Os olhos desatentos de quem passa pela esquina da Avenida Azenha com a Ipiranga, em Porto Alegre, mal percebem o monumento que ali foi erguido. Duas torres brancas, imponentes, lembrando elementos da Grécia Antiga. No centro, uma pedra, de pouco mais mais de um metro de altura, com uma placa indicando a sigla MURGS e a seguinte inscrição em letras garrafais: “Este monumento foi erguido para homenagear o movimento revolucionário do povo gaúcho. Nesta ponte da Azenha foi o começo da Revolução Farroupilha, na noite de 19-20/09/1835”. Sob as colunas e a pedra, uma pista aos desavisados: “Maçons – Imperiais – Republicanos”, cada palavra escrita em um degrau. O monumento é relativamente novo, foi inaugurado em 20 de agosto de 2009, data em que se comemora o Dia do Maçom.
Presença na História
A sigla significa Maçonaria Unida do Rio Grande do Sul, uma união da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul (GLMERS) com o Grande Oriente do Rio Grande do Sul (Gorgs) e o Grande Oriente Estadual Sul-Riograndense/Federado do Grande Oriente do Brasil (GOB). Mas, afinal, o que a Maçonaria tem a ver com a Revolução Farroupilha? Muito mais do que ensinam os livros de História. De acordo com a professora Eloisa Capovilla Ramos, doutora em História pela UFRGS, a Maçonaria tem uma presença muito forte nas áreas mais importantes da cultura do Estado, principalmente no século XIX, durante o período dos movimentos Farroupilha. E não só: do país também. “Atrás da Independência do Brasil, da Proclamação da República, tem a ação da Maçonaria”, afirma. Com experiência em História Regional, do Brasil e do Cone Sul, Eloisa lembra que as colunas – aquelas do monumento da Azenha – estão presentes também na bandeira do Rio Grande do Sul. “Elas são representativas dessa sustentação maçônica. Este monumento é uma certidão de identidade”, acrescenta.
Origem
Historicamente, a Maçonaria tem sua origem no período Medieval, na Europa, nos séculos XII e XIII. O nome “loja”, como é chamado o local dos encontros, deriva de outros idiomas, como o inglês, lodge, e o francês, loge, e designa uma espécie de alojamento para trabalhadores. O historiador Alexandre Karsburg explica que elas surgiram como uma corporação de ofício, composta por pedreiros (em françês, maçon), arquitetos e engenheiros, que detinham conhecimentos sobre construção. “As técnicas eram transmitidas sempre de geração para geração, não de pai para filho, e eles poderiam escolher uma pessoa que aprenderia como construir os grandes prédios”, diz. Daí os famosos esquadro e compasso, símbolos da Arquitetura, presentes na Maçonaria.
Religião e Maçonaria
Outro símbolo da instituição é o Olho da Providência, que representa o Grande Arquiteto do Universo (Gadu). Márcio Santetti, maçom, explica que a denominação não se refere a um Deus específico, “mas procura abranger todas as formas individuais dos ‘irmãos’ (como os maçons chamam-se entre si)”. Ele conta que a Maçonaria aceita membros de qualquer religião, porém, é pré-requisito para admissão acreditar em um “ser, divindade ou qualquer manifestação superior”. Apesar disso, Márcio diz que, nas lojas brasileiras, evita-se falar sobre os assuntos religião, política e futebol, “com a justificativa de que, como se referem a preferências e ideologias pessoais, deve-se respeitar a visão de cada um”. Ele, no entanto, discorda dessa afirmação: “Primeiramente, porque a loja é um ambiente para se conhecer novas filosofias e aprender com as experiências dos outros irmãos, fato que pode envolver esses três assuntos; em segundo lugar, se os indivíduos lá se reúnem para o aperfeiçoamento individual e mútuo, um dos requisitos para tal é saber se abster de suas próprias paixões e estar aberto ao debate, pois não existe verdade absoluta, ainda mais nesses três temas”.
Quem participa e como se organizam
A Maçonaria aceita apenas homens – mantendo as tradições, à época marcadas por uma sociedade extremamente patriarcal –, de 21 anos ou mais, que sejam indicados por algum membro, devendo ainda passar por um processo de sindicância. “Existem dois tipos de organização: os Triângulos, que são compostos por um número pequeno de maçons, o mínimo de três. E a Loja, que é a mais conhecida, que precisa ter um número maior de filiados, no mínimo sete”, ressalta Paulo, que é maçom e preferiu ter seu sobrenome preservado. Esta é composta pelos “oficiais”, sendo os principais as Três Luzes – o venerável mestre e o primeiro e segundo vigilantes. Estes cargos, cuja gestão tem a duração de dois anos, são elegíveis através de votação entre os membros da loja que têm o grau de Mestre Maçom. São eles os responsáveis por nomear os demais”, revela, acrescentando que são mantidos em sigilo palavras, toques e sinais, que são os métodos de reconhecimento, e os rituais das cerimônias.
Instituição de livres-pensadores
Definida como uma “instituição de livres-pensadores”, a Maçonaria não possui, ao menos no Brasil, uma organização que centralize todos os grupos, existindo vários em diversas regiões. No Rio Grande do Sul, os três principais são: Grande Oriente do Brasil, Grande Oriente do Rio Grande do Sul e Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, aos quais as lojas são filiadas. Nelas, ocorrem tanto atividades fechadas como abertas, em homenagem a datas comemorativas, como Dia das Mães e Dia dos Pais. Fora das lojas, a presença da Maçonaria se faz presente através de ações sociais promovidas por seus membros.
O que foi a Revolução Farroupilha
ResponderExcluirPara o ex-presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho e historiador, Manoelito Carlos Savaris, a Revolução foi o desfecho de uma série de episódios anteriores, com causas econômicas, políticas, militares e religiosas envolvidas. “Devemos entender que não se tratou de um movimento isolado. No mesmo período ocorreram várias revoltas no Brasil, basicamente com os mesmos objetivos”, explica. Segundo ele, o fim da revolução não seguiu nenhum modelo conhecido na história dos povos. “Não houve rendição, não houve presos, não houve processos judiciais e o ‘vencedor’ pagou as contas do ‘perdedor'”.
“Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.” O refrão do hino Rio Grandense não faz jus ao ponto de vista de historiadores como Tau Golin e Juremir Machado. Para eles, o movimento tradicionalista distorce o que de fato representou a Revolução Farroupilha. Juremir classifica a Guerra dos Farrapos como uma das rebeliões da regência, que massacrou escravos negros em prol dos interesses econômicos dos estancieiros. “Poderia ter sido abolicionista, mas não foi. Na verdade, foi uma insurreição de proprietários em defesa dos seus interesses. Uma espécie de guerra civil com a ideologia da Farsul de hoje e os métodos das Farc de até ontem”, compara.
Heróis ou não?
Talvez uma das maiores divergências seja quanto à exaltação do movimento tradicionalista ao heroísmo das tropas, que afinal se renderam e decretaram o fim da guerra. Para o tradicionalista Savaris, os revolucionários de 35 são heróis por seus feitos, por sua coragem, sua valentia, etc. Não há desonra ou demérito na “Paz de Ponche Verde”. Segundo ele, os farroupilhas estavam com pouquíssimos homens (menos de mil), com escassa munição, com poucos cavalos e cansados. “O acordo para o fim da revolução atendeu a necessidade dos farroupilhas e aos interesses do Império, que precisava dos gaúchos para barrar a invasão de Rosas”, avalia.
Entretanto, Juremir Machado, autor do livro História Regional da Infâmia, entende que essa visão heroica é o que os republicanos utilizaram para cimentar o mito fundador do estado. “Tudo isso faz parte das narrativas mitologizantes para dar bons sentimentos ao presente com base no passado. Não tem futuro”, delibera.
A herança Farroupilha e o sentimento separatista
ResponderExcluirA Revolução Farroupilha teve impacto na formação na identidade cultural do Rio Grande do Sul e de um sentimento separatista que persiste até hoje, gerando inclusive a criação de novo movimento separatista chamado “O Sul é Meu País”. Os críticos acreditam que essa identificação foi cimentada sobre mitos e ilusões. Tau Golin expressa que a herança farroupilha é uma mentira. “Se considerarmos a população do Rio Grande, a esmagadora maioria não possui descendência farrapa”. Ele ressalta que as tropas rebeldes representavam 1,5% dos 400 mil habitantes da província durante o período de guerra. “Obviamente, 98,5% estavam em armas a favor do Brasil, defendendo as cidades e vilas, protegendo suas propriedades da expropriação, ou alheia à guerra civil, além daqueles que fugiam da arregimentação compulsória do exército farrapo”.
Apesar de ser contra ao separatismo, Manoelito Savaris dispõe que o forte sentimento nativista está presente em várias sociedades espalhadas pelo mundo, que defendem independência. Ele também lembra que, mesmo tendo proclamado uma república independente, não queriam a separação. “Em seus manifestos, Bento Gonçalves sempre defendeu a federação (estados com certa independência mas federados), assim como correu nos EUA”.
“As guerras se ganham ou se perdem, muito mais pelas ideias do que pelas armas. Tudo o que os farroupilhas defenderam entre 1835 e 1845 acabou por acontecer no Brasil em 1889. Os farroupilhas não tiveram forças para impor suas ideias durante a Revolução, mas viram seu ideal acontecer 50 anos depois. Para mim, não houve ‘guerra perdida’, o que houve foi um atraso de 50 anos para o Brasil entender que os farrapos tinham razão.”
ResponderExcluirManoelito Carlos Savaris, ex- presidente do MTG e Historiador.
“Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma ‘revolução’ que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Os gaúchos comemoram por acharem que ganhamos. É uma ilusão alimentada ano a ano.”
Juremir Machado, jornalista e historiador.