MAÇONARIA COMO ESPAÇO DE SOCIABILIDADE

Os maçons e a modernização educativa no Brasil no período de ...
A influência da maçonaria na história do Brasil e na educação brasileira é evidente. 

No entanto, conforme já afirmado, em função de as temáticas ligadas à maçonaria serem assuntos ainda pouco tratados pela historiografia brasileira, percebe-se, posições divergentes e talvez não suficientemente exploradas, entre os maçonólogos e historiadores, o que torna difícil traçar, de forma concisa, o perfil desta instituição.

Em um artigo publicado em 1997, Célia Azevedo identifica a perda de visibilidade da maçonaria na história do Brasil. Para tanto, destaca modos de abordagem sobre o tema maçonaria por parte de três historiadores que imprimiram tendências duradouras na historiografia do Brasil monárquico: Francisco Adolfo de Vernhagen (1818-1878), Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) e Caio Prado Jr. (1907-1990). Segundo a autora, os dois primeiros autores convergem ao ressaltar o empenho dos maçons brasileiros na defesa da nação emergente e de um governo pautado prioritariamente pela Lei, sendo a identidade maçônica preenchida com dois atributos básicos: nacionalismo e constitucionalismo.
Azevedo (1997) ressalta que na abordagem de Prado Jr., aos maçons brasileiros interessava a solução das questões internas do país, o que os levava a agir mais como brasileiros do que como maçons. 

Utilizavam-se da maçonaria para atuarem de forma mais orientada e organizada. Havia mais uma troca de favores entre a maçonaria e os brasileiros do que uma simbiose entre eles:
A história da maçonaria não teria passado, portanto, na visão de Prado Jr, de uma relação instrumental, de importância momentânea e - por que não explicitar? - secundária. Nossos maçons não foram em sua essência maçons, mas sim brasileiros, e ao final de contas a importância de sua ação política parece residir precisamente nesse fato. (AZEVEDO, 1997, p. 187).
Assim, como muitos historiadores ancoram seus referenciais em Prado Jr., a autora afirma que em vários estudos se constata uma perda da identidade maçônica em relação a vários personagens de destaque no cenário político brasileiro do século XIX, cuja trajetória é destacada sem que seja mencionada sua filiação maçônica. (AZEVEDO, 1997, p. 185)5.

Ressalto que o mesmo ocorre em relação aos personagens de destaque no âmbito educacional brasileiro. Suas práticas e trajetórias como intelectuais carecem de informações sobre o fato de serem maçons e terem participado desse importante espaço de sociabilidade - a maçonaria - que definia estratégias de distribuição e apropriação de capital cultural. Suas atuações, como políticos, jornalistas, escritores, professores e gestores, aparecem nos estudos acadêmicos descoladas de seu pertencimento à maçonaria. Indubitavelmente essa é uma lacuna a ser preenchida a partir de estudos que retirem a maçonaria de sua invisibilidade no contexto político-educacional brasileiro. 

E assim, que sejam formuladas novas questões às fontes de pesquisa, que levem em conta a compreensão das especificidades da instituição maçônica, as características sócio-econômicas e culturais dos maçons, sua influência sócio-cultural, os distintos posicionamentos dessa ordem em relação a questões regionais, nacionais e internacionais.
Se era lugar comum ser intelectual e maçom no período aqui estudado, os historiadores da educação devem contextualizar esse fato. Estabelecer relações com o significado de pertença a este grupo6. Conforme demonstra Barata (1999), o desejo de usufruir do auxílio mútuo praticado pela ordem, a percepção da maçonaria como um espaço de convívio e mobilidades sociais e o entendimento do espaço maçônico como escola de virtudes, de debate de ideias e de aprendizado do viver em coletividade, eram as principais razões que levavam os homens a ingressarem na maçonaria. Ser maçom, para certos setores da sociedade, significava uma forma de influir, de participar da estruturação do Estado Brasileiro.
Nesta linha de análise, reitero que a história da educação brasileira carece de estudos que abordem a atuação dos intelectuais brasileiros estabelecendo uma identificação de suas reflexões e práticas políticas de vanguarda com a maçonaria compreendida como um espaço de sociabilidade agregador de expectativas do pensamento da modernidade.
Azevedo (1997), Barata (1999) e Morel (2001) destacam a potencialidade do conceito de sociabilidade para as análises históricas que envolvem a maçonaria e seu contexto de atuação. Sobre o retorno e utilização desse conceito, Morel (2001) ressalta que..
..uma obra póstuma de Augustin Cochin (1925) valorizou o papel das associações para compreender a eclosão da Revolução Francesa. Tal trabalho não teve repercussão imediata, mas seria recuperado por François Furet (1978). As sociabilidades - como tema e instrumental teórico e metodológico - fariam entrada definitiva no campo da pesquisa histórica acadêmica com a obra de Maurice Agulhon (1968 e 1977), um dos reconhecidos herdeiros da Ecole des Annales, inicialmente com sua tese e, na década seguinte, com um balanço crítico das possibilidades e perspectivas de tal abordagem. (MOREL, 2001, p. 4).
Maurice Agulhon publicou em 1966 a obra La sociabilité méridionale, reeditada dois anos depois com o título de Pénitents et franc-maçons de l’ancienne Provence. Esse estudo que destaca a fase final do antigo Regime sob o prisma das associações, têm no conceito de sociabilidade um caminho para compreender as realidades sociais a partir da constituição de grupos sociais organizados. Segundo Agulhon (1987, p. 37), “essa sociabilidade da qual a vida associativa é a forma principal vem do Antigo Regime, pelo menos, e comporta constância e unidade através da diversidade dos tipos de associação sucessivos”.
Esse autor, no texto Visão dos Bastidores apresentado no livro Ensaios de Ego-História, em tom confessional como é a proposta da referida obra, ressalta sua contribuição na inserção da palavra sociabilidade no vocabulário dos historiadores e reclama a falta de reconhecimento por dois de seus pares:
[...] eu pusera bem (ou contribuíra em grande parte para isso) no mercado do vocabulário histórico a palavra sociabilidade que lá figura desde então [desde a publicação de sua obra La Sociabilité Méridionale]. A partir de 1967, André Bourde utilizava-a na sua contribuição para a Histoire du Diocese de Marseille, e Emmanuel Le Roy Ladurie nos seus capítulos da Histoire Du Languedoc de Privat. Os dois conheciam a minha obra e inspiraram-se evidentemente nela nesse aspecto. Ousarei confessar que o orgulho que senti por ser um inspirador foi largamente contrabalançado pelo despeito de eles não referirem o meu nome, nem em bibliografia nem em nota? Saibamos também ver as nossas fraquezas e confessemos que delas faz parte uma certa dose de vaidade de autor. (AGULHON, 1987, p. 40).
Morel (2001) afirma que Agulhon passa a propor o conhecimento das sociabilidades pela densidade da existência de associações constituídas e suas mutações num quadro geográfico e cronológico delimitado, ou seja,
..uma história da vontade associativa com dados quantitativos e comparativos, com suas mudanças no tempo e no espaço. O referido autor chegava mesmo a tocar na questão das identidades culturais, discutindo a aptidão de determinados grupamentos humanos regionais para as formas estudadas, no caso, a passagem das confrarias para as maçonarias na Provence. (MOREL, 2001, p. 4).
No artigo Maurice Agulhon e a categoria Sociabilidade, Canal (2015, p. 3) ressalta que para esse autor a sociabilidade quer dizer a qualidade de ser sociável, ou seja, “é o equivalente dos sistemas de relações que confrontam os indivíduos uns com os outros ou que os reúnem em grupos mais ou menos naturais, mais ou menos forçados, mais ou menos estáveis, mais ou menos numerosos”. Canal afirma que, na produção historiográfica de Agulhon, a categoria sociabilidade evoluiu
desde uma tripla especificação inicial - âmbito regional no plano geográfico, séculos XVIII e XIX no cronológico, e, no temático, vida associativa - para uma aceção mais ampla e aberta que chegava a assimilar a história da sociabilidade à da vida quotidiana. (CANAL, 2015, p. 3).
Segundo esse autor,
...a sociabilidade informal complementa a vida associativa. Entre os temas abordados encontram-se os cafés, as tabernas, a vida familiar e as praças, as associações operárias e militares, o termalismo e a vida de salão, os agrupamentos políticos e as lojas maçónicas, os orfeãos e o desporto. O resultado é um imenso campo de estudo e, por conseguinte, a génese de um grande número de trabalhos tendo como denominador comum a sociabilidade. Disciplinas científicas em muitas ocasiões desconectadas e mesmo ignorando-se mutuamente, como a psicologia social, a sociologia, a história e a antropologia, convergiram parcialmente graças a esta categoria. (CANAL, 2015, p. 4).
Para Azevedo (1997), a noção de sociabilidade, introduzida por Agulhon no vocabulário dos historiadores dos Annales, adquiriu crescente relevo na história social e cultural, sendo fundamental para a compreensão da história da maçonaria. No entanto, a autora ressalta que esse autor não teve muitos seguidores na França, no tocante à história da maçonaria propriamente dita. 

O mesmo pode-se afirmar em relação ao Brasil, especialmente nos (ainda) poucos estudos históricos sobre a maçonaria e a educação no âmbito da História da Educação que podem desbravar as potencialidades da leitura de Maurice Agulhon.

REFERÊNCIAS
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