MAÇONARIA DO SÉCULO XXI: PENSAR, SENTIR E VIVER


SUMÁRIO

Perplexa, a sociedade moderna assiste simultaneamente a ruptura de antigas estruturas societárias e a emergência de uma nova ordem mundial. Acompanhar as mudanças em curso no mundo e estar afinado com seu diapasão e implicações são deveres de todo ser mortal que deseja administrar relativamente bem sua vida neste plano do Universo. 

Refletir para reconstruir poderia ser o lema a ser adotado pela atual geração de maçons nesse limiar do Terceiro Milênio. 

Frequentemente, coexistimos com outros e com o mundo afastando-nos uns dos outros, desconfiando uns dos outros, destruindo as condições críticas para nossa própria existência. 

Vivemos em conflito com a ordem natural das coisas e em desacordo com nossa dimensão biológica. Nós, seres humanos, por natureza temos necessidade de explicações. 

Precisamos entender a nós mesmos, compreender os outros e o mundo em que vivemos. 

Dessa necessidade nasceu a ciência moderna, e das aplicações práticas dela originou-se a tecnologia moderna. 

Entretanto, há outros domínios de nossa existência que não podem ser explicados pela ciência. 

Neles a ciência não atua, ou não o faz do modo objetivo com que opera no lado concreto do nosso viver. 

Esses domínios subjetivos incluem, por exemplo, valores, sentimentos, emoções, paixões, intuição. 

Afetados pela crise civilizatória em curso, os maçons necessitam reorientar seu modo de pensar, de sentir e de viver Maçonaria. 

A essência da atividade Maçônica é a inclusão do outro. 

As "sociedades administradas" totalmente resultaram em “sociedades mercantilizadas” quase que totalmente. 

Esses fatos da vida são parte do nosso cotidiano. 

A Maçonaria opera nessa realidade cultural. 

Nossa tarefa é questioná-la, analisá-la e transformá-la. 

Nosso sucesso em realizar essa tarefa pode ser a diferença entre o desencanto e a esperança; não uma diferença abstrata e poética, mas aquela que gera vontade e a ação.

INTRODUÇÃO 

A sociedade moderna vem assistindo ao desmoronamento de muitas estruturas e, ao mesmo tempo, a estruturação de uma nova ordem mundial. 

Poderosas correntes de mudanças impulsionadas por estupendas forças arquétipas vêm sacudindo todas as instituições e até mesmo a vida pessoal dos membros da Comunidade humana. 

O que, em outras palavras, queremos dizer é que a história recente das sociedades humanas vem mostrando a continuidade de uma velha tendência: a de nos voltarmos contra nós mesmos. 

É sabido que construímos o mundo em que vivemos ao longo de nossas relações com ele. Mas, como também se sabe, se construímos o mundo também somos por ele construídos. 

Acompanhar as mudanças que se operam no mundo e estar afinado com seu diapasão é um dever de todo mortal que deseja administrar bem sua vida neste plano do Universo. 

Entretanto, como membros de uma Organização que preserva grandes planos de evolução social, esse dever é multiplicado, pois, além de administrar nossa vida, temos, também, de auxiliar no desenvolvimento da sociedade. 

Essa dificuldade de compreensão é uma de nossas maiores limitações. 

Para nós é fácil entender as coisas divididas, aos pedaços: os acontecimentos isolados, os objetos fragmentados, as pessoas separadas umas das outras. 

Lidamos bem com fragmentos. 

Mas não compreendemos com facilidade que tudo o que nos cerca existe em relação, em conjunto, que tudo tem a ver com tudo, tudo depende de tudo. 

Em especial, temos dificuldade de entender que não estamos separados daquilo que observamos. 

Eis, portanto, mais uma definição de Maçonaria: “é a arte de interagir, construir algo em comum, descobrir nossa humanidade mais profunda na relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo natural. 

E deixar que os outros descubram em nós sua humanidade e o mundo nos mostre a sua amplitude”, o que em uma única palavra quer dizer “Acolhimento”. 

Sabe-se também que, a Maçonaria é uma “Família”, uma “Família Universal”. 

Ser Maçom é, pois, pertencer a esta Família Universal. 

A família acolhe seus membros e, portanto, família é “Acolhimento”. 

Assim, se família é acolhimento, então, Maçonaria é também Acolhimento. 

Faz parte da missão suprema da FrancoMaçonaria (como uma Organização de construtores sociais, de formadores de opinião e de condutores anônimos da sociedade) auxiliar a humanidade nesses momentos de mudanças de ciclos, para que as inevitáveis transformações não causem tantos transtornos ao homem. 

Contudo, não é isso o que em geral fazemos no cotidiano. 

O exame do noticiário de qualquer jornal, de qualquer emissora de TV, mostra que muitas vezes nosso dia-a-dia não é marcado pelo acolhimento e pela construção, mas sim pela rejeição, exclusão e divisão e pela destruição. 

Mas, como “a Ordem é seus membros”, perguntamos: Estamos qualificados para operarmos competentemente nesse quadro avassalador que se apresenta ao homem da sociedade contemporânea? Refletir para reconstruir talvez seja o lema a ser adotado pela atual geração de maçons, a fim de reestruturar a Ordem maçônica nesse limiar do Terceiro Milênio. 

Em muitas situações, convivemos com os outros e com o mundo afastando-nos, desconfiando, destruindo. 

Isto é, não acolhemos, e, é claro, recebemos o mesmo em troca, tanto em termos de violência entre pessoas quanto em relação às catástrofes naturais: enchentes, secas e outras conseqüências da agressão ao meio ambiente. 

Ou seja, vivemos em conflito com a ordem natural das coisas e em desacordo com nossa biologia. 

Esse ânimo de não acolher, não compartilhar, dividir, separar, manifesta-se em todas as dimensões do cotidiano. 

O que estamos propondo é apenas uma reflexão, pois como dizia Balzac: “Revolução muda tudo, menos o coração do homem.” 

Nós, seres humanos, por natureza temos necessidade de explicações. 

Precisamos entender a nós mesmos, compreender os outros e o mundo em que vivemos. 

Dessa necessidade nasceu a ciência, e das aplicações dela originou-se a tecnologia. 

Entretanto, há outros domínios de nossa existência que não podem ser explicados pela ciência. 

Neles a tecnologia não atua, ou não age do modo objetivo, concreto e eficaz com que opera no lado mecânico e concreto do nosso viver. 

Esse imenso âmbito inclui os sentimentos, emoções, intuição e a subjetividade. 

Como mostra a experiência, esse lado não pode ser explicado de modo objetivo: precisa ser compreendido, e para isso de pouco ou nada valem a eficácia e a exatidão da ciência e da tecnologia. 

A região intuitiva e subjetiva de nosso existir não pode ser simplesmente negada e afastada. 

Ela não deixa de fazer parte de nossas vidas por meio dessa atitude. 

Ao contrário: quanto mais negamos os nossos sentimentos, emoções e subjetividade, mais sofremos em conseqüência disso. 

O lado racional e objetivo e a parte intuitiva e subjetiva da condição humana precisam estar juntos. 

Não podem viver divididos, afastados, como se um, nada tivesse a ver com o outro. 

Precisam conviver, complementar-se, fertilizar-se mutuamente. 

Um deve buscar no outro o equilíbrio que perdeu pela divisão e pelo afastamento. 

Em nossas sociedades atuais, e delas não se exclui a Sublime Instituição Maçônica, privilegia-se o conhecimento científico e suas aplicações - as tecnologias. 

No outro pólo - e postas num plano secundário -, estão as humanidades, isto é, os estudos (que incluem a filosofia, simbologia, a literatura e as demais artes) que visam a compreender o ser humano em seus sentimentos, emoções e subjetividade. 

A técno-ciência busca a clareza da explicação. As humanidades buscam a sutileza da compreensão. Ambas, quando isoladas, são necessárias - mas insuficientes - para compreender e explicar a complexidade da vida e das sociedades humanas. 

Quando elas se complementam, tomam-se necessárias e bastantes. 

O que não pode ser explicado precisa ser compreendido. Por isso o técnico-científico e o humano precisam conviver, acolher-se um ao outro. 

O filósofo francês Albert Camus disse a mesma coisa de outro modo: "Se o mundo fosse claro, a arte não existiria". 

Eis um dos pontos principais da ética do acolhimento maçônico: ela tem muito de ciência, pois Maçonaria é uma ciência, mas também muito de arte, visto ser, a Maçonaria, a Arte Real. 

No entanto, se essa situação é mais ou menos fácil de ser descrita, é muito difícil de ser resolvida na prática. 

O excesso de objetividade e pragmatismo tende a reduzir o humano às suas necessidades e medidas, isto é, ao homem-máquina. 

A principal conseqüência disso é o cotidiano duro e frio de muitos dos ambientes em que ocorrem as ações de sociabilidade. 

Gerou-se uma atmosfera pesada, permeada por um mal-estar que atinge a todos e a todos embrutece. 

Se admitirmos uma Maçonaria débil no presente, não se pretenda que é a Instituição que sofreu regressão, mas os homens, de presença efêmera na Sublime Ordem, que deixaram de estar à altura da Arte Real. 

A Maçonaria que se fala e se pratica no Brasil, para não dizer no mundo, só fala em mudança de processos, e não de mentalidades. 

O que pretendemos propor não é uma mudança apenas para tornar diferente, pelo contrário, senão vejamos: a vida das organizações está mudando radicalmente; a vida é outra dentro das empresas e do mercado. 

Isto significa mais do que mudar simplesmente processos, mudar tecnologia e metodologia. 

É, portanto, necessário dar ênfase e criar um novo jeito de pensar, sentir e viver Maçonaria. 

POR QUE INOVAR A FORMA DE INOVAR? 

Já não há dúvida de que a “civilização” ocidental construiu uma coerência, de produção e de consumo, sem correspondência com os limites do planeta, além de desumanizar o processo que torna possível nossa existência em sociedade. 

Tampouco resta dúvida de que desde a segunda metade do século XX, a humanidade e o planeta assinalam sua imensa insatisfação com este estado de coisas. 

Por outro lado, muitos fenômenos naturais mudaram seus padrões de comportamento por causa de nossos próprios padrões de comportamento, devido à inconseqüência dos modelos universais de “desenvolvimento”, concebidos a partir da premissa da homogeneidade da realidade e da natureza como uma reserva de matéria prima a ser explorada, como se não fôssemos parte dela. 

Para compreender as crises atuais, devemos interpretar duas das inovações européias que impactaram o mundo: o colonialismo e a modernidade. 

O colonialismo justificou a dominação de certos povos sobre outros, organizado sob o critério de “raça” para hierarquizar os grupos humanos: uns brancos cristãos anglo-saxões, eram classificados como “naturalmente” superiores, enquanto, outros negros índios e mestiços, eram julgados “naturalmente” inferiores. 

A modernidade foi criada sob a premissa do universalismo para estabelecer o monopólio da forma particular de ser, sentir, pensar e atuar da Europa. 

Enquanto o racismo justificou a colonização territorial, o universalismo justificou a colonização cultural que facilitou a difusão da modernidade. 

O racismo e o universalismo incorporados aos nossos modos de pensar através da educação e da ciência estão sob questionamento inexorável. 

O universalismo ignora a “natureza do lugar” e inviabiliza o “lugar da natureza” na sustentabilidade da humanidade e do planeta, enquanto o racismo ignora o “desenvolvimento das diferenças” e inviabiliza as “diferenças do desenvolvimento”, criando vulnerabilidade em contextos aonde os “atores” e seus lugares são distintos. 

O modo clássico de “inovação para o desenvolvimento” sob o qual uns geram, outros transferem e muitos adotam, sem interação entre eles, está em crise. 

As premissas que sustentam sua proposta epistêmico-ideológica são insatisfatórias para interpretar e transformar a realidade complexa que torna possível nossa existência, por sua descontextualização. 

Outros modos de interpretação e intervenção são necessários e possíveis. 

Não existe um, mas múltiplos modos de inovação, todos eles dependentes de diversas concepções de realidade dos diferentes grupos de “atores” sociais em distintos contextos históricos, sociais, materiais e culturais. 

No nosso entendimento, a crise atual do “modo clássico” de inovação é parte de um fenômeno bastante amplo, isto é, uma mudança de época, que está condicionando o declínio do industrialismo, viabilizando a emergência de outra época histórica. 

A época emergente não substitui, mas co-existe com outras épocas históricas, sob uma nova hierarquia de idéias, crenças, valores, interesses e compromissos: uma nova ordem de coisas. 

Por isso, entendemos, o “modo clássico” de inovação, concebido pela tradição filosófica do positivismo, perdeu seu monopólio. 

A ciência moderna não é a única via válida para a geração de conhecimento relevante; existem “outras” possibilidades paradigmáticas e outros saberes válidos. 

Assim, pensamos, se o modo clássico de acompanhar a evolução não está sendo satisfatório para promover o bem-estar individual e coletivo, é chegada a hora de inovar a forma de inovar. 

O DIAGNÓSTICO 

Em sua tarefa maçônica, desde o início, nossos irmãos focalizaram suas atenções em assuntos como as tradições esotéricas, a doutrina dos Rosacruzes, a Cabala, as novas teorias políticas da divisão dos poderes, as tradições cavalheirescas da Europa medieval e de suas interpretações morais, e em geral todo o magno corpo de tradições míticas e filosóficas da cultura Ocidental. 

Após 1717, boa parte da Maçonaria esqueceu que a primeira Grande Loja de Londres e Westminster, bem como todas as demais Potências, foram criadas para servir aos Irmãos e às suas Lojas. 

Ao longo do tempo perdeu-se esta perspectiva, e muitas Potências Maçônicas passaram a atuar como se as Lojas tivessem sido criadas para servir às suas Altas Administrações. 

Novos e sucessivos regulamentos foram criados, muitas vezes sem serem submetidos e aprovados pelos Irmãos. 

Decisões de valor questionável criaram a maioria dos “Landmarks”, considerados imutáveis e bastante convenientes para manter o “status quo” das vantagens oferecidas pelos cargos que, infelizmente,  muitos pretendem manter “ad aeternam”. 

Casos há de Potências que estabeleceram em seus regulamentos que é proibido tudo o que não é especificamente permitido. 

Outras Potências há que se sentem livres para estender o seu controle sobre Lojas de outras Potências, governando-as em proveito próprio. 

Assim, a Ordem se dividiu em inúmeras Potências, cada uma suspeitando da outra, que não reconhece, muitas vezes usando de artifícios, nem sempre éticos, na busca dos reconhecimentos internacionais. 

Em muitos casos, a obtenção de um reconhecimento significa a retirada deste mesmo reconhecimento a outra Potência. 

Afinal, para que serve o tão decantado reconhecimento, se Irmãos de Potências diferentes, que só estão preocupados em praticar a pura Maçonaria, se reúnem em Lojas Virtuais e em Grupos que se comunicam pela Internet? 

Portanto, é bastante cristalino que o contato entre os Irmãos de todas as Potências está ligando os elos da grande e verdadeira corrente maçônica espalhada pelo Mundo. 

Já para o fim do século XVIII, a maçonaria em suas distintas organizações estava muito longe da ingênua preocupação com os banquetes solsticiais, sem diminuir a importância das boas ceias que precedem ou se seguem a uma reunião maçônica. 

Resumindo este ponto, interessa assinalar que, junto com os trabalhos de mastigação, ou mais alem deles, se desenvolveu em nossa Ordem uma tradição intelectual e filosófica que recolheu elementos das mais diversas fontes, as elaborou e refundiu, criando um sistema completamente diferente do que pretendiam os irmãos acostumados a reunir-se nas tabernas para cear juntos e, de passagem, efetuar alguma cerimônia maçônica. 

Esta evolução foi que permitiu atrair para nossos Templos indivíduos com inquietudes intelectuais e filosóficas, na busca de um “ambiente” ideológico e social propicio e acolhedor, onde expressar suas aspirações espirituais e morais. 

É assim que em cada época os Maçons dão forma à sua ideologia existencial em virtude das circunstâncias históricas que lhes cabe viver, mas baseando-se em cada caso nos princípios simbólicos e esotéricos da Francomaçoneria. 

Juárez, Bolivar, Washington e Garibaldi, Churchill e Truman, atuaram cada um interpretando à sua maneira o ideário filosófico que abrilhantavam nossos Templos. 

Agora, nesta primeira década do século XXI, já tão carregado de esperanças frustradas, perspective aterradoras e névoas grossas da incerteza, junto com uma corrida desenfreada do desenvolvimento tecnológicocientífico, é acaso concebível uma Maçonaria indiferente aos males que afligem a humanidade, fechada em uma torre de marfim, cega e surda ante o clamor dos menos privilegiados, dos perseguidos e humilhados, de quem perdeu até a esperança da esperança? 

Qual será a definição da nossa posição, da nossa função institucional e individual dentro da sociedade? 

Muitos dos postulados da ideologia “Maçônica”, os princípios da igualdade ante a lei, fraternidade dos povos, liberdade de expressão, extensão universal da educação, responsabilidade social, tolerância religiosa, ajuda ao necessitado, tudo isto e muito mais já passou a integrar o acervo cultural de nossa sociedade contemporânea. 

Em muitos casos, da Maçonaria e por intermédio dos Maçons, têm surgido numerosas instituições beneficentes, filantrópicas, voluntárias e também políticas, que trabalham para a consecução dos fins maçônicos sem dar-lhes esse nome. 

Ressaltemos este ponto: no cumprimento de suas obrigações maçônicas, o Maçom age como Maçom em todos os círculos profanos de qualquer natureza que seja e onde faça parte, fazendo sentir sua influência, e multiplicando desta forma a implementação dos nossos ideários com o trabalho aliado a numerosos homens e mulheres que se solidarizam nas tarefas positivas benéficas de nossos Irmãos. 

Isto significa dizer que, sem cair em irregularidade, sem discutir em nossos templos questões políticas ou religiosas, a ação da Ordem se manifesta não no nível institucional, mas no nível pessoal. 

Poderíamos sumarizar meu argumento com esta frase: a Maçonaria não melhora o mundo, os Maçons sim. 

Mas, o corolário é que embora a Maçonaria não melhore o mundo, melhora os Maçons, e assim conduz ao resultado esperado. 

Por outro lado, a convivência afetuosa entre irmãos, que caracterizou “o trabalho maçônico” de gerações passadas, (e isso constitui ainda a função principal de mais de uma loja) não poderia satisfazer às aspirações de melhoria social e intelectual dos maçons contemporâneos. 

De modo que minhas palavras não sejam erradamente interpretadas, eu não pretendo criticar as reuniões sociais dos irmãos e de suas famílias, seja dentro ou fora do Templo. 

Todas estas atividades contribuem para criar, estimular e internalizar o espírito de fraternidade indispensável ao trabalho maçônico, mas - igualmente aos rituais de nossas cerimônias - estes são somente meios para nosso aperfeiçoamento, sem constituir o fim da Ordem. 

Embora tenhamos clara em nossas mentes esta diferenciação, creio que, nenhum dano causa multiplicar as atividades sociais, dentro de limites razoáveis. 

Por outra parte, seria equivocado concentrar a atenção de forma exclusiva no aspecto social da Maçonaria, negligenciando seus aspectos filosóficos esotéricos, que por natureza concernem mais ao indivíduo do que ao grupo. 

Voltemos nossa atenção ao presente – o aqui e agora. 

Quais são os problemas que enfrenta a Ordem no Brasil? 

Em outras palavras, como podemos ser parte da solução em vez de ser parte do problema? 

Comecemos por uma pergunta fundamental. 

Não porque alguns irmãos abandonam a Ordem, mas por que tão poucos profanos ingressam nela? 

Que espera o profano ao ingressar na Maçonaria? 

Será que tem uma idéia de quem nós somos, do que fazemos? 

Será que suas expectativas são realistas? ou será que estão baseadas numa apreciação errada, em algum juízo pré-estabelecido? e não interessa se esse juízo pré-estabelecido é favorável ou negativo. 

Também, o que estamos ensinando aos aprendizes no seu primeiro ano na ordem, nesse período transcendental para seu futuro caminho maçônico? 

Não me refiro somente à instrução formal, câmaras da instrução, etc., mas também ao ensino tácito outorgado pelo comportamento de cada Maçom dentro e fora do templo, nos contatos que tenha ou deixe de ter com outros irmãos mais antigos. Sigo com as perguntas. 

Que espera a ordem, ou a Loja, de cada irmão? 

Como nós comunicamos a cada irmão nossas expectativas a ele? 

De que forma aquilatamos sua reação, seu progresso, sua satisfação ou seu descontentamento? 

Finalmente, que medidas nós devemos tomar para remediar a falta ou os desentendimentos que tenhamos detectado? 

Isto no nível individual. 

No nível institucional, nós podemos levantar as perguntas não menos vitais. 

A sociedade brasileira está atravessando uma transição rápida - quase poderíamos dizer revolução. 

Qual é o papel que poderá assumir nossa Ordem neste processo? 

Tomemos alguns exemplos. 

A rápida evolução do pensamento moderno, que a todo o momento é atropelado pelas conquistas científicas, transformou a antiga civilização rural em uma civilização pós-industrial, em todos os países desenvolvidos. Fronteiras políticas e culturais têm sido progressivamente superadas pela avalanche que nos levou à era da globalização. 

O declínio da ideologia socialista, a proliferação das instituições de ensino superior, as Universidades novas e as Faculdades de Ensinos Superiores, o surgimento de novas indústrias de base científico-tecnológica junto com o declínio das indústrias tradicionais como têxteis e confecção, o influxo da grande imigração de diversos povos, o aumento vertiginoso do número de trabalhadores estrangeiros, tanto legais como ilegais. 

E nem toquei nas profundas mudanças que se impõem como resultado dos acontecimentos sócio-político-econômicos e conjunturais que estamos vivendo nos últimos anos e cujo desdobramento futuro é imprevisível nestes momentos. 

Juntemos a estes problemas locais, no nível nacional, aqueles problemas que inquietam a humanidade por inteiro na atualidade: tráfico de drogas e de armas, o avanço do vírus da AIDS, a corrida armamentista com os braços da destruição maciça, o fundamentalismo religioso (que existe em todas as religiões, não somente o Islam), a intolerância e a escalada da violência, a falta de credibilidade das instituições do aparato estatal, poder executivo, poder legislativo e poder judiciário, a catástrofe ecológica que se aproxima, e poderia seguir agregando muito mais. 

Não nos esqueçamos da Informática, ramo específico da ciência eletrônica, a qual permite que os maçons se comuniquem em todo o mundo. Isto significa que se comunicam Irmãos pertencentes a Potências diferentes, reconhecidas ou não entre si. 

Como tão bem diz a Constituição de Anderson de 1723, estes Irmãos “estavam condenados a manter distanciamento perpétuo”. 

Hoje em dia, a globalização da informação permite superar e tornar obsoletos e sem sentido não só o problema da localização geográfica dos Irmãos, mas também o do reconhecimento entre suas Potências. 

Maçons da Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, Escócia, Espanha, Inglaterra, Irlanda, Nova Zelândia, Portugal, Sri Lanka, Suíça, USA, etc., falam uns com os outros, conhecendo-se e trocando informações sobre Maçonaria, sem a interferência de sua Loja ou de sua Potência. 

Isto permite conhecer em poucos meses muito mais sobre a Maçonaria no Mundo do que poderíamos conhecer em anos de estudo e de pesquisa, na literatura Maçônica ao nosso alcance. 

Deste modo, nunca foi tão verdadeira quanto é hoje, a expressão “Maçonaria Universal”. 

Na verdade, antes da existência da Internet e da comunicação global, esta expressão não passava de puro exercício de retórica. 

Diante de tantas mudanças relatadas e provocadas inclusive pela comunicação, livre e ilimitada, entre os povos de todo o Mundo, é válido perguntar se também haverá alguma mudança na Ordem Maçônica. 

Será a Maçonaria do futuro diferente daquela tradicional que conhecemos hoje? 

O poder da Pergunta: Toda interpretação é um ato político. 

Não há uma, mas múltiplas realidades, todas dependentes da percepção de cada interprete. 

Como a forma de olhar o mundo condiciona a maneira de nele atuar, toda interpretação aceita tem conseqüências para os modos de vida da realidade interpretada, porque a ação de intervenção refletiu uma interpretação previamente existente. 

Para mudar a natureza das intervenções se faz imprescindível transformar as interpretações prevalecentes porque a cada interpretação corresponde um modo de intervenção. 

Não existe uma interpretação neutra. 

Cada interprete “vê” o mundo através de sua ótica de mundo, a qual denominamos concepção de realidade, tecida por um emaranhado de premissas, que são crenças, conhecidas como verdades, sobre como funcionam os mais diversos aspectos, processos e fenômenos da “realidade”. 

Mas, tudo começa com as perguntas que devem ser feitas para se interpretar deita realidade. 

Que é realidade? 

Ou seja, que é educação, agricultura, saúde, cidadania, escola, liberdade, sociedade, solidariedade, dominação, diversidade, neo-mercantilismo, globalização, complexidade, hegemonia? 

Ou, por que existe terrorismo, miséria, opulência,, caos, crises, mudanças, vulnerabilidades? 

Sem dúvida, o fazer perguntas implica não aceitar, a priori, as respostas institucionalizadas.

Não se pode mudar a “realidade” com respostas, mas sim com perguntas. 

Pois, viver é aprender, aprender é mudar, mudar é seguir aprendendo em interação com o contexto relevante. 

Assim, não se deve educar com respostas, mas sim com perguntas, para formar “construtores de caminhos” e não apenas “seguidores de caminhos”. 

Estamos habituados às respostas e não às perguntas. E se fazemos perguntas, geralmente fazemos perguntas do tipo “como” (Como mudar?), por exemplo; e não perguntas do tipo “por que” (Por que mudar?), por exemplo. 

Portanto, a interpretação depende da arte de elaborar perguntas. 

Por que os marcos filosóficos - conceituais do paradigma do industrialismo já não servem como guias confiáveis para orientar as ações sociais, econômicas, políticas e institucionais do desenvolvimento e bem-estar da humanidade e do planeta? 

Que está se passando com o mundo desde a segunda metade do século XX? 

Estas perguntas são exemplos de perguntas interpretativas para as quais não há respostas únicas nem definitivas, mas que os múltiples interpretes construíram variadas respostas para ditas perguntas. 

Sem dúvida, tão importante como as respostas encontradas, é o marco interpretativo construído para a interpretação, porque oferece a possibilidade de que outros “atores” sociais e institucionais façam suas próprias interpretações, de forma autônoma, a partir de suas “realidades” e aspirações. 

As palavras caos, crises, mudanças, são as mais repetidas parar expressar a nossa perplexidade sobre as últimas décadas do século XX, e sobre a vulnerabilidade que nos acompanha desde então até esta primeira década do século XXI. 

As Mudanças são tantas e tão profundas, quantitativas e qualitativamente, e tão velozes que nos sentimos reféns de uma espécie de vertigem cultural – crise de percepção_ que limita uma leitura satisfatória da realidade. 

Por que uma realidade caórdica – caos + ordem – como a proposta pela Teoria da Complexidade Emergente (Morim, 2000) parece mais real que a realidade ordenada – fictícia – descrita por muitos físicos? 

Por que as respostas acumuladas pela ciência moderna – positivista – já não são suficientes nem satisfatórias para compreender o que está acontecendo com a humanidade e o planeta? 

Quando são tantas as perguntas sem respostas, o ser humano necessita construir hipóteses exploratórias, que sejam inspiradas por perguntas relevantes. 

A humanidade está experimentando uma mudança de época. 

Nos últimos tempos temos escutado, com bastante freqüência, que o mundo está passando por uma época de mudanças e, com isso muitos de nós ficamos satisfeitos. 

Mas, está a humanidade experimentando uma época de mudanças ou uma mudança de época? 

Mas, é realmente diferente “uma época de mudanças” de “uma mudança de época”, ou se trata apenas de um jogo de palavras? 

Para nosso entendimento, numa época de mudanças as características da época histórica vigente não estão em questionamentos, e a mudanças que surgirem são interpretadas e manejadas com o apoio confiável dos “artefatos intelectuais” gerados pela mesma época histórica para orientar os posicionamentos sociais, econômicos, políticos e institucionais para o desenvolvimento e o bem-estar. 

Por outro lado, numa mudança de época, as características da época histórica vigente estão sob sempre sofrendo críticas inexoráveis, por causa dos impactos negativos do “desenvolvimento” praticado, tendo como premissas, as mesmas derivadas das características dominantes, e os “artefatos intelectuais” da época em declínio já não funcionam como guias confiáveis, deixando a todos perplexos e vulneráveis. 

Metaforicamente, numa época de mudanças, temos apenas que limpar nossas “lentes”, nossa visão de mundo (concepção de realidade, sistema de verdades), quando algumas manchas (dúvidas criadas por problemas e desafios emergentes) deixam fora de foco parte de nossas “lentes” (culturais), o que nos limita a compreensão de certos aspectos, processos ou fenômenos da realidade. 

Quando ditas manchas aparecem em nossas “lentes”, devemos apenas buscar na “caixa de artefatos intelectuais” da época histórica vigente o conceito, teoria, metáfora ou analogia, que tenha a mesma cor da mancha que deixa parte de nossas lentes fora de foco. Todavia, numa mudança de época, nós não logramos encontrar na “caixa de artefatos intelectuais” da época em declínio, conceitos, teorias, metáforas nem analogias, com as cores correspondentes às cores das manchas que não nos permitem uma leitura satisfatória da realidade. 

Por fim, durante uma época de mudanças é suficiente apenas “limpar as lentes”, ao passo que, numa mudança de época devemos “trocar as lentes”. 

Em outras palavras, numa época de mudanças, os modos de interpretação vigentes sob o paradigma dominante da época histórica em curso são suficientes para compreender as mudanças em marcha, e os correspondentes modos de intervenção são igualmente suficientes para manejar as mudanças necessárias. 

Numa mudança de época, sem dúvida, os modos de interpretação vigentes se revelam insuficientes ou obsoletos ante as novas realidades. 

Obviamente, os modos de intervenção que correspondem a ditos modos de interpretação, tampouco servem para manejar e implementar as mudanças necessárias. 

Por isso, numa mudança de é poça se faz necessária a reconstrução dos modos de interpretação e intervenção. 

MUDANÇA DE MODELO MENTAL 

Para pensar a Maçonaria do século XXI é preciso partir da base do modelo mental (ou modo de pensar, ou sistema de pensamento) por meio do qual construímos o nosso mundo. 

Há poucas esperanças de mudar o mundo que elaboramos, ao longo de nossa interação com ele, se não modificarmos antes o modo de pensar que utilizamos para essa construção. 

Assim, propomos que, do ponto de vista do Acolhimento Maçônico, o pensar (que inclui o sentir), e o viver sigam a seguinte dinâmica: 

Mudar o modo de Sentir ┐ ↓ 

Mudar o modo de Pensar ↑ ↓ 

Mudar o modo de Falar ↑ ↓ 

Mudar o modo de Agir  

O diagrama exprime algumas das principais dimensões do ser humano: 

- o sentir, o pensar, o falar e o agir. 

Todas estão entrelaçadas, de modo que modificações em qualquer uma repercutirão sobre as demais. 

Trata-se de uma abordagem integrada e integradora, na qual tudo acolhe tudo e por tudo é acolhido. 

Isso significa que é preciso, antes de mais nada, compreender que o privilégio dado por nossa cultura à tecno-ciência, em prejuízo das humanidades, é um dos principais obstáculos à colocação em prática das iniciativas ou objetivos da Maçonaria. 

Portanto, desde o início convém ter em mente que aquilo que se deseja é introduzir ações de acolhimento numa cultura que é ou está basicamente não-acolhedora, uma cultura na qual a competição predatória, a devastação da natureza e a exclusão social não recebem o grau de atenção e questionamento que deveriam. 

Estas palavras, porém, não devem ser tomadas como desestímulo ou pessimismo, mas sim como um convite à reflexão. 

Para pôr em prática os objetivos sociais da Maçonaria é preciso mudar de modelo mental. 

Trata-se de uma mudança ampla e profunda, que não pode ser feita por meio de iniciativas superficiais e de curto prazo. 

Eis o nosso desafio. 

Sem compreendê-lo e buscar meios de superá-lo, nossas boas intenções cairão no vazio. 

Lidar com esses obstáculos exige, antes de tudo, que pratiquemos o que propomos. 

O pensar inclui o sentir. 

Em geral, sentimos antes de pensar. 

Ou, de modo inverso, o que pensamos produz sentimentos. 

Pode-se dizer então que o sentir e o pensar se influenciam mutuamente, isto é, estão em relação circular. 

Para trabalhar a interação entre o sentir, o pensar, o falar e o agir propomos começar examinando o que sentimos diante do sofrimento e da doença ou de outro infortúnio. 

Nossa proposta é iniciar pelo sentir e depois entrar em contato com o que pensamos, segundo vários pontos de vista, ou sejam, o dos que podem e devem resolver o problema, o do “paciente” ou queixoso, o de seus familiares e o da comunidade. 

Examinemos alguns dos nossos sentimentos diante de tais situações e da necessidade de buscar atendimento, ou mesmo da necessidade de, fora dessas situações, procurar ações preventivas. 

Em geral, os profissionais, como é a praxe em nossa cultura, foram preparados para sentir, pensar, falar e agir com base na lógica binária: o modelo mental de causa e efeito, a lógica do "ou/ou". 

Trata-se de um padrão que exclui em vez de acolher, que separa em vez de juntar, que fala de ações, não de interações, de vivência e sobrevivência em vez de convivência. 

Em especial, é um modelo que privilegia as partes isoladas, em prejuízo das relações. 

A esse respeito Václav Havel, ex-presidente de República Checa, tem uma frase que não deve ser esquecida: "Educação é a capacidade de perceber as conexões ocultas entre os fenômenos". 

Por sua vez, Elizabeth Rondon Amarante, neta do Marechal Rondon, em contato com os índios myky, descobriu que na língua deles não existe o verbo "viver"; em seu lugar está o verbo "conviver", que significa morar, viver com, viver com o mundo, com os outros e consigo mesmo. 

Relação, eis a palavra-chave, a argamassa do Maçom. 

Se sabemos tudo sobre uma espécie vegetal ou animal, uma técnica, um tratamento, etc., podemos dizer que somos especialistas, eruditos. 

Mas só quando compreendemos e vivemos as relações entre as pessoas, as coisas e os fenômenos é que somos realmente educados. 

Nesse sentido, Maçonaria é educar. 

E a formação maçônica é, pois, um processo pedagógico. 

No contexto das ações de formação de profissionais, a maior preocupação de nossas escolas e faculdades, predominantemente voltadas para a tecnociência, é instruir, adestrar e treinar. 

Mas poucas educam. 

Poucas ensinam aos que nelas estudam a compreender que a percepção das relações, das interações, pode diminuir a incerteza e, portanto, atenuar o medo. 

Uma sociedade regida por um sistema de pensamento que privilegia a divisão, o afastamento, o nãoacolhimento é uma sociedade de desconhecidos, de estranhos. 

O desconhecimento produz a desconfiança, e esta alimenta o medo e é por ele realimentada. 

Se temos medo de entrar em contato com nossos sentimentos, emoções e subjetividades, acabamos adotando uma visão de mundo em que tudo nos parece externo, objetivo. 

É como se não compartilhássemos o mesmo mundo com as pessoas com as quais lidamos no cotidiano. Como então colocar-nos no lugar delas? 

Esse raciocínio faz lembrar um mito da Grécia clássica: a história do Curador Ferido. Conta a lenda que a arte de curar foi ensinada por Apolo ao centauro Quíron. 

Este, por sua vez, a transmitiu a Esculápio, o deus da medicina. 

Com Quíron, Esculápio aprendeu a praticar a cura pelas ervas. 

Entretanto, Quíron tinha uma ferida que jamais cicatrizava: ele vivia curando os outros, mas estava sempre doente, sempre sofrendo, e por isso era capaz de compreender os sofrimentos daqueles a quem tratava. 

Esse mito pode ser interpretado como uma sugestão da necessidade que o maçom tem de reconhecer a sua própria vulnerabilidade, isto é, precisa tomar consciência de sua própria ferida, que representa a possibilidade de ele próprio “adoecer” e sofrer. 

Em outros termos, colocar-se no lugar do outro para poder avaliar o sofrimento dele e, então exercer a solidariedade e a fraternidade. 

No contexto das ações interpessoais, nossos modos básicos de sentir têm como apoio a divisão, a fragmentação, a pouca compreensão do que significa relacionar-se, ligar-se, acolher, comprometer-se, compartilhar. 

Nossas ações são em geral vistas como relações de uso. Vemo-nos como fornecedores de produtos e serviços que se destinam a "usuários". 

O uso pressupõe o descarte e a posterior exclusão, isto é, um segmento da população utiliza outro e depois o descarta. 

Em suma: nosso sentir atual é desagregador, separador, disjuntivo. 

Não compreendemos bem a extensão e a profundidade da idéia de relação, junção, participação. 

Nosso sentir é o de quem não aprendeu a pôr-se no lugar do outro. 

É um sentir não-maçônico, nãoacolhedor. 

Se, como no diagrama há pouco apresentado, a Maçonaria é identificada com um processo que requer a simultaneidade de várias iniciativas, é necessário começar pela modificação do nosso modo de sentir. 

A primeira providência para tanto é educacional. 

Ela requer uma reaproximação com a cultura humanística, que vem há longo tempo sendo posta em plano secundário. 

Modos de pensar: o que é preciso modificar. 

Em nossa cultura predomina o pensamento linear, a lógica binária, isto é, o modelo mental "ou/ ou". 

E é sobre esse assunto que agora nos aprofundaremos. Fragmentação, imediatismo e super simplificação, eis três das características fundamentais do sistema de pensamento (ou modelo mental) que condiciona a nossa cultura. 

Trata-se de um condicionamento muito antigo, que vem da época de Aristóteles (384-322 a.C.). 

O sistema de pensamento proposto por Aristóteles constitui uma das bases orientadoras da ciência atual. 

Corresponde à lógica clássica, que se baseia no princípio do terceiro excluído: "A" é igual a "A" e diferente de "B"; ou é ou não é; ou sim ou não; ou certo ou errado; ou isso ou aquilo. 

Depois do filósofo grego, esse sistema de pensamento foi ampliado por muitos outros filósofos e cientistas, dos quais os mais destacados foram o francês René Descartes (1596-1650) e o inglês Isaac Newton (1642-1726). 

Descartes propunha que o conhecimento seria mais eficaz pelo exame das partes isoladas (embora propusesse também uma síntese final). 

Newton sustentava que a ciência deveria buscar sempre leis universais, que estabelecessem relações de causa e efeito. 

Esse condicionamento se acentuou nos últimos três séculos e até hoje predomina em nossa cultura. 

Está profundamente enraizado em nossa mente. 

Na prática, acabou se tornando quase que o único meio pelo qual interagimos com o mundo e tentamos entendê-lo. 

Praticamente todas as nossas "certezas", nossas teorias a respeito do mundo, são baseadas nesse modo de pensar. 

Eis os seus principais pressupostos: 

1) A maneira mais adequada de conhecer um objeto ou situação é dividi-lo e estudar as partes em separado, para depois tentar reunir os resultados da investigação numa síntese; 

2) as causas são sempre imediatamente anteriores aos efeitos ou estão muito próximas deles; 

3) a ligação causa-efeito ocorre sempre num mesmo contexto de espaço e tempo; 

4) o mundo é visto de modo binário, pelo padrão "ou/ou": ou bem ou mal; ou certo ou errado; ou real ou imaginário; ou vencedor ou vencido; ou amigo ou inimigo e assim por diante; 

5) tendência à quantificação e à objetividade, o que leva à dificuldade de lidar com a subjetividade, os sentimentos, a intuição, as emoções, enfim, com os aspectos qualitativos da vida. 

Na lógica linear, a divisão e a polarização constituem um componente da maior importância, pois ele nos leva a acreditar que há sempre pólos antagônicos entre os quais é preciso escolher. 

Não que devamos ser contra as escolhas, é claro. 

A possibilidade de escolher é um dos fundamentos da liberdade e da democracia que tanto exaltamos. 

Mas aqui se trata da escolha binária, do ou isso ou aquilo, sem mais opções, que limita nossas possibilidades de exercer a individualidade, a criatividade, a consciência crítica. 

É uma escolha limitada, estreita, propícia à imposição da manipulação e do controle. 

Não há abertura para reflexão, ponderação, negociação, investigação qualitativa, relações, interações. 

Os nossos dirigentes, na Ordem, são diferentes? 

Somos, portanto, prisioneiros das polarizações: ou inocente ou culpado; ou virtude ou vício; ou saúde ou doença; ou bem ou mal; ou fiel ou infiel; ou tudo ou nada ou Oriente ou Ocidente. 

Essa formatação mental dificulta a nossa percepção da diversidade e da complexidade do mundo natural e, é claro, não se pode respeitar aquilo que não se percebe. 

Trata-se, pois, de um aprisionamento que estreita e limita nossa percepção e compreensão. 

Com base nele surgem posturas como o imediatismo, o narcisismo, o isolacionismo e a insensibilidade. 

As imensas dificuldades de comunicação entre as pessoas e as instituições por elas criadas (a família, a escola, os governos, as empresas, as culturas, enfim) são, em especial, geradas por esse modo de ver. 

Trata-se de uma lógica de exclusão, não de inclusão. 

Não é difícil concluir que ela dificulta, e muito, as iniciativas e os objetivos da Instituição e, portanto, a formação do Homem Integral, o verdadeiro Maçom. 

Outra, e talvez a mais desalentadora, peculiaridade desse nosso condicionamento é o fato de que a maioria dos nossos irmãos nem ao menos percebe a sua existência. 

Ou seja, eles não se dão conta de que estão condicionados. 

A experiência mostra que quanto mais nos repetimos, mais marcamos passo, mais insistimos em não mudar nosso modo de pensar, mais incapazes nos tornamos de perceber essa situação. 

A esse respeito, Albert Einstein tem duas frases bem conhecidas:

a) "nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou"; 

b) "tudo mudou, menos o nosso modo de pensar". 

Ainda assim, o modelo binário/simplificador/linear é necessário para as situações mecânicas, instrumentais, operacionais, da vida. 

O que o torna problemático não é sua existência nem suas aplicações, mas sim o fato de ele ser visto como quase único, exclusivo, inapelável. 

É esse detalhe que faz com que ele produza, ao lado de resultados práticos significativos, conseqüências muitas vezes desastrosas, como as dissidências e surgimento de novas “potências”. 

Desse modo, quando falamos em mudar o modo de pensar, de maneira alguma pretendemos propor a eliminação do padrão binário e sua substituição pelo seu oposto. 

Tal atitude equivaleria a incorrer no mesmo equívoco com sinal trocado. 

Ao contrário, é imperioso manter o modelo binário, mas não é menos indispensável complementá-lo com um modo de pensar abrangente, holístico. 

Ou seja: pensar o todo sem deixar de lado as partes, o que significa pôr em prática a máxima do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662): "Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes em particular". 

Um modo abrangente de pensar 

O modelo mental que considera não apenas as partes, mas também as relações entre elas, é o pensamento sistêmico, que deriva da teoria dos sistemas. 

Sistema é um conjunto de partes que interagem visando um objetivo comum. Um organismo vivo é um bom exemplo: é composto de células, que se organizam em tecidos, os quais por sua vez estruturam os órgãos. 

O funcionamento harmonioso dos órgãos determina o bom funcionamento (a saúde) do sistema. Há sistemas fechados e sistemas abertos. 

Nos primeiros, não há trocas com o meio ambiente, e por essa razão eles tendem a consumir sua energia interna e acabam se desintegrando. 

Os sistemas abertos trocam matéria e energia (ar, água, alimentos) com o ambiente, onde estão outros sistemas, e por isso se mantêm íntegros. 

Quando esse intercâmbio cessa, por qualquer motivo, esses sistemas se desintegram. 

O pensamento linear permite pensar as partes separadas do todo. 

O pensamento sistêmico permite pensar o modo como as partes se relacionam entre si para formar o todo. 

O modelo linear lida com os fenômenos em termos de causa-efeito (causalidade simples). 

O pensamento sistêmico permite ir além da causalidade simples, isto é, possibilita a compreensão das relações e interações no interior de cada sistema e entre sistemas diferentes

Nosso cérebro está preparado para os dois modelos mentais, isto é, está programado também para relacionamentos e não apenas para a divisão e a fragmentação. 

Em outras palavras, a natureza nos preparou para acolhermo-nos mutuamente. 

Deve haver, portanto, um equilíbrio entre o modo de pensar fragmentador e o abrangente. 

O modelo mental que permite compreender a necessidade de equilibrar os pensamentos linear e.sistêmico chama-se pensamento complexo. 

Os dois lados do ser humano 

Assim, temos um lado objetivo e lógico, indispensável para que lidemos com as situações objetivas, concretas, quantitativas, do cotidiano. 

Mas não é apenas nisso que consiste o nosso viver. 

Temos também um lado subjetivo, que inclui os sentimentos, as emoções e a intuição. 

Em todas as circunstâncias da vida essa dimensão está presente. 

O equilíbrio deve existir entre os dois sistemas de pensamento. 

Em outras palavras, esses dois modos de pensar devem acolher um ao outro. 

Desse modo, as palavras "complementaridade" e "acolhimento" são da maior importância neste e em outros contextos. 

Elas indicam a necessidade de evitarmos o equívoco produzido por nosso condicionamento básico pelo modelo mental "ou/ou", segundo o qual devemos sempre ver as coisas como dois pólos antagonistas, entre os quais é imperioso escolher um. 

Se seguirmos esse impulso, como quase sempre fazemos, logo nos veremos divididos em duas grandes facções: 

a) os que adotam o pensamento linear como modelo de pensamento predominante; 

b) os que fazem o mesmo com o pensamento sistêmico. 

Eis, portanto, o ponto mais difícil de compreender quando se fala sobre esse assunto: o condicionamento sempre nos leva a escolher de imediato um dos pólos. 

Como o condicionamento pelo modelo linear formata a consciência de nossa cultura, para todos nós é difícil pensar na forma de complementaridade. 

Quer dizer: temos dificuldade de compreender o acolhimento, a interação, a relação, porque estamos condicionados a pensar em termos de escolhas polarizadas, ou seja, em função da divisão, do não-acolhimento, da exclusão. 

Depois dos trabalhos do filósofo francês Edgar Morin, aos poucos vem ficando cada vez mais compreensível, inclusive em vista de ações práticas, o que sempre foi óbvio: há momentos na vida em que é preciso medir, pesar e contar. 

E há, também, momentos em que é preciso levar em conta os sentimentos, as emoções, a subjetividade e a intuição. Nesses instantes, é necessário utilizar o pensamento sistêmico. 

Como não podemos, na maioria dos casos, saber em que instantes precisaremos pensar de um modo ou de outro, devemos estar preparados para utilizar os dois, com ênfase no que se tornar necessário numa determinada situação. 

A proposta de Morin tomou o nome de pensamento complexo. 

Para esse autor, nem o pensamento linear nem o sistêmico são capazes, quando isolados, denos fazer compreender a complexidade de nossas vidas e nossa relação com o mundo natural. O pensamento complexo é um modo de pensar que procura ligar dois sistemas de pensamento que estão separados por nossa cultura. 

É um modo de ver acolhedor, de integração. 

É por essa razão que ele constitui a base teórica da Maçonaria que pensamos, para enfrentar os desafios do mundo atual. O objetivo do pensamento complexo é permitir que lidemos de modo adequado com a complexidade. 

Esta pode ser definida como a condição natural de todas as coisas e processos do Universo, no qual tudo está ligado a tudo e tudo depende de tudo, assim como está em cima, assim está em baixo. 

Há pouco, dissemos que a complexidade é a condição natural de todos os processos, coisas e fenômenos do Universo. 

Dissemos também que tudo está interligado. 

Com efeito, o pensamento complexo é uma forma abrangente, acolhedora, de perceber e entender o mundo natural. 

Por isso a ele (e à complexidade) se aplicam as chamadas leis da ecologia, das quais citaremos quatro. 

São elas: 

1) Todas as coisas estão interligadas; 

2) Tudo vai para algum lugar; 

3) Nada é gratuito; 

4) A natureza sempre dá o troco. 

Comentemos brevemente cada uma. 

De saída, convém notar que em todas está presente de modo implícito ou explícito, um princípio básico, ou seja, a idéia de que não apenas são importantes as partes isoladas, como também a ligação (a relação) entre elas. Isto é, no mundo natural as coisas e os seres vivos acolhem uns aos outros numa dinâmica incessante. 

"Tudo vai para algum lugar" significa que, por exemplo, a garrafa vazia de plástico que jogamos na rua ou numa estrada, pensando que assim nos livraremos definitivamente dela, entra na complexidade do mundo natural. 

E o faz de modo poluidor, interferindo em equilíbrios delicados, de tal modo que um dia nós mesmos, ou nossos descendentes (a quem dizemos amar, acolher, e com cujo futuro tanto nos preocupamos), sofreremos as conseqüências dessa agressão. 

A terceira lei diz que nada é gratuito: tudo tem um preço, a ser pago por nós mesmos ou por nossos descendentes. 

Pois, como diz com clareza a quarta lei, a natureza (e os outros) sempre dá o troco, revida às agressões a que a submetemos. 

O que pode ocorrer de modo violento, tanto em relação às catástrofes naturais, quanto às desavenças entre as pessoas. 

De todo modo, um ponto é fundamental: entender que o fato de ignorarmos as conseqüências dos nossos atos não significa que deixaremos de ser responsáveis por eles. 

Quer dizer apenas que estamos fugindo a essas responsabilidades, ou seja, que estamos alienados. 

É, portanto, indispensável que tomemos consciência de como e por que estamos alienados. 

Não há nenhuma dúvida de que esse é o primeiro passo de qualquer iniciativa de mudança. 

Como é evidente, as leis acima mencionadas e comentadas funcionam para o bem e para o mal. 

Por isso, o enunciado que diz que a natureza sempre dá o troco, não deve ser compreendido com o significado de vingança e sim como retomo, retribuição. 

E, como é mais claro ainda, elas não apenas são as leis da ecologia: podem também ser vistas como as leis do pensamento complexo ou as leis que o homem Maçom tem de observar. 

O Iniciado Maçom tem compromissos com as gerações futuras e, portanto, deve ter uma forte consciência voltada para o meio-ambiente. É imperioso lembrar que uma das proposições morais maçônicas é: “O bem das gerações futuras deve ter primazia sobre o bem dos presentes”. 

OS CAMINHOS DA MUDANÇA 

Falemos agora de modo mais específico sobre a questão da mudança. 

O que é preciso para que mudemos o modo de pensar? 

Para responder a essa pergunta, examinemos o diagrama a seguir: 

Estrutura  

Pensamento  

Ação  

Conseqüência  

Atitude condicionada   

Questionamento do condicionamento  

Acompanhemos a seqüência: existe uma estrutura que produz o pensamento. 

O pensamento gera ações. 

As ações produzem resultados (conseqüências). É o que estamos acostumados a observar no dia-a-dia. 

E como acontece com as leis da ecologia, na Maçonaria, essa progressão tanto funciona para o bem quanto para o mal. 

Vejamos um exemplo. 

Num hospital, trata-se com antibióticos infecções por estafilococos. No início a resposta é boa e os pacientes melhoram. A seguir, porém, percebe-se que a bactéria se tomou resistente. 

Então pensa-se sobre o que fazer - e o faz por meio do modelo mental linear, na forma de causa e efeito imediato: para estafilococos resistentes, antibióticos mais potentes. 

Usa-se então antibióticos mais potentes. Os pacientes melhoram. 

Logo depois, contudo, os estafilococos tomam a apresentar resistência. 

E de novo pensando linearmente: para bactérias mais resistentes, antibióticos mais potentes. 

É claro que essa é uma providência correta - mas não deveria ser a única. 

Ao pensar linearmente, procuramos solucionar o problema com o mesmo modelo mental que o criou. 

E assim caímos na linearidade de sempre: 

Bactérias resistentes

antibióticos potentes

bactérias resistentes

antibióticos potentes. 

E assim por diante. 

O problema não é resolvido, mas apenas adiado. 

Com efeito, hoje se sabe que existem cepas de estafilococos resistentes a todos os antibióticos conhecidos. 

O que aconteceu? 

Caiu-se, como sempre, numa solução simplista. 

Com isso, deixou-se de considerar em conjunto os demais (e múltiplos) fatores envolvidos nas infecções hospitalares. 

O modelo mental complexo propõe que em vez de questionar o pensamento depois de ele ter sido estruturado é preciso dar um passo atrás e, como se vê no diagrama, questionar a estrutura que lhe deu origem.

E qual é essa estrutura? Ou, dizendo de outra maneira, qual é a estrutura que produz o pensamento? 

A resposta que nos ocorre de imediato é: o cérebro. 

É dele que se origina o pensamento. 

Essa é a conclusão linear, baseada na causalidade simples. 

Trata-se, portanto, de uma conclusão simplista. Vejamos por que: 

a) Não há muitas dúvidas de que o pensamento se origina no cérebro; 

b) Mas esse órgão não está solto no ar: ele faz parte de um sistema (o nervoso); 

c) Este, por sua vez, faz parte de um organismo, o qual vive num mundo, num meio ambiente. 

Estamos, portanto, utilizando aqui o pensamento complexo. 

E por meio dele chegamos a um raciocínio bem mais abrangente, desenvolvido pelo cientista chileno Francisco Varela: a mente faz parte do cérebro; o cérebro faz parte do corpo; o corpo faz parte do mundo; logo, a mente faz parte do mundo. 

Todas essas instâncias estão interligadas elas se acolhem mutuamente. 

Desse modo, podemos dizer que se a mente faz parte do mundo, a estrutura que a produz não é apenas o cérebro, como se vê no diagrama a seguir: 

SER HUMANO 

 Físico 

 Biológico 

 Psíquico 

 ↓ Ambiental ← Histórico ← Cultural ← Social 

O ser humano é físico porque tem um corpo físico, composto por elementos químicos; é biológico porque esse corpo está vivo; é psíquico porque ele comporta uma mente; é social porque vivemos em sociedades; é cultural porque as sociedades produzem culturas; é histórico porque tudo acontece ao longo de um processo histórico; é ambiental porque vivemos num meio ambiente ou bioma. 

Assim, como foi dito há pouco, afirmar que é apenas o cérebro que produz a mente é uma atitude simplista. 

É claro que ele é o órgão básico em que se dá a maioria, mas não todos, os processos mentais. 

Quem produz a mente é o ser humano em interação com a totalidade. 

Essa é a conclusão a que chegou a moderna ciência cognitiva. E ela só foi possível quando várias disciplinas se uniram num grande esforço, cada qual dando a sua contribuição: a psicologia cognitiva, a neurociência, a lingüística, a filosofia da mente, entre outras. 

Ou seja: trata-se de um esforço interdisciplinar que a moderna Maçonaria, a Maçonaria do presente para o futuro, não deve olvidar. 

A cultura e sua transformação 

Uma vez vistos e compreendidos os marcos conceituais apresentados até aqui, logo surge a pergunta de sempre: mas o que fazer para pôr tudo isso em prática? 

Ou, com outras palavras: como passar a fazer as coisas (entre elas, claro, as ações da Maçonaria) de um modo diferente do atual? 

Mas, que seja benéfico e eficiente. 

A resposta a essa indagação implica lidar com uma palavra-chave, que aliás está expressa na pergunta: o verbo fazer. 

Ela é importante, pois também está na definição de cultura. 

Hoje, costuma-se definir cultura de uma forma simples, mas eficaz: é o modo como as coisas são feitas num grupo, organização ou instituição. 

Quando uma equipe de arqueólogos e antropólogos faz escavações em uma determinada região, no Egito, por exemplo, em busca de civilizações antigas, vai à procura do que esses povos, há muito desaparecidos, deixaram feito: estátuas, ruínas de templos e outros prédios, urnas funerárias, cerâmica e assim por diante. 

Todo esse material permite que em muitos casos se reconstitua o modo de vida, os costumes, a religião, a história, a cultura, enfim, dessas civilizações. 

Se quisermos que algo se modifique num determinado grupo, organização ou instituição é preciso mudar o modo como as coisas são feitas nesse grupo, organização ou instituição. 

Ou seja: é necessário mudar a sua cultura. 

Eis, portanto, o nosso desafio: transformar nossa cultura de relacionamento: modificar seus modos básicos, atuais e desvirtuados, de fazer, que, como sabemos, incluem, a desvalorização das pessoas, havendo em muitos casos o predomínio da frieza em prejuízo do humano. 

Estes são modos de fazer que caracterizam uma cultura não-maçônica. 

Trata-se, portanto, de criar e implantar uma cultura da verdadeira Maçonaria num domínio em que reina o seu contrário. 

Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão que estamos diante de um desafio de grandes proporções, que, por isso mesmo, não pode ser superado a curto e a médio prazo. 

Tempo, cultura e mitos 

Essa é, talvez, a principal das dificuldades, que não são poucas, para a criação e implantação de uma cultura Maçônica na verdadeira acepção da palavra: a questão do tempo, do prazo. 

Como todos sabem, nossa sociedade se caracteriza, entre outras coisas, pelo imediatismo. 

Queremos tudo no menor prazo e preço possíveis. 

Mas esse não é o único obstáculo a superar, pois ele faz parte de um amplo âmbito de modos de fazer e viver. 

Como mostram os estudiosos do assunto, nossa cultura vem do patriarcado europeu. 

Ao longo dos séculos, tem avançado e consolidado seus fundamentos, cuja base de raciocínio é como já sabemos a lógica binária ou pensamento linear. 

O pesquisador americano Sam Keen assim sintetiza o que chama de mitos patriarcais do Ocidente, a cujo conjunto chama de lógica da mitologia ocidental: 

1. Obsessão pela máquina; 

2. A convicção de que o sentimento, a intuição e as emoções são modos primitivos e imaturos de pensar; 

3. A convicção de que a natureza e os seres vivos do sexo feminino devem ser controlados e afastados das posições de poder; 

4. A convicção de que a vida humana deve ser organizada segundo os ditames da economia de mercado; 

5. A convicção de que o conhecimento técnico-científico e o poder são as bases da identidade humana. 

A essas características, o biólogo Humberto Maturana e a psicóloga Gerda Verden-Zöller acrescentam: 

1. Apropriação. Desejo de domínio; 

2. Atitude extrativista e predatória para com a Terra; 

3. A desconfiança vista como regra nos relacionamentos interpessoais; 

4. Relações interpessoais baseadas no modelo autoritarismoobediência-vigilância-controle; 

5. A guerra vista como um modo natural de convivência. 

6. Predomínio do modelo mental linear (lógica binária). 

Como é fácil perceber, o não-relacionamento maçônico que permeia muitas das nossas ações é apenas uma manifestação desse quadro bem mais amplo. 

Além do mais, toda a atual economia de mercado estimula esse modo competitivo, excludente e predatório de vida. 

Suas conseqüências em relação aos ecossistemas, a escalada da exclusão social e, é claro, a chamada desumanização das pessoas, estão à vista de todos. 

É em relação a tudo isso que precisamos agir. 

Não se trata, evidentemente, de empreendimento de resultados imediatos. 

Entretanto, diz o quase lugarcomum, se quisermos cobrir alguma distância, pequena ou grande, o primeiro passo deve ser dado. 

É este o espírito do presente trabalho sobre a Maçonaria que pretendemos: dar os primeiros passos de uma jornada que sabemos ser muito longa. 

Para que não haja dúvida sobre o que queremos dizer quando falamos em mudança de cultura, é importante lembrar a frase de Robert Theobald: "É impossível modificar um elemento em uma cultura sem alterar todos os outros"

E não poderia ser de outra maneira, pois, como sabemos, uma cultura é um sistema, um sistema criado por nós, seres humanos. 

A cultura patente comporta as estruturas de superfície de um grupo, organização ou instituição. 

É a fachada e, do lado de dentro, a pintura das paredes, os móveis, a decoração, os murais e quadros de avisos, o modo como as pessoas se trajam, como elas se comunicam umas com as outras e com os visitantes. 

É a maneira como elas se comportam, enfim. 

A cultura patente representa o modo como a organização quer ser vista. 

É a cultura manifesta. 

A cultura latente é o pólo oculto. 

Inclui os conflitos, os problemas, as animosidades, as dificuldades de relacionamento. 

Nela se encontra aquilo que a organização não quer que apareça. 

Entretanto, se é ali que estão os problemas, é também nesse âmbito que estão a criatividade, as possibilidades de negociação e mudança. 

Para as finalidades deste trabalho, porém, o que realmente importa é conhecer um pouco sobre o que ocorre nos pólos instituído (cultura patente) e instituinte (cultura latente). 

Utilizamos para tanto, a metáfora da balança de dois pratos e um fiel, cuja utilidade é chamar a atenção para dois fatos básicos: 

a) Uma organização em que a balança pender em excesso para o pólo instituído será inevitavelmente rígida, burocrática e lenta. Será uma organização difícil de administrar, além de pouco eficiente. 

b) Uma organização em que a balança pender demais para o pólo instituinte será excessivamente fluida. No limite, tenderá à desorganização e à anarquia. 

Como no caso anterior, será uma organização de difícil administração e baixa eficiência. 

Assim, deduz-se que o conhecimento do que acontece nos pólos instituído e instituinte de uma organização é a base de todo trabalho de mudança de cultura organizacional. 

Se nosso objetivo é buscar a mudança organizacional, é necessário estabelecer, tanto quanto possível, o equilíbrio entre as culturas patente e latente. 

Ou, dito de outro modo, promover a harmonia entre: 

-o instituído e o instituinte; 

-o linear e o sistêmico; 

-a lógica e a intuição; 

-a razão e a emoção. 

Para dizer o mesmo de uma forma bem mais agradável, mas nem por isso menos eficaz, lembremos os versos do poeta Ferreira Gullar: 

TRADUZIR-SE 

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. 

Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. 

Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. 

Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. 

Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. 

Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. 

Traduzir uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - será arte? 

Em qualquer organização há componentes como os valores compartilhados, as crenças, as normas de comportamento, as estruturas organizacionais e os sistemas de controle. 

O ponto central, porém, é sempre representado pelas pessoas. 

As organizações são sistemas dentro de sistemas mais amplos, isto é, as sociedades. 

Estas, por sua vez, fazem parte de sistemas mais amplos, e dessa forma chegamos ao âmbito planetário. 

Fazer parte de um grupo, organização ou instituição requer, portanto, consciência participativa, ou seja, responsabilidade social, ambiental e planetária. 

Por isso todo programa da Maçonaria que pensamos e queremos, é necessariamente um empreendimento comunitário, o que não quer dizer, porém, que os obreiros precisem abrir mão de suas individualidades. 

Ao contrário, um dos pontos mais importantes a compreender é que tomar plena consciência da individualidade (que leva à fraternidade) é a melhor maneira de evitar o individualismo (que leva à exclusão). 

Assim, os focos mais importantes do processo de mudança organizacional aqui buscados são: 

A) Desenvolvimento pessoal. 

B) Desenvolvimento interpessoal. 

C) Visão e comprometimento compartilhado.

D) Compreensão da complexidade.

Sobre essas áreas é que se aplicarão os métodos e técnicas de mudança de cultura organizacional. 

Como já foi dito há pouco, trata-se de um esforço comunitário, um trabalho de todos e para todos, uma atividade que abandona a linearidade do individualismo e da exclusão e busca o desenvolvimento em rede (membro, triângulo, loja, potência) enfim, que começa com o reforço da individualidade e procura a solidariedade e a fraternidade. 

Digamos a mesma coisa com outras palavras, com os versos do poeta João Cabral de Melo Neto: 

TECENDO A MANHà

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. 

De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. 

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. 


CONSIDERAÇÕES ÉTICAS 

A atual situação do mundo inclui, além do desastre ecológico para o qual nos encaminhamos, uma série de distorções:

-injustiça e desigualdade social, econômica e política; 

-exclusão social; 

-concentração de renda e poder; 

-miséria e marginalização, na globalização econômica; 

-inacessibilidade da maioria às conquistas científicas e tecnológicas; 

-não-consolidação de uma cultura de defesa dos direitos humanos e da cidadania; 

-a discriminação da mulher; 

-o racismo; e assim por diante. 

A compreensão da ética dessa proposta implica uma abordagem complexa, não-excludente, de suas diversas variáveis. 

É preciso entender, como observa Edgar Morin, as múltiplas causas que se interpenetram e se modificam umas às outras. 

Isso significa dizer que cada caso, indivíduo, comunidade, país, tem suas particularidades, que são fundamentais para o entendimento do que acontece e do que pode ser feito. 

O que nos leva a sempre relativizar as generalizações aqui utilizadas. 

Valores 

Por trás dos sistemas políticos e econômicos, e também dos movimentos dos seres humanos, de modo individual ou coletivo, encontraremos sempre valores que influem nos comportamentos. 

Não é difícil perceber o quanto a competição, o autoritarismo, o poder centralizado, o individualismo, o egoísmo, a ganância, a apropriação e a acumulação são valores que permeiam o modo de vida de muitos de nós e acabam gerando a situação a que chegamos. 

A maioria de nossas relações é hierarquizada. 

Se os dominadores impõem a sua vontade, os dominados obedecem, e com isso delegam responsabilidades e se alienam. 

Os submissos não assumem responsabilidades ("Estou fazendo porque ele mandou, eu não tenho nada a ver com isto"), e quem manda acredita estar fazendo a coisa certa. 

Dessa forma, o controle e a vigilância se tomam cada vez mais necessários: precisamos controlar (dominar) a natureza, os obreiros, os funcionários, o conteúdo, o orçamento, a droga. 

Além disso, é necessário disputar o poder, lutar pelas vantagens. 

Adquirir e manter os privilégios a qualquer custo, nem que para isso tenhamos que nos corromper e corromper tudo à nossa volta. 

Competir e ganhar, ganhar e competir, sempre a qualquer preço! Até onde? 

Não se trata exatamente de falta ou confusão de valores, mas de valores que, conscientemente ou não, vêm direcionando os rumos de nossa civilização, e nossa Sublime Ordem está contextualizada. 

Tais valores precisam ser identificados com clareza e revistos com urgência. 

Eles têm trazido cada vez mais exclusão, desigualdade, iniqüidades, divergências e violência. 

Cada vez mais, temos "coisificado" e transformado em produtos a serem comercializados quase tudo, inclusive o próprio ser humano e a vida. 

"Coisificamos" os outros e a natureza, e assim estamos cada vez mais separados deles e dela. 

Acabamos por coisificarmos a nós mesmos e desse modo a vida vai perdendo seu valor intrínseco, o que nos torna cada vez mais distantes dos princípios fundamentais da Ordem, cada vez mais insensíveis. 

Tais valores não vieram do nada: foram construídos no decorrer de nossa história e se mantêm até hoje na maneira específica como nos relacionamos. 

Seja com a natureza (desperdiçando água, jogando papel nas ruas ou lixo nos rios, desmatando florestas ou desperdiçando papel); seja com os outros (quando os exploramos e negamos, quando não os ouvimos, quando não “reconhecemos” o irmão fora do Templo); seja conosco (quando somos controladores, exigentes e severos, de um lado e, do outro, tão negligentes com vários aspectos de nós mesmos). 

Pesquisas também destacam alguns dos valores básicos de nossa cultura patriarcal, entre eles a valorização da guerra e da luta. 

Falamos o tempo todo em lutar: contra a fome, o terror, a pobreza, o comunismo, o capitalismo, o fanatismo. 

Supomos sempre a existência de um inimigo, um oponente, o que é um modo de aceitar as hierarquias da autoridade e do poder, o controle do outro, a apropriação. 

Esse tem sido o modelo predominante de nossa cultura.

Pode-se observar esse jogo nas relações mais cotidianas, em casa e também nas transações entre países. 

Elas condicionam quase todas as nossas instituições: a família, a escola, os serviços de saúde, o governo, determinando a política, a economia, a educação. 

A exclusão, que não é só econômica, acaba sendo não só inevitável, mas necessária para a manutenção daquela dinâmica social e econômica. Eu ou você, isso ou aquilo, sempre houve e haverá excluídos nesse jogo. 

Com a exclusão vêm a frustração, a mágoa, o medo. 

E também o ódio e a violência. 

A guerra e outras formas de violência são conseqüências dessa maneira de viver, fazem parte dessa lógica. 

Não há, pois, como erradicá-las se continuarmos convivendo e percebendo o mundo dessa maneira. 

Como alcançar a paz sem reavaliar esse modo de pensar e sentir, e os valores nele implicados? 

A exclusão, a violência e questões correlatas não estão fora do nosso âmbito. 

Não são questões só dos excluídos, como se não o fôssemos de alguma forma. 

Envolve e ameaça a todos. 

Onde quer que ocorra, qualquer injustiça é uma ameaça coletiva. 

Onde quer que aconteça, o desrespeito aos direitos humanos é uma ameaça comum. 

Se o outro não for livre, também não o seremos. 

Esta foi a dura lição do século que passou: ou nos responsabilizamos por todos e pelo planeta, ou nossa sobrevivência estará ameaçada. 

Entre outros sentidos, Maçonaria também significa ao menos atenuar a exclusão social. 

Maçonaria é também garantir acesso. 

Acesso à comida, à terra, ao crédito e outros insumos; acesso à moradia digna, ao trabalho, à saúde; acesso à educação e à cultura, acesso à informação e ao conhecimento, à reflexão crítica da realidade, de quem somos e de que mundo é este em que vivemos. 

Maçonaria também significa não-violência e a promoção da paz. 

Verdade 

Em nossa cultura, apropriamo-nos da terra, dos animais, do trabalho, e acabamos por nos apropriar da verdade. 

Falo da noção de verdade única, que deve servir para todos. 

Existiria uma verdade absoluta? 

Esta verdade que tanto buscamos? 

Considerarmo-nos detentores da verdade total assemelha-se a um pesadelo pretensioso, do qual a humanidade parece despertar. 

Como donos da verdade, julgamos estar autorizados a dizer o que o outro deve fazer, mais que isso, o que ele deve ser. 

Transformamo-nos no dono do outro, que deixa de ser outro e passa a ser uma coisa. 

Ninguém é dono da verdade, sejam os pais, o professor, o médico, o diretor, o Aprendiz ou o GãoMestre ou, ainda, a última teoria científica. 

Na tradição latina, mores significa norma, costume, conforme os bons costumes, regra. 

Dela se origina a palavra "moral". 

Reconhecemos nela um caráter normativo, autoritário, que implica obediência e uniformidade. 

Como aqui definida, a moral é algo que se impõe de fora para dentro. 

Um conjunto de valores e regras que deve servir para todos, garantindo assim previsibilidade e homogeneidade nas relações, minimizando as diferenças. 

É preciso, porém, atentar para uma questão crucial: como percebemos o outro, um outro diferente de nós, e de que forma entramos em relação com ele. 

Martin Buber foi um dos primeiros a colocar a questão: estamos diante de um outro ser humano ou diante de uma coisa? "Coisificar" o ser humano equivale a tratá-lo, segundo Marilena Chauí, como não humano, isso é transformá-lo numa coisa. 

É negar-se a acolhê-lo em sua condição mais profunda. Por exemplo, quando só vemos a imagem do selvagem pelos critérios dos "civilizados", que arbitram o que é civilização e barbárie, na verdade queremos reduzilo aos nossos parâmetros. 

De todo modo, o importante é destacar que agindo e pensando dessa maneira a idéia de alteridade desaparece e, assim, reforça-se a nossa arrogância. 

Ver as pessoas segundo os nossos pressupostos equivale a negarlhes as sua infinitas possibilidades humanas. 

Coisificamos o outro e assim não o acolhemos, cada vez que exercemos nossos preconceitos e os disfarçamos com valores aparentemente aceitáveis. 

Em tudo isso, o mais dramático é que não percebemos que ao coisificarmos as pessoas, tomamo-nos também coisas. 

Coisificar os outros, coisifica a nós mesmos. 

Desumanizar os outros, desumaniza-nos. 

Não acolher os outros é não acolher a nós mesmos. 

Legitimar o outro é algo que vai muito além do discurso, passa por toda nossa dimensão não-verbal de interação. 

Se expressa no olhar, na atitude do corpo, na intensidade do toque. Manifesta-se no dito e no não-dito. 

É algo que não se disfarça. 

Rejeitar tudo o que submete, tudo o que oprime tudo o que nega o ser humano, tudo o que o transforma em coisa, é um dos fundamentos de uma atitude não-violenta, de uma atitude maçônica. 

Enquanto houver a menor tendência de transformarmos a nós ou ao outro em coisa, haverá miséria e sofrimento em nosso mundo, e este provavelmente seja o mais radical empreendimento a realizar. 

Talvez aqui esteja a chave principal que nos permita efetivamente encontrar uma autêntica vivência maçônica, uma autêntica pedagogia da paz e da inclusão. 

Para a palavra "ética" do grego ethos, encontramos uma antiga significação (em Homero e Hesíodo) é morada, habitat, toca, refúgio, estábulo. 

Refere-se a uma espadalidade na qual podemos nos sentir seguros, acolhidos. 

Já não é a sobrevivência que se impõe: é a convivência que surge como possibilidade baseada na confiança. 

O bem comum constitui a base de uma ética.

Bem comum não é o bem da maioria, nem o bem do outro, muito menos o bem de uma minoria. 

É o bem de todos, de todas as espécies vivas do planeta, de todo o meio ambiente. 

Estamos, portanto, falando de uma convivência que garanta o bem de nossa morada, da nossa Instituição, do nosso planeta e de tudo que nele existe. 

Maçonaria também denota, entre outras coisas, refúgio, abrigo, agasalho, o que transforma a sua ética numa significativa redundância: gerar duas vezes confiança e o bem de todos. 

Eis a grande questão da Maçonaria e da ética: a convivência. 

É nela que nos tornamos o que somos e é nela que podemos nos modificar. 

Assim, é preciso refletir sobre o tema da convivência, se quisermos promover um aprendizado verdadeiro, que não seja simplesmente a imposição vertical de uma série de conceitos-regras a serem obedecidos sem crítica nem criatividade. 

Enquanto há concordância, homogeneidade de idéias e comportamentos tudo vai bem. 

Enquanto há previsibilidade no comportamento humano as relações se estabelecem sem maiores dificuldades. 

No entanto, quando a concordância se rompe e não há mais previsibilidade, surge o conflito, as relações se tornam confusas e ameaçadoras. 

E aqui corremos o risco da desumanização. 

É neste contexto que a diversidade se apresenta como um dos grandes desafios da convivência. 

Como lidar com as diferenças? 

Como resolver conflitos? 

Como manejar as contradições? 

Historicamente, pelo menos desde o surgimento das cidades (cidade-estado), da Urbe, local em que, justamente, teriam que conviver diversidades culturais, étnicas, etc., o que se tem tentado é homogeneizá-las mediante regras impostas a todos. 

Não é diferente com o que acontece nos aparatos da nossa Ordem (Potências, ritos rituais, Lojas e as entidades para-maçônicas). 

Estamos muito mais comprometidos com as regras a que obedecemos do que com o bem estar do outro. 

Não percebemos que ele é um outro diferente, com necessidades e capacidades próprias. 

Vemos apenas a nossa função, nossa obrigação, e cumprimos a regra. 

Tudo aquilo que não corresponde ao nosso modelo de "normalidade" está sujeito a um processo de inferiorização e exclusão. 

Em nossa sociedade o modelo será o homem, branco, ocidental, adulto, rico, saudável, magro, não portador de deficiências, heterossexual, urbano. 

O que foge dele acaba caindo em alguma forma de discriminação. 

No convívio diário costumamos fazer o mesmo não só com base nesse modelo construído culturalmente e alimentado pelos meios de comunicação, mas com tudo aquilo que consideramos diferente de nós mesmos. 

Ser Maçom é, pois, encontrar outra forma de lidar com as diferenças. 

O contato com o diferente é a possibilidade de aprender algo novo, é a possibilidade real de expandir meu mundo. 

O que, mais que respeitar o diferente, leva a valorizá-lo. 

Não se trata apenas de tolerar e suportá-lo, pois isso muitas vezes se transforma em arrogância e preconceito. 

Nem mesmo se trata de só respeitar as diferenças, uma vez que isso pode se transformar em indiferença. 

O essencial é reconhecer nela seu verdadeiro valor, pois, com isso nos humanizamos. Humanizamo-nos à medida que compartilhamos espaço, comida, intimidade e cuidados. 

Somos filhos do cuidado. 

Sem ele não existiria espécie humana. 

Eis um caminho em que aqueles que praticam a Arte Real podem humanizar-se e humanizar as relações entre as pessoas: cuidando. 

Estamos vivos graças a uma imensa rede de solidariedade. 

A vida das partes é a vida do todo e a recíproca é verdadeira. 

Construir o mundo significa construir a si próprio

E construir-si é construir o mundo. 

Ser Maçom é encontrar significado para a própria existência humana, é colorir nosso cotidiano com a beleza mais singela dos gestos amorosos, é o lenitivo doce para os momentos de maior sofrimento, é a esperança que nos reacende o sorriso quando tudo parecia perdido. 

Muitas vezes a saúde, a cura, a prevenção, dependentes de tantos fatores, não estarão em nossas mãos, porém o acolhimento, o respeito, a consideração e o cuidado, estes sim, sempre possíveis mesmo que não possam curar a patologia, poderão, antes de tudo, "curar" a desumanidade, uma doença que está nos matando a todos. 

O VIVER 

Eu comigo 

Eu com os outros  

Nós com o mundo   

Esse é o propósito, delinear mesmo que de modo sucinto, uma filosofia prática de “vida Maçônica” e, portanto do Acolhimento. 

E isso pode ser feito ampliando-o, fazendo com que ele passe da esfera pessoal, vá ao plano interpessoal e, por fim, que a complete no âmbito planetário. 

Este, por sua vez, influenciará a esfera pessoal e assim por diante, criando-se então a grande circularidade expressa na primeira lei da ecologia: tudo está ligado à tudo. 

Já sabemos que essa lei, por seu turno, é também a primeira lei do Acolhimento: tudo está ligado a tudo, de modo que tudo acolhe tudo e por tudo é acolhido. 

Assim, pode-se definir o Acolhimento do seguinte modo: 

Acolhimento Pessoal  

Acolhimento Interpessoal  

Acolhimento Planetário  

Já aprendemos que viver é sempre viver com os outros - e no mundo. 

Trata-se de uma condição que cria compromissos e responsabilidades. 

Responsabilidade Pessoal 

Responsabilidade Interpessoal 

Responsabilidade Planetária  

O que está expresso no diagrama anterior não é apenas um conjunto de teorias nem um elemento de hipóteses. 

São fatos reais, que não podem ser contestados por argumentos. 

A esse respeito, convém dar pelo menos um exemplo. 

Num processo de negociação, costuma-se perguntar: e se a outra parte não quiser negociar? 

E se o outro lado não quiser participar? 

Estaria, nesse caso, impedida a negociação? 

É claro que não. Viver é conviver. 

Estamos todos no mesmo mundo, queiramos ou não. 

Recusar-se a participar é uma atitude ingênua, pois cedo ou tarde todos nós - ou os nossos descendentes - seremos atingidos ou influenciados pelos resultados das decisões humanas, participando delas ou não. 

Desse modo, recusar-se a participar de qualquer atividade, social ou não, humana ou não, corresponde a participar de modo negativo. 

Por ação ou omissão, por compromisso ou alienação, participamos sempre, somos sempre responsáveis. Ilustremos de outro modo esse processo: 

Egoísmo 

Altruísmo 

Somos todos egoístas em maior ou menor grau. 

Por outro lado, e também em maior ou menor grau, também somos todos altruístas, com exceção é claro, das patologias sociais. 

Mas o fato é que em determinados momentos da vida a balança pode oscilar mais para um lado ou para o outro, a depender de um conjunto complexo de circunstâncias entrelaçadas. 

O egoísmo nos leva ao isolamento, à nãoparticipação, ao individualismo. Estreita e obscurece nosso horizonte mental. 

Conduz à competitividade, ao privilégio do valor econômico sobre os valores humanos, ao autoritarismo, ao nacionalismo xenófobo e à exclusão. 

O altruísmo nos conduz à socialização, à participação e à individualidade. 

Amplia e torna claro o nosso horizonte mental. Leva à competência do conviver, ao diálogo entre o valor econômico e os valores humanos, à democracia, à nacionalidade e à inclusão. 

No egoísmo, a tendência é participar negativamente. No altruísmo, tendemos a participar de modo positivo. 

Trata-se de escolher entre dois pólos que freqüentemente surgem em nossa vida cotidiana: 

Bom Senso 

Resistência à Mudança 

Eis aqui um ponto da maior importância. 

Para viver a Maçonaria é preciso, antes de tudo, evitar o mais possível as armadilhas do auto-engano. 

É ter em mente que, de um lado, nenhum de nós é totalmente favorecido pelo bom senso. 

E que, de outra parte, todos tendemos a resistir às mudanças, em maior ou menor grau. 

Assim, para aprender a lidar com o auto-engano, é necessário o autoconhecimento, V.I.T.R.I.O.L.. 

E neste ponto nos vemos diante de uma das formas mais comuns de auto-engano: imaginamos, ingenuamente, que podemos nos conhecer sem a ajuda dos outros. 

E, ainda de modo mais ingênuo, imaginamos que é possível o autoconhecimento de pessoas isoladas do mundo. 

Para viver Maçonicamente é preciso ter consciência do auto-engano e de como lidar com ele. Para tanto, é necessário buscar, permanentemente, o autoconhecimento. 

Este, como sabemos, é um empreendimento interminável, mas nem por isso deve ser negligenciado. 

O autoconhecimento implica conhecer o outro (e deixar-se conhecer por ele) e conhecer o mundo (e deixar-se conhecer por ele). 

Viver Maçonicamente é, portanto, ampliar ao máximo as idéias de diálogo e conhecimento. 

Esse raciocínio é validado por uma das teorias científicas mais importantes dos últimos tempos: a Teoria de Santiago, desenvolvida pelos cientistas Humberto Maturana e Francisco Varela e hoje mundialmente conhecida. 

Uma de suas principais bases é o seguinte raciocínio: a vida é um processo de conhecimento; logo, se quisermos conhecê-la é preciso saber como os seres vivos conhecem. 

Autoconhecimento  

Conhecimento do Outro  

Conhecimento do Mundo   

Se conhecer é viver, e vice-versa, viver como Maçom é ampliar ao máximo o conhecimento. 

E isso, por sua vez, implica levar a atitude Maçônica à prática, em todos os âmbitos e caminhos do cotidiano. 

Tudo está ligado a tudo. 

A filosofia do Acolhimento Maçônico, tal como acima exposta, está presente em todos os domínios de nossa existência. 

Para que esse ponto possa ser mais bem compreendido, convém acrescentar mais alguns pontos de vista, cuja base é o pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger. 

Comecemos falando dos significados da palavra "acolher". 

Os dicionários a registram com os sentidos de hospedar; receber alguém; abrigar, atender; acreditar em, dar ouvido a. 

Dessa maneira, acolher quer dizer "dar atenção a", "preocupar-se com", "cuidar de". 

Significa, portanto, bem mais do que apenas receber e hospedar. Sua proposta também inclui estar disponível, estar à mão. 

Percebe-se então que o Acolhimento está muito próximo dos conceitos de preocupação e cuidado, desenvolvidos por Heidegger. Para esse filósofo, o ser humano é um ser-no-mundo. 

Ao nascer, ele se vê lançado ao mundo e, por meio de sua ação com este, precisa traçar seu projeto de vida: 

Facticidade  

Projeto  

Articulação 

A facticidade corresponde à situação em que o ser humano se vê lançado ao mundo numa situação que não escolheu. 

Ela gera a necessidade da elaboração de um plano, de um projeto que dê sentido à vida. Este, por sua vez, deve ser posto em prática. 

Para isso o ser humano precisa articular-se, ligar-se, vincular-se, não só aos outros seres, mas ao próprio mundo. Eis o início da colocação do projeto em prática. 

A articulação pode ser percebida em outro conceito: o ser humano é um ser-no-mundo. 

Não se pode concebê-lo de outro modo. 

No entanto, ele não está no mundo de maneira apenas circunstancial. 

Isto é, não está no mundo como uma coisa que está dentro de outra, como  por exemplo, "o lenço está no bolso". 

Ao contrário, nossa presença na Terra é estrutural: fazemos parte de sua estrutura e ela faz parte da nossa. 

Tu és pó e ao pó voltarás. Um acolhe o outro. 

Ser-no-mundo significa estar indissoluvelmente ligado a ele e a tudo o que nele existe: os outros seres humanos, os demais seres vivos, as estruturas não-vivas do planeta. 

Tudo acolhe e tudo é acolhido. 

Tudo faz parte de tudo e com tudo interage. 

Por isso, ser-no-mundo é ser-com, quer dizer, é acolher e ser acolhido. 

Essa é a nossa condição natural, e tudo aquilo que tentar impedir-nos de vivê-la traz como conseqüência uma situação de mal-estar. 

Tal desconforto, hoje mais do que nunca, está presente em nossa sociedade, em especial nos grandes centros urbanos. 

Passar por ele significa que em vez de “ser com” (o que nos levaria a uma cultura de paz), estamos vivendo a condição de “ser contra” (o que nos mergulhou numa cultura de guerra). 

Viver Maçonicamente é, pois, viver a própria condição humana. 

Não vivê-la, ou vivê-la de modo incompleto, é uma forma de negar a humanidade, a nossa e a dos outros. 

É não se cuidar, ou cuidar mal, o que por sua vez implica não ser cuidado ou mal cuidado. 

"Cuidar" pode ser entendido como preocupar-se, tomar conta, tratar. 

De acordo com esse conceito a maneira de ser básica do ser humano é o cuidado, a preocupação, pois somos seres-no-mundo, estamos no mundo em permanente interação com os outros. 

Esse é um conceito de base, estrutural, que deve ser compreendido num sentido ampliado, mas que sem dúvida pode e deve ser levado à prática. 

O cuidado e a preocupação, portanto, constituem os alicerces do Acolhimento. 

Essa circunstância pode ser expressa da seguinte forma: 

Cuidar de si

Cuidar do outro

Cuidar do mundo  

A preocupação (o cuidado) com nós mesmos só nos afasta dos outros e do mundo se adotarmos uma atitude individualista e, portanto não-comprometida. 

Cuidar exclusivamente de si, e levar isso a extremos, constitui uma sociopatia, isto é, uma patologia social. 

Em geral, o individualista se diz um patriota, um nacionalista. 

Mas, como sabemos, essa posição tem sido utilizada com freqüência para justificar a apropriação, a xenofobia (aversão a pessoas e coisas estrangeiras), o fechamento e, portanto, a exclusão. 

Cuidar de si sem deixar de pensar nos outros e no mundo é a característica fundamental dos Obreiros da Arte Real. 

Eles não buscam o individualismo, e sim a individualidade. 

Em seu modo de entender, o nacionalismo xenófobo e excludente está afastado. 

Sua opção é a nacionalidade, isto é, o saber-se cidadão de um determinado país, mas também não deixar que essa condição impeça que eles se preocupem com a Terra inteira. 

Seu país é o lugar de nascimento, mas sua pátria é a Terra. 

No início destas considerações, quando mencionamos que o conceito de Maçonaria deveria ser aprofundado e ampliado, como o passo inicial para a sua inclusão em nossas vidas, era exatamente disso que falávamos: o Maçom é uma pessoa acolhedora, é aquele que cuida de si próprio e estende esse cuidado aos outros e ao mundo. 

Em conseqüência, torna-se claro que a Maçonaria não se limita às ações de beneficências. Ao contrário, seus princípios estão, de vários modos, incluídos em várias iniciativas importantes no plano mundial. 8 – 

CONCLUSÃO 

Tudo isso dito, podemos agora concluir que a essência da atividade Maçônica é a inclusão do outro. 

Todos os caminhos a ela conduzem e dela retomam. 

Mas o modo de encontrá-los e as maneiras de trilhá-los requerem energia e persistência, num grau que desafia a todos nós. 

As "sociedades totalmente administradas" resultaram em sociedades quase que totalmente mercantilizadas. 

No mundo atual, caminha-se para a divinização do "mercado", do dinheiro, do “vil metal”, que a tudo permeia e condiciona. 

Admitamos ou não, esses fatos fazem parte do nosso cotidiano. 

A Maçonaria trabalha justamente em meio a essa cultura. 

Nossa tarefa é questioná-la, analisá-la, transformá-la. O sucesso de nosso empenho constitui a diferença entre o desencanto e a esperança, não apenas a abstrata e poética, mas aquela à qual se somam a vontade e a ação. 


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REVISTA DE CIÊNCIA MAÇÔNICA 

LOJA MAÇÔNICA DE ESTUDOS E PESQUISAS RENASCENÇA Nº 1 

Luiz Carlos Silva

O autor é Ex-Venerável Mestre da Loja Maçônica de Estudos e Pesquisas Renascença n° 1. Ex-Venerável Mestre da Loja Simbólica Professor Leônidas Santiago n° 16. Grande Inspetor Geral da Ordem. PhD em Recursos Naturais. Ecofisiologista. O Buscador - Campina Grande- PB Brasil Ano I N° 1 pag. 25 – 42 jan/març 

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