GEOMETRIA SAGRADA SIMBOLISMO E INTENÇÃO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS - Os Princípios (1)

 1.

Os princípios que norteiam disciplinas tais como a geomancia, a geometria sagrada, a magia ou a eletrônica estão fundamental­mente ligados à natureza do universo. 

Dogmas variáveis de diferentes religiões ou mesmo de grupos políticos podem ditar variações de forma externa, mas os fundamentos operatórios permanecem constantes.

Pode-se fazer uma analogia com a eletricidade. Para que uma lâmpada elétrica se ilumine é preciso que várias condições sejam preenchidas. 

Uma determinada corrente deve alimentar a lâmpada por meio de condutores isolados com um circuito completo, etc. 

Essas condições não são negociáveis. 
Se algo não estiver correto, a lâmpada não se acenderá. 

Os técnicos de todo o mundo devem co­nhecer os princípios fundamentais, caso contrário falharão. 

Esses princípios transcendem as considerações políticas ou sectárias. 

Exe­cutado acertadamente, o circuito funcionará igualmente bem num estado comunista, sob uma ditadura militar ou num país democrá­tico - até mesmo em outro planeta.

Da mesma maneira, os princípios norteadores da geometria sa­grada transcendem as considerações religiosas sectárias. 

Como uma tecnologia que tem o objetivo de reintegrar a humanidade no todo cósmico, ela funcionará, como a eletricidade, para todas as pessoas que observarem os critérios, não importa quais sejam os seus prin­cípios ou propósitos. 

A aplicação universal dos princípios idênticos da geometria sagrada em lugares separados no tempo, no espaço e por crençàs diferentes atesta a sua natureza transcendental. 

Assim, a geometria sagrada foi aplicada nos templos pagãos do Sol, nos reli­cários de Ísis, nos tabernáculos de Jeová, nos santuários de Marduk, nos santuários erigidos em honra dos santos cristãos, nas mesquitas islâmicas e nos mausoléus reais e sagrados. 

Em todos os casos, uma cadeia de princípios imutáveis conecta essas estruturas sagradas.

A geometria é geralmente incluída na disciplina da matemática; todavia, a matemática numérica, na verdade, derivou da geometria, que possui uma ordem muito mais fundamental do que a mera ma­nipulação de números, que é criação do homem.



Nos nossos dias, as razões geométricas são invariavelmente expressas em termos matemáticos e parece impensável que a geometria pudesse ser separada da matemática. 

Todavia, a expressão matemá­tica de razões tais como o pi e a seção dourada é apenas uma con­venção engendrada para uma civilização letrada adestrada em figuras e em cálculo. 

Dizendo respeito em primeiro lugar às razões e às relações, a expressão da geometria em termos de números pertence a um período posterior do seu desenvolvimento. 

A complexa geo­metria do Egito antigo, que habilitou arquitetos e geômetras a medir o tamanho exato do país, estabelecer indicadores geodésicos e erigir vastas estruturas como as pirâmides, era uma arte prática que im­plicava no seu relacionamento com o número

Os geômetras gregos, cujo conhecimento eles próprios admitiam provir dos egípcios, continuaram no nível prático e não se aventuraram nos reinos da matemática complexa que só existe para provar aquilo que já se conhece. 

De fato, foi só no século XVII, com a ascensão do culto particularmente europeu protestante à ciência, que o cálculo preciso dos números irracionais tornou-se uma preocupação urgente.

A interpretação da geometria em termos de relações numéricas é uma racionalização intelectual posterior de um sistema natural para a divisão do espaço. 

Tal interpretação surgiu com o divórcio entre a geometria e o corpus de ciência, magia e metafísica que agora se conhece peto nome de religião antiga. 

Muitas razões de comprimento, como por exemplo as raízes quadradas da maioria dos números in­teiros, não podem ser expressas em termos de números inteiros e; assim, só podem ser apropriadamente descritas em termos geomé­tricos. 

Da mesma maneira, a divisão do círculo em 360 unidades conhecidas como graus no sistema babilônico convencional não é absoluta. 

Embora seja geometricamente derivada, é apenas uma ques­tão de conveniência.

O número, todavia, tal como expresso nas dimensões sagradas dos edifícios santificados, tem sido freqüentemente usado para ca­muflar a sua geometria sagrada subjacente. 

O Tabernáculo Hebraico e o Templo âescrito na Bíblia, e também as dimensões da Capela do King's College, em Cambridge, são tidos como medições que podem ser interpretadas pelos cognoscenti em termos de geometria mística

O rei Henrique VI só poderia conceber a forma da sua Capela em Cambridge em termos de medidas que não divulgassem os mistérios maçônicos aos não-iniciados. 

Reginald Ely, seu mestre maçom, teve de desenhar as dimensões como um plano que deter­minasse a geometria ad triangulum inerente àquelas dimensões. 

Por ser a geometria uma imagem da estrutura do cosmos, ela pode ser facilmente utilizada como um sistema simbólico para a com­preensão de várias estruturas do universo. 

Essa função simbólica é exemplificada por um instrumento científico pouco conhecido que foi usado nos tempos pré-coloniais para ensinar aos meninos polinésios os fundamentos da navegação. 

Embora os polinésios não tenham possuído nenhum dos instrumentos agora tidos como necessários à navegação - o sextante, o compasso e o cronômetro -, eles eram capazes de viajar regularmente através de grandes extensões do ocea­no e chegar aos seus objetivos. 

Valendo-se das estrelas e de outras características físicas - como a presença de bancos de nuvem sobre a terra -, os navegadores polinésios podiam detectar a presença de ilhas, mas o método mais útil era a leitura das ondas. 

Assim como qualquer outro objeto marítimo, uma rocha por exemplo, exercerá um efeito sobre o padrão das ondulações, também a presença de uma ilha, em escala muito maior, causará padrões de difração nas ondas a muitas milhas de distância.

A ciência do reconhecimento das ondas era ensinada aos meninos por meio de um sistema mnemônico, o mattang. 
Em sua forma característica, esse instrumento, composto de varetas dispostas num pa­drão geométrico preciso, apresentava estranham ente algumas das idéias da geometria sagrada européia. 

Esse dispositivo geométrico mostrava aos discípulos todos os padrões básicos que as ondas formam quando são dobradas pela terra. 

Da mesma maneira, todos os padrões geométricos refletem, além disso, verdades que estão muito além das suas simples derivações, mesmo os complexos relaciona­mentos com outras geometrias. 
A estrutura deles está em harmonia com o universo e com todas as formas físicas, estruturais e psico­lógicas que constituem a sua unicidade.



Desde os tempos mais antigos, a geometria foi inseparável da magia. 

Mesmo os riscadores de pedra mais arcaicos têm forma geo­métrica. 
Eles apontam para um sistema notacional e invocacional praticado por algum antigo sacerdócio. 

Pelo fato de as complexida­des e as verdades abstratas expressas pela forma geométrica só poderem ser explicadas como reflexos das verdades mais íntimas da substância do mundo, elas eram consideradas como mistérios sagra­dos da ordem mais elevada e eram ocultadas dos olhos profanos. 

Um conhecimento especial era exigido para se desenhar tais figuras e a sua importância mística era ignorada pelas massas sem instrução. 

Os conceitos complexos eram transmitidos de um iniciado a outro por meio de símbolos geométricos individuais, ou combinações deles, sem que o ignorante nem ao menos suspeitasse de que estava ocorrendo uma comunicação. Como o sistema moderno de símbolos se­cretos empregado pelos ciganos, eles deveriam constituir-se em enigmas embaraçosos para o curioso.

Toda forma geométrica está investida de significado psicológico e simbólico. 

Assim, tudo aquilo que é feito pelas mãos do homem e que incorpora esses símbolos de uma maneira ou de outra torna-se um veículo para as idéias e as concepções corporificadas em sua geometria. 

Através dos tempos, as geometrias simbólicas complexas agiram como a base para a arquitetura sagrada e profana, variando a geometria de acordo com a função. 

Algumas geometrias continuam sendo ainda hoje poderosas imagens arquetípicas da fé: logo acorre à nossa mente, com símbolo do judaísmo, o hexagrama

Outras geo­metrias foram menos conhecidas pelo público, sendo usadas para indicar àqueles que "estavam a par" alguma verdade esotérica, como o vesica piscis do tampo da Fonte Chalice em Glastonbury. 

Outras, todavia, estão ocultas nas profundezas dos artefatos místicos - ou até mesmo nas brincadeiras das crianças.

Uma brincadeira bastante comum entre escolares é uma reminiscência de um antigo sistema de geometria sagrada. 

Conhecido como "ler a sorte", o jogo envolve a dobradura de um quadrado de papel de uma determinada maneira. 
De qualquer jeito que o abrirmos, sempre se nos revelará uma de quatro opções. 

A dobra­dura do papel e a forma que ele toma quando desdobrado são um dispositivo mnemônico para a criação da geometria ad quadratum usada pelos antigos maçons.

Toma-se um quadrado de papel e dobram-se os quatro cantos de maneira que eles se encontrem. 

Este procedimento produz um novo quadrado, cuja área corresponde à metade do quadrado ori­ginal. 

Estes cantos - são novamente dobrados de dentro para fora, o que cria um outro quadrado correspondente à metade do anterior e produz uma divisão óctupla. 

Pode-se fazer, a partir daí, uma fi­gura tridimensional, com dois grupos de "vértices" que podem ser abertos e fechados à vontade. 

A associação dessa geometria muito bem definida com a leitura da sorte pode ser perfeitamente o resíduo deteriorado de um antigo sistema de adivinhação, pois o padrão assim formado não só reproduz a configuração básica do ad quadratum, mas também o esboço tradicional do desenho do horóscopo. 

Este último padrão combina de maneira engenhosa a divisão óctupla pagã do quadrado com a divisão duodécupla oriental do zodíaco.


O uso de formas geométricas é bastante conhecido na magia ritual, tanto para a evocação de espíritos e poderes quanto para a proteção do mágico contra suas cortesias malévolas. 

Cada espírito tem tradicionalmente um sigilo ou padrão geométrico associado ao seu nome, por meio do qual, com conjuras e rituais apropriados, ele pode ser contactado. 

Muitos desses sigilos são expressões geomé­tricas dos nomes e são produzidos pelo traçado de números equiva­lentes às letras sobre. quadrados mágicos. 

A determinação dos nú­meros equivalentes aos nomes é conhecida como gematria. 

Nos alfabetos grego e hebraico, cada um dos caracteres representa não só um som, mas também um equivalente numérico. 

Assim, o nome Israel poderia ser escrito em hebraico da seguinte maneira: Yod Shin Resh Aleph Lamed. Esses caracteres têm o equivalente numé­rico 10, 300, 200, 1, 30 = 541. 

Uma convenção da gematria per­mite, assim, que outras palavras de valor numérico equivalente pos­sam ser usadas como seus substitutos. 

Os cabalistas, durante muitos séculos, estudaram o significado oculto do livro de Isaías segundo esses critérios. 

A substituição de uma palavra por outra pode ser usada como um método oculto de comunicação que elimina a ne­cessidade de se usar um nome que tenha poderes especiais próprios. 

Também é possível traçar esquemas a partir das posições ocupadas pelos números nos quadrados mágicos. 

Assim, o nosso exemplo, Israel, esquematizado sobre o Quadrado Mágico do Sol, cria um sigilo específico que pode ser depois transferido para os utensílios mágicos, etc. (ver Figura 4).


Onde quer que a geometria tenha sido usada, consciente ou inconscientemente, o seu simbolismo ainda se faz presente. 

Através de todo o universo conhecido, a função da sua geometria é um valor imutável da existência transitória. 

Os artistas e os mágicos reconheceram essa qualidade transcendental e, em conseqüência, constituí­ram a base imutável sobre a qual está apoiado o tecido da cultura. 

Através de toda a história registrada, o geômetra trabalhou silencio­samente em sua arte, fornecendo a matriz interna sobre a qual se baseiam as formas externas.

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