Aforismo
Não há penas nem recompensas, e sim, conseqüências.
O aforismo é uma sentença moral breve e conceituosa; é o mesmo que máxima.
É como o "slogan", correspondente, em português, a divisa. Os "slogans" ou divisas são frases freqüentemente usadas pelos partidos políticos e pelas escolas doutrinárias de cariz político.
Na moral, os "slogans", as divisas, são aforismos ou máximas. E até na ciência há destas palavras chaves que são repetidas para fechar a porta ao pesquisador.
"A natureza não dá saltos" é um "slogan" científico, que muito emperrou o andar do pensamento, e hoje se sabe que a natureza dá saltos: dá saltos quânticos no átomo, e dá saltos mutacionais na evolução.
Assim também com os aforismos que podem ser uma ajuda para a moral, ou podem ser para ela um emperro.
A máxima em estudo hoje nos diz que não há nem recompensas nem penas, e sim conseqüências.
Havendo leis morais rígidas no universo, cada um colhe o que semeou. Quem é que não entende, de pronto, que recompensas e castigos são conseqüências?
Quem faz o bem recebe o bem; quem pratica o mal colhe o mal; quem semeia ventos colhe tempestades, diz um provérbio, um aforismo, uma máxima de Salomão.
Pois esta frase axiomática, evidente por si mesma, não carente de demonstração, quando submetida à perquirição do filósofo, mostra-se falha ou imperfeita. Assim, a filosofia mostra-se eivada de dificuldades, e aquilo que é inteligível para todos, aquilo que soa como se fora um axioma que não precisa de demonstração, quando cai debaixo da meditação do filósofo, já se mostra não muito verdadeiro.
Senão dizei-me: quem semeia o bem colhe o bem?
Pois Cristo passou sua vida a semear o bem, e só o bem; contudo teve por conseqüência ser pregado numa Cruz.
Sócrates passou sua vida num apostolado moral; antes de Cristo, suas verdades se assemelhavam às de Cristo; no entanto sua vida de apóstolo do bem, da retidão e da justiça, teve uma conseqüência: a condenação à morte pela cicuta.
João Batista do qual disse Cristo: dentre os nascidos de mulher, João Batista é o maior; pois este maior dos nascidos teve sua cabeça decepada, posta num prato, e apresentada aos convivas num macabro e nojento festim de Herodes...
Quem espalha o mal recebe o mal?
Pois Herodes, o porco, viveu no trono o resto de seus dias em honra e glória, nada lhe sobrevindo de mal como conseqüência de seus atos criminosos.
Pilatos lavou as mãos, ao entregar Cristo à sanha do povo desvairado, e aquela água, em vez de lavar-lhe as mãos, sujou-as do sangue daquele a quem o próprio Pilatos considerava inocente e justo. Enodoou ele, para sempre, sua toga de juiz, e no entanto, permaneceu no poder, tendo até sido elogiado por César por sua habilidade em contornar e impedir levantes.
Viveu no fausto, na grandeza, e quando se recolheu a Roma, ninguém, senão sua consciência, lhe pediu contas de seus crimes e injustiças.
Estaria, logo, errada a máxima? Pode, neste mundo, o bem ter por conseqüência o mal, e o mal ter por resultado o bem de quem o pratica?
Está provado que, neste mundo, sim. Daí a idéia de um outro mundo e de uma outra vida, para se corrigirem lá os erros e desatinos desta.
Assim pensava o padre Vieira, quando escreve isto num sermão: "O Batista em prisões! Logo há de haver outro juízo e outro mundo. Provo a conseqüência. Porque, se há Deus, é justo; se é justo, há de dar prêmios a bons, e castigo a maus: no juízo deste mundo vemos os maus, como Herodes, levantados, e os bons, como o Batista, oprimidos: segue-se logo que há de haver outro juízo e outro mundo: outro juízo, em que se emendem estas desigualdades e injustiças; outro mundo, em que os bons tenham prêmios de seus merecimentos, e os maus castigo de suas culpas".
E acrescenta o padre pouco mais adiante: "Um dos principais fundamentos da nossa fé é a imortalidade das almas, e a nossa injustiça é a mais evidente prova da nossa imortalidade. Se os homens não foram injustos, puderase duvidar se eram imortais; mas permite Deus que haja injustiças no mundo para que a inocência tenha coroa e a imortalidade prova. Quem pode duvidar da imortalidade, da outra vida, se vê nesta a maldade de Herodes levantada ao trono e a inocência do Batista posta em prisões?"
Tal, também, é o parecer do pensador Emmanuel Kant; não podendo ele chegar a Deus em sua "Crítica da Razão Pura", a ele chega pelos caminhos do padre Vieira, em sua "Crítica da Razão Prática", isto é, faz derivar a imortalidade da necessidade de recompensa.
Tenho demonstrado que o bem, proximamente, pode ter por recompensa o mal, e viceversa, o mal pode redundar no bem imediato de quem o pratica. Mas, nem sempre o perverso colhe frutos bons de sua maldade. Dimas e Gestas eram ladrões e salteadores, e tiveram por conseqüência serem pregados nas cruzes.
Contudo, no meio de ambos se elevava a Cruz de Cristo que era o sumo bem.
O bem e o mal crucificados no mesmo local e mesma hora, provam que bem e mal podem ter por conseqüência o martírio e a morte.
Não importa se é Cristo ou Gestas: se estão neste nosso mundo injusto e mau, haverá cruzes para ambos.
Segue-se, de tudo isto, que o sofrimento decorre do meio em que nos encontramos.
Cumpre-nos, portanto, para não sofrer, fazer duas coisas:
...a primeira, e mais importante, é melhorar-nos intelectual e moralmente;
...a segunda, é lutar pela melhoria do meio social.
Pela primeira, elevamo-nos de nível espiritual, e com isto, nos candidatamos aos mundos felizes que são as Grandes Oficinas extra- terrenas (na casa de meu Pai há muitas moradas – Jesus), todas recebendo a inefável Luz do Oriente Eterno.
Pela segunda (e esta é a missão da Maçonaria terrena), procurarmos transformar a grande oficina deste nosso mundo numa das Grandes Lojas do Infinito, expulsando dele, para sempre, a injustiça e o mal, repondo, em seus lugares, a justiça e o bem.
De maneira que está correta a máxima: não há punições nem recompensas, mas conseqüências; só que estas conseqüências são o meio social a que somos compelidos a habitar pela nossa densidade espiritual.
Os bons sobem para mundos felizes, leves e luminosos; os maus, por sua grande densidade, caem para os planos trevosos de ignorância, de injustiças, de lágrimas, de dores.
O que vale é a densidade espiritual: e está exclusivamente em nós tornarmo-nos leves ou densos.
Gestas era denso, inferior, por sua natureza animalesca, cultivada no sentido de aumentar seu satanismo, e a conseqüência disso foi sua cruz. Cristo era leve, diáfano, divino; mas por amor de nós, fez-se a si mesmo denso, fez-se carne, e por isso teve também como resultado ser pregado numa Cruz.
Cristo era missionário do bem, era a mesma luz, e sua Cruz foi o resultado do seu imenso amor.
Gestas era um demônio perverso e mau, era a mesma treva, e sua cruz foi a conseqüência do seu egoísmo, do seu ódio pela humanidade.
No entanto, parece que estou a ouvir as vossas objeções, primeiro, que tomei exemplos extremos, e se é verdade que os expoentes extremos, sejam do mal, sejam do bem, podem ter por resultados o martírio e a morte, contudo a maioria dos medíocres não padecem horrores tais.
A segunda objeção é que nem todas as dores resultam de punições impostas pelos homens, e a massa enorme de sofrimentos que todos padecemos são conseqüências de causas desconhecidas.
A primeira objeção nos leva a concluir, que a moral verdadeira é a da áurea mediania de Aristóteles: in medio virtus, isto é, no meio está a virtude. Nem maus, como Gestas, nem bons, como Cristo, visto que tais extremos podem nos levar à cruz. Logo, sejamos como somos, nem bons, nem maus.
Sejamos medíocres nas virtudes, que nesta mediocridade está toda a virtude.
Consequentemente, cada um deve cuidar-se de não ser mais do que é, pois que somos perfeitos, acabados, porque medíocres.
Esta moralidade se contrasta com a extrema virtude pregada por Cristo que dizia: ou sejas frio ou quente, porque se fores morno, vomitar-te-ei da minha boca. Assim aquilo que para Aristóteles era o ideal, para Cristo é repelente vômito.
Cada um de vós que escolha qual dos dois seguir: mas se vos decidir por Aristóteles, já não tendes o que fazer na Maçonaria, desligai-vos dela, porque aqui curamos de nos aperfeiçoar objetivando a virtude extrema de Cristo, ainda que isso nos custe a vida.
Quanto à segunda objeção, que é a dos males sofridos sem culpa aparente ou conhecida, dessa não vos posso falar, porque minha convicção me levaria a defender uma tese sectária, e estou disso proibido pela nossa Constituição.
O que só vos posso adiantar é que creio deva existir uma Maçonaria extraterrena, e estarão fora do Oriente Eterno todos os que praticarem a iniquidade; em lugar de irem para o Oriente que é a sede da luz, irão para o lado oposto, para o ocidente, para o ocaso do Sol, para onde morre o dia e a luz se apaga, e, nas trevas densas duma noite infinita, todos os passos estarão perdidos, porque não se aproveitam, porque não conduzem a lugar nenhum.
Perdido o sentido de orientação, sem o Oriente, andar e desandar é como estar parado.
Além daquela porta que ali está, ali no poente, situa-se a sala dos perdidos passos; de lá viemos, e para lá retornaremos, se nos descurarmos do cultivo das virtudes e do saber.
A palavra aforismo foi utilizada pela primeira vez nos aforismos de Hipócrates, uma longa série de proposições tratando de sintomas e diagnósticos de doenças e a arte da cura e medicina. Mais tarde o termo passou a ser aplicado em frases conceituais das ciências médicas e em seguida para todos os tipos de princípios. Atualmente o aforismo é compreendido como uma forma concisa e eloquente de declarar a verdade.
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