Quantas vezes alguém pode morrer ou renascer todos os dias?
Quantas vezes você está vendando?
Quantas de se despojar de tudo diante dos seus semelhantes?
É complicado fazer perguntas sobre o óbvio, o quotidiano.
Morremos todas as noites para ressuscitar mais tarde.
Mas, em homenagem a este óbvio, a este milagre diário, religiões foram erguidas, mitos como o da fénix.
A ressurreição, o renascimento, sempre produzem em quem a sofre, um efeito catártico, um antes e um depois.
As questões que nos levam a implementar tais revoluções internas são muitas vezes gatilhos insignificantes.
Detalhes que no passado nem chamam a atenção. Se assim for, o que amplia esses detalhes com o tempo para torná-los tão determinante que propicie a nossa própria morte intelectual, moral ou espiritual?
No meu caso, são tantas insignificâncias, semeadas durante tantos anos, muitas vezes em terreno fértil, que eu não poderia enumera-las, nem faria sentido lógico fazê-lo.
As revoluções internas acalmam a sua gravidade com os anos, mas não por isso são menos profundas. Quando temos algo tendemos a conservá-lo, nos tornamos conservadores; e é aí que a gente fica estagnada.
Conformamo-nos muitas vezes e infelizmente, com o que sabemos, perdemos a capacidade de nos surpreendermos, a necessidade vital de nos rebelarmos, pois os nossos bens materiais nos enchem com uma venda suficientemente ampla para tapar os nossos olhos e o nosso nariz perante o mundo, perante tal decadência.
Mas precisamente o não ter nada, o vazio que produz estar rodeado pela ruína moral e intelectual do momento, deve ser o estímulo para nos dar coragem suficiente para nos olharmos no espelho com sinceridade e identificar o inimigo que carregamos dentro de nós, assumi-lo como parte de nós, e conhecê-lo para realizar uma síntese superadora que nos permita elevar o intelecto a um estado superior de perspectivas sobre o mundo.
Quando em uma pequena morte se reproduz outra maior, dia após dia, espelho após espelho, chegou o momento de tirar a venda: chegou a hora de renascer, de se reconstruir como um templo, erguer-se sobre as próprias paredes e erguer a cabeça para ver além; porque um Não se pode morrer constantemente, não se pode abraçar a escuridão.
Uma pessoa que se considere tal, com sua dignidade ferida, com um mínimo de honestidade para com si mesmo e com os outros, não pode permanecer no mesmo lugar porque, como Ulisses, todos nós temos a nossa Ítaca.
Os segredos para construir este templo permanecem escondidos na nossa condição humana, residem no mais profundo de cada ser, e deve ser ele mesmo, em conjunção com seus irmãos de condição ou classe, aquele que quebra essas amarras para seu bem e para o seu próprio bem.
Devemos saber que se as fundações desta construção forem fracas, se o cimento não forjar adequadamente, a catedral desmoronará inexoravelmente.
Estes alicerces fracos são os que suportam hoje em dia a cultura em que estamos imersos: a superficialidade, o imediato, o lucro à custa de qualquer coisa, a corrupção, as guerras sem motivos, o consumo voraz dos recursos naturais e um longo infinito de lama em aquele que afunda a nossa civilização.
Por isso decidi ser, entre outras coisas, maçom.
Porque, ao contrário de outras militâncias mais profanas e profanadas, aqui espero poder cultivar, juntamente com vocês, meus irmãos, uma perspectiva diferente da vida, um melhor tratamento dos assuntos espirituais, uma percepção diferente de como polir e modelar a alma através da razão e da justiça universal.
Eu quero ser maçom para reivindicar com minhas obras o que eu penso, ser coerente com o que é dito, estudar a ciência do exemplo, entrar no templo para sair ao mundo, me tirar de tudo para todos abraçá-lo como ser humano.
O que me parece extremamente importante é que o processo de iniciação tem que ser vivido, ao mesmo tempo que tem que morrer, a verdadeira transmissão do que o ritual pretende se dá apenas por participar nele.
Certamente aqueles que criaram este ritual que vivemos ao entrar na maçonaria tinham um conhecimento profundo da natureza humana.
Também não devemos menosprezar os diferentes aspectos que participam em qualquer processo revolucionário interno; como o amor pela condição humana, apesar das constantes decepções a que ela nos submete; refiro-me, neste caso, à igualdade como uma busca constante da libertação dos jugos pessoais e sociais, que causam discriminação em razão de gênero, credo, raça ou condição social, pois na liberdade plena do indivíduo reside a redenção pura da raça humana, e a fraternidade, entendida como a solidariedade plena entre irmãos, a vontade de nos ajudar nesta época rude onde existiram e existem cidadãos de segunda, privados dos seus direitos mais fundamentais, privados de uma habitação digna ou de um trabalho para subsistir decentemente.
O fato fundamental da criação de um maçom, pelo menos no meu caso, a questão angular, a base da pirâmide intelectual, é um triunvirato formado pela fé de que a verdade deve prevalecer, que a espiritualidade deve ser o nosso sustento, e que a razão deve triunfar irmãos, através da profundidade do nosso pensamento e da eficácia dos nossos atos, devemos colocar esse grão de areia no grande relógio da evolução, para que ele não pare, para que continue dando a volta e tudo recomeça constantemente, da dualidade, do norte e o sul, surge o equilíbrio, a síntese superadora que nos trouxe até aqui hoje.
Nunca tive medo do inesperado, pois inesperado é a vida.
O ritual de iniciação poderíamos descrevê-lo com muitas e grandiloquentes palavras, mas em última análise pode ser resumido em uma: Vida.
E consequentemente morte.
É você e seu oposto, seu reflexo.
É luz e sombra.
E nós, a sua materialização.
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