixão é ao mesmo tempo um esforço, um poder e uma excelência. Sentimento e virtude, tristeza e poder.
A busca do autoconhecimento nos torna consciente de nossa condição de solitários e percebemos que os contatos com os outros são sempre precários e não tão bem compreendidos como gostaríamos, isso porque o pensamento de cada cérebro é único e a comunicação nem sempre se estabelece.
Se a sociedade moderna tende a direcionar para o individualismo, infalivelmente opõe o indivíduo a tudo que é coletivo. Neste caso, o individualismo é compreendido como egoísmo e descaso ao outro, falta de compaixão. Mas o individualismo também pode ser visto de outra forma, como o exercício pleno do ser e que não se contrapõe ao desenvolvimento do sentido moral e de solidariedade social. Neste sentido, o individualismo não é sinônimo, segundo Flávio Gikovate, e nem implica egoísmo como é forte a convicção que ele tem na direção oposta: “o egoísmo deriva da imaturidade emocional que se caracteriza pelo desenvolvimento da individualidade”. O egoísta então é aquele que precisa receber mais do que é capaz de dar; é um fraco e não um esperto.
Ou melhor, é esperto porque é fraco e precisa usar da inteligência para retirar das pessoas aquilo que ele próprio não é capaz de gerar.
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