MUDANÇA DE MODELO MENTAL
Para pensar a Maçonaria do século XXI é preciso partir da base do modelo mental (ou modo de pensar, ou sistema de pensamento) por meio do qual construímos o nosso mundo.
Há poucas esperanças de mudar o mundo que elaboramos, ao longo de nossa interação com ele, se não modificarmos antes o modo de pensar que utilizamos para essa construção.
Assim, propomos que, do ponto de vista do Acolhimento Maçônico, o pensar (que inclui o sentir) e o viver sigam a seguinte dinâmica:
Mudar o modo de Sentir ┐ ↓
Mudar o modo de Pensar ↑ ↓
Mudar o modo de Falar ↑ ↓
Mudar o modo de Agir
O diagrama exprime algumas das principais dimensões do ser humano: o sentir, o pensar, o falar e o agir.
Todas estão entrelaçadas, de modo que modificações em qualquer uma repercutirão sobre as demais. Trata-se de uma abordagem integrada e integradora, na qual tudo acolhe tudo e por tudo é acolhido. Isso significa que é preciso, antes de mais nada, compreender que o privilégio dado por nossa cultura à tecno-ciência, em prejuízo das humanidades, é um dos principais obstáculos à colocação em prática das iniciativas ou objetivos da Maçonaria.
Portanto, desde o início convém ter em mente que aquilo que se deseja é introduzir ações de acolhimento numa cultura que é ou está basicamente não-acolhedora, uma cultura na qual a competição predatória, a devastação da natureza e a exclusão social não recebem o grau de atenção e questionamento que deveriam.
Estas palavras, porém, não devem ser tomadas como desestímulo ou pessimismo, mas sim como um convite à reflexão.
Para pôr em prática os objetivos sociais da Maçonaria é preciso mudar de modelo mental.
Trata-se de uma mudança ampla e profunda, que não pode ser feita por meio de iniciativas superficiais e de curto prazo.
Eis o nosso desafio. Sem compreendêlo e buscar meios de superá-lo, nossas boas intenções cairão no vazio. Lidar com esses obstáculos exige, antes de tudo, que pratiquemos o que propomos.
O pensar inclui o sentir.
Em geral, sentimos antes de pensar. Ou, de modo inverso, o que pensamos produz sentimentos.
Pode-se dizer então que o sentir e o pensar se influenciam mutuamente, isto é, estão em relação circular.
Para trabalhar a interação entre o sentir, o pensar, o falar e o agir propomos começar examinando o que sentimos diante do sofrimento e da doença ou de outro infortúnio.
Nossa proposta é iniciar pelo sentir e depois entrar em contato com o que pensamos, segundo vários pontos de vista, ou sejam, o dos que podem e devem resolver o problema, o do “paciente” ou queixoso, o de seus familiares e o da comunidade.
Examinemos alguns dos nossos sentimentos diante de tais situações e da necessidade de buscar atendimento, ou mesmo da necessidade de, fora dessas situações, procurar ações preventivas.
Em geral, os profissionais, como é a praxe em nossa cultura, foram preparados para sentir, pensar, falar e agir com base na lógica binária: o modelo mental de causa e efeito, a lógica do "ou/ou".
Trata-se de um padrão que exclui em vez de acolher, que separa em vez de juntar, que fala de ações, não de interações, de vivência e sobrevivência em vez de convivência.
Em especial, é um modelo que privilegia as partes isoladas, em prejuízo das relações.
A esse respeito Václav Havel, ex-presidente de República Checa, tem uma frase que não deve ser esquecida: "Educação é a capacidade de perceber as conexões ocultas entre os fenômenos".
Por sua vez, Elizabeth Rondon Amarante, neta do Marechal Rondon, em contato com os índios myky, descobriu que na língua deles não existe o verbo "viver"; em seu lugar está o verbo "conviver", que significa morar, viver com, viver com o mundo, com os outros e consigo mesmo.
Relação, eis a palavra-chave, a argamassa do Maçom.
Se sabemos tudo sobre uma espécie vegetal ou animal, uma técnica, um tratamento, etc., podemos dizer que somos especialistas, eruditos.
Mas só quando compreendemos e vivemos as relações entre as pessoas, as coisas e os fenômenos é que somos realmente educados.
Nesse sentido, Maçonaria é educar.
E a formação maçônica é, pois, um processo pedagógico.
No contexto das ações de formação de profissionais, a maior preocupação de nossas escolas e faculdades, predominantemente voltadas para a tecno-ciência, é instruir, adestrar e treinar.
Mas poucas educam.
Poucas ensinam aos que nelas estudam a compreender que a percepção das relações, das interações, pode diminuir a incerteza e, portanto, atenuar o medo.
Uma sociedade regida por um sistema de pensamento que privilegia a divisão, o afastamento, o não-acolhimento é uma sociedade de desconhecidos, de estranhos.
O desconhecimento produz a desconfiança, e esta alimenta o medo e é por ele realimentada.
Se temos medo de entrar em contato com nossos sentimentos, emoções e subjetividades, acabamos adotando uma visão de mundo em que tudo nos parece externo, objetivo.
É como se não compartilhássemos o mesmo mundo com as pessoas com as quais lidamos no cotidiano.
Como então colocar-nos no lugar delas?
Esse raciocínio faz lembrar um mito da Grécia clássica: a história do Curador Ferido. Conta a lenda que a arte de curar foi ensinada por Apolo ao centauro Quíron. Este, por sua vez, a transmitiu a Esculápio, o deus da medicina. Com Quíron, Esculápio aprendeu a praticar a cura pelas ervas. Entretanto, Quíron tinha uma ferida que jamais cicatrizava: ele vivia curando os outros, mas estava sempre doente, sempre sofrendo, e por isso era capaz de compreender os sofrimentos daqueles a quem tratava.
Esse mito pode ser interpretado como uma sugestão da necessidade que o maçom tem de reconhecer a sua própria vulnerabilidade, isto é, precisa tomar consciência de sua própria ferida, que representa a possibilidade de ele próprio “adoecer” e sofrer.
Em outros termos, colocar-se no lugar do outro para poder avaliar o sofrimento dele e, então exercer a solidariedade e a fraternidade.
No contexto das ações interpessoais, nossos modos básicos de sentir têm como apoio a divisão, a fragmentação, a pouca compreensão do que significa relacionar-se, ligar-se, acolher, comprometer-se, compartilhar.
Nossas ações são em geral vistas como relações de uso. Vemo-nos como fornecedores de produtos e serviços que se destinam a "usuários".
O uso pressupõe o descarte e a posterior exclusão, isto é, um segmento da população utiliza outro e depois o descarta. Em suma: nosso sentir atual é desagregador, separador, disjuntivo.
Não compreendemos bem a extensão e a profundidade da idéia de relação, junção, participação.
Nosso sentir é o de quem não aprendeu a pôr-se no lugar do outro.
É um sentir não-maçônico, não-acolhedor.
Se, como no diagrama há pouco apresentado, a Maçonaria é identificada com um processo que requer a simultaneidade de várias iniciativas, é necessário começar pela modificação do nosso modo de sentir.
A primeira providência para tanto é educacional.
Ela requer uma reaproximação com a cultura humanística, que vem há longo tempo sendo posta em plano secundário.
Modos de pensar: o que é preciso modificar
Em nossa cultura predomina o pensamento linear, a lógica binária, isto é, o modelo mental "ou/ou". E é sobre esse assunto que agora nos aprofundaremos.
Fragmentação, imediatismo e super simplificação, eis três das características fundamentais do sistema de pensamento (ou modelo mental) que condiciona a nossa cultura.
Trata-se de um condicionamento muito antigo, que vem da época de Aristóteles (384-322 a.C.).
O sistema de pensamento proposto por Aristóteles constitui uma das bases orientadoras da ciência atual.
Corresponde à lógica clássica, que se baseia no princípio do terceiro excluído: "A" é igual a "A" e diferente de "B"; ou é ou não é; ou sim ou não; ou certo ou errado; ou isso ou aquilo. Depois do filósofo grego, esse sistema de pensamento foi ampliado por muitos outros filósofos e cientistas, dos quais os mais destacados foram o francês René Descartes (1596-1650) e o inglês Isaac Newton (1642-1726).
Descartes propunha que o conhecimento seria mais eficaz pelo exame das partes isoladas (embora propusesse também uma síntese final). Newton sustentava que a ciência deveria buscar sempre leis universais, que estabelecessem relações de causa e efeito.
Esse condicionamento se acentuou nos últimos três séculos e até hoje predomina em nossa cultura. Está profundamente enraizado em nossa mente. Na prática, acabou se tornando quase que o único meio pelo qual interagimos com o mundo e tentamos entendê-lo. Praticamente todas as nossas "certezas", nossas teorias a respeito do mundo, são baseadas nesse modo de pensar.
Eis os seus principais pressupostos:
1) A maneira mais adequada de conhecer um objeto ou situação é dividi-lo e estudar as partes em separado, para depois tentar reunir os resultados da investigação numa síntese;
2) as causas são sempre imediatamente anteriores aos efeitos ou estão muito próximas deles;
3) a ligação causa-efeito ocorre sempre num mesmo contexto de espaço e tempo;
4) o mundo é visto de modo binário, pelo padrão "ou/ou": ou bem ou mal; ou certo ou errado; ou real ou imaginário; ou vencedor ou vencido; ou amigo ou inimigo e assim por diante;
5) tendência à quantificação e à objetividade, o que leva à dificuldade de lidar com a subjetividade, os sentimentos, a intuição, as emoções, enfim, com os aspectos qualitativos da vida.
Na lógica linear, a divisão e a polarização constituem um componente da maior importância, pois ele nos leva a acreditar que há sempre pólos antagônicos entre os quais é preciso escolher.
Não que devamos ser contra as escolhas, é claro.
A possibilidade de escolher é um dos fundamentos da liberdade e da democracia que tanto exaltamos.
Mas aqui se trata da escolha binária, do ou isso ou aquilo, sem mais opções, que limita nossas possibilidades de exercer a individualidade, a criatividade, a consciência crítica.
É uma escolha limitada, estreita, propícia à imposição da manipulação e do controle.
Não há abertura para reflexão, ponderação, negociação, investigação qualitativa, relações, interações.
Os nossos dirigentes, na Ordem, são diferentes?
Somos, portanto, prisioneiros das polarizações: ou inocente ou culpado; ou virtude ou vício; ou saúde ou doença; ou bem ou mal; ou fiel ou infiel; ou tudo ou nada ou Oriente ou Ocidente.
Essa formatação mental dificulta a nossa percepção da diversidade e da complexidade do mundo natural e, é claro, não se pode respeitar aquilo que não se percebe.
Trata-se, pois, de um aprisionamento que estreita e limita nossa percepção e compreensão.
Com base nele surgem posturas como o imediatismo, o narcisismo, o isolacionismo e a insensibilidade.
As imensas dificuldades de comunicação entre as pessoas e as instituições por elas criadas (a família, a escola, os governos, as empresas, as culturas, enfim) são, em especial, geradas por esse modo de ver.
Trata-se de uma lógica de exclusão, não de inclusão.
Não é difícil concluir que ela dificulta, e muito, as iniciativas e os objetivos da Instituição e, portanto, a formação do Homem Integral, o verdadeiro Maçom.
Outra, e talvez a mais desalentadora, peculiaridade desse nosso condicionamento é o fato de que a maioria dos nossos irmãos nem ao menos percebe a sua existência.
Ou seja, eles não se dão conta de que estão condicionados. A experiência mostra que quanto mais nos repetimos, mais marcamos passo, mais insistimos em não mudar nosso modo de pensar, mais incapazes nos tornamos de perceber essa situação.
A esse respeito, Albert Einstein tem duas frases bem conhecidas:
a) "nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou";
b) "tudo mudou, menos o nosso modo de pensar".
Ainda assim, o modelo binário/simplificador/linear é necessário para as situações mecânicas, instrumentais, operacionais, da vida.
O que o torna problemático não é sua existência nem suas aplicações, mas sim o fato de ele ser visto como quase único, exclusivo, inapelável.
É esse detalhe que faz com que ele produza, ao lado de resultados práticos significativos, conseqüências muitas vezes desastrosas, como as dissidências e surgimento de novas “potências”.
Desse modo, quando falamos em mudar o modo de pensar, de maneira alguma pretendemos propor a eliminação do padrão binário e sua substituição pelo seu oposto.
Tal atitude equivaleria a incorrer no mesmo equívoco com sinal trocado.
Ao contrário, é imperioso manter o modelo binário, mas não é menos indispensável complementá-lo com um modo de pensar abrangente, holístico.
Ou seja: pensar o todo sem deixar de lado as partes, o que significa pôr em prática a máxima do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662):
"Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes em particular".
Um modo abrangente de pensar
ResponderExcluirO modelo mental que considera não apenas as partes, mas também as relações
entre elas, é o pensamento sistêmico, que deriva da teoria dos sistemas. Sistema é um
conjunto de partes que interagem visando um objetivo comum. Um organismo vivo é
um bom exemplo: é composto de células, que se organizam em tecidos, os quais por sua
vez estruturam os órgãos. O funcionamento harmonioso dos órgãos determina o bom
funcionamento (a saúde) do sistema.
Há sistemas fechados e sistemas abertos. Nos primeiros, não há trocas com o
meio ambiente, e por essa razão eles tendem a consumir sua energia interna e acabam se
desintegrando. Os sistemas abertos trocam matéria e energia (ar, água, alimentos) com o
ambiente, onde estão outros sistemas, e por isso se mantêm íntegros. Quando esse
intercâmbio cessa, por qualquer motivo, esses sistemas se desintegram.
O pensamento linear permite pensar as partes separadas do todo. O pensamento
sistêmico permite pensar o modo como as partes se relacionam entre si para formar o
todo. O modelo linear lida com os fenômenos em termos de causa-efeito (causalidade
simples). O pensamento sistêmico permite ir além da causalidade simples, isto é,
possibilita a compreensão das relações e interações no interior de cada sistema e entre
sistemas diferentes.
Nosso cérebro está preparado para os dois modelos mentais, isto é, está
programado também para relacionamentos e não apenas para a divisão e a
fragmentação. Em outras palavras, a natureza nos preparou para acolhermo-nos
mutuamente. Deve haver, portanto, um equilíbrio entre o modo de pensar fragmentador
e o abrangente.
O modelo mental que permite compreender a necessidade de equilibrar os
pensamentos linear e.sistêmico chama-se pensamento complexo.
Os dois lados do ser humano
ResponderExcluirAssim, temos um lado objetivo e lógico, indispensável para que lidemos com as
situações objetivas, concretas, quantitativas, do cotidiano. Mas não é apenas nisso que
consiste o nosso viver. Temos também um lado subjetivo, que inclui os sentimentos, as
emoções e a intuição. Em todas as circunstâncias da vida essa dimensão está presente.
O equilíbrio deve existir entre os dois sistemas de pensamento. Em outras
palavras, esses dois modos de pensar devem acolher um ao outro. Desse modo, as
palavras "complementaridade" e "acolhimento" são da maior importância neste e em
outros contextos. Elas indicam a necessidade de evitarmos o equívoco produzido por
nosso condicionamento básico pelo modelo mental "ou/ou", segundo o qual devemos
sempre ver as coisas como dois pólos antagonistas, entre os quais é imperioso escolher
um.
Se seguirmos esse impulso, como quase sempre fazemos, logo nos veremos
divididos em duas grandes facções: a) os que adotam o pensamento linear como modelo
de pensamento predominante; b) os que fazem o mesmo com o pensamento sistêmico.
Eis, portanto, o ponto mais difícil de compreender quando se fala sobre esse
ResponderExcluirassunto: o condicionamento sempre nos leva a escolher de imediato um dos pólos.
Como o condicionamento pelo modelo linear formata a consciência de nossa cultura,
para todos nós é difícil pensar na forma de complementaridade. Quer dizer: temos
dificuldade de compreender o acolhimento, a interação, a relação, porque estamos
condicionados a pensar em termos de escolhas polarizadas, ou seja, em função da
divisão, do não-acolhimento, da exclusão.
Depois dos trabalhos do filósofo francês Edgar Morin, aos poucos vem ficando
cada vez mais compreensível, inclusive em vista de ações práticas, o que sempre foi
óbvio: há momentos na vida em que é preciso medir, pesar e contar. E há, também,
momentos em que é preciso levar em conta os sentimentos, as emoções, a subjetividade
e a intuição. Nesses instantes, é necessário utilizar o pensamento sistêmico.
Como não podemos, na maioria dos casos, saber em que instantes precisaremos
pensar de um modo ou de outro, devemos estar preparados para utilizar os dois, com
ênfase no que se tornar necessário numa determinada situação.
A proposta de Morin tomou o nome de pensamento complexo. Para esse autor,
nem o pensamento linear nem o sistêmico são capazes, quando isolados, de nos fazer
compreender a complexidade de nossas vidas e nossa relação com o mundo natural.
O pensamento complexo é um modo de pensar que procura ligar dois sistemas
ResponderExcluirde pensamento que estão separados por nossa cultura. É um modo de ver acolhedor, de
integração. É por essa razão que ele constitui a base teórica da Maçonaria que
pensamos, para enfrentar os desafios do mundo atual. O objetivo do pensamento
complexo é permitir que lidemos de modo adequado com a complexidade. Esta pode ser
definida como a condição natural de todas as coisas e processos do Universo, no qual
tudo está ligado a tudo e tudo depende de tudo, assim como está em cima, assim está em
baixo.